Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 

Prevalência de sobrepeso e obesidade nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil (página 2)

Joel Alves Lamounier; Anna Luiza Gervásio da Fonseca Torga; Gisele Lemos Fe

 

A variável idade, calculada em meses, foi obtida pela diferença entre a data do exame antropométrico e a data de nascimento. Em seguida, as crianças e adolescentes foram agrupados em faixas etárias de uso corrente na literatura médica: lactente (0 a 1 anos), pré-escolar (2 a 6 anos), escolar (7 a 9 anos), adolescência precoce (10 a 14 anos), adolescência média (15 a 17 anos) e adolescência final (18 a 19 anos)(15).

Usando o teste z, equivalente do qui-quadrado,(16) a prevalência total de obesidade (sexo masculino e feminino juntos) da região Nordeste foi comparada com a da região Sudeste, em cada faixa etária, para verificar se a diferença era estatisticamente significante. Comparou-se também a prevalência total de obesidade (região Nordeste e Sudeste juntas) para verificar se existe diferença estatisticamente significante entre a prevalência do sexo masculino e a prevalência do sexo feminino. Foi considerado como nível de significância estatística o valor de p <0,05(16).

5. Resultados

A distribuição das crianças e adolescentes referente ao sexo foi de 50,4% masculino e 49,6% feminino. A média de idade foi de 122,9 meses (desvio-padrão de 68 meses), e a mediana de 126 meses. A amostra de crianças e adolescentes em cada idade (ano a ano), sexo e região geográfica foi praticamente a mesma.

A prevalência de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade foi menor na região Nordeste, e a prevalência de obesidade foi maior em crianças (Tabela1).

Analisando-se os dados das duas regiões conjuntamente, observa-se que prevalência de sobrepeso e obesidade foi maior no sexo feminino (Tabela 2).

A prevalência de obesidade foi maior na região Sudeste quando comparada à prevalência da região Nordeste, com diferença estatisticamente significante, nas faixas etárias de pré-escolar (p<0,01), escolar (p<0,01), adolescência precoce (p<0,01) e média (p<0,05). A prevalência de sobrepeso também foi maior na região Sudeste, com diferença estatisticamente significante entre os adolescentes (p<0,05) (Tabela 3).

Comparando-se a prevalência de obesidade no sexo masculino e feminino, no Brasil (regiões Nordeste e Sudeste juntas), encontramos maior prevalência no sexo feminino, com diferença estatisticamente significante somente entre os lactentes (p<0,01). Entre os escolares, o valor de p foi 0,07. A diferença de prevalência de obesidade e sobrepeso entre os adolescentes do sexo masculino e feminino não apresentou significância estatística (Tabela 4 e Figura 1).

6. Discussão

As recomendações da OMS de se usar o índice peso/altura na avaliação nutricional de crianças não encontra aceitação unânime, sendo que, desde a publicação de Must et al.(10,11), diversos autores apresentaram novas curvas de IMC, que já estão sendo usadas na avaliação nutricional de crianças e adolescentes(17). Devido a essa diversidade de critérios usados (valores de IMC diferentes), alguns autores consideram que uma estimativa internacional da prevalência e da tendência secular de obesidade pediátrica, bem como a comparação de estudos de prevalência, não sejam possíveis(18). Outro estudo mostrou que resultados de estudos de prevalência de sobrepeso e obesidade baseados nos valores propostos por Cole et al. e Must et al. podem ser comparados(19).

Dados brasileiros com relação à obesidade infantil são ainda limitados, e a ausência de unanimidade na definição de obesidade nesta faixa etária acarreta dificuldades na comparação das prevalências relatadas nos diversos estudos(12,20). Outro fato que limita a comparação é o de que a maior parte dos estudos nacionais são baseados em amostras de estudantes ou de ambulatórios médicos, portanto não representativas da população. Além disso, poucos analisaram conjuntamente crianças e adolescentes. Como a amostra do presente estudo é representativa da população das regiões Nordeste e Sudeste, e possui um tamanho amostral adequado, podemos extrapolar esses resultados para a população de crianças e adolescentes destas duas regiões geográficas do Brasil, e comparar com outros estudos nacionais.

A prevalência de obesidade na infância no presente estudo foi maior do que a descrita em outros estudos brasileiros. Na cidade de São Paulo, foi encontrada a prevalência de 3,8% de obesidade em 1.280 crianças entre zero e cinco anos de idade(21). Em Pelotas, a prevalência de obesidade em 1.564 crianças com 12 meses de idade foi três vezes menor (6,7%)(22). A prevalência na infância (0-10 anos) descrita em uma favela de Maceió (1,6%), foi cinco vezes menor(23). A prevalência de obesidade em adolescentes do presente estudo foi semelhante à prevalência descrita em Belo Horizonte (2,1%)(23), e menor que a prevalência de outros estudos brasileiros, que variou entre 5,2% e 11,2%(23-25).

A prevalência de sobrepeso entre adolescentes encontrada neste estudo foi semelhante a encontrada em outros estudos: em Pelotas (11,2%)(22), Belo Horizonte (5,7-6,3%)(24) e Rio de Janeiro (9,3-10,9%)(25). Um estudo conduzido em Curitiba mostrou prevalência menor (4,4%)(26).

Com relação ao sexo, alguns autores descrevem maior prevalência de sobrepeso e obesidade no sexo feminino, entre os adolescentes(26), mas o oposto também é descrito(12). No presente estudo, a obesidade foi mais prevalente no sexo feminino somente entre lactentes, enquanto que a prevalência de sobrepeso foi maior entre as adolescentes do sexo feminino.

A comparação com estudos internacionais também é dificultada pelo agrupamento de dados em diferentes faixas etárias e pelo uso de diferentes curvas de IMC. A prevalência no presente estudo foi menor que a descrita em estudos australianos e americanos(28,29).

Alguns autores descrevem que este início ocorre por volta dos 5-6 anos de idade, especialmente em meninas(29). Na Arábia Saudita, a maior prevalência de sobrepeso e obesidade foi descrita entre os seis e dez anos de idade(30). Na China, a maior prevalência de sobrepeso e obesidade entre adolescentes é relatada entre onze e doze anos(30). No presente estudo, a maior prevalência de obesidade foi encontrada em lactentes, com outro pico entre os pré-escolares e declínio progressivo desta idade em diante (Figura 1).

No presente estudo, a prevalência de obesidade na infância foi sempre maior que a prevalência na adolescência (Figura 1). Esta diferença poderia ser explicada pelo uso de índices antropométricos diferentes: peso/altura na infância, e IMC na adolescência.

Outra explicação pode ser as diferentes fases do ritmo de crescimento normal das crianças e dos adolescentes. A maior prevalência de obesidade em lactentes pode ser explicada pelo fato de ocorrer nesta fase a repleção, que ocorre principalmente entre zero e nove meses de idade, e um ritmo de crescimento mais lento. A repleção é caracterizada por um aumento proporcionalmente maior do peso do que da altura, com aumento do subcutâneo, refletindo um armazenamento de gordura. A repleção ocorre também no início da adolescência, e pode levar a queixas de genitália hipodesenvolvida pelo acúmulo de gordura na região imediatamente inferior ao púbis(31).

É descrito também que os pré-escolares apresentam duas fases distintas de crescimento: estirão, entre os dois e cinco anos, e crescimento lento, entre os cinco e sete anos de idade (observando o gráfico, identificamos que a prevalência de obesidade foi maior nesta segunda fase). Entre os escolares, até o início da adolescência, a prevalência de obesidade manteve-se praticamente estável. O comportamento da prevalência de obesidade condiz com a idade de início de estirão: 10 anos nas meninas, e 12 anos nos meninos(15).

Conclui-se que a prevalência de sobrepeso em adolescentes é maior no sexo feminino. A prevalência de obesidade é menor na região Nordeste entre crianças e adolescentes com idade entre 2-17 anos de idade. Na faixa etária de crianças abaixo de dois anos, e adolescentes acima de 18 anos, a diferença na prevalência da região Nordeste e Sudeste não foi estatisticamente significante. A comparação dos resultados deste estudo com os de outros é dificultada pela escassez de estudos populacionais nacionais, e pela diversidade de critérios utilizados.

7. Referências bibliográficas

1. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995.

2. Vischer TL, Seidell JC. The public health impact of obesity. Annu Rev Public Health 2001;22:355-75.

3. Eckersley RM. Losing the battle of the bulge: causes and consequences of increasing obesity. Med J Aust 2001;174:590-2.        [ Medline ]

4. Troiano RP, Flegal KM, Kukzmarski RJ, Campbell SM, Johnson CL. Overweight prevalence and trends for children and adolescents - The National and Nutrition Examination Surveys, 1963 to 1991. Arch Pediatr Adolesc Med 1995;149:1085-91.        [ Medline ]

5. Gortmaker SL, Dietz WH, Sobol AM, Wehler CA. Increasing pediatric obesity in the United States. AJDC 1987;141:535-40.

6. Mc Namara JJ, Malot MA, Stremple JF, Cutting RT. Coronary artery disease in combat casualties in Vietnam. JAMA 1971;216:1185-7.

7. Francischi RPP, Pereira LO, Freitas CS, Klopfer MM, Santos RC, Vieira P, et al. Obesidade: atualização sobre sua etiologia, morbidade e tratamento. Revista Nutrição 2000;13:17-28.

8. Story M, Evans M, Fabsitz RR, Clay TE, Rock BH, Broussard B. The epidemic of obesity in American Indian communities and the need for childhood obesity-prevention programs. Am J Clin Nutr 1999;69 Suppl 4:747-54.

9. Goulart EMA, Corrêa EJ, Leão E. Avaliação do crescimento. In: Leão E, Corrêa E, Viana MB, Mota JAC, editors. Pediatria Ambulatorial. 3rd ed. Belo Horizonte: Coopmed; 1998. p. 71-94.

10. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2) and triceps skinfold thickness. Am J Clin Nutr 1991;53:839-46.        [ Medline ]

11. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2) and triceps skinfold thickness - a correction. Am J Clin Nutr 1991;54:773.

12. Balaban G, Silva GAP. Prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes de uma escola da rede privada de Recife. J Pediatr (Rio J) 2001;77:96-100.        [ Lilacs ]        [ Adolec ]

13. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Pesquisa sobre Padrões de Vida 1996-1997. 2nd ed. Rio de Janeiro: IBGE; 1999.

14. Dean AG, Dean JA, Coloumbier D, Burton AH, Brendel KA, Smith DC. Epi Info, version 6.04: a word processing, database, and statistics program for public health on microcomputers. Centers for Disease Control and Prevention - World Health Organization; 1996.

15. Ferreira RA, Romanini MAV, Miranda SM, Beirão MMV. Adolescente: particularidades de seu atendimento. In: Leão E, Corrêa EJ, Viana MB, Mota JAC, editors. Pediatria Ambulatorial. 3rd ed. Belo Horizonte: Coopmed; 1998. p. 49-56.

16. Soares JF, Siqueira AL. Introdução à Estatística Médica. 1st ed. Belo Horizonte: Departamento de Estatística - UFMG; 1999.

17. Abrantes MM, Lamounier JA, Colosimo EA. Índice de massa corporal para identificar obesidade na infância e adolescência: indicações e controvérsias. Revista Médica de Minas Gerais. In press.

18. Guillaume M. Defining obesity in childhood: current practice. Am J Clin Nutr 1999;7(1):126S-30S.

19. Abrantes MM, Lamounier JA, Colosimo EA. IMC na obesidade: recomendações da OMS X tendências atuais. Anais do III World Congress of Pediatric Nutrition; 2001 jul 6-9; São Paulo, SP. São Paulo; 2001. p. 29-30.

20. Monteiro CA, Conde WL. Tendência secular da desnutrição e da obesidade na infância na cidade de São Paulo (1974-1996). Rev Saude Publica 2000;34 Suppl 6:8-12.

21. Post CL, Victora CG, Barros FC, Horta BL, Guimarães PRV. Desnutrição e obesidade infantis em duas coortes de base populacional no Sul do Brasil: tendências e diferenciais. Cad de Saude Publica 1996;12 Suppl 1:49-57.

22. Florêncio TMMT, Ferreira HS, França APT, Cavalcante JC, Sawaya AL. Obesity and undernutrition in a very-low-income population in the city of Maceió, northeastern Brazil. Br J Nutr 2001;86:277-83.        [ Medline ]

23. Ribeiro RQC, Oliveira RG, Colosimo EA, Bogutchi TF, Laomunier JA. Prevalência da obesidade em escolares adolescentes na cidade de Belo Horizonte. Resultados parciais do II Estudo Epidemiológico. Anais do Simpósio: Obesidade e anemia carencial na adolescência. Instituto Danone; 2000 jun 8-9; Salvador, BA. Salvador; 2000.p.237-38.

24. Castro IRR, Engstrom EM, Anjos LA, Azevedo AM, Silva CS. Perfil nutricional dos alunos da rede municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro. Anais do Simpósio: Obesidade e anemia carencial na adolescência. Instituto Danone; 2000 jun 8-9; Salvador, BA. Salvador; 2000. p. 231-32.

25. Von der Heyde MED, Amorim STSP, Lang RMF, Von der Heyde R. Perfil nutricional de adolescentes da cidade de Curitiba. Anais do Simpósio: Obesidade e anemia carencial na adolescência. Instituto Danone; 2000 jun 8-9; Salvador, BA. Salvador; 2000. p. 227.

26. Mokhtar N, Elati J, Chabib R, Bour A, Elkaki K, Schlossman NP, et al. Diet culture and obesity in northern Africa. J Nutr 2001;131: 887S-92S.        [ Medline ]

27. Al-Shammari SA, Khoja T, Gad A. Community-based study of obesity among children and adults in Ryadh, Saudi Arabia. Food and Nutriton Bulletin 2001;22:178-83.

28. Booth ML, Wake M, Armstrong T, Chey T, Hesketh K, Mathur S. The epidemiology of overweight and obesity among Australian children and adolescents, 1995-97. Aust N Z J Public Health 2001;25:162-9.        [ Medline ]

29. Hanley AJG, Harris SB, Gittelsohn J, Wolever TMS, Saksvig B, Zinman B. Overweight among children and adolescents in a Native Canadian community: prevalence and associated factors. Am J Clin Nutr 2000;71:693-700.        [ Medline ]

30. Chunning C. Fat intake and nutritional status of children in China. Am J Clin Nutr 2000;72:1368S-72S.

31. Longui CA. Crescimento normal. In: Monte O, Longui CA, Calliari LEP, editors. Endocrinologia para o pediatra. 2a. São Paulo: Atheneu; 1998. p.3-10.

Marcelo M. Abrantes1, Joel A. Lamounier2, Enrico A. Colosimo3 jalamo[arroba]medicina.ufmg.br

1 Marcelo M. Abrantes - Mestrando em Pediatria - Faculdade de Medicina da UFMG.

2 Joel A. Lamounier - Professor Adjunto, Dep. de Pediatria FM-UFMG.

3 Enrico A. Colosimo - Professor Adjunto, Dep. de Estatística UFMG.



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.