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A variável idade, calculada em meses, foi obtida pela diferença entre a data do exame antropométrico e a data de nascimento. Em seguida, as crianças e adolescentes foram agrupados em faixas etárias de uso corrente na literatura médica: lactente (0 a 1 anos), pré-escolar (2 a 6 anos), escolar (7 a 9 anos), adolescência precoce (10 a 14 anos), adolescência média (15 a 17 anos) e adolescência final (18 a 19 anos)(15).
Usando o teste z, equivalente do qui-quadrado,(16) a prevalência total de obesidade (sexo masculino e feminino juntos) da região Nordeste foi comparada com a da região Sudeste, em cada faixa etária, para verificar se a diferença era estatisticamente significante. Comparou-se também a prevalência total de obesidade (região Nordeste e Sudeste juntas) para verificar se existe diferença estatisticamente significante entre a prevalência do sexo masculino e a prevalência do sexo feminino. Foi considerado como nível de significância estatística o valor de p <0,05(16).
A distribuição das crianças e adolescentes referente ao sexo foi de 50,4% masculino e 49,6% feminino. A média de idade foi de 122,9 meses (desvio-padrão de 68 meses), e a mediana de 126 meses. A amostra de crianças e adolescentes em cada idade (ano a ano), sexo e região geográfica foi praticamente a mesma.
A prevalência de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade foi menor na região Nordeste, e a prevalência de obesidade foi maior em crianças (Tabela1).
Analisando-se os dados das duas regiões conjuntamente, observa-se que prevalência de sobrepeso e obesidade foi maior no sexo feminino (Tabela 2).
A prevalência de obesidade foi maior na região Sudeste quando comparada à prevalência da região Nordeste, com diferença estatisticamente significante, nas faixas etárias de pré-escolar (p<0,01), escolar (p<0,01), adolescência precoce (p<0,01) e média (p<0,05). A prevalência de sobrepeso também foi maior na região Sudeste, com diferença estatisticamente significante entre os adolescentes (p<0,05) (Tabela 3).
Comparando-se a prevalência de obesidade no sexo masculino e feminino, no Brasil (regiões Nordeste e Sudeste juntas), encontramos maior prevalência no sexo feminino, com diferença estatisticamente significante somente entre os lactentes (p<0,01). Entre os escolares, o valor de p foi 0,07. A diferença de prevalência de obesidade e sobrepeso entre os adolescentes do sexo masculino e feminino não apresentou significância estatística (Tabela 4 e Figura 1).
As recomendações da OMS de se usar o índice peso/altura na avaliação nutricional de crianças não encontra aceitação unânime, sendo que, desde a publicação de Must et al.(10,11), diversos autores apresentaram novas curvas de IMC, que já estão sendo usadas na avaliação nutricional de crianças e adolescentes(17). Devido a essa diversidade de critérios usados (valores de IMC diferentes), alguns autores consideram que uma estimativa internacional da prevalência e da tendência secular de obesidade pediátrica, bem como a comparação de estudos de prevalência, não sejam possíveis(18). Outro estudo mostrou que resultados de estudos de prevalência de sobrepeso e obesidade baseados nos valores propostos por Cole et al. e Must et al. podem ser comparados(19).
Dados brasileiros com relação à obesidade infantil são ainda limitados, e a ausência de unanimidade na definição de obesidade nesta faixa etária acarreta dificuldades na comparação das prevalências relatadas nos diversos estudos(12,20). Outro fato que limita a comparação é o de que a maior parte dos estudos nacionais são baseados em amostras de estudantes ou de ambulatórios médicos, portanto não representativas da população. Além disso, poucos analisaram conjuntamente crianças e adolescentes. Como a amostra do presente estudo é representativa da população das regiões Nordeste e Sudeste, e possui um tamanho amostral adequado, podemos extrapolar esses resultados para a população de crianças e adolescentes destas duas regiões geográficas do Brasil, e comparar com outros estudos nacionais.
A prevalência de obesidade na infância no presente estudo foi maior do que a descrita em outros estudos brasileiros. Na cidade de São Paulo, foi encontrada a prevalência de 3,8% de obesidade em 1.280 crianças entre zero e cinco anos de idade(21). Em Pelotas, a prevalência de obesidade em 1.564 crianças com 12 meses de idade foi três vezes menor (6,7%)(22). A prevalência na infância (0-10 anos) descrita em uma favela de Maceió (1,6%), foi cinco vezes menor(23). A prevalência de obesidade em adolescentes do presente estudo foi semelhante à prevalência descrita em Belo Horizonte (2,1%)(23), e menor que a prevalência de outros estudos brasileiros, que variou entre 5,2% e 11,2%(23-25).
A prevalência de sobrepeso entre adolescentes encontrada neste estudo foi semelhante a encontrada em outros estudos: em Pelotas (11,2%)(22), Belo Horizonte (5,7-6,3%)(24) e Rio de Janeiro (9,3-10,9%)(25). Um estudo conduzido em Curitiba mostrou prevalência menor (4,4%)(26).
Com relação ao sexo, alguns autores descrevem maior prevalência de sobrepeso e obesidade no sexo feminino, entre os adolescentes(26), mas o oposto também é descrito(12). No presente estudo, a obesidade foi mais prevalente no sexo feminino somente entre lactentes, enquanto que a prevalência de sobrepeso foi maior entre as adolescentes do sexo feminino.
A comparação com estudos internacionais também é dificultada pelo agrupamento de dados em diferentes faixas etárias e pelo uso de diferentes curvas de IMC. A prevalência no presente estudo foi menor que a descrita em estudos australianos e americanos(28,29).
Alguns autores descrevem que este início ocorre por volta dos 5-6 anos de idade, especialmente em meninas(29). Na Arábia Saudita, a maior prevalência de sobrepeso e obesidade foi descrita entre os seis e dez anos de idade(30). Na China, a maior prevalência de sobrepeso e obesidade entre adolescentes é relatada entre onze e doze anos(30). No presente estudo, a maior prevalência de obesidade foi encontrada em lactentes, com outro pico entre os pré-escolares e declínio progressivo desta idade em diante (Figura 1).
No presente estudo, a prevalência de obesidade na infância foi sempre maior que a prevalência na adolescência (Figura 1). Esta diferença poderia ser explicada pelo uso de índices antropométricos diferentes: peso/altura na infância, e IMC na adolescência.
Outra explicação pode ser as diferentes fases do ritmo de crescimento normal das crianças e dos adolescentes. A maior prevalência de obesidade em lactentes pode ser explicada pelo fato de ocorrer nesta fase a repleção, que ocorre principalmente entre zero e nove meses de idade, e um ritmo de crescimento mais lento. A repleção é caracterizada por um aumento proporcionalmente maior do peso do que da altura, com aumento do subcutâneo, refletindo um armazenamento de gordura. A repleção ocorre também no início da adolescência, e pode levar a queixas de genitália hipodesenvolvida pelo acúmulo de gordura na região imediatamente inferior ao púbis(31).
É descrito também que os pré-escolares apresentam duas fases distintas de crescimento: estirão, entre os dois e cinco anos, e crescimento lento, entre os cinco e sete anos de idade (observando o gráfico, identificamos que a prevalência de obesidade foi maior nesta segunda fase). Entre os escolares, até o início da adolescência, a prevalência de obesidade manteve-se praticamente estável. O comportamento da prevalência de obesidade condiz com a idade de início de estirão: 10 anos nas meninas, e 12 anos nos meninos(15).
Conclui-se que a prevalência de sobrepeso em adolescentes é maior no sexo feminino. A prevalência de obesidade é menor na região Nordeste entre crianças e adolescentes com idade entre 2-17 anos de idade. Na faixa etária de crianças abaixo de dois anos, e adolescentes acima de 18 anos, a diferença na prevalência da região Nordeste e Sudeste não foi estatisticamente significante. A comparação dos resultados deste estudo com os de outros é dificultada pela escassez de estudos populacionais nacionais, e pela diversidade de critérios utilizados.
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Marcelo M. Abrantes1, Joel A. Lamounier2, Enrico A. Colosimo3 jalamo[arroba]medicina.ufmg.br
1 Marcelo M. Abrantes - Mestrando em Pediatria - Faculdade de Medicina da UFMG.
2 Joel A. Lamounier - Professor Adjunto, Dep. de Pediatria FM-UFMG.
3 Enrico A. Colosimo - Professor Adjunto, Dep. de Estatística UFMG.
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