O artigo objetiva efetuar uma discussão teórica sobre as dificuldades e possibilidades de articulação entre epidemiologia e ciências sociais no campo da saúde pública. As autoras, através de método reflexivo, problematizam e propõem caminhos de possibilidades ante a principal indagação do texto que é como têm sido apropriados os conceitos e categorias de uma disciplina pela outra. Apresentam como essencial para a articulação a disposição dos pesquisadores de dialogarem; o exercício teórico disciplinar tanto quanto o diálogo entre elas; a compreensão das lógicas disciplinares que dão sentido aos conceitos. Finalizam, discutindo os limites e avanços na apropriação da interdisciplinaridade, a partir de exemplos de algumas áreas, especialmente de pesquisas sobre violência e saúde.
Palavras-chave: Epidemiologia, Ciências sociais, Interdisciplinaridade
This article aims to establish a theoretical discussion about difficulties and possibilities of articulations between epidemiology and social science in public health. The authors, through reflexive method, consider ways of possibilities for one main question: how had been appropriated concepts and categories from one discipline to the other? They present as essential for the articulation the will of the researchers to dialogue; the theoretical disciplinary exercise as such as dialogue between them; the understanding of the disciplinary logics that give sense to the concepts. They finish, exemplifying the limits and advances in the appropriation of the interdisciplinarity, from results of some research, mainly on violence and health.
Key words: Epidemiology, Social sciences, Interdisciplinarity
Neste artigo propomos introduzir a necessária discussão das relações entre epidemiologia e ciências sociais na composição do campo da saúde pública. Fizemos muitas leituras sobre o assunto, o que pode ser constatado pela vasta bibliografia aqui citada. No entanto, a maioria dos textos fala mais a partir de um lado: a dificuldade dos epidemiologistas em se apropriarem corretamente das categorias e conceitos das ciências sociais. E pouco se referem ao distanciamento desses últimos dos referenciais da saúde. Ainda que na forma de tentativa, pretendemos abordar os dois lados. Nós, as autoras deste texto, no cotidiano dos processos de pesquisa, vimos tentando fazer um trabalho real de articulação entre esses campos de conhecimento, e temos experimentado, na prática, a fertilidade dessa tentativa e as dificuldades para conseguir um resultado transdisciplinar. Com base em Habermas (1987), entendemos que o segredo desse desafio está exatamente no fato de se discutir e aprofundar conceitos aparentemente semelhantes de várias disciplinas diferentes, referindo-se aos mesmos objetos. A partir da experiência, não consideramos possível tratar in totum a aproximação de duas disciplinas, mas nos parece exeqüível trabalhar com problemas conceituais que permitam discussões sobre temas concretos. Acrescentamos ainda que essa articulação não é natural, não se produz pelo senso comum e necessita ser problematizada.
Nos trabalhos que o Claves vem produzindo (Assis, 1999; Assis & Constantino, 2001; Minayo et al., 2000; Minayo, 2000; Souza & Minayo, 2001; Deslandes e Assis, 2002) geralmente nossa atenção teórica tem sido dirigida para as necessidades de Triangulação de Métodos (Minayo & Cruz Neto, 1999). Aliás, essa tendência não é incomum, pois numa revisão bibliográfica sobre textos mais recentes, descobrimos que assim trabalham ou discutem vários autores. É o caso, por exemplo, de Czeresnia e colaboradores (2000) que elaboraram um debate sobre o tema na revista História, Ciência e Saúde em que ressaltam a importância da relação complementar entre epidemiologia e antropologia tendo em vista a integração metodológica das pesquisas em saúde. Também tratam o assunto do ponto de vista instrumental, chamando a atenção para as possibilidades e potencialidades do uso de abordagens epidemiológicas e antropológicas rápidas, na avaliação de programas e serviços. Igualmente relembram atividades de campo, de cunho epidemiológico em que se utilizaram de abordagens empáticas de aproximação, próprias da antropologia, como de muita utilidade para a compreensão de problemas de saúde. Nesse debate apenas uma vez é mencionada a necessidade de aprofundamento de questões conceituais.
Duas perguntas poderiam dirigir nossa reflexão. A primeira seria: como vêm sendo apropriadas categorias das ciências sociais pela epidemiologia, disciplina que historicamente tem ocupado posição dominante na área da saúde coletiva? Por outro lado, como vêm sendo incorporadas as categorias da área de epidemiologia pelas ciências sociais? Para, a seguir, problematizar e propor caminhos de possibilidade de articulação. É sobre essas indagações que pretendemos discorrer no presente artigo.
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