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d – Posição do capital financeiro – Nesse processo, o capital financeiro adquiriu autonomia e é, hoje, o elo que une, como se fosse corrente a aprisionar os países nos espaços-reserva e os produtores de segunda geração, os países com disponibilidade de capital e os que dele necessitam. A necessidade milita contra a autonomia dos Estados subordinados e, desde que o capital indispensável ao progresso dos países nos Espaços-reserva ou os produtores de segunda geração seja obtido em instituições financeiras transnacionais – não organizações internacionais como o FMI –, permite que estas imponham suas normas, inclusive fazendo apelo ao Fundo Monetário Internacional. Criou-se, assim, um novo padrão de governabilidade internacional, aumentando a subordinação e a interdependência.

Quando os capitais necessários são obtidos pela absorção dos empréstimos por pessoas físicas ou jurídicas sem qualquer vinculação com as instituições financeiras transnacionais, diminui o grau de subordinação e aumenta o de autonomia dos Estados que emitem bônus e os lançam no mercado internacional. É o caso atual da Argentina, cuja dívida se encontra concentrada na mão de particulares e não das grandes instituições financeiras transnacionais. Os novos padrões de governabilidade, a nova governança, espelha-se claramente na Organização Mundial do Comércio.

e – Os aspectos sociais da mudança de padrão de acumulação – As novas tecnologias de planejamento empresarial, produção, gerenciamento e financiamento têm como conseqüência um aumento da produtividade por empregado, que determina, inexoravelmente, uma menor necessidade de mão-de-obra, com o desemprego conseqüente. O desemprego, fato econômico e social ao mesmo tempo, registra-se com maior intensidade nos países integrantes dos espaços produtores de segunda geração, nos quais a mudança nos processos produtivos se faz sentir com maior vigor. A necessidade de sustentar a concorrência obriga a um salto qualitativo no processo produtivo. Nem sempre o desemprego atinge, nos países produtores de segunda geração, apenas os trabalhadores com educação menos qualificada. Pelo contrário, em muitos setores produtivos, a evolução tecnológica exige trabalhadores com qualificação média, apenas. Nesses setores, o desemprego atinge por igual os menos e os mais qualificados, os postos de trabalho sendo preenchidos por trabalhadores de média qualificação, capazes de entender e obedecer aos comandos dos softwares.

f – Autonomia possível nesse novo mundo – A autonomia possível dos Estados produtores de segunda geração é função da capacidade de poupança dos seus governos, das empresas que partilham dos princípios que orientam suas políticas gerais e da capacidade de poupança familiar, essa última dependente do nível médio de renda da população. Repousa, em segundo lugar, sobre a diminuição de sua dependência no balanço de contas correntes com o Exterior.

A possibilidade teórica de conseguir-se uma relativa autonomia nesse mundo em revolução permanente – e de desenvolvimento desigual! – reside na possibilidade de os Estados que se proponham a conquistar um maior grau de autonomia tenham Espaços-reserva para onde se voltar. Neste processo, não se deve esquecer que esses Estados que aspiram à autonomia são produtores de segunda geração e que sua Economia e suas Finanças não são totalmente nacionais. Ao avançar sobre os Espaços-reserva, acumulam internamente, mas também permitem que se realize o processo global de acumulação, dada a transnacionalização de grandes ramos de sua economia, dependentes (quando não de propriedade) de empresas ou governos estrangeiros a esses Estados produtores de segunda geração.

A maior autonomia conduziria em última instância, a que esses Estados assumissem, da perspectiva estritamente econômica – e insisto no estritamente econômica –, uma posição de subordinação caracterizada nas décadas de 1970/80 como sendo "sub-imperialista".

A política externa do governo Lula

É de Napoleão a frase: os Estados fazem a política (ou seriam as guerras ?) de sua geografia. A ser verdade a assertiva, podemos dizer que a análise da política externa de um Estado, qualquer que seja, deve ser feita a partir de sua geografia. Mais especificamente, do entender como a posição de um Estado no mapa mundi – não desconhecendo a posição dos demais – condiciona sua política externa. A análise da política externa brasileira, em grande medida, tem desconsiderado a realidade do Espaço, tendo sido vista, na maioria das vezes, da perspectiva ideológica da inserção do País no conflito mundial (entendendo-se por conflito uma relação que vai da intenção hostil à guerra declarada) ou daquela outra, a de relacionar estreitamente a política externa com os processos políticos internos e os programas governamentais para fazer que o País pudesse sair de uma situação de menor desenvolvimento relativo. Quando não é tratada tão apenas da perspectiva da inserção do Brasil no contexto econômico da globalização.

O condicionamento geográfico tem sido sacrificado ao alinhamento ideológico: para uns, em certa fase, durante o governo Castelo Branco, esse alinhamento foi "automático" com os Estados Unidos; para outros, em outras fases, a política externa brasileira era dependente da política externa da União Soviética ou se alinhava aos "neutros",o que implicaria um "des-alinhamento" dos Estados Unidos.

A geografia condiciona, não determina. Decorre daí que em boa medida a posição geográfica não deve ser vista como dado, tomada, por assim dizer, em si, mas como realidade trabalhada pelo homem. Esse trabalho que altera em alguns graus a rota que se poderia traçar para a política externa a partir da consideração apenas da geografia enquanto dado bruto pode ser uma decisão referente ao Espaço em apreço ou então uma descoberta que altere a tecnologia militar, reduzindo a influência determinante da posição geográfica. Construído o canal do Panamá, sua defesa passou a ser essencial para a segurança do território norte-americano. O promontório do Nordeste foi importante nos esquemas de defesa norte-americanos enquanto a tecnologia militar exigia que o controle do Atlântico Sul fosse feito a partir de bases militares instaladas na região, e a autonomia dos aviões militares e civis fazia dele uma escala de grande importância na ligação do Hemisfério Sul com a África e dali com a Europa, ou da Europa com os Estados Unidos, via África e Nordeste-Norte brasileiro. Os progressos da aviônica e a introdução do submarino nuclear e dos foguetes intercontinentais na panóplia das grandes potências fizeram que aquela região do Brasil perdesse boa parte de sua importância estratégica, retirando com isso a possibilidade de, na política externa, o governo do Rio de Janeiro, depois de Brasília ter uma carta geoestratégica a jogar nas suas relações com os Estados Unidos.

Há uma consideração geopolítica por detrás da política externa do governo Lula da Silva. Digo consideração geopolítica porque o discurso oficial, fazendo sempre referências geográficas, indica que a Geopolítica, de alguma maneira, está presente no equacionamento da política externa. No discurso oficial, que se tem? Ora é a referência a que a política externa está orientada a mudar a geopolítica do comércio mundial, fazendo que seja mais importante entre os países situados no Hemisfério Sul; ora é a ação indicativa de que se busca conquistar espaços na África subsaariana ou então nos países da Comunidade de Língua Portuguesa; ora – e nisso reside para o grande público o schwerpunkt, o centro de gravidade da operação política –, dá como foco privilegiado da ação a América do Sul e, já agora com a visita do nosso presidente a São Domingos, a América Latina.

Cabe ver que para usum delphini, não é apenas a visão geopolítica que conforma a política externa. Há, e pretende-se que assim ela seja vista, uma visão autonomista – e diria, autonomia a todo custo, como a offensive à outrance dos generais franceses na Primeira Guerra Mundial. Quando digo visão autonomista a todo custo, tenho em vista as considerações que fiz na primeira parte e o fato de que ainda não se lançaram as bases para a consecução de um objetivo fundamental para isso, que é a superação – dialética se quiserem – da dependência externa. As vitórias pontuais na Organização Mundial do Comércio (açúcar e algodão) podem, em médio prazo, auxiliar o desempenho da balança comercial desde que – atenção! – os países que foram vencidos se sujeitem às normas consagradas nos julgamentos e que a produtividade dos que trabalham com produtos que fazem concorrência aos brasileiros não ultrapasse a brasileira (os preços correm por conta do mercado internacional, controlado por grandes tradings). Ademais, para que essa autonomia seja conseguida com base, sobretudo, no comércio exterior será preciso que a participação brasileira no comércio mundial supere o 1% do comércio mundial.

O peso específico do Brasil, dado por território e população (já que a posição geoestratégica deixou de ter a importância que teve nos anos 1940) tem servido para fundamentar posições do Itamaraty desde a primeira gestão Celso Amorim, quando se lançaram pela primeira vez as idéias de ingresso do Brasil no Conselho de Segurança da ONU (depois apoiada e em seguida deixada de lado pela chancelaria e depois governos Fernando Henrique Cardoso) e de desatenção a uma abstração chamada América Latina e concentração na realidade América do Sul.

Apesar de o discurso oficial vir a negar que a Geopolítica inspira as ações da política externa, ela não deixa de apoiar-se no Espaço, ainda que dele se tenha uma visão distorcida pelo voluntarismo que marca a tendência à autonomia à outrance.

a – Da liderança ao assistencialismo – O governo Lula da Silva começou com a afirmação de que o Brasil era líder na América do Sul há 500 anos e que essa condição, não se sabe bem por que razões, não fora devidamente reconhecida até então – e deveria sê-lo no futuro. Sem dúvida, a afirmação, repetidas várias vezes, baseava-se exclusivamente na consideração do peso específico, no desconhecimento das relações do Brasil com os países sul-americanos e na vontade de ser líder.

Baseado no desconhecimento da história e na vontade de ser líder, inclusive contra os Estados Unidos, o governo Lula da Silva lançou-se numa desabrida defesa do governo Chávez, sendo levado a um recuo tático diante da posição assumida pelos Estados Unidos e outros países. Hoje, a defesa do governo Chávez é feita pelo PT e o presidente Lula aconselha seu colega venezuelano a ser humilde e a administrar a vitória, vale dizer, o aconselha a compor-se com a parte da oposição que deseja pôr termo ao confronto aberto.

A busca da liderança foi paulatinamente sendo substituída por uma postura assistencialista – ou seria paternalista, do Grande Irmão que vem em socorro dos infelizes? O BNDES passou a servir de cabeça-de-praia para a grande ofensiva durante a qual o discurso da liderança foi substituído pelo da integração com concessões. Os que assistiram à palestra do professor Marco Aurélio Garcia, no Tucarena, durante a Semana de Relações Internacionais, devem se recordar de que admitiu que o Brasil por ter feito concessões ao Peru para que este decidisse ligar-se, como membro associado, ao Mercosul, viu-se obrigado a fazê-las ao Uruguai para que o Governo de Montevidéu assinasse o acordo. O BNDES assumiu, nesses dois anos de governo, as funções do Eximbank norte-americano (apenas que em sentido contrário, dispondo-se a financiar exportações de bens de terceiros países) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento no financiamento de projetos nos países vizinhos. Jacta-se de ter capital maior do que o BID. Apesar do desemprego, o FAT parece inesgotável como fonte de suprimento de recursos.

b – Do assistencialismo à integração – No terreno das concessões, o atual litígio com a Argentina, a "guerra das geladeiras", se por um lado demonstra que o governo não está disposto a assumir uma posição dura, por outro permitiu que se vislumbrasse qual o real objetivo da política externa. A política de contemporização com os governos argentinos não é deste governo, apenas. Já na chancelaria Fernando Henrique Cardoso, quando o presidente Menem estabeleceu uma taxa de estatística de 7% ad valorem sobre todas as importações do país, inclusive as provenientes do Brasil, o governo Itamar Franco concordou com que era necessária... O açúcar brasileiro não goza dos benefícios da associação; sobre o calçado e o frango paira sempre a espada de Dámocles das tarifas ou das quotas. As comunicações comerciais com o Chile, via Argentina, sofreram a imposição de medidas determinando que o transporte de carga se fizesse por uma rota que aumentou em mais de 1.500 km o trajeto a ser percorrido pelos caminhões brasileiros. A tudo isso, o governo responde com espanto, entregando aos empresários a tarefa de chegar a um acordo em que cedem os dedos para que o governo argentino não lhes corte a mão.

Para tudo isso deve haver uma explicação, que não pode ser complexa. Não pode ser complexa porque os fatos que estão a exigi-la são simples. Talvez o começo de explicação se encontre nas declarações do ministro Celso Amorim, respondendo aos que estranhavam a posição do governo na "guerra das geladeiras": Querem que o Brasil seja manso com a União Européia e duro com a Argentina. Essa explicação entra na linha geral das concessões deixada clara pelo Assessor presidencial para Relações Internacionais aqui na PUC. O real sentido de todas essas volta-atrás (desde o governo Itamar Franco, diga-se a bem da verdade) desvenda-se no depoimento do chanceler brasileiro a uma comissão do Senado: porque reclamar de um aumento de 5% na tarifa sobre as geladeiras e não cuidar de fazer uma geladeira do Mercosul? Em outras palavras, por que não abandonar a disputa pela conquista de mercado para empresas brasileiras (isto é, subsidiárias de estrangeiras mas que dão emprego a brasileiros) e concentrar-se na integração das cadeias produtivas, com as conseqüências sociais e os ganhos econômicos daí decorrentes? Por que não fazer do Brasil, de fato e de direito, o país integrante do Espaço produtor de segunda geração mais capacitado da região, permitindo que acumule Capital e se desenvolva à custa dos tecnologicamente mais atrasados, países integrantes dos Espaços-reserva? Ilustre pensador do século XIX escreveu essas linhas candentes sobre a globalização: "A burguesia, pela exploração do mercado mundial, tornou cosmopolitas a produção e o consumo de todos os países (...) e fez que as industrias perdessem sua base nacional".

O Espaço (Posição Trabalho) dos parceiros do Mercosul restrito não permite que se dê logo esse grande passo integrador; daí o esforço de associação com a Bolívia, o Chile, o Peru, a Venezuela, o países do bloco andino, o México e agora os países da América Central e do Caribe. Daí o empenho na integração física da América do Sul, vindo do governo Fernando Henrique Cardoso, necessária à integração global do Capital.

c – O alcance político da integração – O grande empenho em associar o Mercosul a todas as negociações multilaterais e em transformar as bilaterais em multilaterais (o outro e o Mercosul) atende a sábios e astutos desígnios políticos. No mundo, o peso específico do Brasil, eliminada a carta estratégica do promontório do Nordeste e assinado o Tratado de Não Proliferação Nuclear, é correspondente a pouco mais do que a participação do país no comércio internacional. Nas Américas, no entanto, o peso específico do Brasil é proporcional a sua extensão territorial e a seu PIB. Daí, mesmo que a presidência dessa estranha associação mercantil-política seja exercida por terceiros países, nada se poder fazer sem a anuência do Brasil – que, exceto no que diz respeito à Argentina, tem condições de influenciar os demais países, acenando-lhes com os benefícios do BNDES. Da mesma maneira deve interpretar-se a aproximação com a África subsaariana e com a África lusófona.

Apenas quando a integração física e a econômica tiverem dado grandes passos e os avanços tecnológicos de fato colocarem o Brasil, por esforço próprio ou associado a terceiros, à frente de fato dos países associados é que se poderá falar numa eventual exploração da idéia da transferência do foco comercial do Brasil do Hemisfério Norte para o Sul. A retórica das alianças estratégicas para chegar a essa transferência, que poderia causar danos aos Estados Unidos, não resiste a uma medida do governo chinês vetando a entrada da soja brasileira.

O objetivo final de toda a manobra que se retrata na política externa do governo Luis Inácio Lula da Silva não é a independência do exterior via balanço de contas correntes. É, seguindo a máxima de alguém que entendia de revoluções mais do que qualquer um dos nossos governantes, Lev Davidovitch, assegurar-se do poder, nem que para isso seja necessário respeitar as leis da economia mundial. O FMI não faz essas leis. Às suas exigências, o Governo brasileiro se submete enquanto não consegue obter o aval do Governo norte-americano – que tem uma política de Estado, qualquer que seja a conjuntura mundial – para ser de fato o país que vai transformar os Espaços-reserva ao seu redor ou na fronteira mais longínqua em Espaços produtores de segunda geração. As leis da economia mundial estão presentes na reprodução do Capital e na sua expansão constante.

De nossa perspectiva, o risco que se corre com essa política é sacrificar o Estado brasileiro a essas leis, ainda que aparentando resguardá-lo e dar-lhe condição de liderança nas Américas. Mas isto é outra história.

Oliveiros S. Ferreira
oliveiros[arroba]oliveiros.com.br



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