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Observância da orientação médica pelo usuário de lentes de contato (página 2)

Edméa Rita Temporini

 

4. Métodos

Realizou-se uma pesquisa entre usuários de lentes de contato, que exerciam atividades profissionais no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia. Realizaram-se entrevistas individuais por meio de um questionário estruturado, utilizando-se amostra não-probabilística formada por sujeitos que consentiram em tomar parte no estudo. Todos os departamentos do hospital foram visitados pelos entrevistadores e todas as pessoas, que se revelaram usuárias de lentes de contato, foram entrevistadas. Não houve recusas. Como critérios de inclusão foram considerados: o uso de lentes de contato, o exercício de atividade profissional no Hospital das Clínicas e a disponibilidade para responder ao questionário. A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás e um termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado por cada entrevistado.

As variáveis idade, sexo e atividade profissional foram utilizadas para caracterizar a população que tomou parte no estudo. A adesão dos usuários à orientação médica foi estudada considerando o recebimento de orientação, a auto-avaliação quanto à qualificação como usuário de lentes de contato, as razões de não se considerar bom usuário e os produtos utilizados na limpeza e desinfecção das lentes.

O questionário continha 8 questões (Anexo 1), baseadas nas recomendações da Sociedade Brasileira de Lentes de Contato e Córnea (SOBLEC)(11) relacionadas à manutenção das lentes de contato, bem como no estudo das características da população.

Neste estudo, 201 usuários de lentes de contato foram entrevistados de junho a dezembro de 1999 por seis estudantes de medicina e uma auxiliar de oftalmologista, previamente preparados para esta função.

Os dados foram processados pelo programa ACCESS, gerenciador de banco de dados do Microsoft Office 97 (Microsoft Corporation, Redmond, Washington, USA).

5. Resultados

A idade dos entrevistados variou de 17 a 52 anos. Dos 201 entrevistados, 185 (92,1%) pertenciam ao grupo etário de 17 a 29 anos, com média de idade de 23,5 anos e 139 (69,2%) eram mulheres (Tabela 1). A maioria, 171 (85,1%), relatou atuar no hospital na área de medicina.

A tabela 2 mostra que 172 (85,6%) entrevistados recebiam orientação sobre o uso de lentes de contato.

Dos entrevistados, 109 (54,2%) não se consideraram bons usuários (Tabela 3). As razões mais mencionadas foram limpeza inadequada das lentes e do estojo (44,3%) e inobservância da orientação médica (15,1%) (Tabela 4).

Considerando os produtos utilizados, 144 (71,6%) entrevistados relataram usar soro fisiológico na limpeza das lentes de contato (Tabela 5). Quanto à desinfecção, 76 (37,8%) sujeitos informaram utilizar soro fisiológico (Tabela 5). Cinco por cento deles afirmaram usar água e sabão líquido ou água de torneira para limpeza, o mesmo acontecendo em relação à desinfecção (Tabela 5).

6. Discussão

As lentes de contato têm-se tornado cada vez mais importantes como recurso de correção óptica. Elas corrigem muitos defeitos de refração em lugar dos óculos e freqüentemente proporcionam visão de melhor qualidade em casos de ceratocone avançado, pós-transplante de córnea, pós-cirurgia refrativa, opacidade de córnea e anisometropias. Além de corrigirem erros refrativos, melhoram a estética de olhos desfigurados e estão indicadas para o tratamento de numerosas doenças da córnea e da conjuntiva. Apesar da grande evolução dos materiais e desenhos das lentes de contato, o sucesso da adaptação, é muitas vezes, comprometido pela ocorrência de complicações. O comportamento inadequado de usuários em relação a cuidados de limpeza, desinfecção, remoção de proteínas, utilização de soluções guardadas por tempo excessivo, higiene das mãos e do estojo das lentes, uso por períodos mais longos do que o recomendado e falta de controle médico regular têm sido apontados como causas de complicações e de insucesso(12). Entre as complicações de lentes de contato, 80% podem estar relacionadas com a pouca observância às recomendações sobre uso e cuidados de manutenção(13). A percepção do próprio comportamento por parte do usuário é fundamental para minimizar ou prevenir complicações(13). Portanto, a educação do usuário é de primordial importância. A conscientização do usuário quanto à necessidade de seguir as recomendações médicas pode reduzir a ocorrência e a gravidade das complicações(14).

As idades dos pacientes estudados (Tabela 1) correspondem àquelas de pesquisa realizada também num hospital universitário, em que foi encontrada uma média de idade de 23,2 anos(15) e diferem, ligeiramente, dos resultados obtidos em outro estudo, cuja casuística constituída de pacientes oriundos de diferentes serviços de saúde, apresentava uma média de idade de 31 anos(13). A predominância de jovens na presente pesquisa deve-se talvez ao fato de ela ter sido realizada num hospital universitário, que agrupa grande número de estudantes. Por outro lado, a maioria dos usuários de lentes de contato têm menos de 40 anos. O advento relativamente recente das lentes de contato e o fato de que somente há poucos anos começaram a surgir lentes mais eficientes para a correção da presbiopia contribuem para o predomínio de entrevistados mais jovens.

Medicina foi a atividade profissional exercida no hospital relatada por 85,1% dos entrevistados, o que é devido ao fato de tratar-se de um hospital ligado a uma faculdade de medicina e os usuários médicos e estudantes de medicina terem sido incluídos na mesma categoria da variável "atividade profissional".

Optou-se por utilizar, como amostra, um grupo populacional ligado à área de saúde, devido ao fato deste estar, supostamente, melhor preparado e mais consciente da importância da prevenção de complicações e preservação da saúde ocular. Tratam-se de pessoas mais cooperativas, familiarizadas com atividades que visam melhorar as condições de saúde da população e com capacidade de dar respostas corretas; embora não represente a média da população, este é um grupo formador de opinião, cujo comportamento pode influenciar o dos demais usuários de lentes de contato. O estudo do conhecimento e da conduta desse grupo pode fornecer subsídios para o planejamento de ações de saúde, que visem melhorar a educação dos usuários e a observância das recomendações médicas.

A importância da orientação do usuário em todas as consultas foi demonstrada num trabalho realizado em 1993. Os autores, pesquisando a adesão relacionada aos cuidados das lentes, constataram que 22% dos usuários não lavavam as mãos antes do seu manuseio e que o reforço das instruções em visitas subseqüentes resultou em sensível melhora de conduta(16). O processo de orientação ao paciente deve tomar o tempo necessário até o seu total entendimento, podendo ocupar até um terço do tempo da adaptação, sendo a auxiliar de oftalmologista muito útil nesta fase da adaptação(17).

O consultório médico e oftalmológico, em particular, deve ser fonte de educação para o paciente. A exemplo do que deve ocorrer com o portador de glaucoma, diabetes e olho seco, o usuário de lentes de contato precisa em cada consulta ser inquirido sobre seu comportamento em relação às lentes e ser sempre lembrado da conduta a ser seguida. O simples fato de dar algum tipo de orientação não assegura a perfeita compreensão do usuário de lentes de contato. Este estudo sugere que a orientação não foi suficiente para assegurar a observância das recomendações e a prevenção das complicações. A compreensão pode ser influenciada pela clareza ou complexidade das informações, pela relação do médico e da auxiliar de consultório com o paciente(18-19) e pela capacidade de entendimento do usuário. Os pacientes esquecem dentro de minutos, de um terço a metade do que lhes foi dito na consulta, espe-cialmente instruções e recomendações e que o mais importante é a relação médico-paciente; o paciente tende a seguir melhor as recomendações quando se sente satisfeito com a consulta e quando o médico adota atitude amistosa, em vez de predominantemente profissional ou formal(18).

A educação é um dos fatores que podem influenciar a adesão aos cuidados de saúde em geral. O médico deve ser estimulado a educar os pacientes quanto aos cuidados de manutenção das lentes de contato(20). Pesquisa realizada em 1991(21), mostrou uma incidência anual de infecção corneana em usuários de lentes de contato de 0,39%, entre aqueles considerados seguidores das recomendações e de 10,32% nos não-seguidores, mostrando a importância da educação adequada e da observância das recomendações médicas. A perfeita compreensão das instruções tem sido citada como um dos mais importantes fatores determinantes da adesão do usuário às orientações recebidas(22).

A constatação de que 54,2% dos entrevistados consideraram-se maus usuários é parecida com os resultados encontrados num estudo, em que foram observados 66,2% de maus usuários, antes da resposta ao questionário, e 76,3% após a resposta e possível conscientização dos erros do uso e cuidados(15). Nesta pesquisa, a principal razão de se considerarem maus usuários foi a limpeza inadequada das lentes e do estojo. Porém, são mencionadas também por porcentagens expressivas de respondentes, a inobservância da orientação médica, o uso excessivo, a pouca tolerância e o desconforto. Todas essas razões estão entre as causas mais importantes de insucesso do uso de lentes de contato. A conscientização do usuário, quanto a ser bom ou mau, é o primeiro passo para fazê-lo mudar de conduta. Esse fato enfatiza a necessidade de rever as orientações em cada consulta. Se o usuário não for muito bem instruído, ele dificilmente executará de forma completa os cuidados. Em pesquisa relacionada à observância dos cuidados das lentes de contato, os autores constataram que 91% dos pacientes falhavam em pelo menos um dos passos da utilização de uma solução de ação múltipla, apesar da facilidade do procedimento(23).

Um dos pontos básicos do sucesso da adaptação de lentes de contato é evitar complicações, o que depende da boa conduta do médico e do paciente. A seleção do paciente deve ser criteriosa, a adaptação deve ser adequada, o controle feito regularmente, a educação do usuário precisa ser rigorosa, de forma a obter uma boa adesão às recomendações médicas, prevenindo complicações e assegurando o uso confortável e seguro das lentes de contato(24).

O soro fisiológico é mencionado por 71,6% dos entrevistados, como produto de limpeza e por 37,8%, como produto de desinfecção (Tabela 5). Este foi o produto mais freqüentemente mencionado para limpeza das lentes de contato, inclusive mais do que as soluções de ação múltipla. O soro fisiológico não tem atividade desinfetante, não contém preservativo e está, portanto sujeito à contaminação, mesmo quando guardado em geladeira. A água de torneira foi citada por 1,5% dos entrevistados como produto para limpeza e 1% para desinfecção. A água de torneira pode ser fonte de infecção por Acanthamoeba e outros microorganismos, não devendo ser usada para qualquer tipo de lente de contato.

Os entrevistados reconhecem a necessidade da manutenção das lentes de contato. A maioria não a realiza adequadamente, talvez por não terem sido devidamente instruídos ou conscientizados. A chave do sucesso é transmitir mensagens compreensíveis ao usuário, ensinando a manutenção adequada das lentes e as conseqüências do uso impróprio(25). A perfeita compreensão das instruções tem sido citada como um dos mais importantes fatores determinantes da observância das orientações recebidas pelo usuário(22).

7. Conclusões

Cerca de 85% dos entrevistados informaram receber orientação na consulta oftalmológica. Entretanto, mais da metade deles consideraram-se maus usuários, apontando como razões, principalmente, a limpeza inadequada das lentes de contato e a inobservância das recomendações médicas, evidenciando que o simples fato de informar o paciente não assegura o seguimento das orientações e que é necessário conferir o seu conhecimento e a sua conduta, em cada consulta de controle.

Os entrevistados, embora sendo profissionais da área de saúde, apresentaram percepções e conduta insatisfatórias em relação ao uso e cuidados das lentes de contato, possivelmente, determinadas por uma instrução inadequada ou insuficiente.

Ao se analisarem os resultados desta pesquisa, concluiu-se que é preciso mudar a conduta do médico em relação à educação dos usuários de lentes de contato. O oftalmologista e/ou a auxiliar de consultório, devidamente treinada, além de fornecerem todas as orientações necessárias, devem certificar-se da perfeita compreensão do paciente e, em cada consulta, verificar seu conhecimento e conduta, assegurando a adesão às recomendações e a prevenção de complicações.

Campanhas de esclarecimento público devem ser realizadas com o objetivo de conscientizar os usuários da necessidade de seguir as recomendações médicas, visando assegurar o uso confortável e seguro das lentes de contato.

8. Referências

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Universidade de São Paulo - Faculdade de Medicina. Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6º andar, sala 6147, ICHC - cep 05403-000 - São Paulo (SP)

Paulo Ricardo de OliveiraI; Newton Kara-JoséII; Milton Ruiz AlvesIII; Edméa Rita TemporiniIV - ertempor[arroba]usp.br

IDoutor em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)

IIProfessor Titular do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

IIIProfessor, Livre Docente, do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)

IVProfessora, Livre Docente, de Metodologia em Pesquisa de Saúde da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).



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