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Método trigonométrico para o acesso à veia basílica no terço distal do braço (página 2)

Luiz Carlos Buarque de Gusmão; Jacqueline Silva Brito Lima; José Carlos Pra

 

A Figura 2 mostra a fotografia do terço distal do braço direito obtida de um cadáver com a demarcação dos pontos correspondentes a projeção na pele das estruturas que formam o trígono para a dissecação da veia basílica naquela localização.

Após ser traçado o trígono para a abordagem da veia basílica, uma pequena incisão era realizada no ápice e a veia basílica era localizada e dissecada, como demonstrado na Figura 3.

Estudo em pacientes

O método do traçado do trígono foi adaptado à dissecação da veia basílica de 15 pacientes adultos que necessitaram de acesso vascular, provenientes do Hospital de Aeronáutica de São Paulo (H.A.S.P.) no ano de 2003. Destes, oito eram homens e sete mulheres, com idades entre 65 e 93 anos. Os pacientes assinaram o consentimento informado.

Com os pacientes em decúbito dorsal horizontal e os membros superiores abduzidos em 90º, preparava-se a região onde seria feito o acesso vascular, onde era traçado o triângulo da veia basílica com caneta dermográfica (Figuras 4A e 4B). Em seguida foram realizados os cuidados gerais de anti-sepsia e assepsia: o membro superior era lavado com solução de povidine degermante, desde as regiões axilar e peitoral até o terço médio do antebraço, sendo que esta solução era removida com gaze estéril umedecida em álcool e éter e, em seguida, era feita a aposição de solução de povidine tópico sobre a região descrita anteriormente e a colocação de campos estéreis. A anestesia local foi realizada com xilocaína a 2% sem vaso constritor na região do ápice do triângulo traçado até o plano muscular (Figura 4C).

Em seguida era feita uma incisão transversa de aproximadamente 2cm no ápice do triângulo (1cm anterior e 1cm posterior) e dissecado o braço por planos até a individualização da veia basílica (Figura 4D). Após o seu acesso, realizava-se a contra-incisão na pele e a aposição através de um túnel subcutâneo, do cateter vascular que em seguida era introduzido na veia basílica.

5. Resultados

Os resultados foram divididos em duas partes, estudo em cadáveres e aplicação em pacientes.

Estudo em cadáveres

Os parâmetros analisados da veia basílica foram:

a) presença da veia basílica ao nível do terço distal do braço.

Em 100% dos casos a veia basílica estava presente nos lados direito e esquerdo dos membros superiores estudados.

b) posição e distância da veia basílica ao ápice do trígono.

A veia basílica encontra-se situada no ápice do trígono em 70% dos casos (Figura 3), destes, 87% nos membros superiores direitos e 53% nos esquerdos. Em 30% das peças, a veia basílica teve situação medial em relação ao ápice do trígono, sendo que esta distância não excedeu a 5mm (Tabela 1).

c) número de ramos dos nervos cutâneos mediais do braço e antebraço que têm relação com a veia basílica.

Procuramos, após a individualização da veia basílica, dissecar a inervação junto à sua adventícia e mapear os ramos neurais e a sua situação em relação ao vaso, como demonstra a Tabela 2.

Através dos dados anteriores tivemos um contingente significativo de peças (22 - 73,3%), onde foi encontrada a maior incidência de ramos dos nervos nas posições medial/ lateral, anterior e posterior/medial.

Estudo em Pacientes

O método trigonométrico para acesso da veia basílica estudado em cadáveres foi aplicado em pacientes.

A veia basílica foi encontrada na face medial do terço distal do braço de 15 pacientes que necessitaram de acesso vascular e em 100% dos casos a referida veia encontrava-se no interior da incisão realizada no ápice do trígono, em 14 pacientes do lado direito e um do esquerdo.

6. Discussão

A literatura por nós consultada, não tem detalhes acerca de nenhum método trigonométrico para a dissecação da veia basílica no terço distal do braço.

Usualmente a dissecação da veia é feita através de uma incisão transversa, com extensão de 4cm aproximadamente, na face medial do braço, paralela à prega do cotovelo e distante 6 a 8cm dela em direção proximal. Para se localizar a veia desta forma, é necessário dissecar uma extensa área exposta pela incisão3. Esse acesso é comum na prática médica, rotineiramente em prontos-socorros e unidades de terapia intensiva.

A descrição de um método preciso para a localização da veia basílica na região do terço distal do braço, traz vantagens aos médicos e benefícios aos pacientes, pois haverá maior facilidade e rapidez na localização, além de uma incisão menor e riscos de iatrogenia diminuídos.

Além disso, a precisa localização e facilidade no acesso vascular podem ser úteis para outros procedimentos como enxerto autólogo 4, enxerto para ponte aortocoronariana 5, fístula arteriovenosa para hemodiálise 6 e cateterização venosa 7.

Através dos parâmetros do trígono traçado, a veia basílica esteve presente em 100% dos casos no ápice ou próximo, tanto nos cadáveres como nos pacientes. A presença constante da veia é referida na literatura anatômica8-11.

Tewary12 afirmou que após um estudo do padrão das veias da fossa cubital em 300 voluntários indianos, a veia basílica pode estar ausente em 0,5% dos casos. Há apenas dois relatos de ausência da veia basílica, em poucos casos12,13. Apesar destes estudos terem sido realizados em grandes amostras de indivíduos, a metodologia não foi confiável, pois foram estudos in vivo, com garroteamento e simples inspeção visual. Desta forma, a ausência da veia basílica não poderia ser confirmada.

A veia basílica apresenta vários padrões de variação na região da fossa cubital, de acordo com a literatura12-21.

Na região do ápice do trígono, principal interesse deste estudo, não foram encontradas variações numéricas, tendo sido determinada a posição da veia basílica em relação àquele ponto determinado previamente. A localização da veia coincidiu com o ápice do trígono em 70% dos casos e quando não, a distância não excedeu 5mm. Pelo fato de 87% das veias do lado direito estarem localizadas neste ponto, o que ocorreu em 53% do lado esquerdo, a opção para a dissecação e localização mais rápida e precisa da veia, segundo nossos resultados, será o membro superior direito.

A relação da veia basílica com os ramos dos nervos cutâneos mediais do braço e antebraço foi estudada. Esta relação é apenas citada pelos autores10,22,23, mas não a posição dos ramos em relação à veia. Em 90% dos membros existem dois ramos dos nervos acompanhando a veia basílica junto a sua adventícia, na maior parte (73,3%) nas posições medial/ lateral, anterior e posterior/medial em relação a este vaso.

A razão pela qual realizamos tal mapeamento está no fato de que quando o cirurgião disseca a veia basílica, ele geralmente preocupa-se apenas com os ramos anteriores à veia, que inclusive servem de referência para a sua identificação, esquecendo-se muitas vezes de procurar possíveis ramos que podem estar junto à adventícia no contorno posterior da veia; estes por sua vez se forem ligados junto com o vaso, trarão conseqüências adversas para o paciente. Para a punção venosa, esta relação veia – nervos cutâneos, contraindica a veia basílica, principalmente no local em estudo.

Um dado significativo diz respeito à posição posterior dos ramos nervosos únicos ou duplos que ocorreu em 30% dos membros (10 casos), pois são passíveis de serem lesados durante um procedimento. Uma vez ligados ou seccionados juntos com a veia basílica, ocorrerá parestesia na região de distribuição de seus ramos.

Não foi determinada a origem dos ramos cutâneos, se oriundos do nervo cutâneo medial do braço ou antebraço, pois foi estudada uma região limitada.

Os livros de Anatomia apenas citam a relação de proximidade entre os nervos cutâneos medias do braço e antebraço, sem entretanto entrar em detalhes quanto ao número de seus ramos e as suas relações com a veia basílica. Segundo Race, Saldana24, os nervos cutâneos mediais do braço e antebraço se ramificam em número de 4 a 12, com a média de oito, sendo previsível o seu curso, geralmente próximos à veia basílica e epicôndilo medial do úmero.

Através do estudo realizado com as peças anatômicas e com a aplicação do método trigonométrico para a dissecação da veia basílica no terço inferior do braço em pacientes, pode-se concluir que:

1. a veia basílica estava presente em 100% dos casos, o que indica ser uma boa opção de acesso vascular no paciente em estado crítico que necessite de tal procedimento;

2. o método proposto para a localização da veia basílica mostrou-se eficaz, pois a veia encontrava-se no ápice do trígono descrito em 70% dos casos e se distanciou no máximo 4,00mm em direção medial desta topografia;

3. em 100% dos pacientes que necessitaram da dissecação da veia basílica, o método trigonométrico para a sua dissecação mostrou-se eficaz , visto que em todos os casos a veia posicionou-se dentro da incisão de 2cm realizada no ápice do trígono;

4. em 83,33% das peças havia ramos dos nervos cutâneos mediais do braço e ante-braço junto à adventícia da veia basílica. Foram encontrados dois ramos dos nervos cutâneos mediais do braço e antebraço relacionados a cada veia basílica na maior parte dos membros superiores (90% - 27 membros) e apenas um ramo no restante (10% - 3 membros).Em 30% dos casos existem ramos posteriores à veia basílica, o que se deve levar em consideração ao se realizar a dissecação.

 

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo (instituído em respeito às normas da resolução 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde), tendo sido aprovado em 07 de junho de 2002 (Ref. CEP nº 859/01).

7. Referências

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2. Singer C. Uma breve história da anatomia e fisiologia desde os gregos até Harvey. Campinas: Editora da UNICAMP; 1996.

3. Santos CAS, Castro AA. Acesso venoso por flebotomia. In: Pitta GBB, Castro AA, Burihan E, editores. Angiologia e cirurgia vascular: guia ilustrado. Maceió: Uncisal/Ecmal & Lava; 2003.

4. Brochado-Neto FC, Albers M, Pereira CA, Gonzalez J, Cinelli M Jr. Prospective comparison of arm veins and greater saphenous veins as infrageniculate bypass grafts. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2001; 22(2):146-51.

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10. Orts Llorca F. Anatomia humana. 3ª ed. Barcelona: Científico-Médica; 1967.

11. Moore KL. Anatomia orientada para clínica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1990.

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Trabalho realizado na Disciplina de Anatomia Descritiva e Topográfica do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina e Hospital de Aeronáutica de São Paulo.

Alexandre Augusto Pinto Cardoso, TCBC-SPI; Ricardo Luiz SmithII; José Carlos PratesII; Serafim Vincenzo CricentiIII - silvia.morf[arroba]unifesp.epm.br

IProfessor Auxiliar da Disciplina de Anatomia Descritiva e Topográfica do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina

IIProfessor Titular e Livre-Docente da Disciplina de Anatomia Descritiva e Topográfica do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina

IIIProfessor Adjunto da Disciplina de Anatomia Descritiva e Topográfica do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina



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