A amplitude do tema impõe, necessariamente, limites à exposição. Na verdade, poderia começá-la indo buscar no Direito estatal positivo a definição da liberdade para ver como, nele, se caracteriza a liberdade de expressão. Embora com isso limitássemos o âmbito da perquirição, ficaríamos no campo do Direito positivo e fugiríamos do pretendido com este debate, que é situar a liberdade de expressão à luz do ensino social cristão ou, o que me parece mais correto, da doutrina social da Igreja Católica, que inspira, visto está, o ensino social cristão. Ainda que a referência ao Direito estatal positivo seja limitadora do debate, creio difícil deixar de considerá-lo, pois é ele, não nos esqueçamos, que rege coercitivamente nossos atos na sociedade. Além do que convém não esquecer que o Direito positivo resulta legítimo perante a consciência das pessoas porque se funda em princípios metajurídicos aceitos pela maioria da população que se rege pelas normas jurídicas de um Estado.
Quando nos acercamos do Direito positivo, a primeira dificuldade com que nos deparamos é a de definir o que seja "liberdade". Durante o Terror, na Revoluçao francesa, Saint Just abalançou-se a defini-la. Para ele, a liberdade é a liberdade daquele que pensa de modo diferente – acrescentando, como bom revolucionário que era, que não deveria haver liberdade para os inimigos da liberdade. Essa definição, retomada séculos depois por Rosa Luxemburgo na sua crítica aos caminhos da Revoluçao russa, coloca nas mãos do partido que se considera portador da verdade o poder de definir o que seja a liberdade do outro e, sobretudo, o poder de definir quem é inimigo da liberdade – está visto, a liberdade tal qual definida pelo partido portador da verdade revolucionária. A Primeira emenda à Constituição norte-americana coloca a questão em termos menos partidários, ao estabelecer que o Congresso não poderá fazer lei que diga respeito a um estabelecimento religioso nem proibir o livre exercício da religião ou a liberdade de expressão (the freedom of speech), de imprensa e de reunião pacífica.
Nosso objetivo é mais amplo do que verificar como a liberdade de expressão, garantida não apenas pela Primeira Emenda à constituição norte-americana, mas pelas constituições de praticamente todos os paises se coaduna com o ensino social cristão. Mais amplo e ao mesmo tempo mais difícil, porque o exame da liberdade de expressão deve, necessariamente – para que possamos nos ater ao tema proposto –, ao menos tocar tangencialmente a doutrina social da Igreja.
A boa regra expositiva manda que se comece a discussão pela definição dos termos. No Catecismo da Igreja Católica, 1731 e seguintes, encontramos uma definição de liberdade que deverá orientar nossa exposição – se é que seremos capazes de fazê-lo. Diz o Catecismo: "A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, portanto de praticar atos deliberados". Apesar de afirmar que "pelo livre-arbítrio, cada qual dispõe sobre si mesmo", a liberdade de que se o homem se vê possuído não é absoluta em si. Ela só é plena "quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança". No cânone seguinte, temos a qualificação da liberdade: "(... a liberdade comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto de crescer em perfeição ou de definhar e pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito" (1732)).
Há mais. No cânone 1734 introduz-se um elemento novo, que não aparece em nenhuma das definições ou proposições do que seja "liberdade" no Direito positivo. A noção de "responsabilidade": "A liberdade torna o homem responsável por seus atos na medida em que forem voluntários". E o Catecismo acrescenta no cânone 1736: "Todo ato diretamente querido é imputável a seu autor".
É da maior importância para o debate que, tenho certeza, se seguirá, ter presente o que o Catecismo diz no cânone 1738: "A liberdade se exerce no relacionamento entre os seres humanos. Toda pessoa humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser reconhecida como ser livre e responsável. Todos devem a cada um esta obrigação de respeito. O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da pessoa humana, sobretudo em matéria moral e religiosa. Este direito deve ser reconhecido civilmente e protegido nos limites do bem comum e da ordem pública".
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