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O estudo foi realizado em Porto Alegre, RS, em um hospital geral universitário que realiza 4.000 partos por ano, cuja clientela pertence a diferentes níveis socioeconômicos, com predominância de indivíduos de menor poder aquisitivo, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). O presente artigo aborda parte dos dados originados de estudo que teve como objetivo principal avaliar o impacto de uma intervenção de promoção do aleitamento materno dirigida a mães e pais.13 No período de seleção da amostra, todas as mães de recém-nascidos normais, instalados em alojamento conjunto, com peso de nascimento igual ou maior que 2.500 g, que iniciaram a amamentação e cujos pais coabitassem, foram consideradas elegíveis para inclusão no estudo (n=654). Dessas, sete (1,1%) não participaram do estudo por recusa da mãe ou do pai da criança, e 46 (7,1%) não puderam ser incluídas na amostra porque o pai não foi acessível para entrevista e intervenção. Assim, a amostra foi constituída por 601 duplas mães-bebês.
Após consentirem em participar do estudo e assinarem termo de consentimento informado, as mães eram entrevistadas, ainda na maternidade, com o objetivo de obter algumas informações pessoais sobre os pais, as crianças e as famílias. As informações relativas às práticas de alimentação da criança foram obtidas mediante entrevistas com as mães nas suas casas, no final do primeiro, segundo, quarto e sexto meses de vida da criança. As visitas eram suspensas antes do sexto mês, caso ocorresse a interrupção da amamentação. Os dados foram coletados utilizando-se questionários padronizados, elaborados para a entrevista na maternidade e nos domicílios.
As informações sobre as avós maternas e paternas foram obtidas na primeira visita domiciliar, quando as crianças completavam um mês, e referiam-se aos tópicos: freqüência do contato com as avós; se a avó achava bom o fato de a mãe estar amamentando, se a avó havia aconselhado e/ou oferecido à criança água e/ou chá e outro tipo de leite; tipo de participação das avós na amamentação; e se a opinião das avós estava influenciando nas decisões da mãe sobre a amamentação.
Na primeira visita domiciliar foram localizadas para entrevista 571 mães (95,0%). Participaram do estudo até a sua conclusão 547 mães (91,0%). No período de acompanhamento, houve 38 perdas (6,3%) e 16 exclusões (2,7%). As perdas ocorreram pelos seguintes motivos: mudança de endereço – 18, mãe e/ou pai não acessível – 10, viajem da família sem data de retorno – seis e recusa da mãe e/ou pai em continuar no estudo – quatro. As exclusões ocorreram por separação dos pais (15 casos) e pelo óbito de uma criança.
Não houve nenhuma diferença estatisticamente significativa quando foram comparadas as características das 53 mães não incluídas no estudo (perdas iniciais) com as 601 que constituíram a amostra inicial, sendo que as características analisadas foram as seguintes: tipo de parto, sexo do recém-nascido, renda per capita, estado civil, idade, escolaridade, cor, assistência pré-natal e tempo de amamentação de filhos anteriores.
As categorias de amamentação utilizadas foram as recomendadas pela OMS,14 sendo considerada em aleitamento materno a criança que recebe leite materno diariamente, independente de estar recebendo ou não complementação, e em amamentação exclusiva quando recebe somente leite materno, sem nenhuma complementação sólida ou líquida.
Para a análise dos dados foram utilizados os programas Epi Info 5.1 e SPSS for Windows. Inicialmente foram realizadas análises bivariadas (teste do qui-quadrado) e cálculo das razões de chance com os seus respectivos intervalos de confiança, para investigar associações entre variáveis selecionadas e interrupção do aleitamento materno exclusivo no primeiro mês e de aleitamento materno nos primeiros seis meses. Posteriormente foi realizada análise múltipla, mediante regressão logística, para verificar a influência de algumas variáveis maternas (idade, escolaridade, cor da pele, renda per capita e número de filhos anteriores), que se mostraram relacionadas à duração do aleitamento materno em estudos realizados com a mesma população,8 nas associações entre prática da amamentação e variáveis relacionadas com as avós.
Como parte da amostra foi submetida a uma intervenção de promoção da amamentação na maternidade, o grupo ao qual pertencia a mãe foi adicionado ao modelo utilizado na regressão logística. A intervenção consistiu em assistir um vídeo contendo informações básicas sobre aleitamento materno, seguido de discussão aberta e distribuição de um folheto. A amostra foi dividida nos seguintes grupos, segundo a intervenção: grupo controle, sem intervenção; grupo em que as mães receberam a intervenção; e grupo em que as mães e os pais sofreram a intervenção.
O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
A Tabela 1 apresenta as características da amostra. A maioria das mães era de cor branca (58,8%) e tinha entre 20 e 30 anos (58,3%), entre cinco e oito anos de escolaridade (45,7%), de um a três filhos (50,4%) e renda per capita entre 0,6 e 1,9 salários-mínimos (50,8%). Aproximadamente 87,0% das avós maternas e paternas estavam vivas.
O estudo revelou que a maioria das mães tem contato freqüente (no mínimo uma vez por semana) com suas mães (67,9%) e sogras (56,9%), sendo que para quase 40,0% das mães esse contato é diário com as respectivas mães e 30% com as sogras. A maioria das mães relatou que as avós das crianças, maternas e paternas, acham bom que elas amamentem (93,2% e 84,4%, respectivamente), mas menos da metade admitiu influência das avós nas suas decisões quanto à amamentação (43,3% e 32,4% respectivamente). Segundo as mães, as avós maternas ajudam durante o período da amamentação com mais freqüência do que as paternas (59,5% e 47,0%, respectivamente). Pouco mais da metade das avós maternas (56,0%) e paternas (54,0%) aconselharam o uso de água e/ou chá. Uma parcela menor de avós maternas e paternas tomou a iniciativa de oferecer esses líquidos para a criança (17,3% e 11,3%, respectivamente). Já o uso de outro leite foi menos recomendado (13,5% e 12,3%) e utilizado (4,8 % e 4,0%) pelas avós maternas e paternas, respectivamente.
As Tabelas 2 e 3 apresentam os resultados das análises bivariadas e multivariadas para testar associações entre variáveis relacionadas às avós e interrupção do aleitamento materno exclusivo no primeiro mês de vida das crianças e do aleitamento materno nos primeiros seis meses. Independentemente de características maternas, o fato de as avós recomendarem água e/ou chás aumentou significativamente o risco para a criança não estar sendo amamentada exclusivamente no final do primeiro mês (2,22 vezes quando a avó materna aconselhava e 1,83 vezes quando o conselho partia da avó paterna). Quando a avó materna aconselhava o uso de outro leite, o risco para a criança não estar em amamentação exclusiva com um mês de idade aumentou 4,51 vezes e para ter interrompido o aleitamento materno antes dos seis meses, 2,39 vezes. Quando o conselho para dar outro leite partia da avó paterna, esses riscos aumentavam 1,86 vezes para o aleitamento materno exclusivo no primeiro mês e 2,05 vezes, respectivamente. As mães que relataram que as avós paternas não achavam bom que elas amamentassem ou que não sabiam da opinião dela tiveram uma chance praticamente duas vezes maior de cessar o aleitamento materno nos primeiros seis meses. O contato não diário com as avós maternas favoreceu o aleitamento materno até os seis meses, o mesmo não ocorrendo com relação às avós paternas.
A análise bivariada para testar se a presença mais constante de uma das avós estava relacionada com a ausência da mãe do lar (o que poderia influir na duração da amamentação) mostrou que não houve associação entre freqüência do contato com as avós e trabalho materno ao final do primeiro, segundo, quarto ou sexto mês (p=0,20-0,83).
Embora alguns estudos apontem as avós como as pessoas que mais influenciam10 e apóiam4,9 as mães durante a amamentação, eles não especificam o tipo de apoio e de influência das avós, e nem avaliam o impacto desse apoio/influência na prática do aleitamento materno. O presente estudo é o primeiro a quantificar a influência de alguns fatores relacionados às avós na prática da amamentação. Confirmou-se a suspeita de que as avós podem influenciar negativamente na duração da amamentação. Independentemente da idade, cor da pele, escolaridade, renda per capita, número de filhos e de ter recebido ou não intervenção na maternidade, as mães com contato diário com as respectivas mães tiveram uma chance maior de interromper o aleitamento materno nos primeiros seis meses após o nascimento da criança. Já o contato mais freqüente com as avós paternas não afetou significativamente a duração do aleitamento materno. Por outro lado, parece que a percepção da mãe de que a sogra aprova a amamentação é importante para sua manutenção da mesma, pois as mães que relatavam que a sogra não era favorável à amamentação ou desconheciam a opinião delas tiveram uma chance quase duas vezes maior de interromper o aleitamento materno nos primeiros seis meses.
Dois estudos anteriores realizados no Brasil3,6 já haviam levantado a suspeita de que um contato mais íntimo com as avós pudesse ser desfavorável à amamentação. O primeiro,6 realizado em Porto Alegre, observou que as mães que relatavam ter ajuda de um parente em casa tiveram um risco 67% maior de interromper o aleitamento materno antes dos quatro meses, ao contrário daquelas que tinham a ajuda de uma empregada doméstica, que mostrou ser um fator de proteção à amamentação. Como o estudo não especifica o tipo de parentesco, os autores especularam que as avós poderiam representar, na maioria das vezes, o referido parente. Já o estudo de Andrade & Taddei3 mostrou associação entre presença das avós no grupo familiar e menor duração do aleitamento materno exclusivo. No entanto, esses autores não definem "presença das avós".
No presente estudo não foi encontrada associação entre contato mais freqüente com as avós e interrupção do aleitamento materno exclusivo no primeiro mês. No entanto, o fato de as avós, tanto maternas quanto paternas, aconselharem o uso de água, chás ou outros leites contribuiu significativamente para o abandono da amamentação exclusiva no primeiro mês.
Para a maioria das famílias estudadas, o contato com as avós foi freqüente. Muitas famílias, por questões econômicas, continuam a dividir a moradia (ou o terreno) após a formação de uma nova família. Esse fato não pode ser desconsiderado ao se planejar estratégias de promoção do aleitamento materno. Além disso, é importante levar em consideração que um percentual expressivo de avós (em torno da metade) aconselhou o uso de água e/ou chás já no primeiro mês e que essa atitude pode contribuir para o abandono da amamentação exclusiva. Mais de 75% das avós da amostra estudada tiveram seus filhos na década de 60 ou 70, época em que o aleitamento materno, em especial o exclusivo, não era tão valorizado, as taxas de aleitamento materno eram muito baixas, o uso de água e chás era recomendado pelos pediatras e imperava a crença do "leite fraco" ou "pouco leite". Portanto, em muitas situações, as avós estão apenas transmitindo às suas filhas ou noras a sua experiência com amamentação, acreditando ser o mais adequado.
É necessário cautela na generalização dos resultados da presente pesquisa. A população estudada provavelmente representa a população urbana brasileira de menor poder aquisitivo, em que é bastante comum as avós estarem próximas na época do nascimento de uma nova criança na família e, possivelmente, exercerem influência sobre as decisões da mãe relacionadas à alimentação da criança. É possível que em outras populações a influência exercida pelas avós seja diferente da encontrada neste estudo. Por exemplo, em Lesoto, sul da África, as avós estimulam a amamentação exclusiva, pois consideram a suplementação com água desnecessária e prejudicial à saúde da criança.1
Apesar de o presente estudo ter revelado uma associação entre contato diário com a avó materna e uma menor duração do aleitamento materno, ele não elucida os fatores envolvidos nesta relação. É provável que as avós estejam repassando as suas experiências vividas há 20 ou 30 anos, contrárias às recomendações atuais das práticas alimentares de crianças. Mas é possível, também, que as mães que tenham contato diário com as suas mães ou sogras deleguem parte do seu papel de mãe a elas, e que isso reflita em menor duração do aleitamento materno. São necessários estudos delineados especificamente para investigar essa questão.
Concluindo, os resultados do presente estudo indicam que as avós podem influenciar negativamente na amamentação, tanto na sua duração quanto na sua exclusividade. Sendo o aleitamento materno um processo altamente influenciado pela cultura, é preciso desenvolver estratégias de promoção dentro de um contexto cultural adequado à população–alvo. Assim, tendo como base os resultados deste estudo, pode-se afirmar a importância da inclusão das avós em programas de promoção do aleitamento materno. Elas podem expor suas crenças e os seus sentimentos com relação à amamentação e receber novas informações. Dessa forma, as avós estarão mais preparadas para exercer influência positiva para uma amamentação bem-sucedida de suas filhas ou noras.
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Baseado na tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Pediatria, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2003.
* World Health Organization. Nutrition and infant feeding. Disponível em:
http.//www.who.int/child-adol-health/NUTRITION/infant_exclusive.htm. [9 Nov 2004]Lulie R O SusinI; Elsa R J GiuglianiII; Suzane C KummerIII -
elsag[arroba]terra.com.brI
Departamento de Patologia. Fundação Universidade do Rio Grande. Rio Grande, RS, BrasilII
Departamento de Pediatria e Puericultura. Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, BrasilIII
Secretaria Municipal de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, BrasilPágina anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
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