Objetivo:
Investigar, em mulheres de muito baixa renda, a prevalência e a associação entre a baixa estatura, o sobrepeso, a obesidade abdominal e a hipertensão arterial, discutindo os achados, segundo o processo de transição nutricional e a hipótese da programação fetal (hipótese Barker).
Métodos:
Foram estudadas 223 mulheres de 18 a 65 anos, por meio dos seguintes indicadores: índice de massa corporal (kg/m2) >25 para sobrepeso + obesidade ou <18,5 para magreza; razão cintura-quadril > 0,8 para obesidade abdominal; pressão arterial sistólica e/ou diastólica >140/90mmHg para hipertensão; percentil 25 (1º quartil) para baixa estatura.
Resultados:
A prevalência de sobrepeso + obesidade (35,9%) foi superior à de magreza (9,4%). A pressão diastólica associou-se com o índice de massa corporal (r=0,37; IC 95%: 0,01 <r2 <0,26) e com a razão cintura-quadril (r=0,35; IC 95%: 0,01 <r2 <0,25). Comparando-se os 1º e 4º quartis de estatura, encontraram-se os seguintes resultados, respectivamente, para a prevalência de hipertensão: 23,3% e 8,9% (odds ratio=3,08; p=0,03); para sobrepeso + obesidade: 41,7% e 35,7% (p=0,51); para o índice de massa corporal médio: 24,6 e 23,7 (p=0,27); para a média da razão cintura-quadril: 0,87 e 0,85 (p=0,04).
Conclusão:
A prevalência de sobrepeso/obesidade foi menor do que a de desnutrição. A baixa estatura, um indicador de desnutrição no início da vida, foi um importante fator de risco para a hipertensão arterial e para a obesidade abdominal. Apesar da miséria, a população parece estar passando pelo processo de transição nutricional. Os mecanismos resultantes da adaptação metabólica à desnutrição imposta no início da vida, parecem desempenhar importante papel na determinação desses achados.
Termos de indexação: baixa estatura, hipertensão, mulheres, sobrepeso, transição nutricional.
Objective:
To investigate the frequency of occurrence of short stature, overweight, abdominal obesity and arterial hypertension, and the possible correlations among such factors, in women of very low income. The findings were considered in terms of nutrition transition and the Barker's programming hypothesis.
Methods:
A group of 223 women, 18 to 65 years of age, were studied with respect to the following parameters: for body mass index (kg/m2), values >25 indicated overweight and obesity, whilst values <18.5 indicated underweight; for waist/hip ratio, values >0.8 indicated abdominal adiposity; for systolic/diastolic blood pressure, values >140/90 mm Hg indicated hypertension; and for height, values within the 25th percentile (1st quartile) indicated short stature.
Results:
The frequency of occurrence of overweight and obesity (present in 35.9% of the group) was greater than that of underweight (9.4% of the group). The diastolic blood pressure was positively associated with body mass index (r= 0.37; CI 95,0%: 0.01 <r2 <0.26) and with waist/hip ratio (r= 0.35; CI 95.0%: 0.01 <r2 <0.25). Subjects rated within the 1st and the 4th height quartiles, respectively, showed the following results: frequency of hypertension, 23.3% and 8.9% (odds ratio= 3.08; p= 0.03); frequency of overweight, 41.7% and 35.7% (p= 0.51); mean body mass index, 24.6 and 23.7 (p= 0.27); and mean waist/hip ratio, 0.87 and 0.85 (p= 0.04).
Conclusion:
Overweight and obesity were more prevalent within the group, than was underweight. Short stature, which is an indicator of malnutrition in early life, presents an important risk factor for both hypertension and abdominal adiposity in later life. The studied group appeared to be undergoing a process of nutritional transition, despite their low-income status. The mechanisms of metabolic adaptation to the malnutrition experienced in early life, might be important factors involved in any explanation of the results obtained in this research.
Indexing terms: short stature, hypertension, women, overweight, nutrition transition.
A obesidade é uma doença universal de prevalência crescente e que vem adquirindo proporções alarmantes, inclusive em países que, paradoxalmente, ainda sofrem os efeitos da fome e da desnutrição crônica1. Nos países em desenvolvimento, o avanço dessa patologia vem acompanhado de alterações no perfil de morbimortalidade nas quais, paulatinamente, reduzem-se as doenças infecciosas, enquanto as doenças crônicas aumentam, processo esse denominado de transição epidemiológica2. Nesse contexto, enquadra-se a chamada "transição nutricional", que diz respeito às mudanças seculares nos padrões nutricionais, ou seja, às modificações na estrutura da dieta dos indivíduos, correlacionadas às mudanças econômicas e demográficas e às condições de saúde3.
Segundo Monteiro et al.4, o processo de transição nutricional, embora atingindo o conjunto da população, diferencia-se em momentos e em intensidade, conforme o segmento socioeconômico considerado. No Brasil, a prevalência de desnutrição vem caindo em todas as regiões, enquanto crescem os números relativos à obesidade. A prevalência de obesidade, de forma global, tende a ser mais elevada em populações de renda mais alta. No entanto, particularmente entre a população feminina, a freqüência de excesso de peso é expressiva também nas faixas de menor renda: entre mulheres pertencentes às faixas populacionais de menor poder aquisitivo (<0,5 salário mínimo per capita), cerca de 30% delas apresentam algum grau de excesso de peso5.
Em virtude da magnitude dos contrastes sociais prevalecentes no País, ainda existem populações intensamente submetidas à subnutrição e à fome6, de modo que a baixa estatura, resultante da desnutrição imposta no início da vida, é bastante freqüente nessas comunidades. Nesse sentido, preocupa-nos a hipótese, conhecida como teoria de Barker7: esta postula que um agravo nutricional ocorrido durante um período crítico do crescimento e desenvolvimento, poderia ter efeito deletério durante toda a vida, por induzir mecanismos adaptativos que, na idade adulta, tornariam tais indivíduos especialmente susceptíveis à obesidade. Por outro lado, a obesidade, sobretudo em relação à forma abdominal, tem sido considerada um fator de risco independente para hipertensão arterial sistêmica8.
Diversas medidas e índices antropométricos têm sido adotados como recurso diagnóstico do excesso de gordura corporal ou abdominal. Entre esses, destacam-se o índice de massa corporal e a razão entre a medida da cintura e a circunferência do quadril9. Por outro lado, a estatura constitui-se, em termos epidemiológicos, num excelente indicador do passado nutricional2,7.
O objetivo deste trabalho foi investigar, em mulheres de muito baixa renda, a prevalência e a associação entre o sobrepeso, a obesidade abdominal, a hipertensão arterial e a baixa estatura, que é um indicador de desnutrição no início da vida, caracterizando os achados segundo os conceitos da transição nutricional.
O presente estudo envolveu a população feminina residente na favela conhecida como "Cidade de Lona", localizada a 19 km do centro da cidade de Maceió, Nordeste do Brasil.
Após um mínimo de três visitas a todos os domicílios, foram identificadas 241 mulheres de 18 a 65 anos de idade (gestantes excluídas), as quais receberam explicação quanto ao projeto. Aquelas que concordavam em participar, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo então convidadas a comparecer à escola comunitária, onde ficava uma equipe de pesquisadores, para que aí se procedesse à coleta de dados. Foram, então, investigadas 223 mulheres, pois houve 7,5% de não-adesão.
Os dados foram coletados no período de setembro a dezembro de 2001, por estudantes do curso de Nutrição, devidamente treinados quanto à aplicação do questionário e padronizados quanto à aferição das medidas antropométricas e da pressão arterial. Para tanto, seguiram-se, respectivamente, as recomendações de Frisancho10 e do 3º Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial11.
As informações socioeconômicas e as referentes ao tabagismo e ao etilismo foram obtidas das participantes por meio de questionários, previamente testados. Em seguida, foram coletados os dados antropométricos e a pressão arterial (PA).
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