A Física Clássica na Aurora do Pensamento Contemporâneo

Enviado por Igor Zanoni Constant Carneiro Leão ; Ednilson Rodrigo Pedroso


Esta é a primeira parte de um texto acerca da evolução da Física até sua plena maturidade nos anos 60 do século passado. Recordaremos aqui suas origens na Antigüidade até o surgimento da mecânica clássica no século XVIII. Embora breve, e portanto necessariamente esquemático, o texto procura realçar alguns pontos importantes no estudo desta ciência.

Em primeiro lugar, suas relações com a filosofia, bem como com outras ciências para as quais ela serve, se não de um modelo, pelo menos de forte inspiração. Em segundo lugar, suas relações com o desenvolvimento material do Ocidente, uma vez que ela avança em suas análises e insights nos momentos de avanço material e cultural das sociedades ocidentais. A Física tem, portanto, uma enorme importância para os economistas, para os quais sempre fará falta um estudo mais apurado da história do pensamento científico.

No período amplo que vai desde o nascimento das idéias sobre a Física, sobre a matéria e sobre o cosmo, por volta do sétimo século a.C., até o desenvolvimento da Física clássica com Newton, entre os séculos XVII e XVIII, pode-se observar dois movimentos que se desdobram ao longo do tempo, cristalizando idéias e argumentos matematizados em torno de duas sínteses principais: a síntese aristotélica – ptolomaica, entre os séculos III a.C. e I d.C.; depois, um longo movimento de rupturas e continuidades que se precipitam bruscamente na Renascença até a síntese de Newton. Relembremos alguns dados importantes nesses dois movimentos.

Em primeiro lugar, passada a época das cosmologias mais antigas e míticas, embora não esquecendo toda a observação dos corpos celestes, inclusive da Terra, feita por todos os povos desde o período neolítico, no Ocidente, as idéias mais bem acabadas e complexas sobre o universo nascem com a civilização jônica por volta de 700 a.C., em torno da idéia de que a Terra se localizava no centro de um universo esférico e, mais tarde, na idéia de que a própria Terra seria esférica. Há aqui uma relação importante com o desenvolvimento da geometria entre os gregos, uma vez que a idéia de um universo perfeito, com formas e movimentos perfeitos, tem forte correspondência com a percepção do círculo como a curva mais perfeita, uma vez que não tinha princípio nem fim e cada ponto sobre ela era eqüidistante do centro.

A partir dessas idéias surgiram tentativas de descrever o movimento do Sol, da Lua, das estrelas e dos planetas com abordagens próximas. Os filósofos ligados a Pitágoras tentaram mostrar que os movimentos desses corpos celestes eram circulares. No quarto século a.C., Eudoxus elaborou um sistema de esferas concêntricas, cujo centro era a Terra, para explicar esses movimentos. Segundo ele, as estrelas estariam fixas na esfera mais externa, que girava em torno da Terra uma vez por dia. Isso explicava sua elevação e seu movimento através do céu até desaparecerem no horizonte.

Outras três esferas foram adicionadas, explicando o movimento do Sol e da Lua. Cada um dos planetas precisava de quatro esferas em movimento para descrever seu comportamento. Duas últimas esferas eram necessárias para explicar movimentos planetários, nos quais os planetas parecem traçar alças a intervalos regulares ou se mover de forma bastante desconcertante. A complexidade dessa descrição do céu pode ser assim percebida:

"Consideremos Júpiter, por exemplo. Ele compartilha o movimento diário do firmamento e a mais externa deste conjunto de esferas leva em conta este aspecto. Conduzida dentro desta esfera achava-se outra inclinada em relação ao eixo da primeira em um ângulo de 23 graus e que revolvia em pouco menos de 12 anos, assim explicando a lenta mudança de posição de Júpiter em relação às estrelas do fundo." (Iain Nicolson - Gravidade, Buracos Negros e o Universo)

Essas idéias foram ampliadas por Aristóteles (384 – 322 a.C.), cuja influência ao longo da história ocidental seria notável. Para Aristóteles, a Terra estaria imóvel, era esférica e se localizava no centro do universo; os movimentos celestiais dependiam de 55 esferas móveis. O fato de a Terra ser esférica foi deduzido por ele em fatos como o desaparecimento dos navios no horizonte ou a alteração das estrelas quando alguém se movia para o norte ou para o sul. Embora não conhecesse a experimentação sistemática, Aristóteles fez várias experiências e observações que aperfeiçoaram enormemente o conhecimento disponível na Antigüidade. Sua visão de mundo foi assimilada em grande parte pelo Ocidente até o século XVII.

Para Aristóteles, utilizando uma idéia concebida no século V a.C., por Empédocles, os corpos eram formados por quatro elementos básicos: ar, terra, fogo e água. Esses elementos tinham propriedades como a idéia de a Terra ser absolutamente pesada e o fogo absolutamente leve; ar e água ocupavam posições intermediárias. O lugar natural do elemento terra era o centro da Terra, por sua vez o centro geométrico do universo.

Dessa forma, o movimento natural das substâncias terrestres era cair diretamente para o centro da Terra, dado o seu peso, assim como o movimento natural do fogo era subir para seu lugar natural no céu. O lugar natural da água era acima da terra; o do ar, acima da água, mas abaixo do fogo. A posição natural dos corpos pesados era o centro do universo, que se localizava no centro da Terra. Evidentemente, Aristóteles não tinha conhecimento da noção de gravidade quando expunha essas idéias, mas amarrava de forma bastante lógica observações disponíveis.

Como assinala Iain Nicolson, autor que serve aqui de base para esta apresentação da Física antiga, a Mecânica de Aristóteles baseava-se nas idéias que acabamos de expor. Assim, o arremesso de uma pedra ou outro corpo no ar não era um movimento natural, mas forçado ou violento. Surge assim a importante idéia de força. Somente por meio de uma força um corpo poderia iniciar o seu movimento e mantê-lo por um determinado tempo. Quando essa força se esgotava, o corpo procurava seu lugar natural entre os elementos. Ao mesmo tempo, todo movimento próximo à Terra se dava ao longo de linhas retas. Uma flecha disparada não verticalmente mover-se-ia em uma linha reta enquanto a força do ar continuasse a levá-la adiante. Quando essa força impulsionadora terminasse, a flecha tombaria verticalmente para baixo.

No Universo, o céu era separado e diferente da Terra. Sobre essa última, os elementos se corrompiam, com um começo, um desenvolvimento e um fim. No céu, diferentemente, nada mudava, razão pela qual os corpos celestes tinham de ser feitos de um quinto elemento puro e incorruptível: o éter. Por ser o único corpo celeste que mostrava uma aparência variável, a Lua demarcava a fronteira entre o mundo mutável da Terra e o firmamento incorruptível. Acima da Lua tudo era perfeição; abaixo, a imperfeição.

Seguindo com essas idéias, o movimento natural dos corpos celestes perfeitos é o círculo, que como vimos é a figura perfeita, enquanto que os movimentos forçados nas imediações da Terra se dão ao longo de linhas retas e não curvas. Aristóteles argumentou que a Terra não poderia se mover, seja sobre seu próprio eixo, seja ao redor do Sol, porque isso não seria o movimento natural do pesado elemento que compõe a Terra.

Adicionou a isso raciocínios como: se a Terra girasse, uma pedra lançada do alto de uma torre cairia longe do pé da torre; por outro lado, haveria uma ventania varrendo a superfície da Terra se ela estivesse girando de forma antinatural. Da mesma forma, a Terra não se moveria ao redor do Sol, pois caso contrário a posição aparente das estrelas se modificaria com o movimento da Terra. A idéia básica de Aristóteles era que todo movimento exigia uma força ativa. O movimento natural próximo da Terra devia-se às qualidades próprias do seu peso. Há uma conexão entre força e movimento firmemente estabelecida. No caso de uma seta disparada por um arco, surge o problema de se saber como a força era comunicada à seta. Aristóteles pensava que a força devia ser transmitida através de sucessivas camadas de ar do arco até a seta.

Para esse movimento ocorrer, o meio, no caso o ar, transmitia a força, mas também resistia ao movimento, que se dava, portanto, somente se essa força vencesse a resistência. Assim, o movimento uniforme necessitava de um equilíbrio entre esses dois fatores opostos. Em outras palavras, quanto maior a força, mais rápido o movimento; quanto maior a resistência, mais lento o movimento. Uma conseqüência interessante dessas idéias é a impossibilidade da existência do vácuo, pois nele não haveria resistência e a velocidade dos corpos se tornaria infinita, o que é absurdo. Todo o espaço devia estar cheio de um meio: o éter.

Finalmente, uma conclusão da mecânica aristotélica é a de que corpos mais pesados cairiam mais depressa do que corpos mais leves, de dimensões semelhantes. Essa idéia só foi testada e negada com Galileu, em sua célebre experiência, verídica ou não, lançando pesos do alto da Torre de Pisa ou de outro lugar igualmente importante para a ciência. As idéias acima mostram uma grande proximidade, lógica e atraente, entre idéias ligadas à geometria e à teoria dos elementos, e entre a concepção da mecânica e do firmamento. O poder de persuasão desse pensamento só pôde ser enfrentado em condições materiais e culturais que demorariam mais de mil anos para se cristalizar. Provavelmente, se ensinássemos o sistema aristotélico a alguém que não conhecesse nada da mecânica de Newton, ele seria plenamente convertido pela beleza e pela clareza dos argumentos do grande filósofo.

Essas idéias concorreram com outras igualmente atraentes e dotadas de lógica e de fundamento, no pensamento dos chamados pré-socráticos, principalmente Pitágoras. Assim, Filolaus propôs que a Terra girava diariamente ao redor de um fogo central que não o Sol. Heracleides (390-310 a.C.) pensava que Mercúrio e Vênus viajavam ao redor do Sol, enquanto o Sol e outros planetas giravam em torno da Terra. Aristarco (310-230 a.C.) propôs que todos os planetas, mesmo a Terra, giravam em torno do Sol, uma idéia descartada por sua incompatibilidade com a mecânica aristotélica.

Além da mecânica celeste, também a transformação e a constituição da matéria foram objeto de estudo dos gregos. O problema inicial era explicar a razão da transformação contínua da matéria, visto que as coisas mudam, envelhecem e se transformam. Uma forma de se contornar esse problema era buscar algo que não se transforma, uma essência primeira. Entre os filósofos pré-socráticos que seguiram esse raciocínio, destacam-se Tales de Mileto, século VI a.C., que elegeu a água como substância primeira e Anaximandro, discípulo de Tales, do século VI a.C., que defendeu a idéia de uma substância indestrutível, o apeiron, algo indefinido, infinito e sem qualidades.

Em suma, uma substância fixa e imutável que preencheria todo o universo. O estudo das causas da transformação da matéria, no entanto, atinge a sua maior expressão no século V a.C., com os atomistas Leucipo e Demócrito. A despeito de se ter somente fragmentos de suas obras, Epicuro propagou a concepção atomística de Demócrito: a consolidação da idéia de uma substância primeira e indestrutível, o átomo. Também Lucrécio, filósofo romano, no primeiro século antes de Cristo, em sua obra De rerum natura, reflete as concepções originais dos primeiros atomistas. Lucrécio explica a natureza da matéria a partir da idéia de uma substância invariável e indestrutível, constituinte de todas as coisas da natureza. Assim, discorre sobre as coisas materiais, mas invisíveis, como o ar, bem como sobre as sensações produzidas pelas diferentes formas dos átomos, como os aromas e as cores.

Não há como não mencionar Arquimedes, quando se trata dos princípios da física grega. Considerado um dos maiores gênios de todos os tempos, há em seus trabalhos um legado de física que sobreviveu intacto, a despeito de todas as revoluções científicas posteriores. Como afirma Rui Moreira, o que faz com que a física de Arquimedes seja até hoje consistente baseia-se no fato de que ele apreendeu de Aristóteles o método dedutivo; de Euclides, o rigor matemático; contou com uma intuição brilhante e, acima de tudo, dedicou-se a sistemas físicos estáticos.

Arquimedes aceitava as idéias de Aristóteles e seu cosmo dividido em duas partes distintas: o mundo supra-lunar, das perfeições, dos círculos e da uniformidade; e o mundo sub-lunar, o mundo dos acidentes, em que o movimento era descrito segundo a concepção aristotélica já comentada.

Como Arquimedes era acima de tudo matemático e encontrava em suas abstrações a perfeição das formas e das relações, dedicou-se à construção das primeiras leis matemáticas da física, mas em situações em que o movimento não estava presente. Arquimedes não trata da mudança, do devir, caso em que Aristóteles construiu toda a sua física qualitativa e fictícia, dos movimentos violentos e naturais. Arquimedes não podia então dignificar a essas propriedades de um mundo imperfeito a sutileza das relações matemáticas. Por exemplo, na lei do equilíbrio das alavancas e na lei do equilíbrio hidrostático há ausência de movimento. Como prova de seu gênio matemático e sua maneira de tratar o mundo físico, há que se dizer que para ele chegar à lei do equilíbrio das alavancas, não estudou uma balança física real; antes, imaginou uma balança geométrica, representada por uma linha reta apoiada por um de seus pontos interiores, onde se penduravam pesos geometricamente simples, com centros de gravidade bem especificados, a distâncias bem determinadas do ponto de apoio. Em seus trabalhos físicos, postulou enunciados provados a partir de experiências, com vasta aplicação da geometria euclidiana. Portanto, a convicção de Arquimedes a respeito dos cosmo aristotélico afastaram-no dos problemas físicos referentes ao movimento; em contrapartida, também preservou os seus trabalhos de todas as falhas da física qualitativa de Aristóteles.


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