Existe democracia no Brasil? (15/1/2004)



Este artigo é uma reflexão sobre a crise do Estado brasileiro. É mais uma tentativa de compreensão do que um documento de afirmação.

Para compreender essa crise, é necessário fazer o contrário do que dizia Rousseau no "Discurso sobre a origem da desigualdade": afastar os livros, desde que o que eles digam não corresponda aos fatos que assaltam o investigador. O importante é compreender aquilo que seja de fato a democracia no Brasil. O que se exige do investigador é que ele se preocupe mais com a realidade e menos com a relação entre essa realidade e as teorias. Só assim será possível compreender o espetáculo de eleições livres das quais participaram homens e mulheres acima dos 16 anos, alfabetizados ou não, e que depositaram, por esmagadora maioria, todas as suas esperanças na pessoa do presidente eleito que, a rigor, no aparelho constitucional e político do país, é apenas uma figura – embora a mais destacada delas – daquele grupo social e político que Wright Mills chamou de "elite do poder". A uma eventual conclusão só será possível chegar se nos fixarmos em alguns elementos relevantes da história, das instituições e da sociedade.

Não cabem dúvidas, no entanto, ainda que se deva dar menor importância às teorias, de que uma teoria deverá inspirar este estudo. Nem que ela seja considerada como Clausewitz preconizava em seu famoso livro "Da Guerra": uma teoria deve auxiliar o chefe militar na elaboração de seu plano de guerra. Diz Clausewitz a certa altura: "Mas o primeiro propósito de toda teoria é por ordem nas idéias e conceitos mesclados uns aos outros, e muitas vezes, é preciso dizê-lo, muito confusos. É apenas quando se consegue estar de acordo sobre o significado dos termos e das noções é que se pode esperar progredir com clareza e facilidade na análise dos problemas, e o autor pode estar seguro de colocar-se sempre no mesmo ponto de vista que o leitor"

Procedamos, pois, por partes.

 

A realidade é um corpo político de 180 milhões de pessoas e um corpo eleitoral de mais de cem milhões de pessoas, no qual se incluem indistintamente pessoas de todas as classes sociais, independentemente de renda e status, e de todas as idades a partir dos 16 anos (como sabemos, o voto é obrigatório para todos os que alcançaram os 18 anos e facultativo para os que ultrapassaram os 70). Nesse imenso corpo eleitoral, a presença de analfabetos ou semi-alfabetizados é marcante, superando em algumas regiões a marca dos 50%. Os partidos que disputam a preferência dos eleitores são 14, com direito a minutos ou segundos de propaganda gratuita na televisão e no rádio conforme o número de deputados federais que possuam. A lei que regula as eleições é nacional, ou seja, as mesmas regras se aplicam a estados desenvolvidos, como o de São Paulo, e subdesenvolvidos, como Amazonas ou Roraima. A eleição do presidente e dos governadores é majoritária em dois turnos de votação; a dos senadores (renovaram-se dois terços do Senado nesta eleição) é majoritária em um único turno; a dos deputados é proporcional num único turno. Na eleição proporcional, o "distrito eleitoral" é todo o estado – o estado de São Paulo, por exemplo, tem uma superfície de 248.256 Km2 e mais de 20 milhões de eleitores – e os candidatos são obrigados a buscar votos em todo a extensão de seu território. O sistema proporcional é complexo, vigorando desde 1946: o eleitor vota no deputado ou apenas no partido; a votação final do partido é a soma dos votos dados pessoalmente aos candidatos mais os votos dados apenas ao partido. É a partir desse total que se saberá se o partido alcançou ou não, em cada estado, o quociente eleitoral, que é o resultado da divisão do número de votos válidos pelo número de cadeiras que cada estado tem na Câmara dos Deputados. Haverá sempre sobras nessa divisão, e a partir delas se refazem cálculos matemáticos até que se preencham todos os mandatos. Esse sistema permitiu, por exemplo, que no Estado de São Paulo, o partido PRONA elegesse seis deputados porque um deles, Dr. Enéas, obteve pouco mais de 1,5 milhão de votos enquanto o sexto eleito teve apenas 150.


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