Objetivo:
Estudar a prevalência de consumo de medicamentos em adolescentes escolares e correlacioná-la com tipo de escola (pública ou particular), série e turno de estudo, idade e sexo dos alunos, escolaridade dos pais e hábito de consumo familiar de medicamentos.Métodos: Estudo transversal com amostra representativa da população de escolares do ensino médio de Porto Alegre – 1.281 alunos de 58 turmas, distribuídos em estratos proporcionais de escolas públicas e particulares. O questionário foi respondido, de forma individual e anônima, pelos alunos dentro da sala de aula, que informaram o consumo de medicamentos nos últimos 7 dias, especificando o fármaco utilizado. Foram realizados análise descritiva das variáveis, testes de associação linear e regressão logística múltipla.
Resultados: O uso de medicamentos ocorreu em 49,5% da amostra. Os grandes grupos farmacológicos mais consumidos foram analgésicos/antiinflamatórios e antigotosos (32,5% do consumo) e hormônios e análogos (12,1%). Os analgésicos/antipiréticos/antiinflamatórios e os estrógenos/progestágenos foram, respectivamente, os mais utilizados nos grupos farmacológicos citados anteriormente. O ácido acetilsalicílico foi a substância analgésica mais consumida. Os alunos do sexo feminino (RC = 2,24), com 17 anos ou mais (RC = 1,41), com menor escolaridade materna (RC = 1,40) e cujos familiares tinham o hábito de consumir medicamentos (RC = 1,39) apresentaram risco aumentado para o consumo de medicamentos.
Conclusões: Houve um elevado consumo de medicamentos entre adolescentes escolares, em especial entre as meninas e os alunos com mais idade. O hábito familiar de consumo e a baixa escolaridade materna também favorecem o uso de medicamentos.
Uso de medicamentos, estudantes, adolescência.
O consumo de medicamentos atinge níveis elevados em países desenvolvidos e também naqueles em desenvolvimento1. Seu uso indiscriminado e, principalmente, sem supervisão médica, acarreta riscos diretos e indiretos à população, tornando-se um importante problema de saúde pública.
Muito embora apenas 50% da população brasileira tenha acesso aos medicamentos, seu consumo é alto em praticamente todas as faixas etárias, atingindo a quinta colocação no mercado consumidor mundial2. Inúmeras razões contribuem para essa situação: dificuldade de acesso aos serviços de saúde; inexistência de um sistema de farmacovigilância adequado, com a proliferação de farmácias e drogarias onde se adquire medicamentos livremente; mercantilização do medicamento; e hábito de consumo de medicamentos por ansiedade e sem motivos orgânicos aparentes. Essa utilização indiscriminada também sofre influência de um processo social controlado por numerosas forças: desejo de um melhor cuidado com a saúde, disponibilidade dos produtos, padrões de morbidade dos diferentes grupos populacionais e pressão da indústria químico-farmacêutica, seja diretamente sobre o consumidor, seja sobre o profissional de saúde3.
Para melhor compreender esse processo, estudos específicos sobre o padrão de consumo de medicamentos são necessários, pois eles permitem avaliar se o seu emprego é justificado e se existem fatores que estão influenciando o seu uso. Estudos de base populacional que descrevem os padrões de consumo de medicamentos são escassos no Brasil4-9, principalmente em crianças1,9-11. Tais estudos, de forma geral, indicam que as crianças estão mais sujeitas ao consumo de medicamentos e que os médicos são os principais responsáveis pelas indicações9,12. Há relatos de utilização diferenciada de medicamentos segundo o gênero9,13 e as características socioeconômicas das famílias9,14,15. Porém, inexistem estudos que avaliem o consumo de medicamentos especificamente entre os adolescentes. Essa faixa etária é caracterizada pelo desenvolvimento de capacidades e julgamentos cognitivos individuais, os quais podem influenciar, de forma independente, os resultados de alguns estudos, e também é alvo freqüente de campanhas publicitárias, por seu alto poder de consumo, inclusive no âmbito das propagandas de medicamentos.
Este trabalho investigou a prevalência de consumo de medicamentos em escolares adolescentes observando quais os fármacos mais utilizados, além de avaliar a influência de alguns fatores, buscando, assim, aumentar a informação e a compreensão sobre o assunto.
Este é um estudo transversal tendo como população-alvo 56.520 alunos do ensino médio (2º grau) regularmente matriculados nas escolas públicas (municipal, estadual e federal) e particulares do município de Porto Alegre, de acordo com a listagem fornecida pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (SEC/RS). O tamanho mínimo da amostra foi calculado com um nível de confiança de 99,9% e um erro aceitável de 5%, resultando em 1.293 alunos. Considerando possíveis perdas e buscando maior acurácia, planejou-se estudar cerca de 1.500 alunos. Mediante amostragem sistemática, selecionaram-se as turmas de escolares (conglômeros) do ensino médio, obtendo-se: 41 turmas de escolas estaduais, correspondendo a 809 alunos; duas turmas de escolas federais, com 52 alunos; duas turmas de escolas municipais, com 23 alunos; e 13 turmas de escolas particulares, com 427 alunos. A proporcionalidade das turmas da população foi mantida na amostra.
Após a aprovação da pesquisa pela Secretaria de Educação e Cultura (SEC/RS), houve a autorização da direção das escolas para sua realização. Na sala de aula, após o consentimento dos alunos, foi aplicado um questionário que foi respondido de forma individual e anônima, num período de 30 minutos, em média, sob a supervisão de um entrevistador previamente treinado. Foram excluídos do estudo alunos com mais de 20 anos. O consumo de medicamentos nos 7 dias anteriores à entrevista foi avaliado por meio de uma pergunta dicotômica (sim ou não), sendo, em caso afirmativo, descrito o nome do medicamento, que foi incluído num dos 16 grandes grupos terapêuticos – grupos e subgrupos principais conforme o Sistema Classificatório da Organização Panamericana de Saúde (OPAS)16. A variável "declaração de consumo" expressa o consumo de um determinado medicamento, podendo o mesmo aluno apresentar mais de uma declaração positiva por consumir mais de um fármaco.
As variáveis investigadas foram: idade e sexo dos adolescentes, escolaridade dos pais, orientação para o consumo de medicamentos, tipo de escola (pública ou particular), série e turno de estudo. Outra variável investigada foi o hábito de consumo de medicamentos entre os demais membros da família que residiam no mesmo domicílio do aluno.
Foi realizada, preliminarmente, uma análise descritiva da variável dependente (consumo de medicamento) e das variáveis independentes e, posteriormente, testes de associação (qui-quadrado). As variáveis que mostraram associação com o consumo de medicamentos (p
a < 0,2) foram incluídas no modelo ajustado por regressão logística múltipla, sendo calculadas as razões de chance e seus respectivos intervalos de confiança. Os programas utilizados para essas análises foram o Epi-Info (versão 6.3) e o SPSS for Windows (versão 10.0).A pesquisa se caracterizou como sendo de risco mínimo para seres humanos17, conforme normas internacionais regulamentadas pelo Ministério da Saúde, e o projeto foi aprovado pela Comissão Científica e Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do Grupo de Pesquisa e Pós-graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
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