Artigo original: "Revista: PEDIATRIA MODERNA - Edição: Nov 2000 V 36 N 11" |
"Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia, Eu não encho mais a casa de alegria. Os anos se passaram enquanto eu dormia, E quem eu queria bem, me esquecia. Eu não tenho mais a cara que eu tinha, No espelho, essa cara não é minha, Mas é que quando eu me toquei achei tão estranho: A minha barba estava desse tamanho. Será que eu falei o que ninguém ouvia? Será que eu escutei o que ninguém dizia? Não vou me adaptar, não vou me adaptar..." Titãs A música que o adolescente ouve reflete as modificações pelas quais está passando: corporais, emocionais, sociais. Esse período de transição entre a infância e a vida adulta, descrito muitas vezes pelo próprio indivíduo como a fase mais crítica da vida, pode ser caracterizado, devido às suas peculiaridades, como um período de vulnerabilidade: a mídia e principalmente os amigos se tornam as principais fontes de informação do adolescente, para desagrado de muitos pais, professores e familiares em geral. Nesse sentido, a curiosidade e o desejo de enfrentar desafios parecem estar constantemente presentes nessa fase da vida. Observando-se algumas cenas de filmes, pode-se analisar tais características, assim como diversos autores já as têm descrito.
O filme "Juventude Transviada", que retrata os adolescentes e seus conflitos no período Pós-Guerra, apresenta em uma cena clássica do cinema um grupo de amigos que desafia o novo morador jovem do bairro a participar de uma disputa entre dois carros, a qual consiste em dirigir em alta velocidade num trajeto retilíneo, cujo final é a queda em um precipício: aquele que permanecer no carro por mais tempo antes da queda vence a prova e será considerado "covarde" o que saltar primeiro do carro. Ao final, uma fatalidade não permite que o jovem desafiador saia do carro antes da queda no precipício. Conscientemente ou não, este mesmo "desafio à morte" é constante no cotidiano do adolescente em uso de drogas ilícitas.
Desde a apresentação da droga até o uso contínuo, analisando seus efeitos a curto e a longo prazos, o presente estudo tem por objetivo traçar um breve panorama da forma devastadora pela qual a cocaína e seu mais potente derivado, o crack, vêm fixando-se como as drogas ilícitas mais utilizadas pelos adolescentes, de ambos os sexos e em todas as camadas sociais.
Drogas psicotrópicas, segundo definição proposta pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas(3), são aquelas que atuam sobre o cérebro, alterando de alguma maneira o psiquismo do indivíduo e são classificadas em depressoras, perturbadoras ou estimulantes do sistema nervoso central. A cocaína e seus derivados fazem parte desse último grupo e a evolução de seu uso será observada a seguir.
Entre 1941 e 1945, nos Estados Unidos, observou-se um aumento significativo no número de homens que começaram a fumar cigarros, o mesmo ocorrendo com as mulheres dez anos depois. Com relação à maconha, os autores desse estudo traçaram o seguinte perfil: entre os adolescentes nascidos entre 1930 e 1940, apenas 2% experimentaram a droga, enquanto metade daqueles nascidos entre 1956 e 1965 o fizeram. Tal porcentagem diminuiu nos anos 80, período em que aumentaram os índices de uso de cocaína e outras drogas ilícitas(9).
A partir daí, os diversos autores têm encontrado estritas relações entre o uso de cigarro e maconha e o posterior vício em drogas mais potentes, como a cocaína.
De 1979 a 1994, observou-se que 51% dos norte-americanos participantes da Pesquisa Domiciliar Nacional sobre o Abuso de Drogas (NHSDA) haviam tido a oportunidade de experimentar maconha; 23%, cocaína; 14%, drogas alucinógenas e 5% heroína. Entre aqueles que faziam uso de drogas no momento da pesquisa, a grande maioria se tornara viciada no prazo de um ano após as terem experimentado(20).
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