Passam este ano 90 anos sobre o início da Primeira Guerra Mundial.
Foi com o assassinato do herdeiro do trono da Áustria que tudo começou.
Recordamos aqui alguns passos desse acontecimento
e da sucessão ao trono de Carlos de Habsburgo,
casado com Zita Burbon-Parma,
ambos descendentes da Casa de Bragança.
Depois de enviuvar em 1898 e de casar as duas filhas, Giséle e Maria Veléria, o imperador do império austrohúngaro Francisco José tinha a sua companheira oficial, desde 1880, Catarina Schratt, sempre designada por «a amiga da imperatriz», pois fora Sissi quem a escolhera para fazer companhia ao marido, pois Sissi, com o seu temperamento melancólico e muito complexo, estava muitas vezes ausente da corte.
A companheira de Francisco José, Catarina Schratt nunca viveu no palácio, tinha a sua residência própria e todas as manhãs tinha a visita do imperador, principalmente depois de ter enviuvado, quando a sua Sissi foi por engano assassinada, em 1898.
Para as cerimónias da corte o imperador escolheu, a partir de 1911, a sua a sobrinha neta (por casamento) Zita de Burbon-Parma para abrir os bailes. A sua beleza serena e o amor que dedicava ao marido Carlos (mais tarde herdeiro do trono) calavam fundo no coração de Francisco José que a tratava como neta.
Zita era neta do rei português D. Miguel (filho do primogénito de nome Miguel Maria, nascido no exílio, na Áustria, em Setembro de 1853) e personalidade encantadora e forte que a tragédia não conseguiu abalar.
Para os que gostam das genealogias dizemos que o rei português D. João VI era antepassado comum de Zita e do seu marido Carlos I (ver árvore genealógica).
Ainda são vivas pessoas que conviveram com Zita de Habsburgo a Madeira e em vários países da Europa, onde muitos monárquicos a recebiam com amizade e respeito.
O sucessor do imperador Francisco José
O Imperador Francisco José tinha três irmãos, Maximiliano (1832-1867) que foi imperador do México, assassinado naquela cidade aos 35 anos, Carlos Luís (1833-1896) que casou três vezes a última com Maria Teresa de Bragança e que morreu, aos 63 anos de tifo e Luís Victor (1842-1919) que não deixou descendência, O imperador baniu-o da corte não aceitar a sua homossexualidade e porque provocava bastantes dissabores ao bom ambiente duma corte ainda muito protocolar.
O sucessor de Francisco José seria em linha directa o seu filho Rudolfo que se terá suicidado com a namorada, em 1889, em Mayrling, embora as últimas investigações neguem esta versão e digam que há indícios fortes de assassinato. Certo é que Sissi e Francisco José choraram esta perda irreparável. Seguia-se na linha de descendência o irmão, Carlos Luís, que morreu também. Na ordem de sucessão estava então o filho primogénito de Carlos Luís, sobrinho do imperador, Francisco Fernando. Quando este foi assassinado em Sarajevo, em 1914, a sua morte desencadeou, como sabemos, a I Guerra Mundial.
Francisco Fernando por ter contraído um casamento morganático (fora das uniões com princesas de sangue real) com Sofia Chotek, mais tarde duquesa de Hohenberg, teve como consequência os seus herdeiros jamais poderem subir ao trono.
Desde 1839 que os Habsburgo não podia casar senão com um membro de uma casa reinante da alta nobreza o que não acontecera. Assim, no meio de tanta adversidade, o herdeiro do trono passou a ser o filho mais velho do segundo irmão de Francisco José, Otão (1865-1906). Este filho chamava-se Carlos e viria a ter o título de Carlos I de Áustria, Carlos V da Hungria (1887-1922). Também ele descendente da casa de Bragança.
Francisco José teve um reinado de 68 anos e viu desaparecer muitos dos que lhe eram queridos. Este sobrinho-neto de Francisco José era querido do imperador e o seu casamento com Zita de Burbon-Parma foi abençoado pelo velho tio.
Zita era filha de Roberto, último duque reinante de Parma, que casou em segundas núpcias, com Maria Pia das Duas Sicílias de quem teve doze filhos, tendo sobrevivido nove. Casou, pela terceira vez, com Maria Antónia de Bragança, filha do rei D. Miguel de Bragança. Deste casamento nasceram mais doze filhos, mas apenas sobreviveram sete. Zita tinha, por isso muitos irmãos. Ela era a quarta, deste casamento, mas a 17ª na contagem total.
Carlos era filho de Otão, que não era propriamente nem marido nem pai exemplar. Bebia em demasia, tinha paixões escabrosas e provocava desacatos nas noites vienenses. Daí que o velho imperador se tivesse incumbido ele mesmo da educação do jovem Carlos.
Educação espartana. Levantar às cinco da manhã, ouvir missa e seguir um austero dia de aulas, com professores de diversas disciplinas.
Como o império era composto de vários povos, teve de aprender além do francês e inglês ( línguas diplomáticas) o húngaro e o checo.
Como varão Habsburgo teve formação militar. Aos 18 anos foi para a Armada, mais precisamente para o 7º Regimento de Dragões da Boémia. Estudou ainda, em Praga, Ciências Políticas e em ainda Teologia, Filologia e Antropologia. Carlos foi um aluno interessado e tinha uma memória notável. Modesto e atento fez amizade entre os seus colegas. Desde pequeno que a mãe lhe incutiu rígidos princípios piedoso.
Foi no dia 21 de Outubro de 1911 no castelo de Schwarzau, perto de Viena. Esteve presente o filho do rei D. Miguel, também de nome Miguel, irmão da duquesa de Parma. Carlos envergava a bela farda de dragão de Lorena o colar da Ordem do Tosão de Ouro e Zita estava linda no seu vestido de cetim marfim. Na cabeça uma tiara de onde caia o véu. O ramo da noiva era longo como se usava então. Ao pescoço um colar de pérolas e uma jóia, no pulso uma pulseira preciosa.
Zita começa a aprender checo e húngaro e Carlos regressa à sua vida de militar. O primeiro filho, Otão nasceu, em Novembro de 1912. No ano seguinte vão viver para o castelo de Hatzendorf, perto de Viena.
A família crescia todos os anos. Adelaide nasce em Janeiro de 1914.
Francisco José nomeia então seu herdeiro legítimo Carlos seu sobrinho neto. Este esteve alguns períodos na frente de batalha, mas vinha de licença a casa. Zita, ainda não imperatriz instalou-se em Schonbrum e, em Fevereiro de 1915, nasceu Roberto, no ano seguinte Félix.
A 21 de Novembro de 1916, aos 86 anos o imperador Francisco José entrega a alma ao Criador. O herdeiro do trono, Carlos, numa atitude inédita e perante alguma surpresa dos aristocratas vienenses, leva a companheira do velho imperador, Catarina Schratt até à câmara mortuária para que ela pudesse dar um último beijo ao homem que amara, fora das regras estabelecidas. Discreta, poisou-lhe sobre o peito três rosas.
Sobe ao trono Carlos I que será, com Zita coroados reis da Hungria, em Budapeste, no dia 20 de Dezembro de 1916. No curtíssimo reinado de Carlos I ainda houve tempo para criar na Áustria o Ministério da Saúde e Assistência Social , em 1917 e em Julho desse ano é decretada amnistia geral para todos os presos políticos que eram mais de dois mil.
Para Guilherme II este novo imperador era demasiado inexperiente e brando. Infelizmente não teve tempo para mostrar o que valia.
Dois irmãos da imperatriz Zita, Xavier e Sisto alistaram-se no exército belga e lutaram contra a Áustria, o que deixou toda a família amargurada. As guerras separam os que se amam.
Março de 1918 Zita dá à luz o filho Carlos Luís e a família retira-se para o castelo de Eckartsau. A 12 de Novembro de 1918 a república é proclamada na Áustria e, em Março de 1919 a família imperial vai para a Suíça para casa da duquesa de Parma. Os bens dos Habsburgo são confiscados e ao casal Carlos e Zita resta-lhes o exílio. Nestas condições nascerão ainda Rudolfo, e, em 1921, Carlota. A última filha Isabel nascerá, em Espanha, já depois da morte do pai, em 1922, na Madeira.
Quando a Áustria proclamou a República, em 1919, a família imperial refugia-se na Suíça. Depois de uma série de reuniões entre os países vencedores da Grande Guerra, onde a Áustria saíra vencida, por ter ficado do lado da Alemanha de Hitler, foi decidido que Portugal era o país com as melhores condições para exilar os ex-imperadores. Portugal apenas participara de 1916 a 1918 e, como país periférico e com a ilha da Madeira muito conhecida das famílias reais europeias, pareceu-lhes que era o local indicado e assim aconteceu.
Os Países Aliados decidem mandar para o exílio o último imperador da Áustria. A bordo do cruzador Cardiff . Chega com a mulher à ilha da Madeira em 19 de Novembro de 1921. Fixaram residência na Vila Vitória. Em Janeiro de 1922 a imperatriz Zita foi à Suíça buscar os filhos. A família foi residir na Quinta Gordon, propriedade de um banqueiro madeirense. Monárquicos de Portugal e amigos da família vão visitá-los, porque os monárquicos da Áustria e da Hungria, mais longe, limitavam-se a ajudar monetariamente, dado os bens dos Habsburgo terem sido congelados. Carlos I na sua simplicidade e bondade era querido das gentes da ilha, que o viam ir comprar o jornal, enquanto que a imperatriz fazia ela mesma as compras da casa. O cónego António Homem de Gouveia foi confessor e seu secretário, mais tarde será ele a proferir o elogio fúnebre do malogrado imperador.
Foram poucos os tempos felizes na ilha, porque o ex-imperador adoeceu.
Carlos I morreu de broncopneumonia num Sábado de Aleluia, 1 de Abril de 1922 e assim tristemente na bela ilha da Madeira acabou a monarquia austrohúngara.
O imperador e monarca foi sepultado numa dependência da igreja paroquial. O seu coração foi levado pela imperatriz para Viena, conforme tradição da família Habsburgo. Em 1968 foi inaugurada uma nova capela tumular, tendo estado presente a imperatriz viúva, com o filho e a filha mais velhos, bem como o bispo do Funchal, monárquicos amigos da família imperial e autoridades da Ilha. Os restos mortais de Carlos I estão num cofre de chumbo, que por sua vez foi metido numa caixa forte de ferro e por fora pudemos ler a inscrição:
CAROLUS I, D.G. AUSTRIAS IMPERATOR BEREMIAE REX...
APOSTOLICAS REX HUGARIAE NOMINE IV. NATUS PERSENBERG XVII-VIII-MDCCCLXXXVII OBTIT MADEIRA ADORAUS SS.SACRAMENTEN PRAESENS DICENS «FIAT VOLUNTAS TUA»
A grande bondade de Carlos de Habsburgo era conhecida de todos, o próprio Papa Bento XV referindo-se a ele disse que era um santo. Foi aberto o processo de beatificação de Carlos I, que está a ser tratado. Foi um membro da família Homem de Gouveia que, com o bispo do Funchal estiveram empenhados nessa missão.
Como viúva a imperatriz Zita passou a usar apenas roupa preta. Educou os filhos com grande rigor e todos estudaram. Arranjar para os filhos bons casamentos já não era aquilo que ela considerava um bom futuro, os tempos tinham mudado radicalmente Estava-se noutra época, em que cada um deve auferir o seu ordenado. Embora acalentasse até morrer o sonho de ver o filho Otão um dia no trono da Áustria, o tempo fê-la ver que a época das monarquias tinha acabado.
Zita viveu grandes mudanças nas sociedades europeias. Queda das monarquias, avanços significativos na indústria, nas comunicações. Tendo vivido 97 anos, em 1989 foi com o maior respeito que velhos monárquicos e políticos democratas assistiram às suas exéquias. Afinal aquela senhora idosa e delicada fora a última imperatriz do grandioso império austrohúngaro.
Zita deixou a ilha da Madeira, no dia 19 de Maio rumo a Espanha onde nasce a última filha. Até 1929 a família, sob protecção dos espanhóis viveu na costa basca, numa grande vivenda, perto de Bilbao, depois seguiram para a Bélgica. Em 1934 foi banida a lei que forçara a família imperial ao exílio. Adelaide e o irmão Felix ainda regressam ao seu país, mas a 2ª Grande Guerra e o ódio de Hitler aos Habsburgo fá-los voltar à Bélgica. Por uma questão de segurança, em 1940, a família imperial parte para os Estados Unidos. O bispo do Quebeque põe à disposição da família uma residência para onde vão viver.
O arquiduque Otão, que ainda é vivo, era amigo do Presidente dos Estados Unidos e percorreu todo o país fazendo conferências. Tinha residência em Nova Iorque. No Natal a família reunia-se e a mãe da imperatriz Zita, Maria Antónia de Bragança, também estava presente, visto que só faleceu, em 1959, com 97 anos.
No fim da Guerra, em 1945, os filhos do último imperador regressaram à Europa. Todos os filhos de Zita e Carlos foram e são empregos, em bancos e empresas comerciais e casaram com descendentes de casas reais, apenas Adelaide ficou solteira. O arquiduque Carlos Luís estudou e doutorou-se.
A imperatriz Isabel de Áustria, quando rumou no iate Fantasia até à Ilha da Madeira sofria mais de tristeza e amargura do que dos pulmões, se bem que seja sabido que para manter os 50 cm de cintura que teve até praticamente aos 60 anos, idade com que foi assassinada, se impunha ginástica diária e uma alimentação draconiana. Era, em termos de hoje, uma anoréctica. Mas nesta época estava no esplendor da sua beleza, fora mãe, dois anos antes, de Rudolfo, o herdeiro esperado, e a pressão e protocolos da corte asfixiavam-na.
Longe de Viena, do palácio Hofburg que a sufocava com duas mil e seiscentas divisões (uma cidade dentro da cidade), estava longe do imperador e seu marido Francisco José e da insuportável sogra. Agora nada nem ninguém a iam impedir de viver uns dias de descanso e prazer. Sissi dizia que herdara a maldição dos Wittelsbach. Cedo percebeu que não era talhada para viver uma vida espartilhada numa corte que não admitia sequer que se almoçasse sem luvas, e onde quem tudo decidia era a mãe do imperador. Uma autêntica gaiola de ouro. E se algo era necessário a Sissi para viver, era a liberdade. Amava a poesia, o ar livre, cavalgava nos melhores e mais belos cavalos que alguma caudelaria europeia possuía.«Era uma republicana utópica, poetisa romântica e admiradora de Heine e uma viajante impenitente, em fuga de tudo e sobretudo dela própria» como disse o escritor e cineasta Frédéric Mitterrand (Les Aigles Foudroyés), Francisco José, devotou-lhe até à morte uma afeição sincera. Amou-a, como se pode ver pelas cartas que trocaram. Até ao último dia de vida dessa enigmática mulher que escolheu para sua mulher e imperatriz do seu povo. Ele pagou todos os seus luxos e caprichos, sem pestanejar. Quis sempre que ela tivesse tudo o que desejava, e ela não se poupava a gastos, fossem no seu palácio, na ilha de Corfu ou na maravilhosa "vila" Hermes, com inúmeros frescos onde consta também o seu célebre retrato pintado por por Gustavo Klimt, onde ela se sentia melhor que nos palácios Hofburg ou Schonbrunn.
A imperatriz Sissi tinha um guarda roupa riquíssimo, belíssimas jóias, onde se destacavam a sua predilecção pelas pérolas. Depois da morte do filho Rudolfo passou a usar pérolas negras. O seu iate Fantasia era a última palavra em conforto e requintadamente decorado. Tinha várias casas de banho e sala de massagens. A comitiva e corpo de marinheiros do iate foi escolhida por ela. O cozinheiro era francês, pois Sissi exigia uma alimentação leve e variada, embora comesse pouquíssimo e quase só consomés, sumo e caldos de carne. Levou menos criadas nessa viagem para a Madeira, uma camareira e um secretário de confiança, o húngaro Irmy Hunyadi, de ascendência nobre. Irmy fez-se acompanhar da irmã Carolina (Lili) que foi amiga e confidente de Sissi. Há fotos de ambas na Madeira.
Sissi partia cheia de saudades dos filhos, Gisela e Rudy (Rodolfo).
A imperatriz Sissi festejou os seus 23 anos na ilha da Madeira.
Quis o caprichoso destino que um anarquista a assassinasse por engano em Genebra, numa tarde quente de Verão, no ano de 1898. E esta mulher enigmática não teve da parte dos austríacos as lágrimas que mais tarde a última imperatriz Zita, exilada desde 1919 viria a ter.
Sissi recuperou a aura de grande senhora e uma figura de culto, agora que já passou mais de um século sobre a sua trágica morte.
Luísa Paiva Boléo
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