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Conhecer as causas da variabilidade e mapear as propriedades do solo que influenciam a produção das culturas, dependem do conhecimento dos processos que operam e continuam operando em locais específicos da paisagem (Wilding & Drees, 1983). A influência dos materiais (estratigrafia), da história da evolução do relevo (geomorfologia) e dos movimentos de água em subsuperfície (hidrologia), é fundamental para entender esta premissa e transferir conhecimentos (Daniels & Hammer, 1992). Neste sentido, o estudo da variabilidade do solo, levando-se em consideração as superfícies geomórficas e segmentos de vertente associados às unidades de mapeamento de solo, é ferramenta importante (Daniels & Nelson, 1987).
Estudos realizados em superfícies geomórficas têm demonstrado que processos superficiais envolvendo erosão, transporte e deposição de materiais, além de processos internos, pedogenéticos, atuam na variabilidade das propriedades dos solos na paisagem, condicionados, em grande parte, pelo relevo (Daniels & Hammer, 1992; Cunha et al., 2005). Segundo esta perspectiva, os processos que determinam a variabilidade das propriedades do solo são influenciados por fluxos de água, tanto verticais como horizontais, superficiais ou subsuperficiais e condicionados, fundamentalmente, pela posição dos solos na paisagem ou no declive, mesmo que o relevo seja de pequena expressão (Marques Júnior, 1995; Souza et al., 2004).
O manejo das culturas é outra fonte de variabilidade sobre as propriedades dos solos; Cline (1944) em seu clássico artigo sobre amostragem de solo, observou rápidas modificações nas propriedades dos solos após a adição de fertilizantes. Beckett & Webster (1971) relatam que em áreas cultivadas sobrepondo-se à variabilidade natural do solo, existem fontes adicionais de variabilidade devidos ao manejo, principalmente ao manejo relacionados à aplicação localizada de fertilizantes. Neste trabalho, os autores ressaltam a importância de se conhecer a variabilidade dos solos em áreas menores, de preferência em unidades de paisagem com limites precisamente definidos e delimitados.
Portanto, investigar as causas da variabilidade de propriedades do solo em unidades definidas da paisagem, superfícies geomórficas ou unidades de mapeamento de solo, requer que se registre a influência exercida pelo manejo das culturas; essas alterações podem influenciar a locação dos limites entre classes de solos e o entendimento do verdadeiro potencial produtivo (Marques Júnior & Lepsch, 2000). Souza et al. (2004) estudando a influência das formas do relevo na variabilidade de atributos do solo, verificaram que pequenas variações das formas do relevo condicionam variabilidade aos atributos do solo.
As relações entre variabilidade espacial das propriedades do solo e a variabilidade das propriedades de plantas, têm sido estudadas para ajudar a identificar a relação de causa e efeito dessas propriedades (Miller et al., 1988; Marques Júnior, 1995; Salviano et al., 1998; ). A dependência espacial de uma propriedade do solo e da planta, pode ser descrita utilizando-se o semivariograma experimental (Isaaks & Srivastava, 1989), ao qual se pode ajustar um modelo matemático, conforme descrito por McBratney & Webster (1986). Este modelo é usado no processo de interpolação geoestatística, denominado krigagem, para estimar valores em locais não amostrados.
Neste sentido, superfícies geomórficas, entendidas como aquela porção de terra definida no espaço e no tempo e com limites geográficos definidos, formado por um ou mais elementos em determinado espaço de tempo, poderão ser validadas pela geoestatística, através das propriedades dos solos, contribuindo para nortear locais de experimentação, localizar os limites espaciais dos locais específicos de manejo e transferir conhecimentos.
Objetivou-se, com este estudo, avaliar a variabilidade espacial das propriedades granulométricas e químicas de solos altamente intemperizados e produção de café, em diferentes superfícies geomórficas.
A área de estudo localiza-se no município de Patrocínio, região do Alto Paranaíba, a sudoeste do Estado de Minas Gerais, entre os meridianos 18º 17' 00" S e 46º 59' 36" W (Figura 1); a altitude varia de 800 a 1200 m.
O clima, de acordo com a classificação de Köppen, é o Aw (tropical) cuja temperatura média do mês mais frio é superior a 18,0 ºC e a do mês mais quente (outubro) é de 24,0 ºC, com temperatura média anual de 21,9 ºC. A pluviosidade anual média é da ordem de 1600 mm, sendo que o período seco ocorre no outono - inverno e úmido na primavera - verão (80% do total pluviométrico anual).
Predomina no município a vegetação de cerrado que, em alguns trechos, apresenta-se mais alta e compacta (chapadão). Circunscritas às manchas de boas condições edáficas, quase sempre em trechos planos ou ondulados, coexistem com esta formação vegetal, sob as mesmas condições climáticas, áreas de matas (floresta mesófita semidecídua). Nos vales fluviais também são encontradas matas-galerias (ciliares) subperenifólias.
A região caracteriza-se pela grande diversidade de formações geológicas, cujas idades variam do Proterozóico Inferior ao Mesozóico. Na área de estudo predominam as rochas do Grupo Bambuí, constituídas por metafilitos sob depósitos de sedimentos do Terciário.
No chapadão, em uma área de topo quase plano, onde ocorre depósito de sedimentos do terciário, domínio de Latossolos Vermelho-Amarelo, duas sub-áreas foram escolhidas e diferenciadas por meio de percepções visuais no campo, em locais onde há descontinuidades ou "quebras" do grau das inclinações e/ou das formas do terreno, razão por que se observou uma faixa de cerca de 100 m de largura. Adicionalmente, foram feitas medições topográficas (com teodolito), calculados e desenhados o perfil e o modelo de elevação digital da encosta. Os critérios e o conceito de superfície geomórfica utilizados foram os estabelecidos por Ruhe (1969) e Daniels et al. (1971) e estão mostradas na (Figura 2).
Nessas áreas o café foi plantado em janeiro de 1987, com espaçamento de 4,20 x 0,80 m. A variedade implantada na área de estudo é a Mundo Novo e foi manejada de maneira uniforme, segundo recomendações agronômicas para a cultura.
Em cada sub-área denominada Superfície Geomórfica I e II (SG I e SG II), foi instalada uma malha com espaçamento regular de 50 m entre pontos, no total de 68 pontos para cada parcela, constituindo parcelas de 200 - 850 m; os solos foram amostrados na intercessão das linhas de plantio em ambas as superfícies geomórficas, na profundidade de 0-0,20 m. Além de realizadas análises químicas e granulométricas, avaliou-se a produção de café através de coleta dos grãos de café em coco por planta, no local ao lado do ponto da coleta de solo, os quais foram medidos em recipientes específicos graduados em litros; referida avaliação foi realizada em julho de 1999 e 2001, no momento em que os grãos se encontravam no ponto ideal de colheita.
A análise granulométrica foi realizada pelo método da pipeta, utilizando-se uma solução de NaOH 0,1 N como dispersante químico e agitação com aparato de baixa rotação (EMBRAPA, 1997). Cálcio, magnésio e potássio trocáveis e fósforo disponível foram extraídos através do método da resina trocadora de íons (van Raij et al., 2001); a acidez trocável (Al3+), seguindo a metodologia de van Raij et al. (2001) e o carbono orgânico, segundo EMBRAPA (1997). O pH foi determinado potenciometricamente, utilizando-se relação 1:2,5 de solo: CaCl2 0,01 M.
As estatísticas descritivas (média, desvio padrão, máximos e mínimos, coeficientes de variação, assimetria e curtose) das propriedades químicas e granulométricas do solo e produção sob as diferentes superfícies geomórficas, foram avaliadas por meio do pacote estatístico Statistical Analysis System (SAS Institute, 1995).
Na modelagem da semivariância utilizaram-se modelos isotrópicos (linear, esférico, exponencial e gaussiano). Todos os modelos de semivariogramas foram ajustados utilizando-se o programa computacional Variowin v.2.4 (Pannatier, 1996). Realizou-se também o mapa de colheita da produção de café, com base nos valores estimados por krigagem, por meio do programa Surfer (1999).
Os valores da média, desvio padrão, curtose e coeficiente de variação das variáveis analisadas, encontram-se na Tabela 1. Observa-se que a variabilidade do solo medida pelo coeficiente de variação na profundidade de 0 - 0,20 m, revelou três grupos, sendo alta para as propriedades P, Ca, Mg, SB, produção (82 a 92%), seguido por um grupo intermediário: K e CTC (36 a 40%) e um grupo de menor variabilidade: matéria orgânica, pH, H+Al, V%, argila, areia fina e areia grossa (7 a 25%) porém se observa, em geral, variação relativa menor das propriedades da malha 1 (SG I), instalados na área mais plana da paisagem, em relação às propriedades da malha 2 (SG II).
Constata-se na Tabela 1, que as variáveis MO, pH, K, V%, argila, silte e areia grossa são mais simétricas quando comparadas com as demais variáveis. De acordo com Cressie (1991) a normalidade dos dados não é uma exigência da geoestatística, sendo conveniente apenas que a distribuição não apresente cauda muito alongada, o que poderia comprometer os resultados.
Os valores do coeficiente de variação das propriedades granulométricas são menores que os químicos, concordando com Souza et al. (1997) e Marques Júnior & Cora, (1998). Para argila, os dados de CV são menores que para a areia, acatando o trabalho de Nielsen et al. (1973). A maior variabilidade de partículas finas (argila, silte e areia fina) na SG II, pode indicar ambiente mais propício ao transporte seletivo pelo deflúvio causado pela superfície menos intemperizada; resultados semelhantes foram observados por Cunha et al. (2005).
Valores baixos de coeficiente de variação para o pH foram encontrados por Carvalho et al. (2002) e Silva et al. (2003). Resultados semelhantes para as propriedades Ca, Mg e V% foram observados por Silva et al. (2003). Souza et al. (1997) e Carvalho et al. (2002) também encontraram valores altos de coeficiente de variação para o P.
Observa-se nos dados da Tabela 2, os parâmetros dos modelos dos semivariogramas ajustados aos dados das propriedades granulométricas e químicas do solo e produção. Na SG II, as propriedades Mg, SB, CTC e areia grossa indicaram dependência espacial e as demais propriedades apresentaram distribuição aleatória; já na SG I, apenas K e H + Al apresentaram distribuição aleatória.
O modelo esférico ajustou-se à semivariância estimada de todas as propriedades granulométricas, químicas e produção em estudo, com exceção da produção (em 2001), que se ajustou ao modelo linear (Tabela 2 e Figura 3). Várias pesquisas indicam o modelo esférico como o mais adaptado para descrever o comportamento de semivariogramas de propriedades do solo e de plantas (Trangmar et al., 1987; Souza, 1992; Salviano et al., 1998).
Segundo Cambardella et al. (1994) o efeito pepita é um parâmetro importante do semivariograma e indica variabilidade não explicada, que pode ser devida a erros de medidas ou microvariação não detectada, considerando-se a distância de amostragem utilizada. Este parâmetro pode ser expresso como porcentagem do patamar, já que é impossível quantificar a contribuição individual dos erros de medições ou da variabilidade (Trangmar et al., 1985). Neste estudo, o grau de dependência espacial das variáveis foi avaliado através da porcentagem do efeito pepita no patamar, segundo os níveis de classificação: fraca, média e forte, conforme classificação proposta por Cambardella et al. (1994).
Os semivariogramas das propriedades químicas do solo são classificados como de dependência espacial média, exceto para potássio e silte na SG I; na SG II, as variáveis Mg e SB apresentaram grau de dependência espacial médio e as variáveis CTC, areia grossa e produção em 1999, grau forte de dependência espacial, sendo que as demais variáveis apresentaram efeito pepita puro (Figura 3). O K foi o único elemento que apresentou dependência espacial fraca na SG I, concordando com os dados de Cambardella et al. (1994) e Salviano et al. (1998). A variabilidade aleatória da propriedade H+Al para ambas as superfícies, está relacionada com as elevadas quantidades de calcário adicionadas nesses solos sob cerrado, para formação e manutenção da cultura do café. Matéria orgânica e CTC apresentam dependência espacial média e forte nas SG I e II, respectivamente (Tabela 2 e Figura 3) e apresentam alcances próximos.
O alcance de dependência espacial na SG I apresentou alguns grupos abrangendo todas as propriedades analisadas. As propriedades químicas do solo: de 105 a 152 m; as propriedades granulométricas: 123 a 348 m. Na SG II, para as propriedades químicas que apresentaram dependência espacial na profundidade 0 - 0,20 m, o alcance varia de 84 a 99 m. Em 1999, a produção de café, apresentou alcance de 358 m na SG I e 130 m na SG II, resultados que confirmam que o comportamento das plantas acompanha a distribuição e variação dos nutrientes no solo (Miller et al., 1988). Na cultura do café essa distribuição e variação estão muito relacionadas com a camada de 0 - 0,20 m.
Os valores do alcance fornecem neste contexto, informações significativas para planejamento e avaliação experimental pois segundo Journel & Huijbregts (1991) os valores do alcance da dependência espacial indicam a distância em que os pontos são similares entre si; já os resultados das estatísticas descritivas da produção de café, nas SG I e II, foram muito similares; um teste de significância "t-student", entre estas produções médias, não foi significativo (p > 0,05), enquanto as estruturas espaciais se mostraram bem diferentes para essas propriedades.
A variabilidade espacial da propriedade produção de café revelou que o seu semivariograma é de dependência espacial média e forte nas SG I e II, respectivamente (Tabela 2). A dependência espacial forte, para propriedades vegetais, também foi encontrada por Salviano et al. (1998) para cultura da crotalária. Os autores justificam que esta dependência espacial forte deve ser associada às variações intrínsecas do conjunto de características do solo, já que o comportamento da planta está diretamente relacionado com as combinações das variáveis do solo.
Os parâmetros dos modelos ajustados para as propriedades de produção foram utilizados para obter estimativas em locais não amostrados por krigagem, produzindo mapas de estimativas de ocorrência das propriedades na área estudada (Figura 4). A produção apresentou, nos anos de 1999 e 2001, valores variando de 1,0 a 6,0 L planta-1 e 1,0 a 5,0 L planta-1 na superfície geomórfica I (Figura 4A e C, respectivamente). Na superfície geomórfica II a produção nos anos de 1999 e 2001, apresentou valores variando de 1,0 a 21,0 L planta-1 e 2,0 a 26,0 L planta-1 (Figura 4B e D, respectivamente).
Ressalta-se a pouca variação do padrão de distribuição espacial da produção nos dois anos avaliados, isto é, apesar das atividades de manejo, os mapas de krigagem apresentam o mesmo comportamento espacial nos diferentes anos de avaliação, revelando que a caracterização das SG pode indicar áreas específicas de manejo nestes solos altamente intemperizados.
Vários trabalhos relatam a influência das propriedades do solo no padrão de distribuição espacial das culturas (Mulla 1992; Trangmar et al., 1987). Outros autores citam que a planta atua como integradora da variabilidade das propriedades do solo (Salviano et al., 1998). Marques Júnior & Lepsch (2000) encontraram forte relação de propriedades de solo com superfícies geomórficas e afirmam que diferentes superfícies geomórficas podem condicionar comportamento diferencial para a produção das culturas.
Souza et al. (2003) relatam que a partir de mapas de krigagem se pode obter informações que possibilitam entender melhor o padrão de distribuição espacial e definir zonas de manejo. Os mapas de atributos do solo e produção podem ser de grande utilidade no planejamento experimental, além de úteis como ferramenta aos empresários que já fazem uso da agricultura de precisão. Kravchenco & Bullock (2000) estudando a correlação da produção de milho e feijão com posições da topografia, verificaram que 40% da variabilidade da produção dessas culturas foram explicados pela curvatura do terreno.
1. As propriedades químicas e granulométricas de solos intensamente manejados, possuem dependência do relevo, mesmo de pequena expressão.
2. A produção de café apresentou dependência espacial em ambas as superfícies e maior variabilidade na SG II.
3. Os limites entre as superfícies geomórficas podem representar limites de locais específicos de manejo.
Rodrigo B. SanchezI; José Marques JúniorII; Gener T. PereiraIII; Zigomar M. de SouzaIV
mailto:zigomarms[arroba]yahoo.com.br
IPós-graduando do Programa de Produção Vegetal. UNESP/FCAV. Via de acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n, CEP 14884-900, Jaboticabal, SP. E-mail: rodrigo[arroba]usinasaodomingos.com.br
IIUNESP/FCAV. Departamento Solos e Adubos. E-mail: marques[arroba]fcav.unesp.br
IIIUNESP/FCAV. Departamento de Ciências Exatas. E-mail: genertp[arroba]fcav.unesp.br
IVPós-Doutorando. Departamento de Engenharia/UFLA. CEP 37200-000, Lavras , MG. E-mail: zigomar[arroba]yahoo.com.br
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