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A necessidade do aumento da eficiência dos setores da economia globalizada abrange o aumento de competitividade do setor agrícola. A utilização da informática das novas tecnologias em geoprocessamento, os sistemas de posicionamento global e a aplicação da geoestatística para o conhecimento da variabilidade espacial dos solos são os novos paradigmas de aplicação tecnológica na agricultura (Tschiedel & Ferreira, 2002).
Com o advento da mecanização de várias práticas culturais, de diferentes sistemas de produção agrícola, principalmente os de larga escala, extensas áreas de terra vêm sendo tratadas de maneira uniforme, principalmente no nordeste do estado de São Paulo, em áreas sob cultivo de cana-de-açúcar. Assim, a prática agrícola convencional tem-se baseado em poucas amostras dos solos (McBratney & Pringle, 1998). Todavia, a variabilidade espacial dos diversos atributos envolvidos no processo de produção agrícola do solo em áreas extensas pode ser relativamente elevada. Como resultado desta variabilidade o desempenho produtivo das culturas é pouco satisfatório.
O crescimento do setor sucroalcooleiro no estado de São Paulo tem sido sustentado com a utilização intensiva de máquinas e implementos agrícolas (Cerri et al., 1991). Isso contribui para aumentar as áreas com problemas de compactação, provavelmente pela ausência de um cronograma de trabalho bem definido ou de modelos capazes de estimar a capacidade de suporte do solo (Figueiredo et al., 2000). Muitas vezes, o preparo do solo é realizado sem levar em conta sua umidade, a qual é um fator controlador da compactação (Dias Junior & Pierce, 1996). A degradação dos atributos físicos decorrente do manejo inadequado condiciona queda de produção da cana-de-açúcar (Freitas, 1987; Utset & Cid, 2001).
O cultivo do solo acarreta modificações nos atributos físicos, dependendo da intensidade de preparo do solo. As principais alterações são evidenciadas pela diminuição do volume de macroporos, tamanho de agregados, taxa de infiltração de água no solo e aumento da resistência à penetração de raízes e densidade do solo (Anjos et al., 1994; Albuquerque et al., 1995; Klein & Boller, 1995; Cavenage et al., 1999; Beutler et al., 2001; Utset & Cid, 2001). O cultivo inadequado pulveriza a superfície dos solos, deixando-os mais susceptíveis ao processo de erosão (Franti et al., 1999) e propiciando a formação de impedimentos físicos logo abaixo das camadas de solo movimentadas pelos implementos (Tavares Filho et al., 2001). A análise da variabilidade do solo, por meio da geoestatística, pode indicar alternativas de manejo, não só para reduzir os efeitos da variabilidade do solo sobre a produção das culturas (Trangmar et al., 1985), mas também para aumentar a possibilidade de estimar respostas das culturas sob determinadas práticas de manejo (Ovalles & Rey, 1994).
Em cultivos altamente tecnificados, como no caso da cana-de-açúcar, é fundamental ter o conhecimento da variabilidade espacial de atributos físicos do solo, o que poderá contribuir para a redução de custos nos sistemas de produção. O objetivo deste trabalho foi estudar a variabilidade espacial da resistência à penetração, umidade e densidade do solo em um Latossolo Vermelho eutroférrico, sob cultivo de cana-de-açúcar, em áreas com pequenas variações da pedoforma.
A área de estudo localiza-se no nordeste do estado de São Paulo, no município de Guariba (SP). As coordenadas geográficas são 21 º 19 ' de latitude sul e 48 º 13 ' de longitude oeste, com altitude média de 640 m acima do nível do mar. O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo mesotérmico com inverno seco (Cwa), com precipitação média de 1.400 mm, com chuvas concentradas no período de novembro a fevereiro. A vegetação natural era constituída por floresta tropical subcaducifólia e mata ciliar.
O relevo é predominantemente suave ondulado com declividades médias variando de 3 a 8 %. A área experimental está sob cultivo de cana-de-açúcar há mais de trinta anos. O solo da área foi classificado como Latossolo Vermelho eutroférrico textura muito argilosa (LVef) (Embrapa, 1999).
De acordo com o modelo de Troeh (1965), a curvatura e o perfil das formas do terreno foram classificados no terço inferior da encosta, em dois compartimentos (I e II) (Figura 1). No compartimento I, a forma do relevo é basicamente linear e o compartimento II apresenta curvaturas côncavas e convexas. Os solos foram amostrados nos pontos de cruzamento de uma malha, georreferenciados, com intervalos regulares de 10 m, nas profundidades de 0,0—0,2 m e 0,2—0,4 m, com dimensão de 100 x 100 m, totalizando 100 pontos, em uma área de 1 ha.
Figura 1. Modelo de elevação digital da area de estudo, com compartimentos identificados (I e II)
Foram abertas 100 trincheiras de 0,60 m de profundidade (0,3 x 0,3 m de largura), para determinação dos atributos físicos: a resistência à penetração do solo, utilizando um penetrômetro de impacto modelo IAA/Planalsucar, conforme Stolf (1991); a umidade do solo, à base de massa, pelo método da pesagem (Embrapa, 1997), e a densidade do solo, utilizando o método do volume conhecido, com amostras indeformadas coletadas em anéis volumétricos (Embrapa, 1997).
A variabilidade do solo foi, primeiramente, avaliada pela análise exploratória dos dados, calculando-se a média, mediana, variância, coeficiente de variação, coeficiente de assimetria e coeficiente de curtose. A hipótese de normalidade dos dados foi testada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, utilizando o programa SAS (Schlotzhaver & Littell, 1997). A observação de valores extremos (máximos e mínimos) e a distribuição de freqüência revelaram valores atípicos para os atributos físicos em estudo. Após a verificação da inexistência de erros dos dados de laboratório, optou-se pela reedição dos dados extremos, por meio da média de seus vizinhos.
A análise da dependência espacial foi avaliada pela geoestatística, conforme Vieira et al. (1983) e Robertson (1998), por meio do cálculo da semivariância. A análise geoestatística é baseada na suposição de que medições separadas por distâncias pequenas são mais semelhantes umas às outras do que aquelas separadas por distâncias maiores. A semivariância é, por definição, dada por:
a qual é uma função do vetor h e, portanto, depende da magnitude e da direção h.
A semivariância é estimada pela expressão:
sendo: N(h) o número de pares de valores medidos Z(xi), Z(xi + h), separados por um vetor h. O gráfico de g* (h) contra os valores correspondentes de h é denominado semivariograma.
Foram testados os seguintes modelos de semivariograma: (a) esférico (Esf), g*(h) = C0 + C1 [1,5 (h/a)—0,5 (h/a)³] para 0 < h < a e g*(h) = C0 + C1 para h > a; (b) exponencial (Exp), g*(h) = C0 + C1 [1—exp (-3h/a)] para 0 < h < d, em que d é a distância máxima na qual o semivariograma é definido; (c) gaussiano (Gau), g*(h) = C0 + C1[1—exp (-3h²/a²)] para 0 < h < d. O ajuste matemático dos dados a partir do semivariograma possibilitou definir os seguintes parâmetros: efeito pepita (C0); alcance da dependência espacial (a); patamar (C0 + C1). Ajustaram-se os semivariogramas pelo programa GS+ (Robertson, 1998), considerando o maior R2 (coeficiente de determinação) e o menor SQR (soma de quadrados do resíduo). Para elaborar os mapas de distribuição espacial das variáveis, foi utilizado o programa Surfer (Golden Software, 1999).
A razão entre o efeito pepita e o patamar C0/(C0 + C1 ) permitiu a classificação e a comparação entre os atributos do solo (Trangmar et al., 1985). Esta razão foi utilizada para definir as classes distintas de dependência espacial dos atributos físicos do solo, utilizando-se a classificação de Cambardella et al. (1994). Foram assim definidas: dependência espacial forte, quando a razão foi inferior ou igual a 25 %; dependência espacial moderada, quando a razão foi superior a 25 % e inferior ou igual a 75 % e dependência fraca, quando a razão foi superior a 75 %.
Os resultados referentes à análise descritiva para as variáveis resistência à penetração do solo, umidade e densidade do solo (Quadro 1) indicaram distribuição normal. Os valores da média e mediana, para todas as variáveis, estão próximos, mostrando distribuições simétricas, o que pode ser confirmado pelos valores de assimetria próximos de zero (Quadro 1). Os resultados do teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov indicaram normalidade para todas variáveis nas profundidades de 0,0—0,2 m e 0,2—0,4 m.
A densidade do solo na profundidade de 0,0—0,2 m apresentou o menor coeficiente de variação (5,45 %), enquanto a resistência à penetração do solo na profundidade de 0,0—0,2 m apresentou o maior coeficiente de variação (38,73 %). Adotando o critério de classificação para o coeficiente de variação proposto por Warrick & Nielsen (1980), os valores revelaram-se como: (a) alto (> 24 %), para a variável resistência à penetração do solo nas profundidades de 0,0—0,2 m e 0,2—0,4 m, concordando com os resultados obtidos por Cavalcante (1999) e Souza et al. (2001), (b) baixo (< 12 %), para as variáveis umidade e densidade do solo em ambas as profundidades em estudo, estando estes resultados de acordo com os obtidos por Souza et al. (2001), para a umidade do solo; por Souza (1992), Souza et al. (1997) e Gonçalves et al. (2001), para a densidade do solo. O coeficiente de variação foi menor na camada de 0,0—0,2 m em relação à camada de 0,2—0,4 m para as variáveis densidade e umidade do solo.
Todas as variáveis analisadas (Quadro 2 e Figura 2) apresentaram dependência espacial, expressa pelos modelos de semivariogramas (Vieira, 2000). Todas as variáveis ajustaram-se ao modelo esférico, com exceção da densidade do solo na profundidade de 0,2—0,4 m, a qual se ajustou ao modelo exponencial, concordando com os resultados de várias pesquisas que indicam o modelo esférico como o de maior ocorrência para os atributos do solo (Trangmar et al., 1985; Salviano et al., 1998; Souza et al., 1997; Bertolani & Vieira, 2001).
O efeito pepita foi um parâmetro importante do semivariograma e indicou variabilidade não explicada, considerando a distância de amostragem utilizada (McBratney & Webster, 1986). Esse parâmetro foi expresso como percentagem do patamar, com o objetivo de facilitar a comparação do grau de dependência espacial das variáveis em estudo (Trangmar et al., 1985). Na análise do grau de dependência espacial dessas variáveis, utilizou-se a classificação de Cambardella et al. (1994). A análise da relação C0/(C0 + C1 ) mostrou que todas as variáveis apresentaram grau de dependência espacial forte, com exceção da variável densidade do solo na profundidade de 0,2—0,4 m, que apresentou grau de dependência espacial moderada.
O alcance foi uma medida importante para o planejamento e avaliação experimental, já que pôde auxiliar na definição de procedimento de amostragem (Burgess et al., 1981; McBratney & Webster, 1983). Este parâmetro representou a distância em que os pontos amostrais estavam correlacionados entre si (Journel & Huijbregts, 1991). Observou-se que as variáveis em estudo apresentaram alcances da ordem de 70 m para densidade do solo na profundidade de 0,2—0,4 m e de 20 m para densidade do solo na profundidade de 0,0—0,2 m. O alcance relacionado em ordem crescente para a profundidade de 0,0—0,2 m atingiu os seguintes valores para as variáveis: densidade do solo, 20 m; resistência à penetração do solo, 24 m e umidade do solo, 69 m. Para a profundidade de 0,2—0,4 m, no entanto, o alcance apresentou os seguintes valores: resistência à penetração, 22 m; umidade do solo, 67 m, e densidade do solo, 70 m. Na profundidade de 0,2—0,4 m, os alcances foram menores em relação à profundidade de 0,0—0,2 m, indicando a menor continuidade na distribuição espacial das propriedades do solo na camada mais profunda, para a resistência à penetração do solo e umidade do solo, visto que, para a variável densidade do solo, o alcance foi maior na profundidade de 0,2—0,4 m, concordando com os resultados obtidos por Souza et al. (2001).
Os parâmetros dos modelos ajustados para as variáveis resistência à penetração do solo, umidade e densidade do solo foram utilizados para obter estimativas em locais não amostrados por krigagem, produzindo mapas de estimativas de ocorrência dos atributos na área estudada (Figura 3). A resistência à penetração apresentou valores variando de 2,2—6,2 MPa a 3,6—6,4 MPa para as profundidades de 0,0—0,2 m e 0,2—0,4 m, respectivamente, valores considerados altos para Latossolos. Segundo Canarache (1990) e Merotto Júnior & Mundstock (1999), um solo com resistência variando de 1,0 a 3,5 MPa poderá restringir o crescimento e desenvolvimento das raízes. Observou-se aumento dos valores para esta variável na profundidade de 0,2—0,4 m. Para umidade do solo, os valores variaram de 18—24 kg kg-1 a 19—25 kg kg-1 nas profundidades de 0,0—0,2 m e 0,2—0,4 m, respectivamente. Notou-se que, em ambas as profundidades, os valores estavam próximos, não interferindo na análise da resistência à penetração do solo altamente influenciada pela umidade.
Os valores da densidade do solo variaram de 1,33 a 1,45 kg m-3 e de 1,24 a 1,52 kg m-3, considerados altos para Latossolo Vermelho eutroférrico; na profundidade de 0,2—0,4 m, houve um aumento desta variável evidenciando a compactação desta camada. De maneira geral, houve um aumento da resistência à penetração do solo e densidade do solo na profundidade de 0,2—0,4 m, refletindo a influência do manejo da cultura da cana-de-açúcar, que recebe um tráfego excessivo de máquinas pesadas e queima para o corte, reduzindo significativamente os resíduos orgânicos.
Comparando as formas do relevo (Figura 1) e os mapas de krigagem (Figura 3), observou-se que, no compartimento I, o relevo linear e mais homogêneo apresentou maior continuidade espacial para os atributos físicos em estudo. Já no compartimento II, onde o relevo apresentou formas côncavas e convexas com menor continuidade espacial, a variabilidade relativa dos atributos em estudo foi maior. Marques Júnior & Lepsch (2000) e Paz & Taboado (1996) afirmaram que a utilização da altitude, declividade e formas da paisagem do solo para delinear zonas de manejo e estudo da variabilidade espacial para atributos físicos em diferentes tipos de solos são de extrema importância. Zebarth et al. (2002) encontraram relação de atributos físicos com diferentes posições na paisagem. Sobieraj et al. (2002) encontraram dependência espacial da macroporosidade com a paisagem.
1. O coeficiente de variação indicou baixa variabilidade para umidade e densidade do solo, nas profundidades de 0,0—0,2 m e 0,2—0,4 m, e alta para resistência à penetração para as profundidades em estudo.
2. Todas as variáveis apresentaram estrutura de dependência espacial com grau forte, exceto a variável densidade do solo na profundidade de 0,2—0,4 m que apresentou dependência espacial com grau moderado.
3. Os maiores alcances foram observados nas profundidades de 0,0—0,2 m para a resistência à penetração e umidade do solo, enquanto a densidade do solo apresentou maior alcance na camada mais profunda.
4. Os altos valores para a resistência à penetração e densidade do solo, principalmente na profundidade de 0,2—0,4 m, indicaram compactação nesta camada.
5. Considerando o histórico de 30 anos de produção de cana-de-açúcar na área, verificou-se que o manejo não adicionou variabilidade aos atributos físicos do solo na mesma magnitude do relevo.
6. A identificação de compartimentos da paisagem na área de estudo mostrou-se muito eficiente na compreensão da variabilidade espacial dos atributos estudados. Pequenas variações nas formas do relevo condicionaram variabilidade diferenciada nos atributos físicos dos solos.
Z. M. SouzaI; J. Marques JúniorII; G. T. PereiraIII
zigomarms[arroba]yahoo.com.br
IDoutorando do Departamento de Solos e Adubos, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias — UNESP. Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n, CEP 14884-900, Jaboticabal-SP. Bolsista da FAPESP. E- IIProfessor Doutor, Departamento de Solos e Adubos, FCAV/UNESP, Jaboticabal-SP
IIIProfessor Doutor, Departamento de Ciências Exatas, FCAV/UNESP, Jaboticabal-SP
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