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O trabalho foi desenvolvido em casa de vegetação do Centro de Energia Nuclear na Agricultura – CENA/USP – Piracicaba, SP. O experimento foi realizado em vasos contendo 5kg de terra fina seca em estufa (TFSE) de um Latossolo Vermelho distrófico típico. A Tabela 1 apresenta as características químicas da terra colhida na camada de 0-20cm de profundidade.
A Crotalaria juncea (adubo verde) foi obtida por AMBROSANO et al. (2003). A amostra do solo recebeu óxidos de cálcio e de magnésio para atingir uma saturação de bases de cerca de 70%, permanecendo incubado por 34 dias, mantendo-se a umidade em 60% da máxima capacidade de retenção de água, sendo posteriormente adubado e homogeneizado com 20mg kg-1 de K2O, na forma de KCl, e 45mg kg-1 de P2O5, na forma de superfosfato triplo. A uréia-15N, (dose de 45mg kg-1 de N-uréia), e a crotalária-15N (dose de 5g kg-1 de crotalária ou 100mg kg-1 de N-crotalária) possuíam, respectivamente, 4,712 e 2,529% em átomos de 15N. A crotalária (talos e folhas) foi moída e tamisada a 2mm. A solução de uréia foi aplicada ao solo com concentração de 1,035 g L-1 de N.
Na semeadura, utilizaram-se 9 sementes de trigo (Triticum aestivum L.), cultivar IAC-24, por vaso, e após a germinação plena (7 dias da semeadura) procedeu-se ao desbaste, deixando-se três plantas por vaso. A solução de uréia marcada com 15N foi aplicada após o desbaste. Durante o período de crescimento das plantas, a umidade do solo foi mantida a 60% da capacidade máxima de retenção de água, por meio de irrigações.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado com 5 tratamentos e 4 repetições, a saber: T1 - uréia-15N (45mg kg-1 de N-uréia); T2 - Crotalaria juncea-15N (100mg kg-1de N-crotalária); T3 - Crotalaria juncea-14N (100mg kg-1de N-crotalária) e uréia-15N (45mg kg-1 de N-uréia); T4 – uréia-14N (45mg kg-1 de N-uréia) e Crotalaria juncea-15N (100mg kg-1de N-crotalária); T5 - tratamento controle sem adição de fontes de N.
A colheita das plantas de trigo foi realizada aos 50 dias após a emergência, no estádio de pleno florescimento, separando-se a parte aérea do sistema radicular, e o solo de cada vaso também foi amostrado. Procedeu-se, também, a avaliação da altura da parte aérea das plantas que correspondeu à medida do nível do solo ao ápice das panículas. Em cada uma dessas amostras, determinaram-se a massa de material úmido e posteriormente a massa de material seco em estufa a 65°C. As amostras da parte aérea e raiz foram moídas e nelas feitas as determinações do teor de N total e a abundância de 15N (% em átomos) em um espectrômetro de massas contendo analisador automático de N, modelo ANCA-SL, 20-20, da PDZ Europa (Krewe, UK). Nas amostras de solo secas ao ar, também foram feitas as mesmas determinações.
A recuperação do nitrogênio na planta ou no solo (mg de N por vaso) proveniente da fonte nitrogenada, uréia ou crotalária, (Nppf) foi calculada pela expressão:
Nppf = [(a - c)/(b - c)] . N-total
onde:
Nppf - Nitrogênio na planta ou solo proveniente da fonte-15N, uréia ou crotalária, (mg por vaso);
a - Abundância de 15N (% de átomos) na planta ou solo;
b - Abundância de 15N na uréia ou crotalária (4,712 e 2,529% em átomos de 15N, respectivamente);
c- Abundância de 15N na planta ou solo no controle sem aplicação de fontes-15N;
N-total - Conteúdo de nitrogênio na planta ou solo (mg por vaso).
A recuperação percentual na planta e no solo do N das fontes: uréia ou crotalária, foi calculado como:
%R = (Nppf / DN) . 100
significando DN a dose de N aplicada como uréia ou crotalária.
A mineralização de nitrogênio (M) no controle e nos tratamentos T1, T2, T3 e T4 foi estimada pela expressão:
M = N-total - NppU
onde:
M - N mineralizado e absorvido pelas plantas de trigo;
N-total - nitrogênio acumulado nas plantas de trigo no tratamento correspondente;
NppU - nitrogênio na planta proveniente da uréia no tratamento correspondente. No controle e em T1: NppU = 0; em T3: NppUT3 = (NppfT4/N-totalT4) . N-totalT3.
Os resultados foram submetidos à análise de variância em delineamento inteiramente casualizado. O teste de Tukey (a=0,05) foi usado na comparação das médias dos tratamentos.
Os resultados de recuperação do 15N das fontes uréia e crotalária, no solo e na planta de trigo, estão apresentados na Tabela 2. Na planta de trigo, a maior recuperação do nitrogênio das fontes foi encontrada no tratamento com aplicação única de 15N-uréia (T1). No T3, com 15N-uréia aplicada juntamente com o adubo verde, a recuperação na planta foi inferior comparada ao tratamento T1, mas superior a recuperação do 15N-crotalária em T2 e T4. Por outro lado, a recuperação no solo foi o inverso, ou seja, recuperou-se mais 15N-uréia em T3 que no T1. Já as recuperações do 15N-uréia no solo em T1 e T3 foram menores, comparados ao 15N-crotalária em T2 e T4. Esses resultados indicaram que o N, na forma mineral, está mais disponível, tanto para a absorção pela planta como para eventuais perdas do sistema. Além disso, a diferença na recuperação do 15N pelo trigo entre os tratamentos T3 e T4 mostra que o 15N-crotalária conserva-se por mais tempo no solo.
As recuperações no sistema solo-planta não diferiram estatisticamente entre os tratamentos, embora as menores médias foram das recuperações do 15N-uréia (T1 e T3) o que pode ser um indicativo de perdas de N do sistema. Ressalte-se que, neste trabalho, a fonte amídica foi aplicada em solução procedendo-se a irrigação em seguida, a fim de que a uréia fosse incorporada ao solo. Esse procedimento visou evitar perda de amônia por volatilização. Resultados semelhantes foram observados por KIRDA et al. (2001), que avaliaram a fertilização do trigo com uréia-15N e encontraram recuperação de 50-60% do N aplicado, sendo que 50-40% do 15N-fertilizante permaneceu no solo ou foi perdido para a atmosfera. De acordo com LADD & AMATO (1986) a recuperação do 15N-fertilizante por cereais, como o trigo, varia de 45 a 80%.
No solo, a recuperação do 15N-crotalária foi maior que do 15N-uréia (Tabela 2). Entretanto, foi baixa a recuperação do 15N-crotalária no N acumulado pelo trigo (8 e 14%), nos tratamentos sem e com aplicação conjugada com uréia, permanecendo no solo 85 e 81% respectivamente. Resultados semelhantes foram encontrados por LADD & AMATO (1986), que observaram recuperação de 17% do N-leguminosa pelo trigo, permanecendo no solo 62%. A recuperação de nitrogênio, proveniente de leguminosas incorporadas ao solo em condições de campo, em culturas de cereais é freqüentemente de 10-30% (THOMSEN & JENSEN, 1994). Entretanto, em casa de vegetação a recuperação geralmente fica em torno de 40%, devido às condições favoráveis do ambiente para decomposição dos resíduos (WILLIAMS & HAYNES, 1997). A baixa recuperação do N-crotalária pelo trigo ocorreu por causa da lenta mineralização do nitrogênio da leguminosa no solo. Por outro lado, a recuperação do 15N-uréia no sistema solo-planta, neste trabalho, foi superior à obtida por CAREFOOT & JANZEN (1997) que avaliaram o efeito do manejo da palhada, cultivo e fertilização nitrogenada em alguns cereais e encontraram recuperação de 64% do nitrogênio no sistema solo-planta, não tendo a incorporação da palhada efeito na recuperação.
No solo, a recuperação do N da uréia, aplicada juntamente à crotalária (T3), foi superior se comparada com aplicação única de 15N-uréia (T1). Este resultado demonstra que ocorreu imobilização do N da uréia na biomassa microbiana, devido à presença do material orgânico, e desta forma, indisponibilizando temporariamente o nutriente para as plantas (CAREFOOT & JANZEN, 1997). De acordo com POWLSON et al. (1986), ao longo do tempo o nitrogênio imobilizado pode ser remineralizado e liberado para as culturas subsequentes. Esta imobilização do nitrogênio é conseqüência do aumento da relação C:N do solo (REINERTSEN et al., 1984), proporcionada pelo adubo verde, que fez com que os microrganismos utilizassem o N-mineral para compor a sua biomassa.
A produção de matéria seca de trigo mostrou que houve aumento de massa de raízes do controle em relação aos demais tratamentos fertilizados (Tabela 3). Provavelmente, a falta de nitrogênio no solo do controle tenha estimulado o crescimento do sistema radicular das plantas em busca do nutriente. Na parte aérea, a maior massa de matéria seca foi encontrada nos tratamentos com uréia em fertilização simples ou conjugada com a crotalária. Estes resultados indicaram que a adubação mineral proporcionou uma rápida absorção de N pelas plantas, conforme observado anteriormente pela recuperação do 15N-uréia, tendo impacto positivo na produção de matéria seca. O tratamento fertilizado somente com crotalária apresentou baixa produção de matéria seca.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, foi observado que o trigo em solo fertilizado somente com crotalária apresentou atraso no crescimento. Provavelmente, efeitos alelopáticos proporcionados pela crotalária tenham influenciado negativamente no crescimento do trigo. De acordo com DAIMON & KOTOURA (2001), a incorporação de crotalária ao solo pode induzir alelopatia sobre plantas de trigo, especialmente no sistema radicular. OHDAN et al. (1995) observaram que extratos de crotalária inibiram em torno de 40% o crescimento radicular de plantas de trigo após 21 dias de plantio, e que as espécies C. juncea e C. spectabilis mostraram reduções mais severas. Esse mesmo efeito no retardamento do crescimento foi observado em relação à altura de plantas, onde o tratamento com aplicação da crotalária resultou em menor altura de plantas de trigo comparada aos demais tratamentos (Tabela 3).
Os teores de N na parte aérea do trigo dos tratamentos com N-uréia, conjugada ou não com o adubo verde, foram maiores comparados ao do controle (Tabela 3). Isto demonstra que as plantas absorveram o nitrogênio disponibilizado pelo adubo. Já no tratamento fertilizado somente com crotalária, o conteúdo de nitrogênio total da parte aérea foi baixo e semelhante ao controle. Além disso, o nitrogênio mineralizado no tratamento fertilizado com crotalária foi baixo e comparável ao controle, indicando que houve imobilização do N nessas condições. Estes resultados estão de acordo com os obtidos em relação à recuperação do 15N-crotalária.
A mineralização do nitrogênio foi alta nos tratamento com fertilização conjugada (uréia + crotalária). Este aumento na mineralização foi devido à disponibilidade de nitrogênio no solo, que proporcionou o estreitamento da relação C:N do adubo verde, favorecendo a microbiota na decomposição da matéria orgânica nativa do solo. Além disso, o nitrogênio liberado neste processo é mais estável, reduzindo as perdas do nutriente por lixiviação ou volatilização (MURAOKA et al., 2002).
O trigo utilizou o N-uréia como a principal fonte de nitrogênio, indicando que o N na forma mineral está mais disponível para as plantas. A crotalária proporcionou maior conservação do nitrogênio no solo, melhorando a fertilidade e evitando perdas de N do sistema. Este estudo reforça a necessidade de práticas de manejo de solos envolvendo adubação mineral em conjunto com a orgânica, visando aumentar a reciclagem do nitrogênio nos agroecossistemas.
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1. Trabalho desenvolvido na Disciplina "Técnicas isotópicas em estudos de ciclagem de nitrogênio em Agroecossistemas" (CEN-5747). Programa de Pós-graduação em Ciências, Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), Universidade de São Paulo (USP), Piracicaba, SP.
Ademir Sérgio Ferreira de AraújoI; Gleuber Mariano TeixeiraII; Antônio Xavier de CamposIII; Flávia Carvalho SilvaIII; Edmilson José AmbrosanoIV; Paulo Cesar Ocheuze TrivelinV
pcotrive[arroba]cena.usp.br
IUniversidade Estadual do Piauí, Campus de Parnaíba, Av. Nossa Senhora de Fátima, s/n, 64202-220, Parnaíba, PI.
IICENA, USP, CP 96, 13400-970, Piracicaba, SP
IIIDepartamento de Solos e Nutrição de Plantas, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), USP, CP 83, 13400-970, Piracicaba, SP
IVPólo Regional de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios do Centro Sul, Agência Paulista de Tecnologia dos Negócios (APTA), CP 28, 13400-970, Piracicaba, SP
VProfessor Responsável pela disciplina CEN-5747. Bolsista de produtividade científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
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