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Transformações do nitrogênio proveniente de mucuna-preta e uréia utilizados como adubo na cultura do (página 2)

Alessandra Fabíola Bergamasco; Fábio Cesar da Silva; Luiz Henrique Antunes

Material e Métodos

O experimento, compreendendo duas fases, foi realizado em área experimental do Centro APTA Cana-de-Açúcar, em Piracicaba, SP, de fevereiro de 1996 a abril 1997. A primeira fase destinou-se à produção do adubo verde mucuna-preta (Mucuna aterrima) e a segunda, à incorporação desse material ao solo, cultivando-se, em seguida, milho. Simultaneamente à produção da mucuna-preta no campo, produziu-se, em casa de vegetação, o mesmo adubo verde marcado com 15N.

O solo da área experimental, um Latossolo Vermelho (Embrapa, 1999) apresentou as seguintes composições química e granulométrica, na camada de 0-20 cm de profundidade: 1,4 g kg-1 de N (Parkinson & Allen, 1975); 21 g dm-3 de matéria orgânica; pH (CaCl2) de 4,4; 59 mmolc dm-3 de H+Al; 52 mg dm-3 de P (resina); 4,3 mmolc dm-3 de K; 20 mmolc dm-3 de Ca; 13 mmolc dm-3 de Mg (Raij et al., 1987); 210 g kg-1 de areia; 160 g kg-1 de silte e 630 g kg-1 de argila (Bouyoucos, 1927). O solo foi corrigido quanto à acidez um mês antes da semeadura do adubo verde, por meio da aplicação de 3 t ha-1 de calcário dolomítico (PRNT = 70%).

No campo, o espaçamento entre sulcos foi de 50 cm, e foram semeadas oito sementes de mucuna por metro de sulco. Por ocasião da semeadura, aplicaram-se no sulco 50 kg ha-1 de P2O5, na forma de superfosfato triplo. As sementes utilizadas foram previamente inoculadas com Bradyrhizobium spp. estirpe CM-1545. No estádio de pleno florescimento, procedeu-se ao corte do adubo verde, com roçadeira, mantendo-se o material na superfície do solo. Nessa ocasião, foram demarcadas microparcelas de 1,0x1,5 m na região central das parcelas que previam o emprego de adubo verde marcado com 15N. Dessas microparcelas removeu-se o material vegetal, parte aérea e raízes, que foi secado, pesado e submetido à análise química, para determinação do conteúdo de N (Bataglia et al., 1983).

A mucuna-preta a ser marcada com 15N foi produzida em vasos, contendo 5 kg de solo. Cultivaram-se três plantas por vaso. Na semeadura, aplicaram-se 320 mg kg-1 de P (superfosfato triplo). A marcação com 15N iniciou-se 10 dias após a emergência das plantas, com a aplicação de uma mistura de soluções de uréia e de sulfato de amônio enriquecidas a 10,2% e 5,4% em átomos de 15N, respectivamente. Cada solução forneceu 10 mg kg-1 de nitrogênio. Foram efetuadas outras cinco aplicações de N, aos 32, 44, 55, 60 e 65 dias após a emergência, como solução de uréia marcada com15N, contendo 10 mg kg-1 de nitrogênio. Nas três primeiras aplicações, utilizou-se uréia enriquecida com 10,2% e nas demais, com 30,2% em átomos de 15N. A colheita das plantas foi realizada aos 85 dias da semeadura, no estádio de pleno florescimento, removendo-se a parte aérea e as raízes das plantas. Estas foram lavadas em água de torneira e destilada. O material vegetal foi secado, pesado e analisado quanto ao conteúdo de N (Bataglia et al., 1983) e à abundância isotópica em 15N (Trivelin et al., 1973), apresentando 25,4 g kg-1 de N e 2,383% em átomos de 15N. O adubo verde marcado com 15N foi aplicado nas microparcelas, em substituição ao material retirado do campo. As raízes foram enterradas em dois sulcos, abertos nas posições em que se situavam as linhas de plantio do adubo verde. O material relativo à parte aérea foi espalhado sobre a superfície do solo.

Os tratamentos consistiram na aplicação de 4,4 t ha-1 de matéria seca de mucuna-preta marcada com 15N, que correspondeu a 113,5 kg ha-1 de N (T1); 50 kg ha-1 de N na forma de uréia marcada com 15N (T2); 100 kg ha-1 de N na forma de uréia marcada com 15N (T3); mucuna-preta marcada com 15N + 50 kg ha-1 de N na forma de uréia (T4); mucuna-preta marcada com 15N + 100 kg ha-1 de N na forma de uréia (T5); mucuna-preta + 50 kg ha-1 de N na forma de uréia marcada com 15N (T6); mucuna-preta + 100 kg ha-1 de N na forma de uréia marcada com 15N (T7). Utilizou-se o delineamento experimental de blocos ao acaso com quatro repetições. As unidades experimentais, com 6x10 m, continham ou não, de acordo com o tratamento, microparcela para a aplicação de mucuna-preta ou uréia marcada com 15N.

Quatro meses após o corte da mucuna-preta cultivada no campo, procedeu-se à incorporação do material ao solo. Após 15 dias, semeou-se milho cultivar AG403-B, utilizando-se um espaçamento entre linhas de 1 m e oito sementes por metro de sulco, mantendo-se um estande de 65.000 plantas por ha, após o desbaste. Por ocasião da semeadura, aplicaram-se 40 kg ha-1 de P2O5, como superfosfato triplo, e 25 kg ha-1 de K2O, como cloreto de potássio. Nos tratamentos que previam a utilização de N mineral, adicionaram-se também 15 kg ha-1 de N, como uréia, com exceção das áreas pertencentes às microparcelas destinadas à aplicação de uréia marcada, em que esse fertilizante foi aplicado após a semeadura, como solução enriquecida com 15N. O restante da adubação nitrogenada, prevista nos tratamentos, foi aplicado em cobertura, parcelado aos 30 e 45 dias após a semeadura, para a dose 50 kg ha-1 de N (15 e 20 kg ha-1 de N, respectivamente), e aos 30, 45 e 55 dias após a semeadura, para a dose 100 kg ha-1 de N (25, 30 e 30 kg ha-1 de N, respectivamente). Nas microparcelas, adicionaram-se soluções de uréia (10,2% em átomos de 15N). O milho foi cultivado por 135 dias, quando foi coletada a parte aérea de quatro plantas de cada microparcela, fracionadas em colmo e folhas, grãos, sabugo e palha.

Os tratamentos foram avaliados pela recuperação de N dos adubos verde e mineral pelo milho, pelas porcentagens de N dos adubos verde e mineral residuais no solo e pelas porcentagens e quantidades de N dos adubos verde e mineral recuperadas e perdidas do sistema solo-planta. Os dados foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

Resultados e Discussão

O aproveitamento de N da uréia pela parte aérea do milho foi maior que o da mucuna-preta (Tabela 1). O aproveitamento de N do adubo verde variou de 10% a 14%, aproximando-se dos valores observados por Azam et al. (1985), Ladd & Amato (1986), Harris & Hesterman (1990), Patil & Sarkar (1991) e Harris et al. (1994). Da mesma forma, os valores de aproveitamento de N do fertilizante mineral encontrados, em média 47% na presença de mucuna-preta, e 39% na ausência, assemelharam-se aos de Ladd & Amato (1986), Hesterman et al. (1987), Patil & Sarkar (1991), Diekmann et al. (1993) e Harris et al. (1994). O menor aproveitamento de N proveniente de adubos verdes pelo milho, relativamente às fontes minerais, pode ser atribuído à lenta mineralização e liberação de N de adubos verdes incorporados ao solo (Kundu et al., 1991), evidenciando superioridade dos fertilizantes minerais como fontes de N de liberação rápida para as culturas.

Não se observou efeito da associação com a uréia sobre a utilização de N da mucuna-preta (Tabela 1). Apenas na palha da espiga, maior aproveitamento de N do adubo verde foi obtido em seu uso exclusivo como fonte de N para o milho; a combinação com 50 kg ha-1 de N na forma de uréia propiciou desempenho intermediário, seguida da combinação com 100 kg ha-1 de N na forma de uréia, com menor utilização de N da mucuna-preta. As quantidades de N acumuladas nessa parte da planta foram pequenas, em relação ao restante da parte aérea e, por essa razão, os efeitos foram pouco representativos.

Nos componentes da espiga (grãos, sabugo e palha), não foi verificada influência da associação com a mucuna-preta na utilização de N da uréia (Tabela 1). Já no colmo e folhas, maior aproveitamento de N da uréia foi determinado para associação de mucuna-preta com 100 kg ha-1 de N na forma de uréia. Este tratamento não diferiu, porém, da combinação de mucuna-preta com 50 kg ha-1 de N na forma de uréia e do uso exclusivo de 50 kg ha-1 de N na forma de uréia, que apresentaram desempenho intermediário, superando, apenas, o tratamento com uso de 100 kg ha-1 de N na forma de uréia. Com relação à parte aérea, as combinações com mucuna-preta propiciaram maior utilização de N da uréia pelo milho, sendo que o tratamento 50 kg ha-1 de N na forma de uréia associada à mucuna-preta não diferiu daqueles com uso exclusivo de N na forma de uréia (Tabela 1). Estes resultados sugerem que a presença do adubo verde favoreceu a utilização de N da uréia, provavelmente reduzindo suas perdas do sistema solo-planta. Por outro lado, Diekmann et al. (1993) não observaram alterações na recuperação de N do fertilizante mineral em presença de adubos verdes. Já Azam et al. (1985) e Corak et al. (1992) relataram que a associação entre adubos verde e mineral reduziu a eficiência de utilização de N da fonte mineral, e atribuíram tal efeito à imobilização de N do fertilizante, propiciada pela incorporação de resíduos de vegetais ao solo.

O N do adubo verde permaneceu mais no solo do que o fertilizante mineral (Tabela 2). Esse resultado é um indicativo da decomposição incompleta dos resíduos da mucuna-preta, explicando, parcialmente, sua menor recuperação pelas plantas de milho, e do maior efeito residual do N dos adubos verdes do que o de fertilizantes minerais. Isto confirma os resultados encontrados na literatura, em que os valores de N variaram entre 44% e 89%, para os adubos verdes, e de 12% a 53%, para os fertilizantes minerais (Azam et al., 1985; Ladd & Amato, 1986; Harris & Hesterman, 1990; Patil & Sarkar, 1991; Corak et al., 1992; Diekmann et al., 1993; Harris et al., 1994).

Aproximadamente 90% do N da mucuna-preta foram recuperados na camada superficial do solo (0-20 cm), ao passo que o valor correspondente para a uréia foi de 68%. A menor movimentação em profundidade do N do adubo verde sugere que parte dos resíduos incorporados ao solo não foram decompostos até o final do período de cultivo do milho, sendo, em conseqüência, menos suscetíveis a perdas por lixiviação.

O N dos adubos verde e mineral remanescente no solo é encontrado, predominantemente, sob a forma de compostos orgânicos, cuja conversão para formas disponíveis é lenta. Por essa razão, seu aproveitamento por cultivos subseqüentes é pequeno, da ordem de 1% a 6% do montante aplicado (Harris & Hesterman, 1990; Rekhi & Bajwa, 1993). No entanto, a contribuição desses materiais para as formas orgânicas de N é fundamental para a manutenção da fertilidade do solo em longo prazo (Azam et al., 1985).

Não houve efeito dos tratamentos na recuperação de N da mucuna-preta (Tabela 3), refletindo o comportamento observado nas variáveis aproveitamento do N da mucuna-preta pelo milho e N da mucuna-preta residual no solo. A análise dos dados porcentuais mostra que a recuperação de N da uréia foi maior nos tratamentos com combinação de adubos verde e mineral, expressando o maior aproveitamento de N pelo milho. Quantitativamente, os tratamentos com aplicação de 100 kg ha-1 de N na forma de uréia proporcionaram maior recuperação de N, o que se deveu à maior quantidade de fertilizante aplicada.

Com relação à recuperação de N dos adubos verde e mineral, é importante ressaltar que os valores obtidos desconsideram o nitrogênio contido no sistema radicular do milho, representando, portanto, uma subestimativa do total recuperado. Possivelmente, esse fato assuma maior relevância na avaliação da recuperação de N do adubo verde, uma vez que existem relatos de que grande parte do N do adubo verde absorvido pelas plantas de milho fica retida nas raízes (Azam et al., 1985).

As perdas de nitrogênio da mucuna-preta, contrariamente ao esperado, foram maiores que as da uréia (Tabela 3). Provavelmente, a principal razão para esse comportamento tenha sido a elevada utilização de N da uréia pelo milho, com conseqüente redução de perdas de N dessa fonte. Nesse contexto, foi grande a influência da combinação da uréia com a mucuna-preta, favorecendo o aproveitamento do N da fonte mineral. Menores perdas de N de fertilizantes minerais, quando associados a adubos verdes, foram relatadas, anteriormente, por Azam et al. (1985) e Diekmann et al. (1993).

A recuperação média de N do adubo verde foi de 61%. Isso significa que 39% do N adicionado foram perdidos do sistema solo-planta. Devido às chuvas excessivas ocorridas durante o período de cultivo do milho e à textura argilosa do solo utilizado, infere-se que a desnitrificação tenha sido o principal mecanismo de perda de N da mucuna-preta (Harris & Hesterman, 1990). Também a volatilização de amônia do material vegetal, no período que antecedeu a sua incorporação ao solo, deve ter contribuído para esse processo (Bremer & Kessel, 1992). As pequenas quantidades de N da mucuna-preta encontradas na camada subsuperficial do solo (Tabela 2) podem indicar que as perdas por lixiviação são pouco representativas. Por outro lado, a participação desse mecanismo sobre as perdas de N da uréia deve ter sido mais expressiva, uma vez que 32% do N da uréia retidos no solo foram encontrados na camada de 20-40 cm. Pelas mesmas razões descritas para o N da mucuna-preta, acredita-se que a desnitrificação também tenha sido um importante mecanismo de perda de N da uréia. Embora com menor representatividade que os demais mecanismos, perdas de N da uréia por volatilização de amônia também devem ter ocorrido (Azam et al., 1985; Harris & Hesterman, 1990).

Conclusões

1. O aproveitamento pelo milho do nitrogênio proveniente da uréia é maior que o da mucuna-preta, em razão da pronta disponibilidade no solo do nutriente da fonte mineral.

2. A quantidade de nitrogênio da mucuna-preta residual no solo após o cultivo do milho é maior que a da uréia.

3. A recuperação no sistema solo-planta do nitrogênio da uréia é superior à da mucuna-preta, em virtude do maior aproveitamento de nitrogênio do fertilizante mineral pelo milho; a associação ao adubo verde intensifica esse efeito.

Referências

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 Trabalho financiado pela Fapesp e Agência Internacional de Energia Atômica

Walkyria Bueno ScivittaroI; Takashi MuraokaII; Antonio Enedi BoarettoII; Paulo César Ocheuze TrivelinII
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