Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Os testes foram conduzidos in vitro, em meio de cultura BDA (batata-dextrose-ágar), adicionando-se os produtos fitossanitários em concentrações preestabelecidas ao meio de cultura fundido, ainda não solidificado. Foram avaliados 93 produtos comerciais recomendados no Brasil, pelo menos para uma das seguintes culturas: ornamentais, morango, tomate, jiló, pimentão, berinjela, abóbora, melão, melancia e pepino. As concentrações utilizadas foram aquelas estabelecidas nos rótulos dos produtos.
Após a solidificação do meio de cultura efetuou-se a inoculação do microrganismo, utilizando-se uma alça de platina contendo em sua extremidade conídios do fungo B. bassiana, isolado PL63. O inóculo consistiu de placas com culturas puras do fungo, incubadas por 7 a 10 dias em meio de cultura MC (meio para produção de esporos) (ALVES et al., 1998b), a 26 ± 1o C e fotofase de 12 horas. A inoculação foi feita em três pontos por placa de Petri (8,5 cm de diâmetro x 1,5 cm de altura), eqüidistantes entre si, visando-se evitar o contato entre as colônias após o crescimento. Foram preparadas três placas por tratamento, totalizando nove colônias, contudo, na avaliação foram consideradas as 6 colônias (repetições) mais uniformes. As placas foram mantidas em câmara climatizada (26 ± 1o C e fotofase de 12 horas) por 7 dias.
A determinação do efeito tóxico foi realizada avaliando-se os parâmetros crescimento vegetativo e reprodução do patógeno, utilizando-se o modelo de classificação de produtos fitossanitários quanto à toxicidade sobre fungos entomopatogênicos proposto por ALVES et al. (1998a). O crescimento vegetativo foi determinado medindo-se os diâmetros das colônias em dois sentidos ortogonais na superfície do meio de cultura, considerando-se o diâmetro médio seu.
Para a avaliação da reprodução do patógeno (conidiogênese), essas colônias foram recortadas, juntamente com o meio de cultura, e transferidas individualmente para tubos de vidro contendo 10 mL de água destilada estéril mais espalhante adesivo (Tween 40® ) a 0,1%. Em seguida, os conídios foram removidos da superfície do meio com o auxílio de um pincel, e posteriormente homogeneizados em agitador de tubos (2 minutos) e ultrasom (2 minutos), para sua quantificação. Para isso, foram preparadas diluições sucessivas das suspensões de conídios, até que se permitisse a contagem em câmara de Neubauer, ajustando-se os valores entre 30 e 200 conídios por campo de contagem (1,0 mm2).
O sistema de avaliação baseou-se no cálculo das porcentagens médias de esporulação (conidiogênese) e crescimento micelial (vegetativo) das colônias dos fungos, em relação à testemunha (100%), aplicandose para classificação o seguinte modelo matemático:
onde:
T: valor corrigido do crescimento vegetativo e esporulação para classificação do produto;
CV: porcentagem de crescimento vegetativo com relação à testemunha;
ESP: porcentagem de esporulação com relação à testemunha.
Com os valores calculados de "T", procedeu-se a classificação do efeito de produtos químicos sobre fungos entomopatogênicos, com base nos seguintes limites: 0 a 30 (muito tóxico); 31 a 45 (tóxico); 46 a 60 (moderadamente tóxico) e > 60 (compatível).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os 93 produtos fitossanitários estão assim distribuídos nos 4 níveis de classificação: a) 22 (23,6%) compatíveis; b) 5 (5,4%) moderadamente tóxicos; c) 6 (6,5%) tóxicos; d) 60 (64,5%) muito tóxicos. A distribuição dos produtos nos níveis de classificação foram bastante diferentes entre as classes de produtos fitossanitários. Os 3 espalhantes adesivos foram muito tóxicos ao fungo, enquanto que entre os 36 produtos com ação predominantemente fungicida (fungicida, fungicida/acaricida ou fungicida/bactericida), 3 (8,3%) foram compatíveis, 1 (2,8%) tóxico e 32 (88,9%) muito tóxicos. Já os de ação acaricida e/ou inseticida (inseticida, inseticida/acaricida ou inseticida/ fungicida) reunidos representaram 54 produtos, assim distribuídos: 19 (35,1%) compatíveis; 5 (9,3%) moderadamente tóxicos; 5 (9,3%) tóxicos e 25 (46,3%) muito tóxicos. Com isso, aproximadamente 92% dos produtos com ação fungicida foram classificados como tóxicos ou muito tóxicos, contra 56% dos inseticidas e/ou acaricidas (Tabela 1).
O modo de ação do ingrediente ativo é possivelmente um dos principais fatores envolvidos no nível de toxicidade dos produtos fitossanitários aos fungos entomopatogênicos. A grande toxicidade de moléculas como mancozeb, maneb, captan, folpet, clorotalonil e oxicloreto de cobre já era esperada, pois, pertencem ao grupo dos fungicidas protetores, que se caracterizam por apresentarem atividades em múltiplos sítios de ação, afetando um grande número de processos vitais de fungos fitopatogênicos (GUINI & KIMATI, 2000).
Uma exceção neste grupo de fungicidas foi o enxofre (Kumulus® DF), que se mostrou compatível a B.
bassiana. A seletividade do enxofre é também conhecida para outras espécies de fungos entomopatogênicos como M. anisopliae e V. lecanii (ALVES et al., 2000).
Moléculas compatíveis como propamocarb hidrocloreto e kasugamycin pertencem ao grupo dos fungicidas sistêmicos que agem de forma específica, inibindo preferencialmente um ou poucos processos vitais, sendo mais seletivos a um número limitado de grupos taxonômicos de fungos. No caso do propamocarb hidrocloreto, seu mecanismo de ação é seletivo para fungos oomicetos (GUINI & KIMATI, 2000), cujo sítio de ação talvez não seja compartilhado por este isolado de B. bassiana. Porém, outros estudos são necessários para comprovar esta hipótese. O produto comercial Tattoo® C (propamocarb hidrocloreto + clorotalonil) é classificado como tóxico ao fungo, possivelmente sua toxicidade esta relacionada ao efeito prejudicial do clorotalonil (fungicida protetor) na formulação, pelo fato deste composto ter se mostrado muito toxico nos produtos Daconil 500 e 750. Os demais fungicidas sistêmicos testados foram muito tóxicos para B. bassiana, como benomyl, tiofanato metílico, tebuconazole e iprodione.
Apesar dos inseticidas e/ou acaricidas agirem, de forma geral, em pontos específicos da fisiologia de insetos e ácaros (OMOTO, 2000), o modo de ação não determina que produtos pertencentes a estes grupos sejam seletivos a B. bassiana. Outros fatores podem estar envolvidos, como os sítios secundários de ação, quantidade e componentes da formulação e sua capacidade de alterar o pH (potencial hidrogeniônico) do meio de cultura. Um exemplo que ilustra estas possibilidades foi a grande variação observada na toxicidade entre os reguladores de crescimento de insetos, piretróides e organofosforados (neurotóxicos) que tiveram muitos produtos avaliados.
ANDERSON & ROBERTS (1983) observaram que formulações de inseticidas do tipo concentrado emulsionável (CE) estão, freqüentemente, associadas com a inibição da germinação dos conídios de B.
bassiana, ao contrário das formulações como pós molháveis (PM) e "flowables" que, geralmente, não causam inibição e, muitas vezes, favorecem o crescimento deste patógeno. Nesta pesquisa com o isolado PL63, houve casos em que o tipo de formulação interferiu na toxicidade a B. bassiana, como por exemplo, os produtos comerciais Bulldock 125 SC (suspensão concentrada) e Turbo (concentrado emulsionável), que apesar de possuírem a mesma molécula inseticida o betacyflutrin, foram classificados como compatível e tóxico, respectivamente. A única diferença entre estes produtos foi o tipo da formulação apesar de serem produzidos pelo mesmo fabricante (Bayer) e apresentarem a mesma recomendação (1,25 g ingrediente ativo por litro de água).
Produtos comerciais formulados com a mesma molécula química, mas pertencentes a fabricantes diferentes, apresentaram comportamento distintos.
No caso do metamidofós produzido pela Hokko (Hamidop 600), Agripec (Stron) e Bayer (Tamaron BR), todos os produtos foram compatíveis com B.
bassiana, contudo, a toxicidade foi diferente no caso do dimetoato produzido pela Milenia (Dimetoato CE Milenia), AgrEvo (Dimexion) e Sipcam (Tiomet 400 CE), onde o primeiro foi muito tóxico e os demais compatíveis. Apesar de serem formulados como concentrado emulsionável (CE), a causa da toxicidade pode estar relacionada com os constituintes de cada formulação que não o ingrediente ativo. Neste caso, não há evidências de que a quantidade de ingrediente ativo (dimetoato) no meio de cultura tenha interferido na toxicidade ao entomopatógeno, já que o produto Tiomet 400 CE, que foi compatível, foi avaliado na concentração de 80 g de ingrediente ativo por 100 litros de água, valor 60% maior do que o utilizado no teste com o produto Dimetoato CE Milenia, que foi incompatível.
A variabilidade genética natural entre isolados de uma mesma espécie de fungo entomopatogênico é bastante conhecida e amplamente relatada na literatura para diversos parâmetros biológicos, inclusive para a sensibilidade a produtos químicos sintéticos (OLMERT & KENNETH, 1974; PACCOLA-MEIRELES & AZEVEDO, 1990; LIU et al., 1993). Essa característica tem sido utilizada por TODOROVA et al. (1998) para explicar, em parte, as diferentes respostas de B. bassiana na presença de um mesmo produto químico, que se encontram publicados.
No que se refere ao efeito do pH, é pouco provável que as reduzidas quantidades dos produtos químicos adicionados ao meio de cultura possam ter modificado substancialmente seu valor ao ponto de prejudicar o crescimento e produção de conídios do isolado PL63.
As recomendações da maioria dos produtos testados compreende valores quase sempre inferiores a 200 mL/g por 100 litros de água, fazendo com que sua participação na calda resultante seja inferior a 0,2%.
Pela análise dos valores de "T", observa-se que alguns produtos tiveram valores muito superiores a 100, como é o caso do Kumulus DF (149,51), Cefanol (198,48), Dipterex 500 (261,95) e Confidor (288,24).
Pela fórmula, produtos com valores próximos a 100 apresentaram comportamento muito semelhante à testemunha para os parâmetros avaliados. No caso destes quatro produtos, sua presença no meio de cultura representou um estímulo a produção de conídios, mas nem sempre ao crescimento da colônia do entomopatógeno. Para os produtos Kumulus DF, Cefanol, Dipterex 500 e Confidor o acréscimo na produção de conídios, quando comparados com a testemunha, foram de aproximadamente 72, 127, 210 e 221%, respectivamente. Quanto ao diâmetro de colônia, não houve diferença entre Confidor e testemunha, contudo, para o Kumulus DF, Cefanol e Dipterex 500 o diâmetro médio de suas colônias foram 47, 15 e 40% menor do que a testemunha, respectivamente.
Neste caso, os valores elevados de "T" foram determinados pelo bom desempenho na produção de conídios, isto porque, sua fórmula atribui 80% de participação deste parâmetro na composição final do valor. A maior produção de conídios de B. bassiana na presença destes produtos no meio de cultura, pode ter ocorrido pela utilização como nutriente de algum (s) componente (s) mineral (ais) solúvel (eis) presente (s) nas formulações químicas, e/ou provenientes da degradação de moléculas complexas, como o ingrediente ativo, promovidas pelo entomopatógeno.
Estas hipóteses são suportadas pelas pesquisas que demonstraram a capacidade de degradação do herbicida diuron (derivado da uréia) por B. bassiana (TIXIER et al., 2000) e os efeitos estimulantes e/ou inibitórios de diferentes fonte de carbono e nitrogênio sobre a germinação, tamanho de colônia e produção de conídios de dois isolados de M. anisopliae (LI & HOLDOM, 1995).
A expressiva toxicidade dos fungicidas é um dos fatores que mais limitam a utilização deste grupo de agente de controle biológico. Assim, é importante a utilização dos fungicidas compatíveis selecionados: Previcur N (propamocarb hidrocloreto), Kumulus DF (enxofre) e Hokko Kasumin (kasugamycin). Porém, sua utilização precisa ser considerada sobre dois aspectos: a eficiência de controle das doenças e a possibilidade do desenvolvimento de resistência pelos fitopatógenos. A eficiência de controle é dependente da espécie e linhagem do fitopatógeno a ser controlada, tendo em vista que estes produtos podem não ser eficientes para impedir a disseminação da doença na cultura. Quanto a resistência, a reduzida disponibilidade de produtos para rotação dificulta sua prevenção, especialmente para culturas produzidas intensivamente durante todo o ano e na mesma área, como é o caso de muitas ornamentais. Existe também o caso em que o problema da resistência é agravado quando o produtor faz, sem intenção, a rotação de culturas com espécies de plantas da mesma família, que compartilham geralmente as mesmas doenças e pragas.
Outros fatores importantes para a utilização dos fungicidas compatíveis envolvem a necessidade de registro para as culturas, o custo/hectare, a disponibilidade do produto compatível no mercado e a hipótese de vir a ser retirado do mercado pela empresa produtora.
Algumas formas de reduzir o efeito restritivo dos fungicidas à utilização de fungos entomopatogênicos é a adoção conjunta de diversas medidas de controle que minimizem a presença de fitopatógenos na cultura e, conseqüentemente, a necessidade de aplicações de fungicidas para seu controle, como por exemplo: utilização de mudas sadias, uso de variedades resistentes, manejo da irrigação, remoção de mudas e plantas doentes (ZAMBOLIM et al., 1999). Outra possibilidade, é a aplicação do fungicida apenas onde a doença encontra-se, ou seja, nos focos, e também pulverizando-se o fungicida com intervalo de tempo suficiente para não coincidir com as fases mais suscetíveis da interação entomopatógeno-hospedeiro.
Para o controle de T. urticae com B. bassiana este período compreende as primeiras 48 horas após a pulverização do fungo, tempo necessário para a germinação do conídios e invasão do hospedeiro pelo entomopatógeno.
Estes procedimentos são conhecidos por seletividade ecológica do produto químico através do espaço e tempo, respectivamente (YAMAMOTO et al., 1992). A empresa Mycotech-USA, que comercializa o produto Botanigard® contendo B. bassiana, fornece aos seus clientes informações por via impressa ou eletrônica (www.mycotech.com), sobre a possibilidade de mistura deste entomopatógeno e produtos químicos (inseticidas, acaricidas, fungicidas, herbicidas, espalhantes, etc) no tanque do pulverizador, e o tempo entre as aplicações destes agentes de controle quando forem incompatíveis entre si.
Para os produtos acaricida e/ou inseticida as possibilidades para sua utilização com B. bassiana são melhores. Com 24 (44%) produtos compatíveis ou moderadamente tóxicos, pertencentes a diferentes grupos químicos (derivado do pyrazol, derivado do fenoxi ciclohexil, piretróide, nitroguanidina, derivado da uréia, diacylhydrazina, cloronicotinil, triazína, tiouréia e organofosforado) permite-se manejar a resistência a produtos químicos das principais pragas das culturas hortícolas, usando-se a rotação de produtos com diferentes modos de ação. Estes produtos podem ser aplicados conjuntamente com o isolado PL63, na mesma calda inseticida, para o controle da mesma praga ou pragas diferentes. Em tratando-se da mesma praga, pode-se utilizá-los em concentração máxima recomendada, na estratégia conhecida como manejo por ataque múltiplo, ou em subconcentrações. Neste último caso, o produto químico poderia atuar como um sinergista do entomopatógeno, auxiliando a infecção fúngica.
Nessa estratégia, o controle proporcionado pelo produto químico e entomopatógeno em mistura deve ser superior a soma dos resultados de controle observados para cada uma destas táticas separadamente.
O uso de concentrações subletais (subconcentrações) é uma estratégia que permite reduzir a quantidade e o custo com o inimigo natural, a quantidade de resíduos químicos sobre os alimentos e a possibilidade de intoxicação dos trabalhadores rurais durante os processos de preparo da calda inseticida e sua aplicação.
Estudos da toxicidade de produtos fitossanitários a inimigos naturais como este, permitem a utilização prática e imediata dos resultados, e também criam novas linhas de trabalho que virão a complementar e viabilizar a utilização destas duas estratégias de controle em um programa de manejo de pragas. Estes resultados suprimem algumas lacunas que limitam o desenvolvimento deste tipo de programa no país, como forma de tornar o sistema de produção de culturas hortícolas mais eficiente e saudável, e assim, trazer benefícios aos seus produtores e consumidores.
Agradecemos ao CNPq-PRONEX pelo financiamento desta pesquisa.
Recebido em 5/2/02 // Aceito em 27/3/02
M.A. Tamai1, S.B. Alves1, R.B. Lopes1, M. Faion1, L.F.L. Padulla (1)
sebalves[arroba]esalq.usp.br
1. Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola, ESALQ/USP, CP 9, CEP 13418-900, Piracicaba, SP, Brasil. E-mail: maatamai[arroba]carpa.ciagri.usp.br
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|