Planejamento estratégico e os impactos sociais e econômicos das atuais tendências demográficas
A correta interpretação das tendências demográficas é fundamental para a qualidade do planejamento estratégico. O objetivo deste trabalho é apresentar nossa visão a respeito dos impactos sociais e econômicos das atuais tendências, em especial nas regiões que possam influenciar os países latino-americanos.
O texto aborda as tendências de maneira global e discute o crescimento populacional explosivo esperado para os países menos desenvolvidos e suas conseqüências, ressalvando-se porém o fato de poder-se olhar para esses países sob o ângulo das oportunidades geradas pelos imensos investimentos que neles se farão necessários.
O trabalho concentra-se nas situações opostas, discutindo os problemas que devem ser enfrentados pelos países que sofrerão declínio em suas populações, além do envelhecimento das mesmas. Nestes casos, avalia os segmentos da economia que deverão ser prejudicados e aqueles provavelmente a serem beneficiados, bem como as medidas que provavelmente serão tomadas pelos governos envolvidos com o objetivo de minimizar os problemas esperados.
A correta interpretação das tendências demográficas é fundamental para a qualidade do planejamento estratégico em todos os níveis. O objetivo deste trabalho é apresentar nossas preocupações acerca dos impactos sociais e econômicos das atuais tendências, em especial daquelas que podem mais fortemente influenciar os países latino-americanos; obviamente há impactos sobre outras áreas, em especial sobre o meio ambiente, que, no entanto, não serão objeto de aprofundamento neste texto. Diversos órgãos da ONU (Organização das Nações Unidas) vêm produzindo dados a respeito do assunto, sendo essas as principais fontes que utilizamos e relacionamos nas referências bibliográficas; quando os dados forem provenientes de outras fontes, estas serão mencionadas expressamente.
Em 1950, o mundo tinha 2,5 bilhões de habitantes (GASPARI, 2002). A ONU prevê que a população mundial, atualmente cerca de 6,1 bilhões, estará ao redor de 8,9 bilhões em 2050 e cerca de 10,5 bilhões em 2100. Esse crescimento estará concentrado em oito países: Índia, Paquistão, China, Nigéria, Congo, Bangladesh, Eritréia e Indonésia, com a Índia superando a China em número de habitantes ao redor de 2025 e atingindo em 2050 1,5 bilhão de habitantes, tornando-se pais o mais povoado. Cabe lembrar que as previsões da ONU nessa área têm sido acuradas: em 1958 a organização previa que no ano de 2000, quando atingimos 6 bilhões, a população estaria em 6,3 bilhões – um erro muito pequeno para fins de planejamento estratégico.
Essas informações já nos permitem vislumbrar alguns problemas decorrentes do crescimento desequilibrado: metade da população mundial vive nesses países, que ocupam 13% da superfície da terra. Os 48 países considerados pela ONU como "menos desenvolvidos", terão sua população triplicada até 2050, com alguns deles, como Congo, Burkina Faso, Angola, Uganda, Somália, Nigéria e Libéria crescendo mais de 300% - a maior taxa de crescimento é esperada para o Iêmen (450%). A nossa América Latina deve saltar dos atuais 519 para 806 milhões em 2050 (o Brasil, de 170 para 244 milhões, contra 52 milhões em 1950 – MOREIRA, 2000).
Esse crescimento, segundo o "World Population Prospects - The 2002 Revision", editado pela Divisão de População da ONU em fevereiro de 2003, só não será maior em função do aumento das taxas de mortalidade em razão da Aids; esse documento prevê que até 2010 a epidemia manterá a dinâmica ora observada, acreditando-se em reversão a partir daquele ano.
Estes países menos desenvolvidos, em especial os da África, são uma bomba relógio: o padrão de vida será o mais baixo, o analfabetismo o mais alto, a infra-estrutura a mais carente, os governos os menos estáveis; os conflitos étnicos permanecerão sacrificando os mais pobres. Carência de água e de comida, doenças e degradação ambiental gerarão cada vez mais problemas. Pode-se porém olhar para esses países sob outro ângulo, o das oportunidades geradas pelos imensos investimentos que ali se farão necessários.
Mas há situações opostas: até 2050, alguns países da Europa devem sofrer declínio acentuado em sua população (a menos que fortes movimentos migratórios alterem essa tendência): a Bulgária deve perder 43% de sua população, Ucrânia 40%, Rússia 28%, Itália e Hungria 25%, Espanha, Suíça e Áustria 20%, etc. – o decréscimo em toda a Europa deve estar ao redor de 10%, apenas com alguns países como França e Noruega apresentando pequeno crescimento. Dentre as demais grandes economias, o Japão e a Alemanha devem perder cerca de 14% ao passo que os Estados Unidos devem crescer cerca de 40%.
Mas os desequilíbrios acima mencionados não são os únicos problemas demográficos com que nos defrontamos. Melhores cuidados médico-sanitários e de alimentação elevarão a expectativa de vida no nascimento para cerca de 70 anos nos países mais pobres e para 83 nos mais ricos (a maior estará no Japão, com 88 anos). Na América Latina e Brasil, respectivamente, deveremos saltar de 70 para 78 e de 67 para 77; em 1950, a expectativa de vida no Brasil era de 46 anos (GASPARI, 2002). Ainda no Brasil, a população de 65 anos de idade ou mais, que era composta de 7,7 milhões de pessoas em 1995, compreendendo menos de 5% do total da população, chegará a 2050 a mais de 38 milhões de pessoas, perfazendo nada menos do que 18,4% da população (MOREIRA, 2000). Esse fenômeno já está ocorrendo: dois terços das pessoas que atingiram 65 anos, em toda a história da humanidade, estão vivas hoje!
A queda nas taxas de natalidade a níveis que não permitirão a reposição da população na maioria dos países da Europa e Japão torna o cenário mais complexo. Estima-se que para a manutenção da população seja necessária uma taxa de natalidade de 2,1 filhos por mulher; nos últimos anos têm se registrado taxas que oscilam de 1,2 na Itália e na Espanha a 1,9 na Irlanda, além de 1,4 no Japão; . Estes números, embora de maneira menos drástica, tendem a se reproduzir em outros paises ocidentais: 2 nos Estados Unidos, 2,7 na América Latina e 2,3 no Brasil.
Para os países com tendência a decréscimo na população, vislumbram-se dois caminhos: aumento nas taxas de natalidade, atualmente difícil de ser obtido por razões como busca da independência econômica pelas mulheres, necessidade de altos investimentos em estruturas de suporte à mulher e às crianças, etc. O segundo caminho é o do incentivo às migrações, que esbarra em questões políticas, de preconceitos, de qualificação dos possíveis imigrantes, etc. Além disso, a massa de imigrantes requerida para simples manutenção dos níveis atuais de população nesses países, cerca de 700 milhões até 2050 apenas para os atuais componentes da União Européia, transformaria os nativos em minorias dentro de seus próprios países, tornando as migrações ainda mais difíceis de serem concretizadas – como exemplo pode-se dizer que hoje cerca de 10% da população alemã é constituída por estrangeiros, o que ajuda a explicar atitudes xenófobas. De qualquer forma, como nesse campo as respostas são muito lentas, acreditamos que os países afetados por esse tipo de problema precisam começar a planejar (e agir) rapidamente antes que a situação se agrave.
O aumento da expectativa de vida gera também sensível envelhecimento da população como um todo. Atualmente, o país com a mais alta média de idade é o Japão (41 anos), seguido pela Itália (40). Em 2050, a maior média será a da Espanha, com 55 anos, seguida pela Itália (54) e Japão (53).
O envelhecimento da população traz à baila outro problema sério, o das aposentadorias. Quase todos os planos de hoje se baseiam na premissa de que a contribuição da força de trabalho atual sustentará a aposentadoria dos idosos. No Brasil, já vivemos um problema sério nessa área, problema que se manifesta também em inúmeros outros países, como veremos a seguir, considerando em idade de aposentadoria as pessoas com 60 ou mais anos de idade e em idade de trabalho as entre 15 e 59 anos, conforme critérios adotados pela ONU.
É inevitável que a idade para aposentadoria precise ser elevada e os benefícios reduzidos, com todas as implicações relacionadas a essa elevação: desemprego, trabalho informal, educação continuada, garantia de emprego, etc. Na Europa, para cada 100 pessoas em idade de trabalho, há 35 em idade de aposentadoria; em 2050, esse número mais que dobrará, devendo ir a 75, com o pico no país "mais velho", a Espanha, onde se espera uma relação de quase 100 para 100. No Japão, a relação irá de 37 para 94 e nos Estados Unidos de 26 para 49. Na América Latina, sairemos de 13 para 39 e no Brasil, de 12 para 42. Considerando-se que na Alemanha de 1980 cada aposentados tinha 20 trabalhadores para sustentá-lo, pode-se perceber como o cenário vem se deteriorando rapidamente.
O trabalho informal ou em tempo parcial tende a agravar o problema, pois estes trabalhadores contribuem menos que o ocupante de um posto de trabalho convencional. Mudança nos sistemas de capitalização, aumento das contribuições, melhoria dos processos de administração e outras medidas similares podem minorar o problema, mas não resolve-lo. Na sociedades que estão envelhecendo, a tendência deve ser a redução dos benefícios a um nível básico, cabendo aos indivíduos proverem a acumulação de valores como forma de garantir aposentadorias acima desse nível básico, abrindo espaço para empreendimentos nessa área. Raciocínio análogo pode ser aplicado à área de saúde.
Em termos de mercado de trabalho, há desafios a serem enfrentados: trabalhadores mais velhos tendem a se tornar menos produtivos, como regra geral. Isso ocorre por receberem menos treinamento (há relutância dos empregadores em investir nesses profissionais) e por ser a experiência acumulada menos relevante numa situação em que a tecnologia muda rapidamente. Fatores de natureza física e psicológica decorrentes do envelhecimento também podem contribuir para essa queda.
O desenvolvimento da capacidade de inovação é e será crucial. Usualmente profissionais jovens tem um papel determinante na criação e difusão de novos conhecimentos, graças à sua predisposição para a aceitação de riscos, maior mobilidade (aceitação de transferências), educação e treinamento atualizados, etc. A falta desses profissionais será um problema sério. REYNOLDS (2000) demonstra como o número de "start-ups" (empresas criadas por empreendedores) tem correlação com o crescimento econômico, e que esses empreendedores concentram-se na faixa etária compreendida entre os 25 e 44 anos. KELLAWAY (2002), referindo-se ao Estados Unidos, diz que existem 45 milhões de pessoas com idade entre 35 e 44 anos, e apenas 37 milhões entre 25 e 34, ou seja: o potencial de inovação, ao menos no que se refere aos aspectos quantitativos, tende a cair.
Outra alteração importante será no perfil de demanda. Diferentes faixas etárias têm diferentes necessidades, gostos, etc; dessa forma, algumas indústrias serão beneficiadas e outras prejudicadas. A queda de população trará efeitos negativos a praticamente todos os setores.
De maneira geral, bens e serviços que podem ser comercializados no mercado internacional são menos afetados por alterações no perfil demográfico doméstico, pois podem compensar eventuais perdas com exportações; já os que não tem essa possibilidade, como o setor de transportes terrestres, usualmente são atingidos de forma mais intensa. Os setores afetados podem também diminuir o impacto sofrido através de alterações de design, canais de distribuição, marketing, etc. , adequando-os aos gostos e necessidades de uma população mais idosa. Há ainda aqueles setores que obviamente sofrerão grandes perdas, como os da área de construção civil, em face da redução da necessidade de novas casas, embora a necessidade de adaptação das construções existentes possa diminuir um pouco o impacto dessas perdas.
Dentre as áreas que certamente serão beneficiadas está a da saúde. Remédios, hospitais, serviços de apoio aos idosos, biotecnologia, etc., devem esperar grande crescimento. O aumento da população idosa deve beneficiar a indústria do lazer, embora devam ser necessárias alterações no perfil de serviços prestados por essa área, mesmo com idosos do futuro devendo ser mais ativos que os da atualidade, principalmente em função da mudança de valores e melhoria das condições de saúde da população idosa.
Outras indústrias são relativamente imunes às alterações por terem entre seus usuários pessoas de todas as faixas etárias, como os serviços financeiros, por exemplo. Alguns serviços financeiros deverão ser beneficiados pelo envelhecimento da população, em especial os relativos ao gerenciamento de investimentos destinados à complementação das aposentadorias pagas pelos governos. Pessoas aposentadas ou em vias de aposentadoria demandarão informações e gerenciamento de recursos adequados aos seus projetos e características pessoais e familiares; novos produtos poderão ser necessários. No Brasil já observamos quantidade considerável de idosos operando em bolsas de valores via Internet, utilizando serviços bastante satisfatórios fornecidos por corretoras de valores; muitos desses investidores dão a essa atividade um certo caráter lúdico, que até há pouco tempo não havia.
As finanças públicas também serão afetadas. Segundo a Organisation for Economic Co-operation and Development - OECD (2001), entre 40 e 60% das despesas públicas nos países industrializados são influenciadas por fatores de natureza demográfica, em especial aposentadorias de funcionários públicos, saúde, escolas públicas, etc. Apesar da pouca disponibilidade de dados, pode-se afirmar que idosos respondem pela maior parte dessas despesas, havendo então tendência de crescimento devido ao envelhecimento da população. Simulações efetuadas pela OECD, considerando nações industrializadas, mostram que esse crescimento, se mantidas as regras atuais, podem levar a grandes desequilíbrios orçamentários, com as conseqüências típicas dessa situação, como aumento de taxas de juros, de impostos, etc., gerando grandes problemas a essas economias.
Acreditamos ter ficado claro que há razões para preocupações quanto aos impactos sociais e econômicos das atuais tendências demográficas. Elas gerarão uma série de desastres de naturezas diversas se não houver imediata ação, em especial nas áreas social e econômica, que foram as consideradas neste trabalho. Esses desastres podem ser minimizados se determinadas ações, quase sempre impopulares, forem tomadas imediatamente, enquanto a estrutura populacional ainda permitir essas medidas. As empresas têm mais tempo para planejar, pois podem alterar o rumo de seus negócios mais facilmente; já os governos precisam adotar estratégias muito claras, visando principalmente dar um formato mais favorável ao desenvolvimento populacional.
Dentre essas estratégias, conforme dissemos anteriormente, pode-se adotar políticas que valorizassem as famílias e as crianças, especialmente nas economias industriais, procurando tornar mais simples permitir que mulheres conciliem carreira e filhos.
Contra os imigrantes sempre existiram objeções. A mais freqüente é a de que eles concorrem com o trabalhador local. Os fenômenos americano, australiano e canadense desmentem esse mito. Não será fácil para os europeus entenderem que o imigrante talvez não entre apenas para tomar um emprego e usufruir um bom hospital. Ele pode gerar riqueza, pagar impostos, consumir. Talvez essa seja uma mudança de atitude a ser conseguida urgentemente.
Problemas gerados pela imigração poderiam ser minimizados por programas de integração dos imigrantes às sociedades que os recebessem e de esclarecimento às populações nativas acerca das conseqüências do envelhecimento e redução da população. A participação dos políticos, é fundamental nesse processo. Talvez os versos "Dêem-me seus esgotados, seus pobres", de autoria da poetisa americana Emma Lazarus (1849-1887), gravados na base da Estátua da Liberdade como um hino de misericórdia aos imigrantes, nunca tenham sido tão atuais
A proteção das áreas sociais, em especial aposentadorias e saúde também é muito importante. Mudanças estruturais são necessárias: simplesmente aumentar contribuições ou diminuir benefícios podem minorar os problemas, mas não os eliminam. Parece ser inevitável uma entrada mais cedo no mercado de trabalho (obviamente para as economias mais evoluídas) e uma retirada mais tarde. Medidas destinadas a incentivar a melhor qualificação e a mobilidade dos trabalhadores serão úteis.
Ainda temos algum tempo até que essas alterações passem efetivamente a gerar problemas realmente muito sérios. Além do encaminhamento de medidas destinadas a enfrentar-los, devemos procurar aumentar a conscientização de nossos políticos, líderes empresariais e outros formadores de opinião. A conjugação dos estudos sobre os aspectos sociais e econômicos com os impactos sobre outras áreas, em especial no meio ambiente, devem ser acelerados. Ainda há tempo.
Autor:
Vivaldo José Breternitz
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Professor - São Paulo - SP – Brasil, fone
vjbreternitz[arroba]mackenzie.com.br
Tipo de Presentación: Exposición
Area temática: Planeamiento Estratégico Empresarial, Urbano, Regional y Nacional
Curriculum Vitae: Vivaldo José Breternitz, Mestre em Engenharia Elétrica, é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie ( São Paulo, Brasil), e consultor de empresas.
Foto:
Idioma en que se realizará la exposición: Português
Equipos de apoyo requeridos: microcomputador com PowerPoint e datashow.