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O tempo polidimensional (página 2)

Valzeli Figueira Sampaio

 

Para a escrita eletrônica o espaço é a tela do computador, onde os signos são representados como memória digital, combinações entre 0 e 1, armazenados em clustters. O espaço da escrita no computador é visualmente complexo, e extremamente maleável tanto nas mãos daquele que escreve com daquele que o lê. Semelhante a um rizoma (1) , o hipertexto, é a habilidade para criar e apresentar diagramas não-lineares, transformando o computador na mais nova revolução da escritura.

O computador como hipertexto nos convida a escrever através de símbolos que têm tanto um significado intrínseco e extrínseco. Isso quer dizer que, os símbolos têm significados que podem ser explicados em palavras, mas eles também têm significados, como elementos de uma extensa diagrama de gestos. Esses sistemas coexistem e nos permite visualizá-los no espaço digital.

O computador é uma máquina desenhada para criar caminhos como diagrama, nos encaminhando para os mais variados usos. A memória do computador e a unidade de processamento central é uma intrincada hierarquia de componentes eletrônico, as camadas de programas transformam a máquina num espaço físico de circuitos eletrônicos dentro de um espaço simbólico de programação, e é neste espaço que um novo tipo de escritura pode ser localizada.

O espaço do computador tem a forma dos objetos que ocupam, exatamente como a física moderna nos fez compreender o espaço. A hipermídia obedece a essa mesma lógica, e o seu criador manipula esse espaço, preenchendo-o com elementos simbólicos, conectando-os com os recursos do programa de autoria. Qualquer elemento no espaço hipermidiático pode se referir a outro elemento, usando um endereço numérico. Os vínculos conservam, e conectam virtualmente o diagrama do espaço programado, o seu todo é uma potência, uma possibilidade. Essa dimensão que é construída por essas conexões, pode ser entendida como a construção simbólica do espaço no diagrama do hipertexto, transformando a programação em mais um tipo de escritura tecnológica.

A tecnologia digital possibilita uma escrita espacial e abstrata, e fundamentalmente visual tanto quanto oral, assim como pode ser silenciosa como nas escrituras pictóricas pode ser invasiva como as mídias tv e rádio. Esta característica eclética revela a importância da escrita tecnológica na história da escritura. O computador reescreve a história trazendo-nos de volta aspectos que eram próprios da escrituras primitivas, mas nem por isso menos complexa. Em particular, a hipermídia nos possibilita uma retomada da escritura com imagens, revelando efeitos de uma relação com o espaço visual com a oralidade, à semelhança da relação da impressão com a oralidade, ainda residual na escrita e na cultura tipográfica inicial. Na hipermídia ocorre uma contaminação dos meios existentes, revelando uma espécie de mutação como ocorre no funcionamento dos sistemas vivos, num sistema de autopoiesis (2).

Espaço topográfico

Na hipermídia o espaço topográfico da programação se dá no entrelaçamento das mídias provocando uma passagem frenética entre o discurso visual, sonoro e verbal. Diagramando um grande rizoma hipermidiático projetando uma estrutura semelhante a uma rede, um conjunto de nós ( nodes ) ligados por conexões (links) que produzem sistemas de significações. A sugestão simbólica desse tipo de obra procura favorecer não tanto a recepção de um significado preciso, mas sim provocar a sensibilidade e a perspicácia do leitor à multiplicidade de significados da obra multimidiática.

O desenvolvimento de um projeto hipermidiático implica na construção de coordenadas para que se ergam aí signos diversos, que irão diagramar e definir a dimensão virtual que se está projetando. Podem ser modelados os elementos através de inúmeras mídias, aí uma das origens de sua natureza múltipla. A criação no tempo-espaço hipermidiático implica numa multiplicidade de perspectiva, de variedade de códigos de linguagens.

A hipermídia nos dá a possibilidade trabalhar com diagramas complexos, com inúmeras camadas de informação. O criador mergulha num espaço polidimensional, criar sem a visualização do todo torna difícil o controle da obra e das suas conexões. Esse diagrama depende do seu conteúdo, da idéia central, do que se quer expressar. Cada diagrama permitirá uma compreensão diferente, e dentro de cada um existem muitas variações. Cada ponto de vista, cada modo de organização criará um novo diagrama. E cada novo diagrama lhe permitirá ver um novo diagrama.

Funcionando como um organismo vivo, autopoiético (3), cada nova cognição de uma faceta do diagrama torna-se um novo método de classificação, a partir do qual o todo pode ser captado e compreendido.

A hipermídia é uma diagrama tecnológico e também uma linguagem, na qual se mesclam interfaces e interações. Chamamos de interativo todo o sistema onde se manifesta o diálogo, e por interface todo componente que possibilita o contato comunicativo entre no mínimo dois elementos e/ou sistemas. A vocação da interface é traduzir, articular espaços, colocar em comunicação duas realidades diferentes. Na hipermídia é a interface gráfica que permite a interatividade e corresponde às representações simbólicas e visuais nas telas que possibilitam as conexões associativas num banco de dados (4). Num projeto hipermidiático a interface gráfica é a combinação dos elementos gráficos e dos seus sistemas de movimentação, determina o efeito que se quer provocar no leitor, estando diretamente relacionado com o conteúdo do projeto.

A hipermídia como um diagrama apresenta uma dimensão visual de fatos e de representações temporais, geográficas ou de qualquer outro tipo, necessitando para a sua construção de um extenso número de regras. O tempo apresenta-se como um recurso criativo em linguagens diferentes, e o domínio do tempo e de sua duração, o seu movimento, transfigura-se como um desafio para muitos criadores. O tempo na hipermídia tem uma especificidade que está relacionada com a sua dimensão, melhor, com sua polidimensão.

O fenômeno da duração e da sua vivência é comumente designado como tempo. No universo da consciência humana, o tempo se combina com o espaço e o som numa composição de interdependência, na qual as concepções, ações, movimentos e deslocamentos possuem um significado e são medidos através da percepção que temos da relação entre eles.

Uma outra face do multitempo da hipermídia refere-se à relação de cruzamento de múltiplas mídias que o seu diagrama permite.

O resultado desta união nos revela uma surpreendente unidade. A partir de um ritmo aparentemente desconexo, mas que caminha para uma organização, um certo equilíbrio originado do caos imagético e fragmentando. (...) A hipermídia inventa um ritmo que é embalado pelo caos à procura de uma nova ordem, um equilíbrio às avessas. (...) Isso nos faz pensar constantemente o barroco como o lugar de origem dessa nova ordem frenética. (%) ...

um corpo flexível e elástico tem ainda partes coerentes que diagramam uma dobra, de modo que elas não se separam em partes de partes, mas dividem-se até o infinito em dobras cada vez menores, dobras que sempre guardam certa coesão. Do mesmo modo, o labirinto do contínuo não é uma linha que dissolveria em pontos independentes, como a areia fluida dissolve-se em grãos, mas é como um tecido ou folha de papel que se divide em dobras até o infinito ou que se decompõem em movimentos curvos, sendo cada um deles determinado pela circunvizinhança consistente ou conspirativa. (6)

Percebemos na hipermídia uma relação orgânica com o espaço que está dobrado em si, como no labirinto leibniziano o menor elemento do seu espaço é a dobra, que nunca é uma parte, mas uma extremidade que leva a uma outra dobra, a mais uma outra dobra e ali até uma nova dobra.

Neste ponto de vista, a matéria-dobra é uma matéria-tempo tratando-se aqui de uma relação tender- distender, contrair-dilatar, comprimir-explodir os tempos dobrados e redobrados da hipermídia. O tempo, no ponto de vista da dobra é uma potência redobrada, que por conseguinte contém um movimento.

Na sua análise sobre a obra de Bergson, Matière e Mémorie, Deleuze nos apresenta que o movimento, de certo modo, tem duas faces, por um lado ele é o que se passa entre os objetos ou partes; por outro lado, o que exprime a duração e o todo. Ele faz com que a duração, ao mudar de natureza, se divida nos objetos, e que os objetos, ao se aprofundarem, perdendo seus contornos, reúna- se na duração.

On dira donc que le mouvement rapporte les objets du système clos à la durée ouverte, et la durée aux objets du système qu'elle force à s'ouvrir. Le mouvement rapporte les objets entre lesquels il s'établit au tout changeant qu'il exprime, et inversement. Par le mouvement, le tout se divise dans les objets, et les objets se réunissent dans le tout: et, entre les deux justement, "tout" change. Les objets ou parties, d'un ensemble, nous pouvons les considérer comme des coupes immobiles; mais le mouvement s'établit entre ces coupes, et rapporte les objets ou parties à la durée d'un tout par rapport aux objets, il est lui- même une couple mobile de la durée. (7)

A não-linearidade incitada por suas dobras e redobras possibilita a mobilidade, a estrutura barroca de tempo está contida na dobra, que conduz ao movimento, e por conseguinte a novas faces do artefato hipermidiático novas facetas de sua polidimensão.

A condição híbrida da hipermídia, que contamina o fazer criativo, nos revela um outro tempo, que está contido na multimidiática. A interface gráfica do artefato hipermidiático que se está construindo, é, potencialmente, de natureza múltipla, e muito por esta ambiência, produz um outro tipo de tempo. Provocando o movimento entre objeto e o seu todo, desencadeando uma mutação sígnica e por conseguinte a percepção do movimento e de um outro tempo. Nessa linha de pensamento, podemos identificar a hipermídia como um estado de interfaces, onde no seu espaço digital as imagens, textos, sons se comutam instantaneamente, se interpenetram, se mesclam.

"O meio já não é mensagem, pois não existe mais meio, somente trânsito de indiagramações entre suportes, interfaces, conceitos e modelos como mera matrizes numéricas. Surgem novos espaços topológicos" (Plaza, 1993).

Como a hipermídia só é construída no momento único de sua leitura, torna maleável o conceito de quem o realiza, o que reforça a percepção de outros tempos contidos na própria natureza da mídia acionada, e/ou dos elementos que compõem a interface de tela. Esse estado de constante mutação é possível pela tecnologia da hipermídia que dá suporte físico à mobilidade, apresentando- se como um universo maleável, flexível, diverso, permitindo que o usuário tome consciência ora de um fato ora de outro, coordenando esforços perceptivos em diferentes espaços e tempos. Ela se apresenta para o leitor como um objeto inconcluso, sem estrutura definitiva, quase infinitamente manipulável, incorporando o movimento e a permutação como elementos diagramais.

E tem na sua mecânica combinatória, apenas campos de acontecimentos, constelações móveis que se renovam continuamente.

Referências Bibliográficas

  • DELEUZE, G. A dobra - Leibniz e o barroco.Campinas, SP: Papirus Editora, 1991.
  • ---------- L'image-mouvement - cinéma. Paris-França. Minuit, 1983.p.22 MATURANA, Humberto. The nature of time. In: http:// www.inteco.cl/biology/nature.htm SAMPAIO, Valzeli Figueira. Manuscrito Eletrônico. Dissertação de mestrado defendida em 1997. ( no prelo) SANTAELLA, Lúcia. Signo de toda as coisas. in : assinatura das Coisas - Peirce e a Literatura: Ed. Imago. Biblioteca Pierre Menard.1992.

Notas

1. Seguindo o ponto de vista de Deleuze, o termo tem origem na morfologia é refere-se à vegetal enraizado, mas sem uma raiz primária, apresentando nós que se expandem aleatoriamente, de diagrama não hierárquica

2. Autopoiesis, termo que designa os processos de funcionamento de sistemas auto-organizáveis vivos, mas que engloba também outras dimensões, como processos sociais, produção de conheicmento e inteligência artificial. Termo criado por Humberto Maturana e Francisco Varela.

3. Idem.

4. Programas para produção de hipertexto foram desenvolvidos para apresentar o seu conteúdo como um banco de dados. Estes banco de dados contam com sistema de índices próprios que verificam cuidadosamente o seu conteúdo com índices velozes de referência cruzada. Um índice de hipertexto por si só pode Ter 50% a 100% do tamanho original do documento original. A organização desses índices é essencial para a perdiagramance da velocidade.

5. SAMPAIO, Valzeli Figueira. Manuscrito Eletrônico. Dissertação de mestrado defendida em 1997.

6. DELEUZE, G. A dobra. Leibniz e o barroco. Campinas, SP: Papirus, 1991, p.17

7. Deleuze, Gilles. L'image-mouvement - cinéma. Paris-França: Les Éditions de Minuit, 1983.p.22

 

Valzeli Figueira Sampaio
valsampaio[arroba]uol.com.br



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