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Soroprevalência de Borrelia burgdorferi latu sensu associada à presença de carrapatos em cães de áre (página 2)

José Carlos Pereira de Souza; Cleber Oliveira Soares; Claudio Roberto Madru

MATERIAL E MÉTODOS

Amostras de soro

Foi efetuada a colheita de sangue de 199 cães em sete municípios do Estado do Rio de Janeiro: Seropédica, Itaguaí, Paracambí, Mangaratiba, Barra do Piraí, Piraí e Miguel Pereira. Foram escolhidas áreas afastadas dos centros urbanos, com características rurais e com presença de matas secundárias. A amostragem foi realizada por conveniência e facilidade de acesso às propriedades.

As amostras de soro obtidas do sangue dos animais foram submetidas à pesquisa de anticorpos da classe IgG contra B. burgdorferi latu sensu por meio do teste ELISA indireto segundo SOARES et al. (1999b).

Todos os cães foram examinados, especialmente nas orelhas e coxins plantares e palmares, para detecção da presença de carrapatos. Os exemplares imaturos, ingurgitados, foram coletados e mantidos em estufa incubadora para BOD a 27ºC e 80% de umidade relativa, para que pudessem completar o seu desenvolvimento para posterior identificação. Os carrapatos adultos colhidos diretamente no animal ou obtidos a partir de forma imatura foram conservados em álcool a 70% e identificados segundo a chave de ARAGÃO & FONSECA (1961).

O estudo das associações entre as variáveis de interesse foi realizado por meio do teste de Goodman (GOODMAN, 1964; 1965) e do teste exato de Fisher (FISHER, 1993), com nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Neste estudo, 63 propriedades foram visitadas e 199 cães examinados em sete municípios do Estado do Rio de Janeiro, sendo 15 cães em Seropédica, 71 em Itaguaí, 28 em Paracambí, 22 em Mangaratiba, 25 em Barra do Piraí, 28 em Piraí e 10 em Miguel Pereira. As coletas foram realizadas de janeiro de 1997 a junho de 1998 e o número de animais examinado variou de um a 12 cães por propriedade, com média de aproximadamente quatro animais. A grande maioria dos animais adentrava as matas para caçar. Os animais foram separados em quatro faixas etárias, sendo: cães com menos de seis meses de idade, cães com idade variando de seis meses a dois anos, cães com idade de dois a cinco anos e cães com idade superior a cinco anos.

Dos 199 animais estudados, 15,58% foram positivos com títulos de 400 (13,57%); 800 (1,51%) e 1.600 (0,5%). A distribuição dos casos positivos, segundo a região, encontra-se na tabela 1. Apesar das regiões de Miguel Pereira, Piraí e Itaguaí terem apresentado maiores prevalências, 30,0%, 21,4% e 21,1% respectivamente (Tabela 1), não houve diferença estatística (P > 0,05) entre os municípios pesquisados. Em relação à faixa etária, nenhum cão com menos de seis meses apresentou anticorpos contra- B. burgdorferi e a partir desta faixa etária todas as demais (de 6 meses a mais de cinco anos) foram igualmente acometidas, sem diferença estatística entre elas (P > 0,05). Cães com idade superior a cinco anos foram os que tiveram maior percentual de positividade (26,5%).

A distribuição de carrapatos, em cada município, pode ser observada na tabela 2.

Carrapatos foram retirados em 71 (35,68%) dos cães examinados, dos quais 24,1% estavam infestados por A. cajennense, 13,6% por R. sanguineus, 2,5% por A. aureolatum e 1,5% por A. ovale. Alguns animais apresentaram mais de uma espécie de carrapato. Em relação aos estádios recuperados, no caso de R. sanguineus, A. aureolatum e A. ovale, somente adultos foram encontrados sobre os animais. Já em relação a A. cajennense, foram recuperados sobre os animais preponderantemente ninfas e larvas em grande quantidade, fixadas principalmente nas orelhas dos animais.

Tabela 2 – Número e percentual de cães de áreas rurais do Estado do Rio de Janeiro
infestados por carrapatos Amblyomma cajennense, Amblyomma aureolatum, Amblyomma ovale
e Rhipicephalus sanguineus.

Carrapatos

Município

Amblyomma cajennense

Amblyomma aureolatum

Amblyomma ovale

Rhipicephalus sanguineus

Total de cães examinados

Seropédica

0

0

0

1 (6,67%)

15

Itaguaí

28 (39,4%)

0

3 (4,2%)

13 (18,3%)

71

Paracambi

13 (46,4%)

0

0

0

28

Barra do Piraí

1 (4,0%)

5 (20,0%)

0

2 (8,0%)

25

Piraí

4 (14,3%)

0

0

2 (7,1%)

28

Miguel Pereira

2 (20,0%)

0

0

4 (40,0%)

10

Mangaratiba

0

0

0

4 (18,2%)

22

Total

48 (24,1%)

5 (2,5%)

3 (1,5%)

26 (13,6%)

199

Quando relacionamos a presença de carrapatos com a presença de anticorpos contra B. burgdorferi observamos que A. cajennense foi detectado em 38,7% dos cães sorologicamente positivos (Tabela 3) e R. sanguineus em 22,6% (Tabela 3) . No entanto, não houve associação entre a presença de anticorpos contra B. burgdorferi e o parasitismo por carrapatos.

Tabela 3 – Relação entre a presença de Amblyomma cajennense e Rhipicephalus sanguineus
e a ocorrência de anticorpos anti-Borrelia burgdorferi latu sensu
em cães de áreas rurais do Estado do Rio de Janeiro.

Amblyomma cajennense

Rhipicephalus sanguineus

Cães

Anticorpos

contra-

Borrelia burgdorferi

Ausência N (%)

Presença N (%)

Ausência N (%)

Presença N (%)

Total (N)

Negativo

132 (78,6)

36 (21,4)

149 (88,7)

19 (11,3)

168

Positivo

19 (61,3)

12 (38,7)

24 (77,4)

7 (22,6)

31

Total

151 (75,9)

48 (24,1)

173 (86,9)

26 (13,1)

199

DISCUSSÃO

A prevalência de anticorpos anti-B. burgdorferi encontrada em cães varia de acordo com a região fisiográfica (MAGNARELLI et al., 1985; AZUMA et al., 1994; WRIGHT et al., 1997; SALINAS-MELENDEZ et al., 1999; SOARES, et al., 1999a; 2000; JOPPERT et al., 2001) sendo mais elevada em áreas endêmicas para a borreliose humana (LINDENMAYER et al., 1991; MERINO et al., 2000; OLSON et al., 2000).

No Brasil, a prevalência de B. burgdorferi em cães foi pesquisada por SOARES et al. (1999a) que observaram prevalência de 20% e por JOPPERT et al. (2001) que encontraram 9,7%. Assim, os resultados observados no presente estudo (15,58%) estão próximos do que vem sendo reportado no Brasil e de acordo com a prevalência em áreas endêmicas de outros países. A prevalência uniforme de anticorpos anti-B. burgdorferi entre os diferentes municípios é um indicativo da presença de B. burgdorferi latu sensu em áreas rurais do Estado do Rio de Janeiro e de sua ampla distribuição.

Não houve diferença significativa entre a distribuição da ocorrência de anticorpos anti-B. burgdorferi e as faixas etárias a partir de seis meses de idade. Estes resultados estão de acordo com os observados em outros estudos. GREENE et al. (1988) encontraram cães positivos, pelo método de Imunofluorescência Indireta, em todas as faixas etárias, com maior prevalência em animais de um a cinco anos. MAGNARELLI et al. (1985) observaram maior número de casos positivos, na IFI, em cães com idade superior a quatro anos. JOPPERT et al. (2001) não verificaram diferença entre as faixas etárias de cães no Estado de São Paulo. MERINO et al. (2000) observaram animais soropositivos a partir de um ano de idade. Cães com idade inferior a seis meses podem não ter sido expostos ao agente, podem ter anticorpos colostrais em níveis muito baixo, ou não terem produzido anticorpos suficientes para serem detectados no teste ELISA. A partir desta idade, estímulos constantes podem manter a produção de anticorpos em níveis suficientes para serem detectados nos testes sorológicos (HOVIUS et al., 1999a)

No Brasil, cães de áreas rurais são parasitados principalmente por carrapatos do gênero Amblyomma (MASSARD et al., 1981; O’ DWYER et al., 2001) que podem desempenhar papel importante na transmissão do agente para cães e também para seres humanos, enquanto em cães de áreas urbanas, R. sanguineus é o carrapato mais prevalente (MASSARD et al., 1981; RIBEIRO et al., 1997).

A presença de anticorpos contra B. burgdorferi em cães de área rural do Rio de Janeiro é um indicativo da ampla distribuição do agente nessa área e do risco de ocorrerem casos humanos da doença na região. Por tratar-se de doença pouco conhecida no nosso meio, muitos casos podem não ser corretamente diagnosticados e tratados. Apesar de não ter havido associação entre a presença de carrapatos e a soropositividade para B. burgdorferi, deve-se considerar que a presença de anticorpos indica exposição prévia ao agente e que o animal infectado pode não estar mais sendo parasitado pelo carrapato responsável pela transmissão. Devido à ampla distribuição e baixa especificidade de carrapatos do gênero Amblyomma, principalmente nas áreas rurais, não se pode descartar a possibilidade de esses carrapatos serem responsáveis pela transmissão da borreliose de Lyme no Brasil. Assim, estudos devem ser conduzidos a fim de se conhecer a prevalência desse agente em outras localidades, sua patogenia e os vetores envolvidos em sua transmissão no Brasil.

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Lucia Helena O’DwyerI; Cleber Oliveira SoaresII; Carlos Luiz MassardIII; José Carlos Pereira de SouzaIV; Walter FlausinoV; Adivaldo Henrique da FonsecaVI
souzajcp[arroba]agricultura.gov.br
IMédico Veterinário, Professor Assistente Doutor, Departamento de Parasitologia, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, 18618-000, Botucatu, SP. E-mail: odwyer[arroba]ibb.unesp.br
IIMédico Veterinário, Pesquisador, Embrapa Gado de Corte, CP154, 79002-970, Campo Grande, MS
IIIMédico Veterinário, Professor Titular, Departamento de Parasitologia Animal, Instituto de Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
IVMédico Veterinário, Delegacia Federal de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
VBiólogo, Departamento de Parasitologia Animal, Instituto de Veterinária da UFRRJ
VIMédico Veterinário, Professor Titular, Bolsista do CNPq, Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública, UFRRJ, Km 47, 23890-970, Seropédica, RJ. E-mail:
adivaldo[arroba]ufrrj.br



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