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Soroprevalência de Babesia bovis em bovinos na mesorregião Norte Fluminense (página 2)

José Carlos Pereira de Souza; Cleber Oliveira Soares; Claudio Roberto Madru

 

MATERIAL E MÉTODOS

Região estudada

O estudo foi conduzido com amostras de soro de bovinos de nove municípios da mesorregião Norte Fluminense do estado do Rio de Janeiro, segundo divisão político-administrativa da Fundação CIDE. A população estimada de bovinos desta mesorregião é de 518.465 cabeças, em uma área total de 663.198 hectares com a produção de leite de 81.806.000 litros anuais (CIDE 1997).

Amostragem dos soros e divisão por grupos

As amostras de soros foram colhidas aleatoriamente de bovinos jovens e adultos, maiores que um ano de idade, aparentemente sadios, puros Bos indicus ou mestiço B. indicus x B. taurus. O tamanho da amostra foi determinado, por conveniência e facilidade de acesso à propriedade, tomando como parâmetro a coleta de no mímino um número maior ou igual a 0,1% da população total de bovinos da mesorregião. Coletou-se, assepticamente, o sangue de 532 animais por venopunção jugular e, os soros obtidos foram aliquotados em tubos tipo Eppendorf e armazenados à –20°C até o momento da análise sorológica.

As 532 amostras de soro coletadas estão distribuídas entre nove municípios com a seguinte amostragem: Campos (n= 186), Macaé (n= 91), São Fidélis (n= 55), Carapebus (n= 10), Quissamã (n= 50), Conceição de Macabú (n= 27), São Francisco de Itabapoana (n= 69), Cardoso Moreira (n= 25) e São João da Barra (n= 19). Os animais estudados foram divididos por grupos; quanto à faixa etária: 1 a 3 anos (n= 110), 3 a 6 anos (n= 241) e > 6 anos (n= 181); quanto ao sexo: fêmeas (n= 497) e machos (n= 35) e quanto à aptidão zootécnica: animais com aptidão zootécnica para corte (n= 444) e animais com aptidão zootécnica para leite (n= 88).

Ensaio imunoenzimático (ELISA) indireto

Realizou-se o ensaio ELISA indireto para detecção de anticorpos da classe IgG anti Babesia bovis, utilizando-se microplacas de 96 orifícios para titulação. As microplacas foram sensibilizadas com extrato total antigênico de B. bovis, isolado do Mato Grosso do Sul em bezerros com parasitemia de 23,00% (Kessler et al. 1987), segundo técnica descrita por Araújo et al. (1998), diluído em tampão carbonato pH 9,6. Os soros controles negativo e positivo, bem como os soros testes foram diluídos à 1:500 em tampão salino fosfatado com Tween 20 a 0,05% (PBST) pH 7,4. Adicionou-se às placas conjugado IgG de coelho anti IgG bovina marcada com fosfatase alcalina (Sigma Chemical) diluído em PBST pH 7,4. Utilizou-se como substrato-cromógeno para-nitrofenil fosfato (Sigma Chemical) diluído em tampão glicina pH 10,5. A leitura do ensaio foi realizada em espectrofotômetro multicanal para microplacas de 96 orifícios (Bio Rad Laboratories, model 550 Microplate Reader) ao comprimento de onda de 405hm.

Análise estatística

Procedeu-se a análise estatística dos dados utilizando os testes de Fisher e Qui-quadrado (c2) com graus de confiança variando de acordo com o tipo de comparação. Para o ELISA a linha de corte (cut-off) foi estabelecida com o grau de confiança de 99,99%, segundo a média mais três vezes o desvio padrão dos valores da densidade óptica dos controles negativos.

RESULTADOS

A análise soroepidemiológica das 532 amostras de soros revelou 484 (90,98%) animais reagentes positivos ao ELISA indireto, com anticorpos da classe IgG anti Babesia bovis, dos quais: 20,30% com título de 1:500, 35,72% com título de 1:1000, 20,87% com título de 1:2000, 7,33% com título de 1:4000, 2,82% com título de 1:8000, 2,63% com título de 1:16000, 0,56% com título de 1:32000, 0,75% com título de 1:64000 e 9,02% foram negativos (Quadro 1).

A análise segundo a faixa etária, dividida em três grupos, revelou a prevalência relativa de 98,18%, 90,87% e 86,74% soropositivos, respectivamente, para os grupos de 1 a 3 anos, 3 a 6 anos e >6 anos de idade. Houve diferença significativa (P < 0,05) entre o grupo etário de 1 a 3 anos com os demais grupos, segundo o teste c2 e o teste de Fisher (Quadro 2).

A análise estatística, segundo a aptidão zootécnica revelou a soroprevalência de 91,44% de positivos para os bovinos com aptidão para corte e 88,64% de soropositivos para os bovinos com aptidão para leite. Não houve diferença significativa entre as aptidões zootécnicas (P > 0,05) pelo teste c2 e pelo teste de Fisher (Quadro 3).

Em relação a soroprevalência segundo o sexo, não houve diferença significativa (P > 0,05) pelo teste c2 e pelo teste de Fisher, onde 90,54% das fêmeas e 97,14% dos machos foram reagentes positivos (Quadro 4).

A prevalência comparada entre os nove municípios diferiu significativamente (P < 0,0001) segundo o teste c2, onde os animais dos municípios: Campos 91,94% (171), Macaé 98,90% (90), São Fidélis 98,18% (54), Carapebus 90,00% (9), Quissamã 100% (50), Conceição de Macabú 100% (27), São Francisco de Itabapoana 69,57% (48), Cardoso Moreira 92,00% (23) e São João da Barra 63,16% (12) foram soropositivos (Fig. 1).

 

DISCUSSÃO

A região estudada foi considerada como uma área de estabilidade enzoótica. Pois, a soroprevalência encontrada está acima do limite (75,0%) para se considerar uma área como estável enzooticamente (Mahoney 1975). Este resultado é esperado, pois na maioria das áreas compreendidas entre os paralelos 32° latitude sul e 40° latitude norte os vetores de Babesia bovis, carrapatos do gênero Boophilus, estão amplamente difundidos (Mahoney & Ross 1972, Kuttler 1988, Leite et al. 1989). A diferença significativa observada entre os animais jovens, quando comparada aos animais adultos pode ser justificada pois, a taxa de inoculação de B. bovis pelo B. microplus é naturalmente baixa (Mahoney 1967).

Embora na mesorregião estudada o perfil da pecuária bovina é predominantemente de corte, constituída na sua maioria por raças de origem indiana (Bos indicus) e seus mestiços (CIDE 1997), naturalmente resistentes a B. microplus (Mahoney 1975, Madruga et al. 1984a,b) e; embora existam fatores de resistência natural à babesiose (Levy et al. 1982), o percentual de animais com anticorpos anti B. bovis nesta região diminue com a idade. E, o fato dos bovinos com idade entre 1 a 3 anos serem mais soroprotegidos, pode estar relacionado à anticorpos colostrais ou associação destes com anticorpos de primo-infecção. Assim, faz-se necessário o controle da enfermidade com o acompanhamento sorológico, em animais adultos, para a identificação daqueles com baixos títulos de anticorpos, expostos à condição de risco (Mahoney & Ross 1972, Mahoney 1975).

Na mesorregião Norte Fluminense do estado do Rio de Janeiro as análises quanto a aptidão zootécnica e quanto ao sexo demonstraram não haver diferença estatística significativa na prevalência de anticorpos. Sendo, portanto, a infecção por B. bovis alta, enzoótica e em equilíbrio, entre os grupos analisados. Estas observações sugerem que estes parâ-metros não interferem epidemiologicamente na prevalência do hemoprotozoário nesta mesorregião.

Prevalências maiores ou iguais a 75% de soropositivos significam que os animais se infectam antes de um ano de idade com posteriores infecções e, um número mínimo de animais adultos pode apresentar babesiose clínica (Mahoney & Ross 1972, Madruga et al. 1984b). Assim, a diferença estatística observada na mesorregião Norte Fluminense, quanto a prevalência de positivos anti B. bovis, implica inferir que em alguns municípios desta área (Fig. 1) os animais estão mais expostos à condição de risco na ocorrência de surtos de babesiose, pois a infecção por B. bovis em bovinos não é homogênea entre os municípios. Entretanto, este risco é mínimo; exceto, quando há introdução de animais provenientes de áreas livres ou de áreas instáveis enzooticamente. Nesta situação, é necessário a imunização de animais importados oriundos dessas áreas. O conhecimento dos níveis de anticorpos, anti B. bovis, em bezerros nesta mesorregião elucidaria a origem dos anticorpos e auxiliaria na compreensão do perfil imunológico do rebanho.

Estima-se que aproximadamente 130 milhões de bovinos estão sujeitos à infecção por B. bovis e por B. bigemina e que a maior parte do território brasileiro está sob condição de estabilidade enzoótica (MARA 1985, Patarroyo et al. 1987, Leite et al. 1989, Linhares et al. 1992). A distribuição de Babesia spp., parasita de bovinos, está associada à presença do carrapato B. microplus e a prevalência é elevada em algumas regiões do país (Valente & Amaral 1971, Madruga et al. 1984a,b, Alves 1987). No entanto, mesmo em regiões com estabilidade enzoótica a infecção por B. bovis é considerada como causa de doença e mortalidade em bezerros (Valente & Amaral 1971, Ribeiro et al. 1983, Madruga et al. 1984a).

Os resultados obtidos não diferem de outros estados do país, onde a infecção por B. bovis é alta independente de fatores etário, sexual e racial; embora, no presente trabalho tenha havido diferença entre as idades analisadas. Poucas regiões do Brasil possui situação de instabilidade para B. bovis, como em Pernambuco onde a prevalência é de 27,80% (Alves 1987). No estado de Goiás foi observado a prevalência de anticorpos de 98,72% (Linhares et al. 1992), na Bahia foi de 95,30% (Araújo et al. 1998) e no estado de Minas Gerais a prevalência de anticorpos anti B. bovis foi de 82,50% (Patarroyo et al. 1987), análises determinadas pela prova de IF indireta.

Em um estudo comparativo entre as técnicas ELISA indireto, IF indireto e o teste de conglutinação rápida, para detecção de anticorpos anti B. bovis, conduzido com 462 bovinos de quatro microrregiões do estado da Bahia, observou-se ser ELISA o teste mais eficiente (Araújo et al. 1998). Böse et al. (1990) verificaram que ELISA e a prova mais indicada no diagnóstico sorológico, de rebanhos, para B. bovis, mesmo utilizando antígenos brutos. Esta técnica é ainda recomendada para uso em áreas estáveis como também em áreas instáveis enzooticamente (Madruga et al. 1997).

O teste ELISA indireto utilizado mostrou-se adequado na detecção e diferenciação dos níveis de anticorpos anti B. bovis em bovinos da mesorregião estudada, podendo o mesmo ser indicado para outras regiões e situações epidemiológicas.

REFERÊNCIAS

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Araújo F.R., Madruga C.R., Leal C.R.B., Schenk M.A.M., Kessler R.H., Marques A.P.C. & Lemaire D.C. 1998. Comparison between enzyme-linked immunosorbent assay, indirect fluorescent antibody and rapid conglutination tests in detecting antibodies against Babesia bovis. Vet. Parasitol. 74: 101-108.

Barry D.N., Rodwell B.J., Timms P. & McGregor W. 1982. A microplate enzyme immunoassay for detecting and measuring antibodies to Babesia bovis in cattle serum. Aust. Vet. J. 59: 136-140.

Böse R., Jacobson R.H., Gale K.R., Waltisbuhl D.J. & Wright I.G. 1990. An improved ELISA for the detection of antibodies against Babesia bovis using either a native or a recombinant B. bovis antigen. Parasitol. Res. 76: 648-652.

CIDE 1997. Território, Rio de Janeiro. Fundação de Informação e Dados do Rio de Janeiro. 80p.

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Kuttler L.K. 1988. World-wide impact of babesiosis, p. 1-22. In: Ristic M. (ed.) Babesiosis of Domestic Animals and Man. CRC Press, New York.

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Linhares G.F.C., Massard C.L., Araújo J.L.B. & Alves L.C. 1992. Levantamento sorológico para Babesia bigemina (Smith & Kilborne, 1893) e Babesia bovis (Babés, 1888) em bovinos da região Centro-Oeste do Brasil. Arq. Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro 15: 85-91.

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Madruga C.R., Aycardi E., Kessler R.H., Schenk M.A.M. & Figueredo G.R. 1984b. Níveis de anticorpos anti Babesia bigemina e Babesia bovis em bezerros da raça nelore, ibagé e cruzamentos de nelore. Pesq. Agropec. Bras. 19(9): 1163-1168.

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MARA 1985. Secretaria de Defesa Sanitária Animal, Carrapato, berne e bicheira no Brasil. Ministério da Agricultura e Reforma Agrária (MARA), Brasília. 153p.

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Ribeiro M.F.B., Salcedo J.H.P., Santos J.L & Faria J.E. 1983. Inquérito de opinião com criadores da Zona da Mata do estado de Minas Gerais: I. Alguns fatores associados com mortalidade de bezerros. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. 35: 547-5569.

Valente F.A.T. & Amaral L.B. 1971. Ocorrência de moléstia nos rebanhos bovinos do estado de São Paulo no triênio 1965/67. V. Piroplasmose e anaplasmose na região de São Paulo, Sorocaba e Bauru, SP. Biológico, São Paulo, 37: 84-90.

Cleber O. Soares /2, José Carlos P. Souza /2, Claúdio R. Madruga /3, Renata C. Madureira /4, Carlos L. Massard /2 e Adivaldo H. Fonseca /2

souzajcp[arroba]agricultura.cov.br


2. Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária - Parasitologia Veterinária, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Km 47, Seropédica, RJ 23890-000; e-mail: csoares[arroba]ufrrj.br
3. Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte, Embrapa, Campo Grande, MS.
4. Acadêmica de Medicina Veterinária da UFRRJ, Bolsista de Iniciação Científica PIBIC / UFRRJ / CNPq.



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