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Os métodos de diagnóstico da mastite subclínica incluem exames microbiológicos, métodos químicos indiretos e a CCS do leite dos quartos mamários individuais, dos animais ou do rebanho (Quinn et al. 1994). O "California Mastitis Test" (CMT) é usado mundialmente para o diagnóstico da mastite subclínica, tendo a vantagem de poder ser empregado no próprio rebanho, no momento em que os animais são ordenhados. A interpretação do CMT se baseia na observação visual do leite após ser misturado ao reagente. A reação se processa entre o reagente e o material genético das células somáticas presentes no leite, formando um gel, cuja concentração é proporcional ao número de células somáticas. O resultado do CMT é dado como negativo, suspeito, fracamente positivo, positivo e fortemente positivo (Schalm & Noorlander 1957). Os escores do CMT apresentam correlações variadas com a CCS (Philpot & Nickerson 1991, Quinn et al. 1994). Tem-se questionado a interpretação do CMT como instrumento de diagnóstico da mastite subclínica, por ser um teste subjetivo que produz resultados falso-positivos ou falso-negativos, e considerando-se a definição de "doença" em função dos mesmos parâmetros adotados para a CCS (Martin et al. 1994, Casura et al. 1995).
Este trabalho teve o objetivo de avaliar a sensibilidade e a especificidade do CMT em relação à contagem eletrônica de células somáticas do leite de vacas mantidas sob as condições da região da Zona da Mata de Minas Gerais.
Foram examinadas amostras de leite de 760 vacas da raça Holandesa (7 rebanhos) e mestiças Holandês-Zebu (8 rebanhos). O CMT foi realizado imediatamente após a preparação higiênica do úbere para a ordenha e o descarte e exame dos primeiros jatos de leite (Philpot & Nickerson 1991). O reagente do CMT foi preparado com detergente comercial, de acordo com Langenegger et al. (1970). As reações foram interpretadas de acordo com Philpot & Nickerson (1991) com anotação dos escores de 1 a 5, onde 1 indicou uma reação completamente negativa; 2: reação suspeita (traços); 3: reação fracamente positiva; 4: reação positiva e 5: reação fortemente positiva (Enevoldsen et al. 1995).
Ao mesmo tempo em que era realizado o CMT, as amostras de leite foram colhidas em frasco com dicromato de potássio (1%) e enviadas ao laboratório, sob refrigeração, para CCS, pelo método fluoro-opto-eletrônico, em equipamento Fossomatic 90. A metodologia empregada, os reagentes utilizados e a preparação e leitura das amostras seguiram as recomendações do IDF (1991).
Os resultados do CMT foram analisados quanto à sensibilidade e especificidade para diagnóstico da mastite subclínica, comparando-os com a CCS, de acordo com Erdreich & Lee (1981). As conceituações de sensibilidade e especificidade foram feitas de acordo com Martin et al. (1994), que consideram a sensibilidade de um teste como sua habilidade de detectar animais doentes e é definida como a proporção (P) de animais doentes (d) que testam positivamente (D) [P(D/d)]. A especificidade de um teste é a sua habilidade de detectar animais não doentes e é definida como a proporção de animais não-doentes (n) que testam negativamente (N) [P(N/n)]. Para a construção da matriz de resultados da CCS dividiram-se os dados em intervalos de 100.000 células. Consideraram-se as contagens de 200.000 e de 500.000 células/ml como pontos críticos para separação dos quartos mamários não-doentes daqueles com mastite subclínica (IDF 1987). Em relação ao CMT, foram avaliadas três opções para esta separação: (a) escore 1 versus 2, 3, 4 e 5; (b) escores 1 e 2, versus 3, 4 e 5; e (c) escores 1, 2 e 3 versus 4 e 5.
Do total de 3.016 amostras de leite, provenientes de igual número de quartos mamários, examinadas pelo CMT, quatro amostras, sendo uma com reação relativa ao escore 1, uma com reação do escore 2 e duas com reações do escore 4, foram eliminadas da análise porque suspeitou-se de troca de amostra por ocasião do processamento no laboratório ou identificação equivocada no momento da coleta. As análises dos dados foram realizadas com as 3.012 amostras restantes. O número e a proporção em que as reações do CMT ocorreram são apresentados no Quadro 1. Dependendo da interpretação dos escores do CMT para avaliar os índices de mastite subclínica, obtiveram-se as seguintes proporções: 11,92% (considerando-se positivos apenas os escores 4 e 5); 22,25% (para os escores positivos 3, 4 e 5); e 32,64% (para os escores positivos 2, 3, 4 e 5).
De acordo com a CCS as amostras foram classificadas em oito estratos, cujas frequências encontram-se no Quadro 2. Considerando os limites de 200.000 e 500.000 células/ml, as proporções de quartos mamários com mastite subclínica foram 32,93% e 17,73%, respectivamente. A relação entre os escores do CMT e a CCS é apresentada no Quadro 3. O valor médio (x 1.000 células/ml) obtido para a reação negativa (escore 1) do CMT foi 79,88. O escore 2 correspondeu a 333,51. Para os escores 3, 4 e 5, os valores médios foram, respectivamente, 670,33, 1.353,97 e 4.455,60.
As sensibilidades do CMT em relação aos diversos valores de CCS são apresentadas no Quadro 4. Para a CCS de 200.000/ml, as sensibilidades do CMT foram 79%, 60% e 34%, para as opções a, b e c, respectivamente. As especificidades do CMT para os mesmos casos foram, respectivamente, 90%, 97% e 100% (Quadro 4).
A sensibilidade do CMT manteve-se acima de 90% no caso da opção a, a partir da contagem de 400.000 células/ml. Para a opção b, a sensibilidade variou de aproximadamente 80% (CCS 500.000) a 90%, ou mais, a partir da CCS de 800.000/ml. Para a opção c a sensibilidade foi de 54% (CCS de 500.000/ml), só alcançando sensibilidade de cerca de 80% quando a CCS selecionada foi entre 1.200.000 e 1.400.000/ml (Quadro 4).
A determinação da CCS no leite é um método convencional e amplamente usado para o diagnóstico da mastite subclínica em regiões de pecuária leiteira desenvolvida. É também o parâmetro mais empregado para avaliação da qualidade higiênica do leite, além de ser um instrumento valioso para avaliação e monitorização da mastite nos rebanhos (Heeschen & Reichmuth 1995). Três procedimentos são descritos pela "International Dairy Federation" (IDF 1991) para a enumeração de células somáticas: um microscópico e dois automáticos que utilizam os equipamentos "Coulter Counter" e "Fossomatic". Mesmo nas regiões onde os métodos automatizados são disponíveis, o CMT continua a ser um instrumento importante para avaliação de quartos mamários individuais, pelas vantagens de fornecer resultados imediatos, ser prático e ter baixo custo (Casura et al. 1995, Enevoldsen et al. 1995). Essas vantagens foram confirmadas no presente trabalho. O CMT apresenta, entretanto, o inconveniente da subjetividade e, por não ser patognomônico, sujeito a produzir resultados falso-positivos e falso-negativos (Martin et al. 1994). Para contornar esses problemas, tem-se proposto tabelas onde são apresentados os valores de CCS em relação aos escores de CMT (NMC 1987, Philpot & Nickerson 1991). Os valores médios de CCS em relação aos escores de CMT, especialmente com relação às reações 1 (negativa), 2 (suspeita) e 3 (fracamente positiva), obtidos no presente trabalho, são similares aos dos trabalhos citados (NMC 1987, Philpot & Nickerson 1991). Os valores médios de CCS obtidos para os escores de CMT 4 e 5, entretanto, foram abaixo das médias obtidas por aqueles autores. Essas diferenças podem ser explicadas em função da subjetividade característica do CMT, da diferença entre reagentes utilizados e, ainda, devido a prováveis diferenças tanto metodológicas quanto dos equipamentos utilizados para a CCS. Os dados obtidos neste trabalho, entretanto, apresentam maior amplitude, quando comparados aos dados apresentados (NMC 1987), comprovando a subjetividade da interpretação do CMT (Quadro 3).
A definição de não-doente ou não-infectado, em relação à CCS, tem variado desde cerca de 100.000 células/ml até 500.000/ml (Reneau 1986, IDF 1991, Harmon 1994, Casura et al. 1995, Heeschen & Reichmuth 1995). O limite de 500.000 células/ml utilizado para separação entre não-doente ou não-infectado e doente ou infectado, embora adotado por muitos autores (IDF 1987, Casura et al. 1995) pode ser, ainda, considerado elevado (Reneau 1986, Vecht et al. 1989, 1990). Para aumentar a sensibilidade do CMT em identificar quartos mamários com contagens de células acima dos parâmetros normais, os dados obtidos apontam a necessidade de se considerar os escores 3, 4 e 5 como indicativos de mastite subclínica. Considerando-se positivas apenas as reações 4 e 5, a sensibilidade do CMT para detectar quartos mamários com contagens acima de 500.000 células/ml foi de aproximadamente 54%, enquanto que, considerando-se positivas as reações 3, 4 e 5, a sensibilidade do teste aumentou para 82%. Além disso, quando se consideraram positivos apenas os escores 4 e 5, a sensibilidade de cerca de 80% só foi observada a partir das contagens entre 1.200.000 e 1.400.000 células/ml.
A tendência internacional em termos de qualidade do leite é o aumento da exigência na redução da CCS (Heeschen & Reichmuth 1995). Os dados apresentados no Quadro 4 mostram que à medida que é aumentada a exigência em termos de CCS, aumenta a necessidade de interpretar o CMT com maior rigor, uma vez que quando se reduz o limite crítico para 400.000 células, a sensibilidade da opção c é reduzida para apenas 48%, comparada a 92% e 78%, para as opções a e b, respectivamente.
Os resultados obtidos com os testes de especificidade comprovam os dados obtidos por Casura et al. (1995) e são justificados por Martin et al. (1994), que demonstraram ser a especificidade mais alta à medida que o limite crítico é definido menos rigidamente.
Outras vantagens do uso do CMT são possibilitar a identificação de animais sob risco, selecionar amostras para exame laboratorial e servir de base para a organização de linhas de ordenha em rebanhos comprometidos (Philpot & Nickerson 1991). O uso regular do CMT pode contribuir para melhorar o estado sanitário dos rebanhos, se os dados obtidos forem usados para orientar a adoção de medidas para o controle da mastite e se forem associadas práticas adequadas de manejo e higiene. Contudo, dependendo da interpretação dada ao teste, pode-se colocar em risco programas de controle da doença pela possibilidade de se identificar um número considerável de animais ou quartos mamários doentes como normais. Como tem sido comprovada uma correlação positiva entre animais reagentes ao CMT e a presença de infecção, mesmo para as reações consideradas suspeitas (Figueiredo 1962, Langenegger et al. 1970, Harrop et al. 1975), a utilização do CMT, com base nos escores 4 e 5, para selecionar animais para exame microbiológico ou para a organização de linha de ordenha, fica também comprometida.
Agradecimentos.- À Christian Hansen Indústria e Comércio Ltda, pela doação de reagentes e empréstimo do equipamento Fossomatic 90.
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José Renaldi Feitosa Brito2, George Afonso Vitor Caldeira3, Rui da Silva Verneque2 e Maria Aparecida Vasconcelos Paiva e Brito2 - rsverneq[arroba]cnpgl.embrapa.br
1 Realizado com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Projeto 530.190/93-1).
2 Pesquisadores da Embrapa-CNPGL, Rodovia MG 133, km 42, Coronel Pacheco, MG 36155-000. Bolsistas do CNPq
3 Médico-Veterinário, bolsista do CNPq.
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