1. A expansão do ensino superior, seus determinantes e suas implicações.
A realização deste seminário coincide com a divulgação, em primeiro de julho, do relatório do Task Force on Higher Education and Society sobre o ensino superior em países em desenvolvimento1, organizado pelo Banco Mundial e pela UNESCO, e que contou, entre outros, com a participação do ex-ministro José Goldemberg, responsável pela criação do NUPES no início dos anos 90, em sua gestão como reitor da USP, e José Joaquin Brunner, cuja contribuição para o conhecimento e esclarecimento das questões da educação superior na América Latina tem sido inestimável. Eu gostaria de aproveitar a oportunidade para examinar os temas da educação superior no Brasil à luz de algumas contribuições deste relatório que me pareceram especialmente significativas, assim como de alguns reparos críticos que acredito que o relatório comporta. A tese principal desta minha apresentação é que o ensino superior brasileiro já está passando por uma importante revolução silenciosa, que poucos percebem em sua abrangência, mas que pode levar a um estágio muito melhor do que o atual, e em linha com a principais recomendações do Task Force.2
A educação superior brasileira, que se manteve relativamente estagnada ao longo da década de 80, retomou seu crescimento nos anos mais recentes, e tende a se expandir cada vez mais nos próximos anos. Este crescimento se deve, em parte, à grande expansão que tem ocorrido no ensino médio, que tem crescido a taxas de até 20% ao ano em algumas partes, aumentando desta forma o pool de candidatos aos cursos superiores. E, em parte, aos grandes benefícios sociais e econômicos que ainda resultam da obtenção de um diploma superior, o que se evidencia nos grandes diferenciais de renda que existem no Brasil entre os detentores de diplomas de nível superior e o restante da população.
Gráfico 1:
Renda individual de todas as fontes e renda familiar de pessoas com diversos níveis educacionais
(fonte: IBGE, PNAD 1998).
Este diferencial de renda é ainda mais significativo porque está associado a uma mobilidade social muito grande experimentada por estes estudantes. De fato, metade dos pais dos estudantes de nível superior do Brasil tiveram no máximo nove anos de educação, e, ainda que a maioria tenha renda familiar bastante significativa, 30% estavam abaixo dos mil reais mensais. Pela mesma razão, a contribuição proporcional das pessoas à renda familiar cresce com sua educação, indo de 36% para os que têm educação básica e média para 52% dos que têm nível superior.
Gráfico 2
Educação dos pais dos estudantes de nível superior
(fonte: IBGE, PNAD
Gráfico 3.
Distribuição da renda familiar dos estudantes de nível superior
(fonte: IBGE, PNAD, 1998).
Renda Mensal Familiar dos estudantes de nível superior
Este grande processo de mobilidade e melhoria de rendimentos ocorre ao mesmo tempo em que, segundo o consenso geral, o nível da educação superior brasileira não é, em geral, muito bom3, e os ensinamentos obtidos nas escolas não são os mais adequados para as exigências do mercado de trabalho. Além disto, a educação pública escasseia, e os estudantes precisam pagar relativamente caro para fazer seus cursos em instituições de ensino privadas, e de reputação nem sempre alta. Como explicar que, nesta situação, a demanda por educação superior continue a aumentar, e os benefícios que ela traz continuem a se manter?
A visão convencional, que o Task Force do Banco Mundial / UNESCO também adota, é que os benefícios gerados pela educação superior decorrem da maior produtividade das pessoas mais educadas, em relação às demais, e neste sentido haveria uma correspondência entre os benefícios individuais e os benefícios sociais decorrentes de níveis educacionais mais altos. Isto seria especialmente assim nas sociedades contemporâneas, onde o conhecimento em suas diversas formas tem uma importância cada vez maior como gerador de riqueza, e por isto seria de se esperar que um número cada vez maior de pessoas buscasse a educação superior para melhorar suas habilidades e competência, como de fato parece estar ocorrendo.4 Quando isto não ocorre, ou seja, quando a educação é buscada com outros objetivos que não o da capacitação - por exemplo, para obter determinadas credenciais, ou ter acesso a determinados círculos - o relatório fala de "corrupção", que, nada surpreendentemente, é tão comum nos países em desenvolvimento, onde a correspondência entre os sistemas de poder e prestígio e as hierarquias de competência individual e organizacional tende a ser pouco nítida.
Uma evidência disto é que os diferenciais de renda proporcionados pela educação nos países em desenvolvimento, como o Brasil, são muito maiores do que os encontrados nos países mais desenvolvidos.5 O que explica esta diferença não parece ser que os diplomas de nível superior nos países em desenvolvimento estejam associados a níveis tão mais altos de produtividade, mas sim à relativa escassez de educação superior, e à possibilidade que as pessoas mais educadas nestes países encontram de garantir, para si, rendas mais altas, que decorrem sobretudo da posição social que ocupam ou que conseguem atingir. Se a renda decorre de um privilégio social e não da produtividade do trabalho, então o comportamento mais racional para quem busca se educar é fazê-lo da forma mais barata e com o menor esforço possível. Por outro lado, os que já ocupam posições de privilégio, e não querem abri-las para muitos outros, tratam de criar mecanismos para restringir o acesso a suas posições, através de diferentes mecanismos de controle de mercado.6
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