Texto preparado para "Repensando o Desenvolvimento", Seminário Desenvolvimento e a Política de Desenvolvimento, Instituto Goethe - IDESP, São Paulo, 18 e 19 de maio de 1993.
Um dos resultados da interminável "década perdida" pela qual passou o Brasil e muitos dos países latinoamericanos foi a perda do otimismo que marcou as teorias do desenvolvimento dos períodos anteriores. A experiência brasileira até a década de 70 era de que o país progredia de forma acelerada, o que se expressava através de altas taxas de crescimento econômico, urbanização e modernização, e a expectativa era que esta tendência continuasse indefinidamente. Com a estagnação iniciada no início dos anos 80, no entanto, aos problemas do subdesenvolvimento se somaram os da industrialização e urbanização "selvagem" - a deterioração ambiental, a decadência urbana, a violência e criminalidade crescente, o aumento da corrupção pública, as crescentes desigualdades sociais, a crônica instabilidade política e a estagnação econômica. A questão, agora, é saber se este ciclo de desenvolvimento está realmente esgotado, e se haveriam condições para sua retomada em outro patamar, e em outra modalidade. Não só a economia precisa voltar a crescer, mas há uma nova urgência no tratamento da questão social e do equilíbrio ambiental. O futuro já não garante o progresso, e pode prenunciar um processo de degeneração de conseqüências imprevisíveis.
Não existe uma resposta simples para esta questão. Não é certo, como se pensava antes, que os países sub-desenvolvidos eram, sem exceção, países "em desenvolvimento", "developing countries" como se dizia na linguagem das Nações Unidas. O exemplo da África ao sul do Saara é evidência suficiente. Mas as profundas e rápidas transformações havidas em outras regiões e países entre os "tigres asiáticos", desde logo, mas também na América Latina, como no México e no Chile mostram que existem muitas possibilidades e caminhos a serem explorados e percorridos.
Neste texto eu gostaria de examinar com algum detalhe dois aspectos deste problema maior em relação ao Brasil, o da educação e o da ciência e tecnologia. O Brasil passa neste momento por uma profunda crise de governabilidade, que tem impedido o estabelecimento de um plano coerente de estabilização econômica e não permite políticas de longo prazo para o tratamento de problemas como os de educação, saúde, bem estar social e proteção ambiental. Apesar das dificuldades, a experiência internacional sugere que medidas de contenção da inflação podem ser tomadas e administradas com certa competência a curto prazo, e isto pode permitir que a economia se estabilize e volte gradualmente a crescer. A médio prazo, o problema crucial é saber se, uma vez estabilizada a economia, o país terá condições de se adaptar para participar de forma efetiva no novo contexto internacional deste final de século, o que depende fundamentalmente da capacidade que tenha de corrigir as desigualdades sociais, educar sua população e incorporar de forma produtiva os benefícios da revolução científica e tecnologia recentes. Nada garante que a simples estabilização econômica traga esta capacitação e, em sua ausência, as políticas estabilizadoras não têm como impedir que a deterioração social continue e se acelere.
A experiência brasileira, nestes dois aspectos, é contraditória. Por um lado, as estatísticas mostram uma expansão considerável da educação em todos os níveis, e o desenvolvimento de uma capacidade científica e tecnológica bastante significativa, em relação a outros países da região. Por outra parte, persistem ainda altos níveis de analfabetismo, a qualidade da educação tende a ser ruim, e as tentativas de forçar o desenvolvimento científico e tecnológico através de grandes projetos de cunho militar, associados a políticas de auto-suficiência de corte nacionalista, não produziram os resultados esperados. A interpretação mais corrente para esta situação é a de que o país vinha em um processo bastante adequado e significativo de desenvolvimento econômico e social, que foi no entanto abortado por circunstâncias imprevistas (aqui as explicações variam: o impasse no sistema político-partidário, o autoritarismo militar e sua degeneração, a política econômica de endividamento externo, as pressões do Fundo Monetário Internacional, a morte de Tancredo Neves, o Governo Sarney, a tragédia do governo Collor, a personalidade de Itamar Franco). Uma vez eliminados estes imprevistos quem sabe com o futuro presidente, ou com a reforma da Constituição? o desenvolvimento do país seria retomado.
Não creio que isto seja assim. O desenvolvimento econômico e social brasileiro nas últimas décadas seguiu um padrão que era possível no passado, mas não tem como ser retomado da mesma forma daqui para o futuro. Não são as crises de cunho político, e as idas e vindas da política econômica, que explicam a detenção do desenvolvimento, mas, ao contrário, é a impossibilidade de continuar o padrão anterior de desenvolvimento que explica as crises institucionais e governamentais que se sucedem. É o que trataremos de mostrar com estes exemplos.
Quadro 1. Alfabetização no Brasil |
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Brasil |
Mulheres |
Rural |
Nordeste |
|
(5 anos ou mais) |
0,76 |
0,77 |
0,58 |
0,57 |
10 a 14 anos |
0,86 |
0,89 |
0,70 |
0,67 |
60 e mais |
0,56 |
0,53 |
0,32 |
0,44 |
Anuário Estatístico, 1992 |
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