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O suco de uva produzido no Brasil é obtido a partir de cultivares americanas ou híbridas. No Rio Grande do Sul, principal produtor, as cultivares mais utilizadas são 'Concord' e 'Isabel'. No Estado de São Paulo, existe a possibilidade de se cultivarem uvas destinadas à fabricação de suco, e as cultivares com melhor potencial para as condições edafoclimáticas paulistas são 'Concord', 'Isabel' e 'Seibel 2'. Apesar disso, Rigitano (1976) indicava que a pequena produção paulista baseava-se em matéria-prima inadequada, embora o consumo tendesse a aumentar de ano para ano.
A competitividade internacional é elevada, pois o suco brasileiro chega na costa leste americana a custos mais baixos do que aquele produzido no costa oeste dos EUA (Barber, 1997), mesmo com as taxas aplicadas.
É preciso considerar, também, a importância crescente do consumo de produtos naturais. O suco fresco de uva apresenta, por litro, 650 a 850g de água, 150 a 250g de açúcar redutor, 6 a 14g de ácidos orgânicos, 2,5 a 3,5g de substâncias minerais e 0,5 a 1g de compostos nitrogenados (Santos et al., 1996), mantendo o bom teor de Ca, P, Fe contido na fruta. O suco comercializado internacionalmente é o concentrado a 65º a 68º Brix, surgindo, com expressão, os chamados sucos orgânicos produzidos a partir de uvas colhidas em vinhedos orgânicos; e virgem, isto é, livre de anidrido sulfuroso (SO2) e outros conservantes (Vinea, 2.000).
A matéria-prima para produção do suco de uva no Brasil tem sido objeto de estudo ao longo do tempo e nas regiões produtoras. Fenochio (1973) comparou as cultivares Isabel, Concord, York Madeira, Othello, Union Village, Jefferson, Landot 234, Seibel 2, Seibel 2007 e Aspiran Bouschet, no Rio Grande do Sul. Concluiu que 'Othello' e 'Concord' são as mais convenientes para a produção de suco de uva nas condições gaúchas. Identificou que 'York Madeira', apesar do baixo rendimento em suco, presta-se bem para corte do suco de 'Isabel', melhorando-o consideravelmente, o que é relevante, considerando a abundância de 'Isabel'. Hashizume et al. (1977), em São Paulo, considerando a grande área plantada com 'Niagara Rosada', efetuaram estudos com suco dessa cultivar, cortada com sucos de 'Seibel 2' e 'IAC 138-22', cultivares ricas em pigmentos antociânicos. O corte, com suco de qualquer dessas duas cultivares, melhorou sensivelmente o suco de 'Niagara Rosada', enquanto a aparência e o sabor foram melhores com corte de 'IAC 138-22'.
Com a disseminação da filoxera, severa praga que danifica as raízes da videira, os viticultores tiveram que fazer uso de porta-enxertos tolerantes ou resistentes à praga. Entretanto, apesar da disponibilidade razoável de bons porta-enxertos, é preciso mencionar que cada um deles tem a sua limitação, e só a experimentação regional pode determinar com regular precisão qual é o melhor (Pommer et al., 1997).
Em experimento de longa duração em Tietê e Tatuí (SP), Terra et al. (1990) pesquisaram o potencial produtivo das variedades de uvas para vinho 'IAC 138-22', 'IAC 960-9', 'IAC 116-31' e 'IAC 960-12', como produtores diretos e enxertadas sobre os porta-enxertos 'IAC 313', 'IAC 766' e '106-8 Mgt'. No conjunto dos ambientes, as maiores produções, estatisticamente superiores às demais, foram obtidas com o 'IAC 138-22' enxertado sobre o 'IAC 313' e com o 'IAC 960-9' sobre o mesmo porta-enxerto. Nas condições de Tietê, o 'IAC 138-22' e'IAC 960-9' enxertados sobre o 'IAC 766' apresentaram potencial produtivo semelhante ao obtido quando sobre 'IAC 313'. O 'IAC 138-22' demonstrou maior estabilidade de produção nos ambientes estudados; o 'IAC 116-31' é de grande vigor vegetativo, medido pela quantidade de ramos podados, o que pode ter levado às suas baixas produções.
O objetivo deste trabalho, em experimento de longa duração, foi comparar o potencial de produção de uvas de três cultivares-copa indicadas para a produção de suco enxertadas sobre quatro porta-enxertos.
Em Mococa-SP, na Estação Experimental do Instituto Agronômico de Campinas, situada a 21º 28'S, 47º 01'W, 665 m de altitude e clima classificado como Cwa, em solo podzólico vermelho-escuro eutrófico, textura argilosa/muito argilosa, realizou-se um experimento de longa duração, visando ao estudo do comportamento das cultivares Concord, Isabel e Seibel 2 de uvas para suco, sobre quatro porta-enxertos IAC: 313 'Tropical', '571-6', 572 'Jales' e 766 'Campinas'.
A cultivar Concord, da espécie Vitis labrusca, foi selecionada por E. W. Bull, em Concord, Massachusetts, E.U.A. Lembra 'Isabel' e 'Niagara Rosada', pelo marcante sabor foxado, sendo, como elas, vigorosa e produtiva, apresentando satisfatória resistência ao míldio, oídio e antracnose. Cachos de tamanho médio, cilíndricos e compactos. Bagas médias, ovóides, de cor preto-azulada, polpa deliqüescente. Maturação médio-tardia.
'Isabel' é uma cultivar da espécie Vitis labrusca, originária dos Estados Unidos. Apresenta boa resistência à antracnose. Planta vigorosa, produzindo em média 1 a 2 kg/m², suporta bem a poda curta na condução em espadeira. Maturação tardia e sabor foxado. Os cachos são médios, cônicos e pouco compactos. As bagas são médias, arredondadas, de cor preto-azulada, e cobertas com abundante pruína.
A origem mais provável da cultivar Seibel 2 é o cruzamento entre Vitis lincecumii e Alicante Bouschet. De vigor e produtividade médios, é rústica a ponto de exigir poucos tratamentos fitossanitários. Cachos pequenos a médios, cônicos, às vezes alados, medianamente compactos. As bagas são pequenas, arredondadas, pretas, de sabor herbáceo. Sua acidez é elevada. Maturação tardia.
Com relação aos porta-enxertos, o 'IAC 313' originou-se do cruzamento entre Golia e Vitis cinerea. Vigoroso; perfeitamente adaptado às condições climáticas paulistas; adapta-se bem a diferentes tipos de solo, inclusive os que apresentam acidez elevada; suas folhas apresentam boa resistência às moléstias fúngicas; suas estacas apresentam bom índice de pegamento.
O 'IAC 571-6' originou-se do cruzamento de Vitis caribaea x Pirovano 57. Vigoroso; desenvolve-se bem tanto em solos argilosos como arenosos; folhas resistentes às principais moléstias criptogâmicas, ótimo pegamento.
O 'IAC 572' foi obtido do cruzamento entre Vitis caribaea e 101-14 Mgt. Vigoroso; vegeta bem tanto em solos argilosos como em arenosos; folhas resistentes as fitonoses; seus ramos lignificam tardiamente e dificilmente perdem as folhas; ótimo enraizamento e pegamento.
O 'IAC 766' originou-se do cruzamento entre Ripária do Traviú e Vitis caribaea. Vigoroso; apresenta perfeita adaptação às condições ambientais paulistas; suas folhas são bastante resistentes às doenças causadas por fungos; seus ramos hibernam melhor que os dos porta-enxertos 'IAC 313' e 'IAC 572'; suas estacas apresentam bom índice de pegamento.
Avaliou-se a produtividade daquelas cultivares sobre esses porta-enxertos, considerando-se a produção de uvas por seis anos (kg/planta) e o peso de ramos podados por cinco anos (grama/parcela). Completado o ciclo da cultura, com os frutos perfeitamente sazonados, efetuou-se a colheita.
O delineamento experimental usado foi o de blocos ao acaso, com 12 tratamentos e 4 repetições, totalizando 48 parcelas, cada qual constituída de 3 plantas, no espaçamento 2x1m, conduzidas no sistema de espaldeira, com 4 fios de arame, e poda curta de inverno no cordão esporonado unilateral. Executaram-se análises de variância ano a ano, e a semelhança entre os quadrados médios residuais permitiu a análise conjunta.
As análises de variância revelaram diferenças significativas entre as cultivares-copa nos anos de 1984, 1987, 1988 e 1989 na produção de uvas (Tabela 1). 'Concord' foi superior a 'Seibel 2' em 1987, 1988 e 1989, sendo que, neste último ano, foi também superior a 'Isabel', nesta característica. Em 1984, 1987 e 1988, 'Isabel' mostrou maior produção que 'Seibel 2', não diferindo desta em 1989. Na média dos seis anos, 'Concord' (3,37kg) e 'Isabel' (3,40kg) produziram mais uva que 'Seibel 2' (2,25kg), sem considerar o porta-enxerto utilizado.
Quanto aos porta-enxertos, a Tabela 1 mostra que eles induziram produções diferenciadas em 1985, 1986, 1987 e 1989. Em 1985, 'IAC 766' acarretou a menor produção de uvas, comparado com os outros três porta-enxertos. Em 1986, este porta-enxerto foi suplantado por 'IAC 571-6' e 'IAC 572', mas igualou-se ao 'IAC 313', fato repetido em 1987. 'IAC 313' foi superior ao 'IAC 766', em 1989, e os demais foram semelhantes entre si e ao 'IAC 766'. Considerando as produções obtidas sobre esses porta-enxertos nos seis anos, 'IAC 571-6', 'IAC 572' e 'IAC 313' superaram 'IAC 766' e foram semelhantes entre si, com produções acima de 3kg de uva por planta.
O 'IAC 766', embora possa ser considerado um porta-enxerto de boa plasticidade, não tem mostrado performance superior em termos de produtividade, como os outros porta-enxertos IAC. Em pesquisa anterior, as cultivares de uvas apirenas IAC 460-1, IAC 536-2 e IAC 871-13 foram estudadas quanto ao seu comportamento sobre os porta-enxertos 'IAC 766' e 'Ripária do Traviú'. Analisaram-se os resultados, de seis colheitas consecutivas, de 1975 a 1980, referentes à produção por planta, ao número de cachos por planta e ao teor de sólidos solúveis. Os porta-enxertos não influenciaram os resultados sendo consideradas satisfatórias suas atividades com a copa (Pires et al., 1992). Pommer et al. (1997) estudaram o comportamento do clone híbrido 'A1105' enxertado nos porta-enxertos 'IAC 766' e 'Kober 5BB'. Na colheita, avaliaram-se produção de uvas por planta e outras características. O comportamento do 'A1105' foi semelhante sobre os dois porta-enxertos, sendo a largura das bagas a única característica influenciada diferencialmente por eles. Mesmo sendo 'Ripária do Traviú' e 'Kober 5BB' porta-enxertos europeus, percebe-se que o 'IAC 766' não conseguiu superá-los, confirmando o que agora se encontrou.
Com relação ao peso dos ramos podados (Tabela 2), ocorreram diferenças entre as cultivares-copa em 1986, 1987 e 1988, sendo que, em todos, 'Concord' e 'Isabel' produziram mais ramos, independentemente dos porta-enxertos, do que 'Seibel 2'. Já na média dos cinco anos, 'Concord' foi superior a 'Isabel' e 'Seibel 2' e 'Isabel' superior a 'Seibel 2'.
Os porta-enxertos induziram diferenças na produção de ramos em 1986, 1987 e 1988. 'IAC 766' superou 'IAC 571-6' em 1986, sem diferenciar dos outros dois, os quais, por sua vez, não diferiram do 'IAC 571-6'. Em 1987, 'IAC 766' e 'IAC 313' induziram maior produção de ramos do que 'IAC 571-6', o qual não diferiu do 'IAC 572'. 'IAC 766', em 1988, superou 'IAC 571-6' e 'IAC 572', não se diferenciando do 'IAC 313'. A análise conjunta revelou, para esta característica, que 'IAC 766' (926g), 'IAC 313' (867g) e 'IAC 572' (847g) induziram maior peso de ramos podados do que 'IAC 571-6' (630g), na média dos cinco anos avaliados.
Os quadrados médios residuais, das análises de variância ano a ano, não superaram, entre si, diferenças maiores do que cinco vezes o maior em relação ao menor, o que permitiu a análise conjunta, cujos resultados estão na Tabela 3.
Para produção de uvas, a interação porta-enxertos x ano e a interação tripla não foram significativas. Para peso de ramos, a interação copa x porta-enxerto e a tripla é que não foram significativas.
Para visualizar como cada cultivar-copa produziu uvas sobre cada porta-enxerto, foi elaborada a Tabela 4. Observa-se que 'Concord' sobre 'IAC 571-6', 'Concord' sobre 'IAC 313' e 'Isabel' sobre 'IAC 572' superaram todas as outras combinações, com exceção de 'Concord'/'IAC 572'e 'Isabel'/'ÍAC571-6'. 'Seibel 2', com produções médias de uvas abaixo de 2,7kg por planta, apresentou os piores resultados enxertada sobre qualquer um dos porta-enxertos.
Terra et al. (1989) estudaram o comportamento das cultivares para vinho IAC 21-14 'Madalena' e IAC 931-13 'Tetê', sobre os porta-enxertos 'RR 101-14', 'Kober 5BB', 'Ripária do Traviú', 'IAC 313' e 'IAC 766' em 3 safras consecutivas. A cultivar IAC 21-14 foi aproximadamente 50% mais produtiva que o 'IAC 931-13', apresentando, entretanto, menor teor de sólidos solúveis. As maiores produções médias para a cultivar IAC 21-14 foram obtidas quando se utilizaram os porta-enxertos 'IAC 766' e 'Ripária do Traviú' seguido de 'RR 101-14'e 'IAC 313'. A produção quando se empregou o porta-enxerto 'IAC 766', foi 257,1% maior do que quando se empregou 'Kober 5BB'. Os porta-enxertos não influenciaram no teor dos sólidos solúveis para as duas cultivares estudadas.
Em estudo semelhante, pesquisaram-se a atividade e o potencial produtivo das cultivares de uvas brancas para vinho IAC 116-31 'Rainha' e 'IAC 960-12' sobre os porta-enxertos 'IAC 313', 'IAC 766', 'Ripária do Traviú', 'RR 101-14' e 'Kober 5BB'. Analisaram-se a produção de uvas (kg/planta), o número de cachos por planta e o teor de sólidos solúveis por 3 safras consecutivas. A cultivar Rainha mostrou-se superior ao 'IAC 960-12' para os parâmetros estudados. O 'IAC 766' e o 'Ripária do Traviú', foram os melhores porta-enxertos, independentemente da cultivar-copa estudada. A pior performance foi apresentada pelo porta-enxerto 'Kober 5BB' (Pires et al., 1989).
Conforme mostra a Tabela 5, o peso de ramos podados, que é uma estimativa do vigor conferido pelo porta-enxerto, foi maior nas combinações 'Isabel'/'IAC 766', 'Concord'/'IAC 572', 'Concord'/'IAC 313', 'Concord'/'IAC 766' e 'Isabel'/'IAC 313'. 'Seibel 2' apresentou os menores pesos de ramos, independentemente da combinação com porta-enxerto. Aparentemente, o vigor induzido pelo 'IAC 766' foi excessivo, comprometendo a produtividade das cultivares-copa.
Para a produção de suco, na região em estudo, e pela aceitação internacional, recomenda-se, como opção mais adequada, o plantio da 'Concord' enxertada sobre o porta-enxerto 'IAC 313'.
1. Entre as cultivares estudadas, a 'Concord' e a 'Isabel' foram as que apresentaram as maiores produtividades médias ao longo dos anos.
2. Nas condições da região de Mococa, a produção de uva para suco foi afetada pela interação entre a cultivar-copa e o porta-enxerto utilizado. As combinações 'Concord'/'IAC 313', 'Isabel'/'IAC 572', 'Concord'/'IAC 571-6', 'Concord'/'IAC 572' e 'Isabel'/'IAC 571-6', apresentaram maior potencial produtivo.
3. O porta-enxerto 'IAC 766', quanto ao vigor da planta, representada pela massa dos ramos podados, foi o que induziu maior vigor em 'Isabel' e 'Seibel 2', enquanto para a 'Concord' foi o 'IAC 572'.
Celso Valdevino Pommer
pommer[arroba]unb.br
Maurilo Monteiro Terra /2-3, Celso Valdevino Pommer /2-3, Erasmo José Paioli Pires /2-3 , Ivan José Antunes Ribeiro /2, Paulo Boller Gallo /2, Ilene Ribeiro Da Silva Passos /2
1. Trabalho nº 072/2000. Recebido: 18/05/2000. Aceito para publicação: 23/03/2001.
2. Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas, Cx. Postal 28, 13001-970 Campinas, SP.
3. Bolsista do CNPq
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