Este trabalho apresenta algumas reflexões sobre o uso da modalidade no processo de produção de um texto na linguagem radiofônica, sobre como a modalidade aparece implicitamente em dois textos diferentes: um testemunhal – que é um texto narrado pelo comunicador em que ele empenha sua credibilidade junto à audiência para convencê-la sobre algo. Caracterizado por um testemunho lido diariamente em vários programas da mesma forma. E uma matéria jornalística – caracterizada pelo relato de um fato ou acontecimento, aquilo que é notícia, e portanto, não pode ser reproduzido da mesma forma muitas vezes.
Inicialmente, iremos abordar o que é modalidade segundo Dota (1994, p. 174-175) e Cervoni (1989, p. 53) para deixar claro qual o papel da modalidade na produção de um texto.
A partir do entendimento sobre o que é modalidade, o trabalho destaca quais os tipos de modalidade existentes segundo a teoria das operações enunciativas. E só então, partimos para análise de dois dos alguns textos utilizados no rádio.
Finalmente, o trabalho apresenta qual a importância da modalidade na produção de um texto na linguagem radiofônica, para que o ouvinte (receptor da mensagem) se localize no tempo e espaço.
A Teoria das operações enunciativas é uma teoria da prática, pois trabalha com categorias generalizáveis como a determinação, o aspecto, o tempo e a modalidade, comuns às diversas línguas e inerentes ao processo de comunicação.
Para Dota (1994, p. 174), modalidade é uma categoria gramatical que se apresenta quer por uma relação do enunciador à relação predicativa, quer pela relação do enunciador com o co-enunciador (relação intersubjetiva), ou seja, é a atitude do sujeito enunciador face àquilo que enuncia e face ao co-enunciador (interlocutor).
Na visão de Cervoni (1989, p. 53), a noção de modalidade implica a idéia de que uma análise semântica permite distinguir, num enunciado, um dito (às vezes denominado "conteúdo proposicional") e uma modalidade – um ponto de vista do sujeito falante sobre este conteúdo.
Por noção podemos entender as entidades culturais, representada por palavras, define-se a referenciação, a construção do sentido. E por dito, uma preposição, conteúdo da informação que se quer passar. Pode-se validar o conteúdo afirmando ou negando.
É importante também diferenciarmos enunciação e enunciado. Maingueneau (1997, p. 40-41) diz que, a enunciação é classicamente definida, a partir de Benveniste, como "o pôr a língua a funcionar através de um ato individual de utilização" (1974:80). Enunciação opõe-se, assim, ao enunciado, tal como o ato se distingue do seu produto. A enunciação constitui o pivot da relação entre a língua e o mundo: ela permite representar os fatos no enunciado, constituindo ela própria um fato, um acontecimento único definido no tempo e no espaço.
Enunciado designa o produto do ato de enunciação. É definido aqui como a unidade de comunicação elementar, uma seqüência verbal dotada de sentido e sintacticamente completa. É muitas vezes, considerado um equivalente de texto, isto é, um grupo verbal especialmente relatado por um mesmo enunciador e que forma um todo que se destaca de um gênero de discurso determinado.
Quando um texto é produzido três operações se dão:
Dota (1994, p. 177-178), coloca que a operação de modalização, que é uma operação enunciativa, resulta, da combinação de três elementos:
Culioli distingue quatro tipos de modalidades (1976, p. 69-74 e 1985, p. 80-86), mas reconhece que uma operação de modalização pode pertencer a mais de um tipo, uma vez que essas operações se imbricam em suas configurações no texto.
Tipos de Modalidades abordados na teoria das operações enunciativas:
Modalidade 1
Modalidade 2
Esta modalidade é conhecida também como modalidade epistêmica, pois, estabelece uma relação entre o enunciador e o conteúdo da proposição representada pela relação predicativa.
Segundo Dota (1994, p. 181), o valor específico dessa modalidade é que ela exprime uma ausência de certeza por parte do enunciador quanto à validação da relação predicativa. Trata-se de uma avaliação essencialmente quantitativa, uma vez que ela oscila entre o provável, o improvável, o possível, o incerto, etc. Essa indecisão diante da eleição de um valor privilegiado, ocorre tanto em termos de probabilidades de validação, como em termos de previsão de validação. Com o incerto, o enunciador se coloca a igual distância entre a validação e a não-validação; com o "muito provável" o enunciador tende para a validação.
Modalidade 3
Ou apreciativa como também é conhecida, não visa à assunção da relação predicativa, mas sua quantificação, conforme Dota (1994, 182). Por força disso está descartada a questão do verdadeiro e do falso. Trata-se de fazer uma apreciação sobre o caráter bom, ruim, feliz, infeliz, etc., do conteúdo da relação predicativa, sendo, portanto, essencialmente qualitativa.
Modalidade 4
Culioli (1976, p. 72) a chama de modalidade intersubjetiva, porque diz respeito às relações entre sujeitos, sujeito enunciador e sujeito do enunciado. Incide sobre o sujeito do enunciado, em oposição à modalidade epistêmica que incide sobre toda a relação predicativa.
A seguir, partimos para a análise da categoria modalidade através de dois textos utilizados na Rádio Auri-Verde (AM), tendo como objetivo mostrar a aplicação prática dos tipos de modalidades na linguagem radiofônica.
Texto 1 – (Testemunhal) – RÁDIO AURI-VERDE, 47 ANOS SINTONIZANDO BAURU COM O MUNDO
Este texto foi apresentado pelos locutores da emissora no mês de agosto de 2003, durante toda a programação, por ocasião do aniversário da Rádio. O texto se propõe a contar a história da Rádio através de fatos ocorridos que foram destaques e apresentar ao ouvinte uma programação especial de aniversário.
Em primeiro lugar, iniciaremos a análise do texto indicando os protagonistas do discurso segundo Brandão (1998, p. 49-50):
Para construir este texto, o autor se baseia em dados reais que fazem parte da história da emissora.
Começando pelo título, o objetivo do autor é mostrar ao ouvinte que a Rádio Auri-Verde é uma emissora de rádio local, localizada na cidade de Bauru, mas isso não impede que ele (ouvinte), esteja sintonizado com o mundo, informado sobre tudo o que acontece no mundo.
TESTEMUNHAL
RÁDIO AURI-VERDE, 47 ANOS SINTONIZANDO BAURU COM O MUNDO
Para facilitar a visualização e análise do texto apresentamos abaixo o quadro 1 – Modalidades utilizadas no Testemunhal:
Quadro 1: Modalidades utilizadas no Testemunhal
Sobre o texto em questão podemos ainda destacar que a modalidade epistêmica não aparece porque ela exprime uma ausência de certeza por parte do enunciador e o texto trata de fatos ocorridos durante a história da emissora, portanto, não há dúvidas. Tudo o que foi relatado aconteceu de fato e é certo, não havendo motivos para dúvidas e incertezas.
Texto 2 – (Matéria Jornalística) – HEMONÚCLEO DE BAURU, REGISTRA REDUÇÃO NAS DOAÇÕES
Esta matéria jornalística foi ao ar as sete horas da manhã no noticiário diário chamado CBC (Comando Bauruense de Comunicadores) do dia 07 de janeiro de 2004, apresentada pelos locutores João Costa e Chico Cardoso e repetida no mesmo dia no noticiário principal da emissora, que vai ao ar diariamente ao meio-dia e trinta minutos, O Vanguardão apresentado por Franco Júnior. O texto trata de uma matéria de utilidade pública e tem um formato padrão utilizado pelo departamento de jornalismo da emissora, onde aparece a figura do apresentador e uma pessoa entrevistada.
Os protagonistas do texto são:
Para construir este texto, o autor se baseia em dados reais informados pela própria entrevistada, a diretora do Hemonúcleo, que dá credibilidade a matéria jornalística.
O título do texto não aparece na matéria jornalística, mas somente quando o apresentador faz a chamada das principais matérias a serem apresentadas no jornal.
Para facilitar a visualização e análise do texto apresentamos abaixo o quadro 2 – Modalidades utilizadas na matéria jornalística:
Podemos ver claramente a diferença entre um texto e outro, ao observarmos que o texto da matéria jornalística foi mais preparado para receber intencionalmente a intervenção da voz. Foi estruturado em frases curtas, cuja escrita não contém abreviações e os números são escritos por extenso. A matéria jornalística, ao ser oralizada, conta com a sonoplastia (gravação) e com a voz do apresentador, que conferem plasticidade e cor ao texto, enquanto que o testemunhal é narrado somente pelo locutor tendo ao fundo uma trilha sonora (BG).
Neste artigo buscou-se desenvolver, com base na teoria das operações enunciativas, o uso da modalidade no processo de produção de um texto na linguagem radiofônica, objeto de nosso estudo na dissertação de mestrado, a qual, nos propomos desenvolver em um futuro bem próximo.
O uso da modalidade no processo de produção de um texto na linguagem radiofônica é importante para que o jornalista possa indicar marcas que conduzam ao sentido e o ouvinte possa construir uma rede de ligações e assimilar melhor o que está ouvindo. Ao se organizar a mensagem e se articular a locução, o ouvinte pode passar do estado de ouvir para o de escuta atenta, mesmo que seja só por alguns instantes, e fazê-lo adentrar um universo permeado de elementos já há muito conhecidos..
Segundo Silva (1999, p. 54), o tempo para o rádio é um fator que além dos textos determina toda programação e produção radiofônica. Neste sentido, todo processo desde a elaboração até (sua) veiculação da mensagem radiofônica deve explorar os recursos intrínsecos da cultura e do meio resultando em uma produção intensamente rítmica compatível com o veículo e com o público. No entanto, é com a introdução dos demais elementos sonoros – sonoplásticos e vocais – juntamente com o texto que se flagra o imbricamento sígnico do qual se constrói a linguagem radiofônica.
Um texto escrito na linguagem radiofônica não difere muito de um outro texto qualquer (uma notícia de jornal, uma propaganda, um artigo científico, etc.), a única particularidade dele é que mexe com o imaginário das pessoas, com o conhecimento cognitivo com mais ênfase. No processo de construção do sentido, o ouvinte vai, aos poucos, fazendo uma interpretação do que ouve, até assimilar por completo a informação que lhe é apresentada. Nesse sentido, Silva (1999, p. 71) diz que a linguagem radiofônica não é exclusivamente oral. Assim como a palavra escrita, músicas, efeitos sonoros, silêncio e ruídos são incorporados em uma sintaxe singular ao próprio rádio, adquirindo nova especificidade, ou seja, estes elementos perdem sua unidade conceitual à medida que são combinados entre si a fim de compor uma obra essencialmente sonora com o "poder" de sugerir imagens auditivas ao imaginário do ouvinte.
O objetivo desse trabalho foi discutir a linguagem do rádio juntamente com as suas peculiaridades sígnicas, para contribuir com pesquisas e obras publicadas a respeito do rádio e da sua linguagem, já que são raros os estudos nesse sentido.
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"Este artículo es obra original de Elisabete Zambelo y su publicación inicial procede del II Congreso Online del Observatorio para la CiberSociedad: http://www.cibersociedad.net/congres2004/index_es.html"
Elisabete Zambelo
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