A política indigenista governamental e os waimiri-atroari:
Administrações Indigenistas, Mineração de Estanho
e a Construção de "Autodeterminação Indígena" Dirigida

 

 

Stephen G. Baines
Professor do Depto. de Antropologia, Universidade de Brasília e pesquisador nível 1B do CNPq.
Brasília, 1992

 

Introdução

Os Waimiri-Atroari, população indígena da família lingüística Caribe, habitam uma parte do norte do Estado do Amazonas e sul de Roraima, nas bacias dos rios Alalaú, Camanaú, Curiuaú e do igarapé Santo Antônio do Abonari. Até o início deste século o território ocupado por esta população indígena era muito mais extenso, incluindo também os vales dos rios Jauaperi e Uatumã. Após uma longa história de invasões violentas1, estreitamente relacionadas às flutuações dos preços de produtos florestais no mercado internacional, como castanha-do-pará, balata, peles de ariranha e jacaré, e madeiras de lei, os Waimiri-Atroari foram encurralados no território em que se encontravam na década de 1970.

Estimativas da população Waimiri-Atroari no passado são muito contraditórias.

Hübner e Koch-Grünberg (1907:232) mencionam que havia "6.000 índios no rio Jauaperi, segundo os brasileiros". Entretanto, a população regional à qual eles se referem estava em guerra com os indígenas nessa época e havia acabado de incentivar o governo local a realizar uma expedição punitiva contra os indígenas (Ibid. pág.229), tendo interesse em representar uma estimativa alta da população indígena. Segundo o Censo Indígena de agosto de 1959, do Serviço de Proteção ao Índio (S.P.I.), havia 957 Waimiri-Atroari em contato com os Postos Indígenas de Camanaú e Alalaú. Porém, não há estimativa da população indígena que não estava em contato com estes postos. Em 1973, o sertanista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Gilberto Pinto Figueiredo Costa, admitiu que "A Frente de Atração não possui dados reais sobre o número de indígenas... Contudo, estimativas do signatário do presente Relatório dão como de 600 a 1.000 o número de índios"2. Em 1983, após mais de uma década de ondas de epidemias letais, sobreviveram apenas cerca de 332 Waimiri-Atroari (Baines, 1988:109), embora, a partir desse ano, a população venha se recuperando rapidamente, sobretudo no período de 1983-873.

A partir do final da década de 1960, o Governo Federal iniciou uma ocupação maciça do território dos Waimiri-Atroari através de grandes projetos de desenvolvimento.

A estrada BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, cortou o território dos Waimiri-Atroari, sendo construído o trecho que atravessa a sua área nos anos 1972-1977. A partir do início de 1979, empresas mineradoras do Grupo Paranapanema invadiram a Reserva Indígena que fora delimitada havia vários anos pelo Decreto Nº 68.907, de 13-07-71. Em 1979, iniciouse também a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina pela Eletronorte. O Decreto Presidencial Nº 85.898, de 13-04-81, declarou de utilidade pública, para fins de desapropriação, uma área de aproximadamente 10.344,90 km2, encravada na área delimitada para a Reserva Indígena. A área desapropriada abrange o lago e a região de influência da Usina Hidrelétrica. Os limites da área indígena foram ocupados por projetos pecuários e de colonização.

As empresas mineradoras do Grupo Paranapanema, após ter invadido e ocupado uma parte da Reserva Indígena Waimiri-Atroari, recorreram a manipulações cartográficas para "legalizar" o desmembramento de aproximadamente 526.800 hectares (vide Baines, 1991). O desmembramento da área de interesse imediato da Paranapanema foi efetivado através do Decreto Presidencial nº 86.630, de 23.11.81, onde atualmente há uma das maiores minas de cassiterita do mundo.

Os Waimiri-Atroari foram submetidos a uma "Frente de Atração"4 da FUNAI que acompanhou as obras da estrada BR-174 no território indígena a partir de 1970, em que um contingente grande de funcionários da FUNAI impôs um plano de "integração acelerada", agrupando os sobreviventes Waimiri-Atroari em aldeamentos próximos aos postos indígenas, onde foram incorporados num regime disciplinar de trabalho agrícola dirigido pelos servidores. A partir de 1987, o "Programa Waimiri-Atroari" (Convênio FUNAI/ELETRONORTE) 5 passou a dirigir a política indigenista na área.

Depois disso, um novo mega-projeto foi implantado - o Projeto Calha Norte - diferente dos anteriores pelo fato que "não possui a estrutura rígida e sistemática de um programa ou de um plano, ... Trata-se da formulação de um conjunto de orientações e metas com as quais devem vir a compatibilizar-se todas as iniciativas governamentais voltadas para aquela região" (Oliveira, 1990:18). A maior parte do território dos Waimiri- Atroari foi incorporada ao espaço designado "Núcleo Regional ou `Interiorano'" por este Projeto (p.2), situado entre os espaços denominados "Faixa de Fronteiras" e "Zonas Ribeirinhas". O Projeto Calha Norte, elaborado em sigilo pelo Conselho de Segurança Nacional a partir de 1985, é um projeto militar que tem como objetivo ostensível a ocupação militar da fronteira norte do Brasil, apresentado numa retórica de segurança nacional, a chamada ameaça de regimes socialistas na região do Caribe, guerrilheiros colombianos, e narcotráfico. Considerando que os interesses militares/estratégicos são apenas uma parte das intenções do Projeto Calha Norte e que entre as "necessidades fundamentais e imediatas, julgadas prioritárias" pelo Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional para a região, são a "ampliação da infra-estrutura viária; aceleração da produção de energia hidrelétrica; interiorização de polos de desenvolvimento econômico; e ampliação da oferta de recursos sociais básicos"6, o território dos Waimiri-Atroari serviu como um precursor do novo modelo militar-empresarial de ocupação do norte amazônico.

E, nessa ocupação, a política indigenista foi constantemente subordinada a interesses econômicos que envolvem grandes empresas privadas e estatais. Ramos (1990) ressalta que entre os problemas que o Projeto Calha Norte trará para os índios está a redução drástica dos seus territórios tradicionais (vide também Albert, 1991; Buchillet, 1990; e Oliveira, 1990).

Nos últimos anos, a ocupação do território dos Waimiri-Atroari revela uma estreita articulação entre a FUNAI, militares e empresas mineradoras privadas para redirecionar a vida dos indígenas conforme interesses empresariais. A partir do início da década de 80, a política indigenista para esta área configura-se dentro dos interesses de duas grandes empresas - a Paranapanema e a Eletronorte - que exercem poderes econômicos que sobrepujam os da FUNAI, criando uma situação única de ação empresarial sobre a população indígena que se encaixa bem com os objetivos do Projeto Calha Norte. Esta política é caracterizada pela ampliação da infra-estrutura na área indígena, o aumento de controle sobre os índios, a promoção de lideranças indígenas - chamados "capitães"7 - que servem como porta-vozes da FUNAI e das empresas que estão avançando sobre seus foram efetuadas" são usadas para criar "uma falsa idéia de `participação'" (1988:16). O atual Programa Waimiri-Atroari oferece uma infra-estrutura assistencial subordinada ao fato consumado da inundação de uma parte do território indígena e modificação irreversível do meio-ambiente.

territórios, incorporados em cargos criados pela administração indigenista como cumpridores e transmissores de ordens com o dever de obedecer aos seus superiores e de calar sobre assuntos considerados como inconvenientes à administração. A nova política indigenista é também caracterizada pela proibição de acesso ao território indígena para etnólogos e missionários (vide Oliveira, 1990:30). Como ressalta Oliveira, "...os que trabalham com grupos indígenas desta região sem pertencerem aos quadros da FUNAI, são caracterizados como inimigos do país, pois praticam ações contrárias aos chamados `interesses nacionais'" (1990:20).

Apesar das especificidades desta área indígena, a política indigenista compartilha muitas semelhanças com o indigenismo governamental para outras áreas indígenas. Esse é o caso, por exemplo, na atitude com relação à pesquisa. A pesquisa com populações indígenas no Brasil compartilha uma caraterística particular pelo fato do ingresso na maioria das áreas indígenas ser controlado pela FUNAI. Esse controle sobre o ingresso e as atividades do pesquisador torna-se mais patente em territórios onde se encontram riquezas naturais, sobretudo minérios cobiçados por grandes empresas, e/ou a construção de grandes projetos infra-estruturais como estradas e usinas hidrelétricas. A partir do início da década de 1970, a atuação da FUNAI, subordinada à política desenvolvimentista do Governo Federal, que está articulada aos interesses de grandes empresas, tem sido de consistentemente apoiar a implantação de grandes projetos, em prejuízo das populações indígenas e da pesquisa.

Como em outros territórios indígenas, sobretudo naqueles incorporados no Projeto Calha Norte, a administração governamental na área dos Waimiri-Atroari vem seguindo uma política de sistematicamente hostilizar e proibir a presença de etnólogos independentes que não sejam subordinados aos interesses das administrações indigenistas que atuam nessas áreas. Com o monopólio do controle sobre a população indígena tanto sobre seus movimentos quanto sobre seu acesso a informações, a administração divulga entre os indígenas a ideologia que atende aos interesses das empresas que atuam na área, recorrendo, inclusive, aos argumentos e denúncias expressos no Projeto Calha Norte.

Neste novo quadro do indigenismo governamental, desde o momento de dar entrada à solicitação de autorização para ingresso em área indígena, o pesquisador passa por um controle exercido por funcionários a vários níveis da hierarquia burocrática da FUNAI: da sede, da administração regional, da coordenação de área e de chefes de posto indígena, e das opiniões destes funcionários sobre os índios subordinados às estruturas administrativas locais. A qualquer nível o andamento do processo de solicitação pode ser interrompido quando a presença do pesquisador é vista como inconveniente à administração.

Em 1987, o antropólogo Márcio Silva da UNICAMP foi sumariamente expulso da área Waimiri-Atroari sem a apresentação, por parte da FUNAI, de qualquer justificativa convincente. Os pesquisadores Bruce Albert (ORSTOM/UnB) e Alcida Ramos (UnB) tiveram suas autorizações para realizar pesquisas com os Yanomami suspensas durante longo período, como aconteceu também com Dominique Buchillet (ORSTOM/UnB) no alto rio Negro. A autorização de Gilio Brunelli (Universidade de Montréal) não foi renovada para voltar aos Zoró.

A minha própria experiência de ser "expulso" da área indígena Waimiri-Atroari foi articulada por certos funcionários da administração indigenista através de um discurso permeado por referências à autodeterminação indígena de modo a fazer parecer que a decisão partiu dos próprios Waimiri-Atroari. Entretanto, a "expulsão" foi definida e dirigida pela administração indigenista, como parte de uma versão oficial da realidade, transmitida como uma ordem de funcionários da coordenação do Programa Waimiri-Atroari através dos capitães aos demais Waimiri-Atroari. Como afirma Oliveira, tais "aparelhos de poder", utilizados sobre os índios, "operam com um dinamismo próprio que não pode de maneira alguma ser confundido com as razões e motivações das populações tribais, que legalmente pretendem proteger ou representar" (1989a:5).

 

A "Frente de Atração Waimiri-Atroari": O Censor

Durante os dezessete meses de pesquisa de campo realizada em várias etapas entre 1982 e 1985 no território Waimiri-Atroari, presenciei a expulsão de diversos servidores da FUNAI, em conseqüência do clima de intrigas estabelecido pela própria política indigenista (vide Baines, 1988:424s. e 518-521). Nessa época, um modelo de expulsão já estava sendo formulado por alguns funcionários da FUNAI com sua própria retórica, que incluía frases como "Mentiroso!", "Ladrão!", "Não presta!", "Só enganando índio!". Após a última etapa de pesquisa de campo com os Waimiri-Atroari, que realizei em 1985, um missionário e sua família, que estavam desenvolvendo um projeto de alfabetização, e um etnólogo, que realizava pesquisa de campo para o doutorado, foram expulsos desta área indígena, no final de 1986 e em 1987 respetivamente.

Durante os períodos em que estive na área, a equipe da FUNAI era constituída principalmente de funcionários que se identificavam como índios8 de outros grupos étnicos.

Ao seguir uma política de colocar uma minoria de funcionários não-Índios em cargos de chefia de postos indígenas aos quais estava subordinado um grande contingente de servidores índios aculturados como braçais, a FUNAI criou uma situação que acirrava a oposição índio/branco. Havia uma tensão constante entre chefes de posto "brancos" e servidores auxiliares "índios", muitos destes agindo em conjunto para tentar expulsar aqueles, com o objetivo de ganhar os cargos de chefia. Apelavam, freqüentemente, para a identidade genérica de índio, valorizada num discurso de contra-cultura indianizado de "índio" para "índio" contra "branco", travando intimidade com os Waimiri-Atroari para instigá-los a rejeitar os chefes brancos e solicitar ao coordenador da Frente de Atração sua própria nomeação.

A luta pelo poder na Frente de Atração se expressou numa retórica indigenista que mascarava o fato de que os funcionários que se identificavam como "índios" ou "índios civilizados" tratavam os Waimiri-Atroari com os mesmos preconceitos pejorativos dos funcionários brancos quanto ao "índio" e ao "caboclo". Identificavam-se, em primeiro lugar, como funcionários da FUNAI, apresentando-se para os brancos como mais adequados para trabalhar junto aos Waimiri-Atroari por serem "índios também", enquanto sua atuação, como funcionários da FUNAI, diferia pouco daquela dos brancos. Muitos dos 8O relatório "Análise de Servidores Lotados no NAWA (Núcleo de Apoio Waimiri-Atroari) em 08-07-79", do Coordenador Giuseppe Cravero, 09-07-79, FUNAI, revela que 68% dos servidores era proveniente de "várias áreas indígenas `aculturadas'". Segundo este coordenador, dos funcionários "índios", havia 29 do rio Negro, 29 do baixo Amazonas, 3 do rio Purus e 7 de outras áreas. A maioria destes funcionários tinham trabalhado em cidades da região durante muitos anos e alguns em grandes projetos, como a construção da estrada Perimetral Norte na região de São Gabriel da Cachoeira no início da década de 70, a construção da própria BR-174 no território dos Waimiri- Atroari (1972-1977) e a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina, iniciada em 1979.

servidores índios, colocados como subdominadores entre os servidores brancos e os Waimiri-Atroari, utilizavam um discurso de "índio" para "índio" contra o "branco" junto aos Waimiri-Atroari, também como estratégia para exercer controle sobre as informações que os Waimiri-Atroari me forneciam.

A retórica indigenista utilizada por muitos funcionários da FAWA, ao exigir que os Waimiri-Atroari adotassem uma postura de "índio conscientizado", pensado genericamente, que se posicionasse e atuasse em oposição ao "branco", apresentava uma contradição no contexto desta Frente de Atração. Propunha uma redefinição do "índio" como unido contra o "branco", quando as relações sociais assimétricas, impostas aos Waimiri-Atroari pela equipe de funcionários (índios e brancos) da FUNAI, eram contraditórias e de sujeição-dominação (Cardoso de Oliveira, 1976:55). Neste contexto, além de tramar intrigas com os Waimiri-Atroari contra funcionários brancos, alguns desses servidores indígenas tentaram monopolizar o comércio de artesanato local (controlado oficialmente pela direção administrativa da FAWA, constituída de "brancos"), entrando em acordos particulares com os capitães para vender os produtos dos Waimiri-Atroari em Manaus e trazer bens industrializados. Avisaram também os Waimiri-Atroari que, como funcionários "índios", foram autorizados pela FUNAI a ter acesso sexual às mulheres Waimiri-Atroari9 e, em troca, levar alguns Waimiri-Atroari a prostíbulos quando hospedados na "Casa do Índio" da FUNAI em Manaus. Entravam, finalmente, em acordos com os capitães para encobrir dos chefes de posto e coordenadores brancos o consumo de bebida alcoólica nos postos indígenas da FAWA.

Nestas tramas, a identidade de índio foi estendida para incluir todos os funcionários que delas participavam, independentemente de critérios étnicos: foi igualmente manipulada para excluir funcionários índios que delas não participavam. Para reconciliar estas contradições no uso de identidades étnicas, os funcionários envolvidos muitas vezes redefiniam a oposição índio/branco para a de "FUNAI"/ "branco mesmo". Usavam também a oposição "peão" (braçal)/"branco" (funcionário em cargo de chefia). Assim, a situação do posto indígena reproduzia a nível local a estrutura de poder da FUNAI e da sociedade nacional: o estabelecimento de relações de sujeição/dominação entre índios e brancos genéricos, e também entre "índios" Waimiri-Atroari, de um lado, e funcionários brancos e índios de outras etnias, de outro.

Muitos dos servidores indígenas da FUNAI apelavam para a identidade contraditória de "índio civilizado" para envolver os Waimiri-Atroari na luta pelo poder entre os funcionários da FAWA. A administração indigenista agia como uma instituição total e muitos servidores (índios e brancos) transmitiam aos Waimiri-Atroari um modelo desenvolvimentista, que defendia os interesses de empresas mineradoras do Grupo Paranapanema em avançar mais sobre o território indígena, apresentado numa retórica de autodeterminação indígena. O próprio conceito de "autodeterminação" foi subordinado a um contexto de dominação, imposto por funcionários na forma de uma "autodeterminação dirigida", transmitida como ordem da administração indigenista através dos "capitães" Waimiri-Atroari, incorporados em cargos subalternos na sua hierarquia burocrática. Isso me ficou evidente no controle sobre meu acesso a informações exercido pela administração indigenista através dos capitães Waimiri-Atroari. Cito, como exemplo, uma visita à área indígena pelo General Euclydes Figueiredo, ex-Comandante Militar da Amazônia, junto com uma comitiva de 17 representantes da FUNAI, da Mineração Taboca S.A.

(Paranapanema) e do Exército, em 1984, para inaugurar uma escola construída pela Paranapanema. Tanto os funcionários da FUNAI quanto os Waimiri-Atroari mantiveram um clima de sigilo absoluto sobre o assunto. Nos dias anteriores à inauguração da escola, ouvi comentários sobre uma futura visita à área, porém, ao perguntar aos Waimiri-Atroari e funcionários sobre o assunto, eles me negaram informações. O capitão principal delegou dois Waimiri-Atroari para me levar numa visita a aldeias abandonadas e, no dia em que cheguei de volta ao Posto Indígena Terraplenagem, fui informado de que a comitiva visitara a área e o capitão principal fizera uma palestra de agradecimento ao General do Exército e aos representantes da Paranapanema10. Qualquer tentativa minha de abordar, direta ou indiretamente, a questão da presença da mineradora na área indígena foi rebatida com atitudes censórias que partiam tanto dos capitães e jovens Waimiri-Atroari quanto dos funcionários.

Em conseqüência deste desenrolar recente da retórica sobre a identidade indígena imposta aos Waimiri-Atroari nos postos indígenas e aldeamentos da FAWA, a identidade de "índio" foi estendida pelos servidores na sua retórica indigenista dirigida aos Waimiri- Atroari, para incluir todos os funcionários que participavam na imposição de um censor sobre informações destinadas a pessoas tachadas de "branco", independente da sua identidade étnica. O censor foi reforçado pelo fato de que alguns funcionários brancos da coordenação da FAWA freqüentemente lembravam aos braçais e aos Waimiri-Atroari que eu "não era da FUNAI".

Para exemplificar o aumento do grau de controle sobre os Waimiri-Atroari e a hostilização de pesquisadores, a partir da criação do Programa Waimiri-Atroari em 1987, cito o caso da minha própria "expulsão" deste território indígena, em junho de 1989.

 

O Programa Waimiri-Atroari: A Proibição de Pesquisa

Em dezembro de 1988, solicitei autorização ao CNPq e à FUNAI para continuar pesquisa etnológica com os Waimiri-Atroari. Ao saber da minha proposta, alguns funcionários do Programa Waimiri-Atroari construíram uma imagem negativa da pesquisa para os Waimiri-Atroari. O então coordenador do Sub-Programa de Educação, em parecer datado de 10.01.89, durante uma "consulta prévia" à área11, pediu "que o pesquisador mandasse seus trabalhos escritos sobre os Waimiri-Atroari - teses, comentários, folhetos, livros, etc... baseado no tempo de pesquisa anterior na área... que a proposta de pesquisa devesse ser mais sucinta, mais detalhada, mais clara". Questionou, também, o "retorno" da pesquisa para os índios, afirmando que "nem este coordenador nem os Waimiri-Atroari conhecem o resultado da pesquisa".

Ressalto que entreguei à FUNAI relatórios após cada etapa de pesquisa12 e uma cópia da minha tese de doutorado em 1988, além de fornecer cópias de fotografias para os Waimiri-Atroari, quando as solicitavam durante a pesquisa de campo. Se o coordenador não recebeu cópias deste material, foi em decorrência de uma falta de coordenação entre o Programa e a FUNAI e não de omissão por parte do pesquisador. Este parecer revela que, a partir de janeiro de 1989, o citado coordenador sugeriu aos Waimiri-Atroari no aldeamento do Posto Indígena Terraplenagem, onde reside o capitão principal, porta-voz Waimiri- Atroari da administração indigenista, através de sua atitude, que a minha pesquisa "não trazia retorno imediato" para os Waimiri-Atroari.

Ao comentar as normas que controlam o acesso a áreas indígenas e que determinam a consulta às unidades regionais da FUNAI e a anuência dos próprios índios (estabelecidas pela Portaria Presidencial nº 745, citada na minha autorização emitida pela FUNAI), Oliveira afirma que "A maioria dos antropólogos sabe por experiência própria o quanto os administradores consideram incômoda a presença de um pesquisador em sua jurisdição e os argumentos de que costumam lançar mão para evitar que tenham que conviver com uma situação de pesquisa" (1988b:2).

A norma da FUNAI que estipula "que a pesquisa só será aprovada após ouvida a liderança indígena e obtida sua aquiescência"13 é, continua Oliveira, "retrógrada e demagógica. Deixa claro que ... todo o arbítrio e ato de força não decorrerão mais da FUNAI ou dos administradores locais, mas serão exercidos no nome do próprio índio" (Ibid.), o que ocorreu no meu caso. Oliveira frisa: Quem garante (ou melhor, quem acredita) que possa ocorrer uma livre manifestação de vontade da parte dos índios, uma vez que a consulta será conduzida pelos funcionários da FUNAI, com interesses nitidamente diferentes (quando não antagônicos) aos dos índios? Nada assegura que tal processo seja realizado sem compulsões espúrias, sem a difusão de informações falsas, sem a disseminação de boatos e temores, sem a veiculação verbal de opiniões extemporâneas ..." (1988b:3).

Em junho de 1989, após ter sido informado que a autorização para a continuação da minha pesquisa fora concedida pelo CNPq e pela Presidência da FUNAI, apresentei-me na sede do Programa Waimiri-Atroari em Manaus. Desde o primeiro encontro, o gerente do Programa mostrou-se contrário à presença de pessoas na área indígena que não pertencem ao Programa, posicionando-se como "indigenista" que vê a maioria dos trabalhos antropológicos como "acadêmica" e "sem retorno imediato" para os índios. Alguns funcionários da coordenação do Programa reclamavam, apesar da "consulta prévia" que eles fizeram cinco meses antes, que a FUNAI não me havia encaminhado ao Programa antes de conceder a autorização para pesquisa14. Insistiram numa reunião organizada pelo Programa, em que eu apresentaria o projeto de pesquisa à comunidade indígena para que fosse endossado, visto que alegaram que as lideranças da aldeia onde reside o capitão principal não haviam demonstrado interesse algum na realização da pesquisa.

Quanto à consulta aos indígenas, mostrei-me favorável15, embora o decorrer dos acontecimentos tenha revelado que a decisão dos indígenas fora influenciada por informações falsas. De início, o gerente do Programa combinara que viajaríamos juntos, numa viatura do Programa, de Manaus para a Base da FUNAI no território indígena, na tarde do dia 24 de junho, acompanhados do chefe de gabinete do Superintendente Regional da FUNAI.

Ao contrário do combinado, ao chegar à sede do Programa, fui informado de que o gerente do Programa e o chefe de gabinete do Superintendente já haviam seguido. Ao chegar à Base da FUNAI, no início da noite do dia 24, os Waimiri-Atroari mudaram abruptamente seu comportamento. Nos dias anteriores, na sede do Programa em Manaus, alguns Waimiri-Atroari que lá estavam me receberam com carinho, convidando-me a voltar às suas aldeias, e solicitando bens manufaturados, como acontecera durante os 17 meses de pesquisa de campo. Desta vez, entretanto, os Waimiri-Atroari negavam-se a conversar.

Na manhã do dia 25 de junho de 1989, durante a reunião de consulta16, estes se mostravam irritados, alegando que minha pesquisa "não trazia retorno" para eles e que não tinham conhecimento dos seus resultados. Ou seja, alegação idêntica à que havia sido exposta anteriormente pelo gerente do Programa. Durante a reunião, os Waimiri-Atroari me acusaram de ser um "mentiroso" e de os haver "enganado". Afirmaram que não sabiam o que eu fizera no passado, mas que já sabiam que eu estava relacionado a entidades prejudiciais ao seu desenvolvimento, pedindo meu afastamento definitivo da área.

Surpreso, perguntei-lhes a procedência de tais acusações, obtendo como resposta que "está nos jornais", "todo mundo sabe" e reiterações da sua acusação de "mentiroso", enquanto iam se retirando da reunião. Por outro lado, surgiu um dado bastante revelador para esclarecer o que estava acontecendo. O chefe de gabinete do Superintendente Regional da FUNAI disse que os Waimiri-Atroari tinham conhecimento da série de matérias intituladas "Os Índios na nova Constituição", publicadas em agosto de 1987 pelo jornal O Estado de São Paulo17, em que meu nome aparece, apresentando-me como se fosse agente de um suposto "cartel de estanho" internacional, usando índios como pretexto para tentar impedir o avanço de empresas de mineração privadas e nacionais sobre territórios indígenas, e assim defendendo os interesses de empresas internacionais. Neste momento me ficou claro que a suposta "reunião de consulta" fora organizada por funcionários da direção do Programa Waimiri-Atroari para efetivar minha "expulsão" do território indígena, através do uso destas matérias caluniosas para me caracterizar diante dos próprios Waimiri-Atroari como pessoa relacionada a "entidades prejudiciais ao desenvolvimento da comunidade Waimiri-Atroari", nas palavras do chefe de gabinete do Superintendente Regional da FUNAI. Fui imediatamente retirado da área indígena em viatura do Programa Waimiri-Atroari, enquanto os Waimiri-Atroari presentes gritavam iradamente contra mim as mesmas acusações.

O que fica claro é que os Waimiri-Atroari não foram informados de que os documentos apresentados por este jornal foram julgados "imprestáveis" pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada em 1987 para esclarecer a questão.

Alguns meses depois da "expulsão", em Brasília, o supervisor do Programa afirmou que, quando ele conversou com os Waimiri-Atroari sobre o incidente, eles lhe disseram que não teriam objetado à minha presença se eu tivesse pedido autorização, mas que eu tinha chegado à área sem lhes pedir. Ressalto que solicitara autorização através do CNPq e da FUNAI, pela única maneira de que dispõe o pesquisador etnológico, e conforme as normas estabelecidas pela própria FUNAI. Considerando que o acesso ao território dos Waimiri- Atroari é controlado pela FUNAI, não existem outros meios para se comunicar com os indígenas. Se minha solicitação de autorização para pesquisa etnológica não tivesse chegado ao conhecimento dos Waimiri-Atroari, isso teria revelado uma falta de coordenação entre a FUNAI e o Programa Waimiri-Atroari. Porém, a "consulta prévia" datada de janeiro de 1989 revela que o Programa não somente tinha sido informado com antecedência da minha proposta de pesquisa mas, desde então, certas pessoas apresentaram-na aos Waimiri-Atroari como não sendo de interesse nem para os indígenas nem para o Programa.

 

Para que serviu a minha "expulsão"?

A maneira como foi articulada a minha "expulsão" encaixa-se na configuração atual da política indigenista governamental, valendo-se da retórica de autodeterminação, em que a decisão tem que partir, ostensivamente, dos próprios indígenas. Insere-se num processo mais amplo, em que as pressões de empresas sobre a população indígena privilegiam certos indígenas, visando aliciar lideranças para assinar acordos diretos com as empresas em nome da autodeterminação indígena. É fácil verificar que esta é uma autodeterminação dirigida, construída dentro de um contexto mais amplo de dominação. Neste caso, certos funcionários do Programa, ao articularem esta campanha caluniosa contra o pesquisador, através dos Waimiri-Atroari, estavam recorrendo ao modelo utilizado por funcionários da antiga Frente de Atração para afastar indivíduos "incômodos". A censura do pesquisador "incômodo" partia de funcionários da equipe dirigente, sendo transmitida por meio dos capitães e jovens aos demais Waimiri-Atroari, e recebida por estes como uma ordem do Programa que tinha de ser obedecida. Como explicou um capitão do aldeamento de Samaúma a sua mulher, logo após a "expulsão", o capitão principal havia dado a ordem para me afastar.

Durante a época da FAWA, este modelo de "expulsão" era articulado entre grupos de funcionários para afastar certos chefes de posto e coordenadores como parte da luta pelo poder entre os servidores, envolvendo os capitães e outros Waimiri-Atroari para "legitimar" a "expulsão" de indivíduos "incômodos" como sendo uma decisão dos indígenas. No caso da minha "expulsão", o modelo foi acionado por alguns funcionários da coordenação do Programa numa campanha que mobilizou todos os capitães e outros representantes de todos os aldeamentos. Este fato revela como o Programa continua a agir como uma instituição total - o que fica ainda mais evidente que na época da FAWA - incorporando os Waimiri- Atroari em sua estrutura policialesca para que ajam como porta-vozes indígenas de decisões que partem da coordenação.

O Programa Waimiri-Atroari tinha cinqüenta e sete funcionários em 199018 e, na parte da Reserva Indígena desmembrada por Decreto Presidencial em 1981, existem vários milhares de funcionários da Mineração Taboca. Nesta época, esta mineradora mantinha servidores armados de uma empresa de segurança controlando o acesso à estrada vicinal, em plena área indígena. Tomando em consideração esta situação, cabe perguntar: por que uma campanha organizada para discriminar um pesquisador etnólogo que não destrói recursos não renováveis, nem tem impacto negativo sobre a vida do grupo indígena e o meio-ambiente? (vide Oliveira, 1988a).

Minha tese de doutorado reflete sobre a política indigenista na época em que esta área era designada "Frente de Atração" da FUNAI. Oliveira, referindo-se à tese, constata: "No cotidiano descrito de uma frente de atração os fatos aparecem não como denúncias, mas por não ser possível descrever as situações de conduta real omitindo os fatores de dominação e violência" (1989b:30). Será que alguns funcionários do Programa temem que a continuação da pesquisa revelaria aspectos que prejudicariam sua imagem pública? Ou que revelaria que o Programa continua a agir sobre os Waimiri-Atroari como uma instituição total dirigida por interesses e pressões de grandes empresas? Que a autodeterminação indígena que surge no contexto do Programa está subordinada a estes interesses e pressões? Evidentemente, o Programa Waimiri-Atroari se preocupa em apresentar uma imagem pública favorável, pois depende de verbas do Banco Mundial. Há uma preocupação em incorporar cientistas de instituições científicas conceituadas, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, universidades federais e o Jardim Botânico Real de Londres, para realizar trabalhos de alto valor em áreas como etnobotânica, ecologia e lingüística, na sua maioria, pesquisas de curta duração, usando o fato para argumentar que o Programa tem uma base científica. Ao mesmo tempo, certas pessoas da coordenação recorrem à manipulação de informações falsas para acirrar os Waimiri-Atroari contra a continuação de uma pesquisa de um etnólogo que já realizou 17 meses de pesquisa na área indígena desde o início de 1982.

Oliveira observa que "Geralmente uma pesquisa de natureza científica é sempre entendida pelos funcionários da FUNAI como devassa administrativa e algo para desestabilizar os seus empregos, criar rumores, indisposições dos índios contra eles" (1989b:30). O Programa promove a realização de pesquisas sob sua supervisão, seletivamente proibindo pesquisas que, entre outros temas, examinem a política indigenista19. Para esta proibição foram utilizadas iniciativas caluniosas que marcaram irreversivelmente a pesquisa e a relação do etnólogo com os Waimiri-Atroari.

Durante a reunião de "expulsão", alguns Waimiri-Atroari caracterizaram meu trabalho como "fuxico", palavra usada também pelo gerente do Programa ao se referir à minha tese de doutorado20. Relatos de pessoas que estiveram na área depois da minha "expulsão" afirmam que alguns indígenas comentaram: "Stephen não presta. Não volta mais, não", e, ao serem indagados sobre os motivos, acrescentaram que o "Programa diz que Stephen não presta". Estes relatos confirmam que os Waimiri-Atroari deram a entender que alguém lhes avisou, antes da reunião de "expulsão", que meu trabalho "não era de interesse".

Outros fatos lançam luz sobre a proibição do ingresso à área indígena de pesquisadores independentes da administração indigenista governamental. Alguns funcionários da direção do Programa apresentam-no como uma alternativa à dependência da mineradora que existia na época da FAWA (Baines, 1988, Capítulo IV, 2.iv). Contudo, segundo afirmações de pessoas que estiveram na área em 1990, o Programa continuava a levar indígenas para atendimento médico e hospitalar da Paranapanema enquanto não tinha instalado seu próprio hospital. Além disso, a mineradora continua a fornecer suprimentos aos Waimiri-Atroari como parte da "indenização" pela construção da estrada vicinal que atravessa cerca de 38 km do seu território, fazendo ligação entre a BR-174 e a área desmembrada da Reserva em 1981. Continua, também, o projeto de criação de gado, introduzido na época da FAWA pela Paranapanema, que o gerente do Programa pretende estender a outros aldeamentos. Este projeto nasceu de um plano desenvolvimentista para a área concebido por representantes do Exército, da Paranapanema e da FUNAI, em 1983, tendo como objetivo principal a sedentarização dos Waimiri-Atroari em área restritas através da implantação de fazendas-modelo financiadas pela Paranapanema para facilitar as pretensões deste grupo empresarial em avançar sobre o território indígena.

Alguns meses depois da minha "expulsão", que ocorreu em 25.06.89, tomei conhecimento do fato de que, no dia anterior, poucas horas antes da minha chegada à área indígena, conduzido em viatura do Programa, foi assinado mais um "Termo de Compromisso" (nº 001/89) entre a Mineração Taboca e os Waimiri-Atroari, para realizar projetos de desenvolvimento comunitário, destinando "importância mensal compreendida como adiantamento de futuros royalties que venham a ser devidos pela EMPRESA à COMUNIDADE em virtude de trabalho mineral que venha a desenvolver na área indígena". Este "Termo de Compromisso" foi assinado por dez capitães Waimiri-Atroari e funcionários da Paranapanema, junto com o mesmo gerente do Programa Waimiri-Atroari e o Superintendente Regional da FUNAI21, como testemunhas. Fazem parte deste "Termo de Compromisso" a "Declaração" firmada por cinco capitães Waimiri-Atroari em 15.05.87 e as correspondências entre a FUNAI e a empresa datadas de junho de 1989. Esta "Declaração", assinada também por funcionários da mineradora junto com o mesmo gerente do Programa e o então Superintendente Regional da FUNAI, como testemunhas, afirma que a comunidade Waimiri-Atroari, representada por cinco líderes, decide explorar as riquezas minerais dentro da área indígena em troca de royalties, escolhendo, com exclusividade, o grupo empresarial Paranapanema para realizar em seu território atividades de pesquisa e de extração mineral. A "Declaração" é escrita numa retórica de autodeterminação indígena, para dar a impressão de que a decisão de explorar minérios e a escolha da Paranapanema com exclusividade partem dos Waimiri-Atroari. Entretanto, a própria redação do documento e a assimetria da proposta revelam que os capitães Waimiri-Atroari que o assinaram não foram informados adequadamente das conseqüências trágicas para a sobrevivência do seu grupo étnico, já ameaçada por invasões recentes da mesma empresa, de qualquer avanço de mineradoras sobre seu território. Revela, ao contrário, que os capitães foram aliciados por pressões empresariais articuladas por funcionários do Programa. Os capitães vêm sendo incentivados a aceitar o serviço fiel à administração como garantia de uma existência confortável e acesso desigual a bens, privilégios e status dentro do Programa.

Todos estes documentos que estabelecem acordos entre os Waimiri-Atroari e a mineradora, assinados por Waimiri-Atroari junto com funcionários da FUNAI, são ilegais, contrariando a legislação indigenista do país. Como também é ilegal um "Contrato de Utilização do solo para fins de Mineração" entre seis empresas do grupo Paranapanema e a FUNAI, assinado pelo então Presidente da FUNAI, Romero Jucá Filho, autorizando a exploração de minérios em toda a área indígena dos Waimiri-Atroari. Os funcionários da FUNAI que articularam este "contrato" com a Paranapanema, em 1987, também aliciaram o capitão principal dos Waimiri-Atroari e seu irmão para assiná-lo. Cabe lembrar que a assinatura deste "contrato", em Brasília, ocorreu quando o capitão principal e seu irmão vieram através da FUNAI, acompanhados pelo Superintendente Regional e o gerente do Programa. Faz parte de uma série de irregularidades usadas contra esta população indígena para favorecer empresas privadas através de acordos ilegais e de conseqüências etnocidas.

Estes fatos esclarecem os motivos que levaram certos funcionários do Programa Waimiri-Atroari a recorrer a uma campanha organizada para proibir a continuação de uma pesquisa etnológica, assim permitindo seu controle não somente sobre os Waimiri-Atroari e seu acesso a informações, mas também sobre o acesso a informações sobre o Programa por pessoas que não estão subordinadas à sua administração. Conseguiram, através do uso de informações falsas, desacreditar-me aos olhos dos Waimiri-Atroari, e publicamente questionar minha pesquisa22. Assim eliminaram qualquer possibilidade de eu ser testemunha do que está acontecendo na área dos Waimiri-Atroari. Fica evidente que eu "sabia demais" sobre as pretensões da Paranapanema nesta área, além de "entender demais" da língua Waimiri-Atroari para o Programa confiar na minha presença, pois, este não poderia controlar totalmente o meu acesso a informações fornecidas pelos Waimiri-Atroari.

Neste sentido, o Programa Waimiri-Atroari revela-se como uma instituição total fechada que capturou a população Waimiri-Atroari.

 

Conclusão

A proibição desta pesquisa coincidiu com uma política sistemática de interromper pesquisa etnológica na região compreendida pelo Projeto Calha Norte, enquadrando pesquisadores dentro dos argumentos apresentados nos estudos do Conselho de Segurança Nacional (vide Oliveira, 1990:29-30), como se fossem parte de uma suposta conspiração contra os chamados "interesses nacionais".

A proibição do ingresso em áreas indígenas de etnólogos que em muitos casos vêm realizando pesquisas nessas áreas há muitos anos revela uma mudança fundamental nas condições da produção dos conhecimentos antropológicos. Na região norte da Amazônia esta mudança é diretamente relacionada à aliança entre os militares e os grandes empresários de mineração para implantar uma infra-estrutura visando abrir a região para a exploração dos recursos do subsolo, inclusive em territórios indígenas. Freqüentemente a negação de autorização ocorre nos trâmites da solicitação do pesquisador, que passa pela Assessoria de Assuntos Estratégicos (ex-Conselho de Segurança Nacional), assim impedindo qualquer contato entre o etnólogo e a população indígena. Em outros casos, como o meu, a proibição parte de funcionários da administração local, envolvendo os índios para fazer parecer que estes estejam exercendo seu direito de autodeterminação.

O pesquisador, como nunca antes, se encontra num enredo de interesses conflitantes e contraditórios, com o surgimento de funcionários nos níveis superiores da administração indigenista governamental que se apropriam da linguagem antropológica sob a forma de jargão, posicionando-se em oposição aos etnólogos. Produzem "teorias" oficiais centradas na oposição "nós indigenistas"/"vocês antropólogos", visando legitimar-se através de uma dicotomia falsa inventada por eles entre ação/teoria, muitas vezes expressa como "nós indigenistas que fazemos alguma coisa para os índios"/"vocês antropólogos que ficam no seu casulo, teorizando em gabinetes". Na situação de encapsulamento e controle em que se encontram populações indígenas como os Waimiri-Atroari, essas teorias oficiais são transmitidas para os indígenas incorporados em cargos criados pela administração e subordinados a ela. Tais atitudes e filosofias são recebidas por estes indígenas como ordens a ser obedecidas como parte de suas atribuições e de um estilo "da FUNAI" e "do Programa", e, assim, como parte de uma teoria oficial que define a "realidade" (como deveria ser) para a população indígena. Tais teorias oficiais, atreladas a interesses empresariais e expressas numa linguagem de autodeterminação indígena, defendem a ideologia desenvolvimentista das grandes empresas e do Governo Federal e representam a negação absoluta de autodeterminação. Manifestam-se como um discurso imposto pela administração indigenista através de um paternalismo extremo que reflete as relações de sujeição/dominação entre a administração indigenista e a população indígena.

Cabe ressaltar que, em situações muito distintas da dos Waimiri-Atroari, outras populações indígenas estão negociando diretamente com empresas mineradoras e com os militares, sem a mediação e o controle de administrações indigenistas neste processo. Uma facção de índios Tukano, do alto rio Negro, uma população indígena que, em contraste com os Waimiri-Atroari, tem uma longa e intensiva história de contato com a sociedade nacional e que desempenhou um papel fundamental no desdobramento do movimento indígena a nível nacional, realizou acordos com a direção do Projeto Calha Norte em 1986-87 e com a Paranapanema. No caso destes Tukano, "Depois de anos de luta inglória e inconclusiva junto à FUNAI e outras agências do governo para que suas terras fossem devidamente demarcadas, esses líderes optaram por aceitar o retalhamento do território indígena proposto pelos militares, em troca de benfeitorias por eles prometidas e de royalties da mineradora cujas atividades estavam apoiadas pelo Calha Norte" (Ramos, 1991). Dois anos depois, sentiram-se traídos pela empresa mineradora, que abandonou esta área por não ser economicamente viável, e traídos também pelos militares, que não cumpriram suas promessas, além de expulsar 123 Tukano do seu próprio território (vide Buchillet 1990:128-135).

Enfim, cresce cada vez mais a complexidade da situação de pesquisa de campo no Brasil, embora haja muitas variações locais. O caso Waimiri-Atroari constitui um exemplo, de caráter extremo, em que a atuação de administrações indigenistas, subordinadas às pressões de grandes empresas, tomou a forma de uma instituição total que incorporou os indígenas num regime de "liberdade vigiada".

 

Agradecimentos

Meus agradecimentos especiais ao Professor Júlio Cezar Melatti por sua ajuda em melhorar este texto e por suas valiosas sugestões.

 

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Notas

1. A história de invasões e massacres é documentada a partir dos meados do século passado (Barbosa Rodrigues, 1885; Payer, 1906; Hübner e Koch-Grünberg 1907; Bandeira, 1926; nos Relatórios da Província do Amazonas, e nos relatórios do S.P.I. e da FUNAI). Em 1856, o major Manoel Pereira de Vasconcellos e 50 guardas nacionais realizaram um massacre nas aldeias do rio Jauaperi, marcando o início de 30 anos de luta e expedições militares contra os indígenas. Barbosa Rodrigues estabeleceu contatos não bélicos e fundou um aldeamento no rio Jauaperi em 1885.

Conflitos interétnicos posteriores incluem o envio de 50 soldados da polícia em 1905, que mataram 283 indígenas, levando 18 presos.

2. Relatório da Frente de Atração Waimiri-Atroari, de 27-10-73, FUNAI, pp.v e vi.

3. Nos anos 1987-91, a taxa de crescimento populacional de 20,2% revela uma queda, se comparada à de 26,5% no período de 1983-87 (Silva, 1990).

4. A "Frente de Atração Waimiri-Atroari" (FAWA) foi implantada pela FUNAI em 1970, tendo "como principal objetivo realizar a atração dos ... Waimiri-Atroari ... acelerando seu processo de integração na sociedade nacional, assim como realizar trabalhos de apoio aos serviços da estrada ...

BR-174" (Relatório da FAWA, de 27.10.73). A política da FAWA, desde sua implantação, era de manter um contingente muito grande de funcionários na área (mais de cem em 1977), com o objetivo de submeter os sobreviventes Waimiri-Atroari, abruptamente, a uma ressocialização forçada em aldeamentos dirigidos pela FUNAI. Em 1983, havia 59 funcionários quando a população Waimiri-Atroari tinha sido reduzida a menos de 350 pessoas (Baines, 1988:99).

5. O Programa Waimiri-Atroari, financiado pela ELETRONORTE com verba do Banco Mundial, tem previsão para 25 anos de duração. Partiu da tomada de decisão para a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina, sem consultar anteriormente a população indígena. O Programa de assistência (Termo de Compromisso Nº. 002/87, de 3/4/1987, entre a FUNAI e a ELETRONORTE), "objetivando a implantação de programa de apoio às comunidades indígenas Waimiri-Atroari, em vista da inundação de parte de suas terras imemoriais pela Usina Hidrelétrica de Balbina", foi criado na fase final das obras da barragem e poucos meses antes do fechamento das comportas em outubro de 1987, o que resultou na inundação de uma área de cerca de 2360 km2. Toda a área inundada fazia parte do território tradicional dos Waimiri-Atroari até o início da década de 70, e cerca de 311 km2 da área inundada estão dentro do território demarcado para os Waimiri-Atroari.

Todos os afluentes dos rios Uatumã e Abonari tornaram-se inabitáveis, com a putrefação da floresta submersa, forçando a relocação de aproximadamente um terço da população total dos Waimiri- Atroari para outras partes da Reserva. Viveiros de Castro e Andrade afirmam que estas "medidas paliativas e tardias, de caráter cosmético, tomadas quando todas as decisões referente à obra já 6. Exposição de Motivos Nº 018/85 de 19 de junho de 1985, do Gen Bda Rubens Bayma Denys, Ministro de Estado, Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional.

7. O cargo de "capitão" foi institucionalizado pela FUNAI durante o período de "pacificação". Os "capitães" eram, sobretudo, jovens, recrutados entre os Waimiri-Atroari como agentes interculturais a serviço da administração indigenista, que transmitiam as ordens da equipe de funcionários para os demais Waimiri-Atroari em troca de privilégios como o acesso desigual a bens manufaturados. Desde 1978, um jovem e seu irmão, entre os primeiros que vieram morar num posto indígena, foram escolhidos pela administração como capitão principal e substituto.

9. Radiograma No.840, de 09-04-85, do Delegado Regional da FUNAI.

10. A inauguração da escola ocorreu em 06.01.84 (A Notícia e Jornal do Comércio, Manaus, 07.01.84). Esta escola foi construída em 1983, ao lado do Posto Indígena Terraplenagem, na beira da BR-174, para atender a um pedido do General Euclydes Figueiredo, que prometera uma escola ao Capitão principal dos Waimiri-Atroari numa visita anterior à área indígena realizada em 24.06.83, junto com uma comitiva de militares, representantes da Paranapanema e o Delegado Regional da FUNAI. Em 28.06.83, e nos dias seguintes, houve reuniões em Manaus entre representantes da Mineração Taboca e do Exército para discutir uma proposta de portaria visando a revisão da política indigenista para facilitar a entrada de empresas mineradoras privadas em áreas indígenas.

11Só tomei conhecimento da data deste parecer do coordenador do Sub-Programa de Educação durante a reunião de "expulsão" em 25 de junho de 1989, pois o gerente do Programa não me permitiu lê-lo.

12. Inclusive um relatório de Grupo de Trabalho em 1985, um vocabulário em língua indígena em 1983 (conforme informações fornecidas por pessoas que estiveram na área nos últimos meses de 1989, este vocabulário ainda estava sendo usado pelo Sub-Programa de Educação), e cópias de fotografias.

13. Estipulada no art. 6º da Portaria 745 da FUNAI, de 06.07.88.

14. Considerando que a Portaria Interministerial nº 278, de 18 de novembro de 1988, dá à FUNAI e ao CNPq o poder de conceder autorização para ingresso em áreas indígenas, o gerente e alguns funcionários da coordenação do "Programa" recorreram ao item 13 da Portaria Presidencial da FUNAI nº 782/88. Após um atraso de 13 dias a partir da data em que a FUNAI em Brasília me informou que tinha sido assinada, a autorização chegou com a exigência da minha "apresentação do Projeto de Pesquisa à Comunidade Indígena ... para que o mesmo seja endossado".

15. Durante as etapas anteriores de pesquisa de campo, eu sempre consultava, pessoalmente, os Waimiri-Atroari em cada aldeamento, para obter sua aceitação, além das "consultas prévias" realizadas pela FUNAI antes da minha chegada à área. Cabe ressaltar que, desde o surgimento do movimento indígena, algumas populações indígenas estão exercendo seu direito de aceitar ou negar a presença de etnólogos em suas áreas, exigindo o estabelecimento de relações menos desiguais entre o pesquisador e a população pesquisada do que freqüentemente tem sido o caso no passado (Ferreira, 1990), o que vem conduzindo a novas linhas na etnologia que levam o etnólogo a incorporar a questão da sua própria presença na situação de contato interétnico, a dar voz aos indígenas e a publicar trabalhos de co-autoria com eles. Há de se distinguir entre a consulta feita pelo pesquisador à população indígena e as regras estabelecidas pela FUNAI que lhe permitem aproveitar, de maneira espúria, da "consulta".

16. Relatada em detalhes no Relatório de Pesquisa de Campo: "Expulsão", apresentado ao Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará, em 11.07.89. Na reunião, estavam presentes cerca de quarenta Waimiri-Atroari, com representantes de todos os dez aldeamentos.

17. A partir do dia 09.08.87, o jornal O Estado de São Paulo passou a publicar diariamente, durante uma semana, esta série de matérias, veiculando denúncias sobre uma suposta "conspiração" internacional contra o Brasil, organizada por pessoas e grupos que se declaram defensores de interesses indígenas na Constituinte. Esta campanha jornalística, amplamente documentada (CNBB, CIMI, 1987; CEDI, 1987; Oliveira, 1990:25-30), fazia parte das pressões das grandes mineradoras privadas para introduzir na Constituição um dispositivo que facilitaria suas pretensões de avançar sobre terras indígenas (a Constituição anterior somente permitia a atuação de empresas mineradoras estatais em áreas indígenas, apesar de muitas empresas privadas ignorar a proibição), o que conseguiram. Durante a Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para esclarecer a campanha jornalística, quando os documentos apresentados pelo jornal foram julgados "imprestáveis", o diretor do jornal, apesar de não revelar a sua procedência, declarou-se, publicamente, favorável à política da Paranapanema em áreas indígenas.

18. Conforme o Relatório Técnico-Administrativo do Programa Waimiri-Atroari (FUNAI/ELETRONORTE), 1990, dos 57 funcionários, 46 estavam lotados na área dos Waimiri- Atroari.

19. A minha "expulsão" foi uma ação seletiva e personalizada, como ficou claro pela atitude do gerente do Programa. Este, após ler meu relatório sobre o incidente, entrou em contato imediatamente com o responsável pela expedição científica, convidando-o, ou a qualquer antropólogo do Museu Goeldi menos eu, para ir à área Waimiri-Atroari e observar a atuação do Programa. Considerando que eu era o único pesquisador do Museu Goeldi, na época, que conhecia esta área indígena, seu convite não passava de uma proposta de visita à área para ostentar o trabalho indigenista do Programa.

20. No "I Seminário de Estudos Waimiri-Atroari", realizado na Universidade do Amazonas, em março de 1990, com apoio do Programa Waimiri-Atroari, o mesmo gerente do Programa caracterizou minha tese, publicamente, como "fofocológica" (A Notícia, e O Povo, Manaus, 7/3/90), sem, entretanto, querer esclarecer o que queria dizer por isso.

21. O Superintendente Regional que assinou este "Termo de Compromisso" consta como Coordenador de Projetos Especiais no "Projeto Especial Calha Norte: Plano Operativo Anual 1988", da FUNAI.

22. Do "I Seminário de Estudos Waimiri-Atroari", realizado em Manaus em março de 1990, eu, junto com duas outras pessoas que foram convidadas, recusamo-nos a participar, considerando que tínhamos sido "expulsos" da área indígena havia pouco tempo (vide Associação Brasileira de Antropologia, 1990 - "Pesquisas: Limites impedem participação" Boletim da ABA nº 8:11). No Seminário, fomos acusados de não cumprir nossa responsabilidade para com os Waimiri-Atroari, e só querer entrar na área indígena à nossa conveniência, acusação idêntica à dirigida a mim pelo gerente do Programa antes da reunião de "expulsão". Segundo os jornais de Manaus, eu fui chamado de "pesquisador controvertido" no Seminário (A Notícia, 7/3/90). Recebi o convite para participar do Seminário em envelope remetido pelo Programa e, considerando que este perdera toda credibilidade do meu ponto de vista após sua campanha de calúnias para impedir a continuação da minha pesquisa, vi neste convite outra possível tentativa de me difamar, agora na presença da imprensa. Segundo pessoas que participaram do Seminário, o irmão do capitão principal reiterou algumas das acusações contra mim e declarou publicamente que nunca mais queriam minha presença na área indígena.

 

Stephen G. Baines
stephen[arroba]unb.br


 
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