Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula



 

Resumo

Ensaio comparativo, constrastando as políticas externas das administrações Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, com base em suas características gerais e nas tomadas de posição em relação a um conjunto de temas da agenda internacional, nomeadamente: multilateralismo e Conselho de Segurança das Nações Unidas; OMC, negociações comerciais multilaterais e cooperação Sul-Sul; terrorismo; globalização e capitais voláteis; FMI e política de condicionalidades; Brasil como líder; América do Sul; Mercosul; Argentina; Europa; relação com os Estados Unidos e Alca, ademais dos instrumentos diplomáticos mobilizados por cada um dos governos. Os elementos de ruptura são mais evidentes no estilo do que na substância da diplomacia brasileira, que continua a ostentar fortes traços de continuidade.

Palavras-chave: diplomacia brasileira, governo Fernando Henrique Cardoso, governo Luiz Inácio Lula da Silva, globalização, regionalismo, negociações comerciais.

Abstract:

Comparative essay, constrasting the foreign policies of Fernando Henrique Cardoso’s and Luiz Inácio Lula da Silva’s administrations. Besides the general features of each diplomacy, external policies and practices of each government are compared for a set of issues in the international agenda, namely: multilateralism and UN Security Council; WTO, multilateral trade negotiations and South-Sout cooperation; terrorism; globalization and financial flows; IMF and economic policy requirements; Brazil as a leader; South America;

Mercosul; Argentina; Europe; relationship with the United States, and FTAA, with a final section on diplomatic tools preferred by each government. Break lines are much more evident in the style than in the substance of Brazilian diplomacy, which continues to show strong features of continuity.

Key-words: Brazilian diplomacy, Fernando Henrique Cardoso government, Luiz Inácio Lula da Silva government, globalization, regionalism, trade negotiations.

1. Comparando duas diplomacias: os governos FHC e Lula em perspectiva

A política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva é, provavelmente, a vertente da atividade governamental que mais reflete as antigas propostas e as posições tradicionais do Partido dos Trabalhadores. Com efeito, nem na política econômica, nem em ações setoriais tomadas até o momento pelos vários ministérios é tão nítida a "filiação genética" com posições ostentadas historicamente pelo PT – tal como refletidas em teses programáticas e em declarações e textos de seus líderes ao longo dos últimos vinte anos – como nas iniciativas tomadas desde o início de 2003 no âmbito da diplomacia. Em outros termos, é nas relações exteriores e na sua política internacional que o governo do presidente Lula mais se parece com o discurso do PT. Não há, nesta afirmação, nenhuma revelação inédita para o observador bem informado, nem constitui ela uma elaboração analítica dotada de grande originalidade:

trata-se de um fato corroborado por uma simples observação jornalística do ativismo diplomático exibido desde o início do governo Lula.

Do ponto de vista da legitimação política da ação diplomática, grande parte do discurso governamental, não apenas nessa área, mas principalmente nesta vertente, tem se dedicado a enfatizar as diferenças em relação às posições e políticas do governo anterior, geralmente para demarcar linhas de ruptura e evidenciar a nova postura governamental. A diplomacia do governo Lula já foi chamada de "ativa e altiva" por seu próprio chefe, o embaixador Celso Amorim, e certamente ela traz a marca de um ativismo exemplar, evidenciado em dezenas, ou mais propriamente centenas, de viagens e visitas bilaterais do chefe de governo e seu chanceler, no Brasil e no exterior, ademais da intensa participação, executiva e técnica, em quase todos os foros relevantes abertos ao engenho e arte da diplomacia brasileira, conhecida por ser extremamente profissional e bem preparada substantivamente. A maior parte das novas iniciativas se situa na vertente das negociações comerciais internacionais e na busca de uma ativa coordenação política com atores relevantes da política mundial, geralmente parceiros independentes no mundo em desenvolvimento, com destaque para a Índia, a África do Sul e a China, ademais dos países vizinhos da América do Sul.

Muitas dessas novas iniciativas constituem, na verdade, desdobramentos e reforço de ações já em curso na administração anterior, embora com nova roupagem e novas ênfases conceituais, o que as colocaria mais na linha da "continuidade" do que na de "ruptura".

Exemplos podem ser citados na opção preferencial pelo Mercosul e pelos acordos no contexto sul-americano, assim como no desenvolvimento de relações mais próximas com aqueles mesmos parceiros identificados no parágrafo anterior. Mas as inovações conceituais e as diferenças práticas são evidentes, o que cabe enfatizar desde já, e a isto se dedica o presente ensaio.

Um exercício desse tipo não pode ser efetuado apenas no plano da retórica, mas certamente que o discurso partidário em temas de política internacional – tanto o anterior, do PT, como o atual, do governo liderado pelo partido – comanda a ação governamental, mais do que em qualquer outra área institucional. Esse discurso já enfatiza, desde muitos anos, essas alianças preferenciais com parceiros do Sul, como uma análise perfunctória permitiria revelar. Não pretendo, contudo, voltar a examinar as idéias e posições adotadas pelo PT em matéria de política externa e de relações internacionais do Brasil, tanto porque já o fiz em ocasiões anteriores e ainda no período recente.1 Tendo em vista que a atual diplomacia – tanto do lado do Itamaraty, como pelo lado da assessoria de relações internacionais da presidência da República - enfatiza, precisamente, suas linhas de ruptura em relação ao anterior governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), pode ser sugestivo traçar algumas linhas dessa política externa numa perspectiva comparada com aquela implementada pela administração precedente. Efetuei, em artigo para obra coletiva, um relato factual e uma breve análise da diplomacia do governo anterior, terminando por chamar a atenção para algumas das linhas de ação do presente governo do presidente Lula.2 Caberia agora ampliar o exercício comparativo, com uma descrição sistemática dos elementos de ruptura e de continuidade entre as duas diplomacias.

Pretendo fazê-lo de modo resumido, sumariando, simetricamente, posições de política externa e práticas diplomáticas respectivas dos dois governos, sem no entanto adentrar em elaborações conceituais ou digressões analíticas muito detalhadas.

Um exercício comparativo desse gênero, para tornar mais evidentes eventuais linhas de ruptura, corre o risco de apresentar caracterizações estereotipadas, o que foi aqui feito deliberadamente, como forma de melhor enfatizar as diferenças entre as duas administrações.3 Para melhor fluidez do texto, contudo, não serão apresentadas – com uma única exceção - as "provas documentais" ou os "suportes declaratórios" para cada uma das caracterizações que são oferecidas em apoio de meus argumentos, mas as evidências factuais podem ser buscadas nos próprios sites oficiais e nos boletins eletrônicos que se dedicam ao seguimento da política externa e das relações internacionais do Brasil, a começar pelo principal instrumento nessa área, o do Relnet (www.relnet.com.br).4 O presente exercício comparativo também dá seqüência a esforços similares ou preliminares de reconstrução histórica, baseados num seguimento tanto quanto possível próximo das posições e declarações do Partido dos Trabalhadores em matéria de política internacional e de relações exteriores do Brasil, seja em seus documentos fundacionais, seja por ocasião de campanhas presidenciais, que costumam revelar de modo mais claro o pensamento dos dirigentes em questões internacionais.

O exercício comparativo aqui desenvolvido não se pretende exaustivo, tendo selecionado apenas algumas áreas de interesse para a diplomacia brasileira. Depois de uma caracterização geral das diferenças entre as duas administrações, as áreas selecionadas para um breve contraste foram as seguintes: multilateralismo e Conselho de Segurança das Nações Unidas; OMC, negociações comerciais multilaterais e cooperação Sul-Sul; terrorismo; globalização e capitais voláteis; FMI e política de condicionalidades; Brasil como líder;

América do Sul; Mercosul; Argentina; Europa; relação com os Estados Unidos e Alca. Uma seção final abordará questões funcionais, isto é, os instrumentos diplomáticos e as características gerais das políticas externas dos dois governos.

Procurei evitar, tanto quanto possível, julgamentos de valor ou apreciações qualitativas sobre os impactos internos e externos das duas diplomacias, tanto porque os períodos não são diretamente comparáveis e os resultados das iniciativas correntes não podem, ainda, constituir objeto de balanço. Caberia, oportunamente, ampliar e tornar mais rigoroso, tanto metodologicamente quanto substantivamente, o presente exercício, que buscou tão somente evidenciar os principais elementos que deveriam integrar um esforço de comparação minuciosa e dotada de suporte documental. A rigor, uma análise desse tipo exigiria, porém, certo recuo histórico e uma investigação mais acurada sobre o significado e as conseqüências de determinadas iniciativas de política externa tomadas por cada um dos presidentes, em suas administrações respectivas. Pelo menos no que se refere ao governo Lula, decorridos apenas dezesseis meses de sua inauguração, parece ser ainda muito cedo para oferecer uma avaliação desse tipo.

 


Página seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.