Abstract
Este artigo pretende revelar de um modo mais claro e comparativo duas teorias importantes para as pesquisas em comunicação. São elas: as idéias de Karl Marx e as de Jesús Martín-Barbero. Esses dois autores têm marcado presença em vários estudos da área. Para apontar como podemos utilizar essas idéias de um modo mais adequado, mostramos seus pensamentos, o contexto de seus preceitos, o objeto de estudo de ambos, suas divergências e como eles podem ser úteis para um melhor entendimento do processo de comunicação e da mídia. Além disso, o objeto e os objetivos de cada pesquisa podem mostrar qual desses autores é o mais apropriado para atingir as metas científicas.
O presente estudo tem como objetivo traçar um paralelo entre as linhas teóricas elaboradas por Karl Marx e Jesús Martín-Barbero, suas divergências, a utilização da teoria marxista na obra do pensador hispano-colombiano e verificar como as pesquisas em comunicação se desenvolvem com tais aportes. Para tanto, evidenciamos a biografia dos autores, suas obras, o caráter de seus pensamentos bem como o contexto histórico em que ambos se situam.
O interesse em discorrer sobre as duas teorias foi despertado pela leitura do livro Dos meios às mediações (2003), de Martín-Barbero, em que a postura marxista é abordada, estudada e contestada em alguns aspectos. A partir disso, julgamos necessária uma tentativa de organizar categorias utilizadas por essas teorias, freqüentemente aplicadas às pesquisas em comunicação. Portanto, este artigo se mostrou uma oportunidade para desenvolver e até organizar os principais argumentos de Karl Marx e Jesús Martín- Barbero e suas possíveis aplicações nos estudos da Comunicação Social.
O objeto da pesquisa em comunicação
Para a efetuação de pesquisas em comunicação, um dos passos primordiais para que se desenvolva um projeto é a definição do objeto da pesquisa. Sabemos que, na área comunicacional, esse tópico já é o suficiente para lançar discussões no campo. De um lado, pesquisadores defendem que a comunicação ainda não consolidou um objeto de pesquisa e, portanto, não passa de um campo interdisciplinar, que não tem uma formação consistente e não passou por uma emancipação enquanto disciplina. Concomitantemente, outra parcela admite que a comunicação é um campo que possui um objeto. Vejamos o que nos esclarece Luiz C. Martino:
"Ora, se a Comunicação pretende ser uma disciplina e postular um lugar ao lado de tantas outras, é preciso que ela seja mais do que uma intersecção passiva ou um simples efeitos de diferentes orientações do saber. Trata-se então de pensar uma interdisciplinaridade que seja o fruto de uma exigência do próprio objeto, o que pressupõe a explicitação e a definição deste objeto" (MARTINO, 2001: 29).
Em nosso estudo, partimos da segunda visão, sem, todavia, ignorar o forte caráter interdisciplinar da comunicação que conta com a colaboração imprescindível de disciplinas como a Sociologia, a Psicologia, a Economia, a História, a Antropologia, as Ciências Políticas, a Lingüística etc. Partindo dessa assertiva, colocamos à luz do conhecimento duas correntes teóricas: o marxismo, elaborado por Karl Marx, junto a Friedrich Engels, e os estudos de Jesús Martín-Barbero.
A teoria marxista: origem, contexto e objeto
O marxismo é uma teoria elaborada no século XIX e tem como principal eixo disciplinar a Economia. Apesar disso, o que vemos é uma vasta utilização de seus pressupostos em campos variados (Sociologia, História, Psicologia, Direito, Antropologia, Filosofia, entre outros). No que concerne à Comunicação, Marx atende às necessidades daqueles que levam em conta a comunicação midiática e o modo de produção em que esta está inserida.
Para se ter uma idéia, as descobertas marxistas foram para as Humanidades o que a teoria de Darwin (aliás, da mesma época) foi para as Ciências Biológicas. Foram e são até hoje fundamentos que revolucionaram o modo de pensar de toda uma época, constituindo, portanto, um paradigma. Marx , muitas vezes em companhia de Engels, escreveu clássicos como O Capital (em que aponta um novo paradigma econômico, destoante dos economistas clássicos), O Manifesto Comunista – obra que guiou o proletariado à praxis da luta de classes e à consolidação do socialismo, O 18 Brumário (em que avalia a figura de Napoleão Bonaparte como uma figura que canalizou as aspirações da classe burguesa e seu momento revolucionário), entre outros marcos da literatura científica.
Ao descobrir a lei do desenvolvimento da história humana, Marx consagra seu objeto de estudo no próprio homem, na sociedade e suas relações. Para ele, é necessário ser radical, e ser radical significa agarrar as coisas pela raiz. E a raiz do homem é o próprio homem. Por isso, os ataques ao marxismo de que se trata de um determinismo econômico são infundados. Marx diz:
"[...]um determinado modo de produção ou uma determinada fase industrial estão constantemente ligados a uma fase social determinada, e que tal modo de cooperação é, ele próprio, uma ‘força produtiva’; segue-se igualmente que a soma das forças produtivas acessíveis aos homens condiciona o estado social e que, por conseguinte, a ‘história da humanidade deve ser sempre estudada e elaborada em conexão com a história da indústria e das trocas’ " (MARX & ENGELS, 1999: 42).
Desde os postulados originais de Marx, surgiram nas Ciências Sociais e nas Ciências Humanas duas correntes fundamentais. Uma é chamada de marxismo ortodoxo. Os estudiosos dessa linha seguem as idéias de Marx, Engels, Lênin, Stálin e Trotsky, junto a Ho Chi Minh e Mao Tse-Tung. Paralelamente, existe a linha do marxismo heterodoxo: são teóricos que se dedicam ao marxismo, mas apropriando-se de algum elemento principal das obras de Marx: Gramsci, os pensadores da Teoria Crítica (ou Escola de Frankfurt), Rosa Luxemburgo, entre outros. Ora se concentram nos aspectos culturais, ora na hegemonia, desenvolvendo e procurando avançar nos estudos primeiros de Karl Marx. Torna-se primordial ressaltar que o termo ortodoxo não é o mais apropriado, visto que seu sentido está associado a um dogma e as idéias de Marx, como o próprio destaca, não são imutáveis, mas devem se adequar a cada realidade social.
A teoria de Jesús Martín-Barbero: origem, contexto e objeto
As idéias de Jesus Martín-Barbero são contemporâneas (no sentido de terem sido produzidas neste século). A exemplo de Marx, Martín-Barbero não é oriundo da área da Comunicação – sua formação se concentra em estudos filosóficos, antropológicos e semióticos. Todavia, suas reflexões concentram-se na produção comunicacional. Para Martín-Barbero, um dos conceitos-chave para o entendimento dos processos de comunicação é justamente a desconstrução do objeto, que passa a ser reconstruído na cultura e nas mediações. Daí o nome de sua obra mais expressiva: Dos meios às mediações (2003). Trata-se da obra que nos leva a conhecer mais de perto as idéias de do autor. É nesse ponto que sua teoria sofre mais ataques. No que concerne ao objeto da comunicação, anteriormente discutido em linhas gerias, temos:
"Os processos comunicativos no interior da cultura de massa constituem certamente o objeto da Comunicação, mas a característica inalienável, e portanto mais própria a esta disciplina reside na perspectiva que ela adota, ou seja, na interpretação desses processos tendo como base um quadro teórico dos meios de comunicação. Trata-se de uma leitura do social realizada a partir dos meios de comunicação, o que equivale a dizer que meios de comunicação e cultura de massa não se opõem. Nem podem ser reduzidos um ao outro, ao contrário, eles exigem uma relação de reciprocidade e complementação" (MARTINO, 2001: 31).
A partir desse comentário, vemos que a proposta de Martín-Barbero de levar em conta o massivo na comunicação é adequado aos estudos comunicacionais.O problema de sua teoria está em concentrar demais seus esforços científicos às massas, deixando os meios de comunicação em segundo plano. Essa mudança de eixo traz à sua obra um caráter muito mais sociológico do que comunicacional.
Os temas abordados pelo pensador passam pela
"relação entre a evolução temática e estética dos formatos ou gêneros dos meios de comunicação e especificamente dos televisivos, com as transformações ocorridas na cultura colombiana e latino-americana relacionadas à modernização e à urbanização: a secularização, os processos de individualização, os desenvolvimentos da identidade nacional, a presença cultural do popular e do regional, as transformações associadas à ampliação da cobertura da educação primária, secundária e universitária e as mudanças nos âmbitos da família, da sexualidade e dos papéis dos gêneros" (LÓPEZ DE LA ROCHE, 1999: 139-140).
Para Martín-Barbero, o popular consegue se infiltrar no massivo, mantendo suas tradições e sua cultura, o que leva à constituição de uma heterogeneidade na produção do pensamento, com valores, crenças e formatos que se opõem. Por isso, as palavras popular e mediações são básicas ao entendimento da problemática proposta. As mediações interferem na realização da cultura popular, que coloca à frente seus modos de vida na absorção dos produtos veiculados pelos meios de comunicação.
A cultura, bem como os sujeitos sociais - os atores - são fundamentais para a compreensão da comunicação, vista, desse modo, sob um aspecto de produção e não reprodução. É por esse predicativo que alguns autores o classificam "muito mais como um culturalista que um midiólogo" (RABELO, 1999: 92).
Quanto ao contexto social de seu pensamento, temos como pano de fundo a democratização da América Latina e a valorização de setores críticos, em reação aos regimes enfrentados por países como Brasil, Chile e Argentina. Christa Berger enfoca que, nos anos 80, uma das linhas de pesquisa em voga em nosso continente era a Comunicação Popular e Alternativa, "ampliando a noção de comunicação para além da Indústria Cultural, havia um projeto de intervenção cultural desde os movimentos sociais" (BERGER, 2001: 266). Martín-Barbero deu ampla contribuição para a consolidação dessa diretriz, ao negar, no processo de comunicação, um emissor e uma mensagem autoritários e um receptor passivo, isso porque surgiram, por todos os regimes de ditadura na América Latina focos de luta pelo restabelecimento do que hoje chamamos democracia (salvo toda a carga semântica do termo).
Divergências teóricas entre Marx e Martín-Barbero
Uma das bases mais discrepantes entre as duas teorias poderia ser resumido em duas palavras: economia e cultura. Trata-se, naturalmente, de um reducionismo absurdo tendo em vista a história marxista nas Ciências Humanas e o prestígio de Martín-Barbero entre alguns pesquisadores de comunicação, bem como a complexidade de ambos os pensamentos.
Marx descobriu e elaborou cientificamente o processo de mudança das formações sociais. O cerne de seu pensamento está embasado na seguinte afirmação: A mudança econômica é o motor da história. Para Marx (2002), "toda a sociedade burguesa é apenas um guerra mútua de todos os indivíduos que não mais se diferenciam, a não ser por sua individualidade abstrata...". Essa individualidade abstrata significa que a liberdade individual é forjada pelos mecanismos ideológicos da burguesia que, ao fazer com que o indivíduo pense que pode escolher, traçar caminhos e se individualizar, gera um conformismo e uma falsa idéia. Marx continua: "...a manifestação de sua própria liberdade, enquanto na realidade não é mais do que a expressão de sua submissão absoluta e a perda de seu caráter humano" (Marx, 2002).
Partindo dessa primeira constatação, Martín-Barbero entende que o popular pode empreender transformações e se distinguir da massa. Mas, para Marx, as idéias de uma época são as idéias de uma classe dominante e, por mais que haja as visões que fujam a essas idéias, elas não podem empreender mudanças concretas na sociedade apenas em âmbito cultural. A cultura é oriunda das bases econômicas e não o contrário:
"[Marx] não subestimou a importância das idéias nem o efeito delas, considerando-as como resultado da sociedade econômica que então tendia a mudar" (MARX, 2002: 13).
Há, ainda, outros pontos discrepantes, mas não tão evidenciados. Martín-Barbero, ao testemunhar o fervor religioso de sua mãe, a quem era muito ligado,
"percebeu que a religião não era apenas ópio ou alienação mas podia ter um papel de serviço, de alento, de força para os que sofrem" (RABELO, 1999: 76).
Ora, é justamente esse efeito anestesiante da religião, aliada a outras instituições (entre elas a mídia) que acaba gerando no indivíduo um conformismo a situações insustentáveis que não podem ser justificadas a partir do entendimento das relações sócio-econômicas. Esse poder desviante das religiões, que pode ser visto historicamente, está intimamente ligado ao poder financeiro dessas instituições. Para Marx,
"a crítica da religião esclarece o homem para que pense, aja e crie sua realidade, como homem esclarecido, dono de sua razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo, seu verdadeiro sol" (MARX, 2002: 116).
A vivência de Martín-Barbero como ex-padre ainda o faz proferir críticas ao marxismo no sentido de gerar um imobilismo nas mudanças da área de comunicação, (as quais sempre estão atreladas às transformações econômicas, na ótica marxista).
Outras diferenças podem, em algum momento, esbarrar na pluralidade de nomenclatura para uma mesma categoria (talvez na busca por um suposto ineditismo científico). Assim, conceitos que chamamos de relações sociais e culturais (utilizados por Marx) se aproximam do que Martín-Barbero denomina de "mediação". Martín-Barbero também nega a separação de proletariado e burguesia na sociedade, por julgar que essa divisão seja maniqueísta, incorporando no que chama de "reconceitualização anti-idílica e pós-proletária" (TORRICO VILLANUEVA, 1999: 57) o conceito de popular. Assim, Martín-Barbero se remete ao centro de seu debate:
"à negação de sentido e legitimidade de todas as práticas e modos de produção cultural que não vêm do centro, nacional ou internacional, à negação do popular como sujeito que não só pela indústria cultural, como também por uma concepção dominante do político que tem sido incapaz de assumir a especificidade do poder exercido a partir da cultura, e tem achatado a pluralidade e complexidade dos conflitos sociais sobre um eixo unificante do conflito de classes" (MARTÍN-BARBERO, 2003: 97, grifo nosso)
Nesse fragmento, verificamos o quão discrepantes são as teorias abordadas neste artigo. Enquanto para Marx as idéias dominantes são as idéias da classe dominante (a burguesia), Martín-Barbero advoga que a concepção de conflito de classe é a que predomina. Para escapar de um paradoxo, podemos aproveitar a ambigüidade da assertiva do autor como sendo uma "concepção dominante" no âmbito da ciência (ou seria em outro contexto?). Em nossa sociedade, a ideologia dominante reforça o poder do indivíduo como agente das mudanças – sob a máscara do esforço e trabalho.
As idéias marxistas na visão de Jesús Martín-Barbero
Por se tratar de um artigo que busca elucidar, por meio de um paralelo, duas teorias utilizadas nas pesquisas em comunicação, há que se notar a presença dos postulados de Karl Marx na obra de Martín-Barbero. Aqui, cabe lembrar que, obviamente, o inverso não seria possível, já que Marx é anterior a Martín-Barbero. O segundo ponto está no fato de que o autor hispano-americano, ao elaborar sua obra principal – Dos meios às mediações (2003) – levantou diversos fundamentos teóricos, inclusive o Marxismo, de um modo não harmonioso (haja vista as discrepâncias de pontos de vista entre ambos).
Martín- Barbero tenta elaborar uma crítica à categoria marxista de luta de classes. Segundo sua ótica, essa não daria conta de identificar particularidades da sociedade, o que seria, para O. Sunkel, citado por Martín- Barbero, o popular não-representado e o popular reprimido. O primeiro se constitui de
"[...] atores como a mulher, o jovem, os aposentados, os inválidos como portadores de reivindicações específicas; espaços como a casa, as relações familiares, o seguro local, o hospital, etc" além das "práticas simbólicas da religiosidade popular, formas de conhecimentos oriundas de sua experiência, como a medicina, a cosmovisão mágica ou a sabedoria poética, todo o campo das práticas festivas, as romarias, as lendas e, por último, o mundo das culturas indígenas" (MARTÍN-BARBERO, 2003: 51)
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O segundo grupo – popular reprimido – seria
"as prostitutas, os homossexuais, os alcoólatras, os drogados, os delinqüentes, etc.; espaços como os reformatórios, os prostíbulos, os cárceres, os lugares de espetáculos noturnos, etc." (MARTÍN-BARBERO, 2003: 51).
Em seguida, Martín-Barbero explicita sua crítica:
"Mas a negação do popular não é só temática, não se limita a desconhecer ou condenar um determinado tipo de temas ou problemas, mas revela a dificuldade profunda do marxismo para pensar a questão da pluralidade de matrizes culturais, a alteridade cultural". (MARTÍN-BARBERO, 2003: 51).
Marx incluiu grupos como as mulheres e os mendigos e marginais (estes últimos dois denominados lumpen proletariado), o que torna arriscado dizer que o marxismo desconhece ou ignora esses grupos. Ao mesmo tempo, pulverizar os interesses de classe em ecologistas, homossexuais, negros, mulheres pode desviar a real questão de sua marginalização: o modo de produção baseado na exploração do homem pelo homem. É preciso ter cuidado para que não nos apropriemos do discurso em que "tudo é possível" pois sob as especificidades de cada grupo, que devem sim, ser respeitadas, há um interesse comum de toda essa parcela minorizada, ainda que não consciente, de superação de um sistema opressor.
Resta ainda dizer que as críticas de Martín-Barbero são mais direcionadas ao marxismo ortodoxo, segundo o qual tem "desconhecido ou deformado o conceito gramsciano de hegemonia [...]" (MARTÍN-BARBERO, 2003: 53). Martín-Barbero crê que a teoria marxista não vê as culturas enquanto sujeito de, apenas como sujeito a. Entretanto, a própria diversidade de correntes na linha marxista demonstra não somente que Marx não estipulou um dogma, como também aproveita para ser útil na demonstração de que os marxistas adaptam a cada realidade, como dito anteriormente, os pensamentos de Marx:
"O nomeado como marxismo no discurso, na realidade concreta, é uma heterogeneidade política e ideológica tão diferenciada que pode gerar revoluções populares como a cubana ou a vietnamita por sua profunda compreensão do papel das culturas, das nacionalidades e das etnias [...]" (GÓMEZ DE LA TORRE, 1999: 120).
Aplicação dos pensamentos de Karl Marx e Jesús Martín-Barbero na Comunicação
Em seu percurso intelectual, Marx não se dedicou exclusivamente aos meios de comunicação, compreendendo sua importância dentro de um contexto maior: o das relações sociais. Ao explicar a mutabilidade das relações sociais, Marx compreendeu a comunicação e os meios. Para ele, os meios de comunicação são imprescindíveis a uma sociedade livre. Na sociedade capitalista, os meios de comunicação, ao lado de instituições como a educação e a religião, servem como difusores da ideologia dominante, tornando a função do estado mais assimilável. Em outras palavras, os meios de comunicação em poder de grandes grupos econômicos acaba justificando um Estado que serve à burguesia e que mantém a harmonia social por meio de uma ação reguladora:
"[...] a ideologia dominante – mesmo não sendo a única em, um sistema capitalista – é a que se impõe, através dos mecanismos de dominação (educação, religião, costumes, meios de comunicação). Assim, a maneira como a classe dominante age será a maneira como todos os membros da sociedade irão agir e pensar" (NOVAES, 1984: 183).
Sobre a imprensa, Marx nega a censura, vendo-a como uma ilusão do próprio Estado que, subjugando-a, fixa-se na ilusão de que ouve o povo e, pior, faz com que o povo aceite essa falsa idéia.
Na sociedade capitalista, pode-se dizer que a mídia vive a ditadura do capital. Isso porque a classe que detém os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção intelectual, produzindo, reproduzindo e naturalizando idéias que legitimem o status quo. Nesse sentido, alguns autores destacam categorias específicas no tocante aos meios de comunicação. J. Antonio Paoli julga serem conceitos básicos para a Teoria Marxista da Comunicação a estrutura significativa e a consciência possível. Para entender o primeiro conceito,
"[...] consideremos os meios de comunicação como uma parte da sociedade global, que condiciona e é condicionado por ela [dialeticamente]. Transmitirá idéias, tomadas da sociedade, de suas relações internas e das relações que guarda com seu meio ambiente. Essa idéias tenderão a reforçar algumas dessas relações e eliminar outras. Se organizarão de tal modo que terão a tendência de generalizar ou reforçar modos de conhecer o mundo" (PAOLI, 1987: 55).
Esse conceito de estrutura significativa nos lança a outro: o de ideologia, que Marx toma como falseamento das idéias e que também pode ser entendido como uma parte servindo para representar o todo.
Exemplos que ilustram essa situação saltam aos olhos. Para citarmos apenas um, a revista Veja, magazine de maior circulação do Brasil, pertencente a uma grande editora, portanto, com claros interesses dominantes, publicou em sua edição de seis de outubro uma série de fotos mostrando a ação de um grupo que roubava pessoas na praia do Leblon, uma das mais tradicionais do Rio de Janeiro, cidade conhecida nos meios de comunicação e em toda a sociedade como um foco de violência explícita. A legenda de uma seqüência de quatro fotos diz:
"As imagens exibidas na televisão de gangues espancando e roubando turistas no Rio de Janeiro mostram quem são os verdadeiros excluídos, aqueles que não podem nem mais ir á praia sem ser molestado" (CARNEIRO, 2004: 50-1).
Vejamos como a ideologia é trabalhada pelas estruturas significativas acima: a revista traz a "verdade" ao leitor ao inverter a realidade dos fatos: os excluídos não são mais aqueles que vivem na miséria (o que significa dizer todas as mazelas que repetimos automaticamente todos os dias: falta de saúde, educação, emprego, educação, etc). Os excluídos são a burguesia – no caso, turistas do Uruguai e da Inglaterra, cujo banho de mar e lazer são questões que não podem ser contestadas. No decorrer da reportagem (intitulada Dois retratos do mesmo Brasil), o tom é o mesmo (ou até pior). A revista aprofunda em um trecho da reportagem: "A questão é como desatar tantos nós. Há quem continue acreditando que só é possível enfrentar problemas como a violência urbana, por exemplo, depois de acabar com a pobreza. Felizmente, hoje essa é a teoria de poucos adeptos" (CARNEIRO, 2004: 51). A preocupação da matéria é propiciar um clima econômico favorável para os investimentos no ramo hoteleiro, e não para acabar com a pobreza. Resta saber qual das incontáveis medidas práticas vimos ser efetiva no combate à violência, mal diretamente proporcional ao agravamento das ações capitalista, que se acirram a cada passo histórico desde que este sistema foi implantado pela Revolução Francesa.
Quanto à expressão consciência possível, ocorre quando um grupo social renuncia à sua consciência de classe e passa a defender interesses de outras classes. No capitalismo, focando os meios de comunicação, isso ocorre quando um jornalista acaba escrevendo em suas matérias relatos que justificam as ações da classe dominante (da qual ele não faz parte mas pode até pensar que o faz em alguns casos). Isso acaba legitimando a elite – donos das empresas de comunicação, seus associados, as empresas multinacionais patrocinadoras do veículo. Como efeito, os leitores também podem fazer parte dessa consciência possível, acreditando e defendendo interesses que não são, definitivamente, os seus (a não ser, é claro, que se trate de um leitor pertencente à classe burguesa).
Outro ramo das pesquisas em que a Teoria Marxista têm sido aplicada e que extrapola o âmbito dos estudos comunicacionais é a Análise do Discurso, instrumental de destaque em estudos que visam a desvendar o discurso dos meios de comunicação e também de discursos envolvidos em processos de comunicação, por meio da linguagem. Eni Orlandi (2002: 20) evidencia que o Marxismo, ao lado da Psicanálise freudiana e da Lingüística, constitui a base de tal teoria.
Outro foco do aproveitamento das prescrições marxistas está na corrente denominada por Miège (2000) de Economia política (crítica) da comunicação, que se concentra em autores como Herbert Schiller, Dallas Smythe, Nicholas Garnham, Graham Murdock, Armand Mattelart, Enrique Bustamante e Ramon Zallo:
"Eles não constituem uma escola porque seus trabalhos não abordam os mesmos temas, além de serem sensíveis as diferenças entre si. Mas têm em comum a preocupação de colocar em evidência o lado econômico (quase sempre oculto) da comunicação, a formação dos grandes grupos econômicos transnacionais, os fenômenos de dominação daí resultantes, assim como os aspectos estratégicos dos fluxos transnacionais de informações ou produtos culturais" (MIÈGE, 2000: 58, grifo nosso).
Eles acrescentam aos estudos da Escola de Frankfurt os efeitos da transnacionalização, sem se limitarem às questões da indústria cultural e dos produtos culturais que se tornam mercadoria no sistema capitalista. Essas são as questões principais da Escola de Frankfurt, traduzida em nomes como Theodor Adorno, Max Horkheimer, Erich Fromm, Herbert Marcuse, Walter Benjamin e Siegfried, além de Jürgen Habermas, considerado herdeiro da Escola. Críticos ácidos da industrialização da cultura, esses pensadores marcaram a história da evolução nos estudos em comunicação. Foram criticados, entretanto, por aplicarem um negativismo exacerbado de que tudo é alienação.
Quanto ao pensamento de Jesús Martín-Barbero, este tem sido muito empregado, no Brasil e em outros países, nas Pesquisas de Recepção. Esses estudos têm como objetivo verificar os efeitos da comunicação no leitor/expectador, verificando como os conteúdos são apreendidos. Pesquisadores que adotam essa teoria tem como principal justificativa a busca por um lugar novo no entendimento do processo de comunicação. Paulino ainda complementa:
"A problemática dos Estudos de Recepção está centrada em como se dão as inter-relações emissor/receptor e quais os fatores intervenientes nessa relação, bem como quais as formas de apropriação e ressignificação dos sentidos que circulam na pluralidade dos discursos sociais e que constituem o material simbólico quanto aos receptores" (PAULINO, 1999: 31)
Em outras palavras, os Estudos de Recepção levam em conta a produção de sentidos por parte dos receptores e não as intencionalidades dos meios.
O conceito de mediações dissecado por Martín-Barbero entra justamente no entendimento do mundo e nas ambientações que o público leva ao processo de comunicação ao "consumir" determinado programa, artigo, etc. As mediações dão sentido por meio das experiências vividas pelo indivíduo, o que interfere no processo comunicativo.
Vimos, por meio deste artigo, breves apontamentos de como as teorias de Marx e Martín-Barbero podem ser aproveitadas e vistas no campo comunicacional.
A teoria marxista pode ser parcialmente apropriada por outras teorias. É o que acontece quando Martín-Barbero explica seus conceitos e tira dessa teoria o que ele julga ser capaz na explicação dos fenômenos culturais. A seu turno, as idéias de Martín-Barbero são imprescindíveis porque entende o processos de comunicação como um todo, atentando para as mediações, que alteram o processo entre os dois extremos: os meios e a massa.
Não é possível pensar o marxismo como uma teoria que não sabe refletir especificidades da realidade latino-americana. Marx não deu leis prontas, mas ensinou a pensá-las dialeticamente. Por isso, como nos diz Luís Carlos Prestes,
"as categorias teóricas marxistas ajudaram muito a compreensão da realidade brasileira. Mas, ao contrário do que pensam muitas pessoas dentro do próprio partido [Comunista], ele não é um dogma. Nem o socialismo é algo parado à sombra de um modelo. Depende das condições concretas de cada país, no tempo e no espaço" (MARX, 2002: 94).
Sem dúvida, este artigo não esgota o assunto, mas apenas demonstra o quão intrincadas são as relações entre um pensamento e outro quando se tenta traçar um paralelo entre ambas. Em primeiro lugar, são duas correntes altamente complexas, cujas discussão renderia muito mais. Não são pensamentos de um mesmo contexto histórico nem o objeto delas são os mesmos.
É importante lembrar que nenhuma teoria é melhor que a outra. O que importa em uma pesquisa é a adequação de uma ou mais teorias afins que sejam capazes de englobar as variáveis de um objeto de pesquisa, permitindo que o pesquisador consiga chegar aos seus objetivos, testando sua hipótese e construindo o conhecimento.
Nosso propósito, acima de tudo, não foi evidenciar e esgotar todas as possibilidades de aplicação dos estudos de Martín-Barbero e Marx, tarefa árdua e minuciosa. Mas, sobretudo, indicar as principais diretrizes que o legado desses dois pensadores seguem nas pesquisas em comunicação e mostrar a atualidade na aplicabilidade dos estudos da área.
· BERGER, Christa. "A pesquisa em comunicação na América Latina". In. Teorias da Comunicação:conceitos, escolas e tendências. São Paulo: Vozes, 2001, p.241-277.
· CARNEIRO, "Marcelo. Dois retratos do mesmo Brasil". In. Veja, ed.1874, n° 40, 6 de outubro de 2004, p. 50-51.
· GÓMEZ DE LA TORRE, Alberto Efendy Maldonado. "Da semiótica à teoria das mediações". In. Comunicação, cultura, mediações: o percurso intelectual de Jesús Martín- Barbero. São Bernardo do Campo: Umesp, Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, 1999, p.113-132.
· LÓPEZ DE LA ROCHE, Fábio. "La situación colombiana: replanteamientos de la política desde la cultura y la comunicación en America Latina de fin de siglo". In. Comunicação, cultura, mediações: o percurso intelectual de Jesús Martín- Barbero. São Bernardo do Campo: Umesp, Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, 1999, p.133-156.
· MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003.
· MARTINO, Luiz C. "Interdisciplinaridade e objeto de estudo da comunicação". In. Teorias da Comunicação:conceitos, escolas e tendências. São Paulo: Vozes, 2001, p.27-38.
· MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1999.
· MARX: vida e pensamento. São Paulo: Martin Claret, 2002.
· MIÈGE, Bernard. O pensamento comunicacional. Petrópolis: Vozes, 2000.
· NOVAES, Carlos Eduardo; RODRIGUES, Vilmar. Capitalismo para principiantes. São Paulo: Ática, 1984.
· ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2002.
· PAOLI, J. Antonio. "Hacia una definición del marxismo en comunicación". In. Comunicación e información: perspectivas teóricas". Bogotá: Trillas, 1974.
· PAULINO, Roseli A. Fígaro. Comunicação e trabalho: estudo de recepção: o mundo do trabalho como mediação da comunicação. São Paulo: A. Garibaldi, 2001.
· RABELO, Desirée Cipriano. "Da linguagem às mediações". In. Comunicação, cultura, mediações: o percurso intelectual de Jesús Martín- Barbero. São Bernardo do Campo: Umesp, Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, 1999.
· TORRICO VILLANUEVA, Erick R. "Um forjador de horizontes perceptivos". In. Comunicação, cultura, mediações: o percurso intelectual de Jesús Martín- Barbero. São Bernardo do Campo: Umesp, Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, 1999.
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"Este artículo es obra original de Denise Fernandes Britto y su publicación inicial procede del II Congreso Online del Observatorio para la CiberSociedad: http://www.cibersociedad.net/congres2004/index_es.html"
Denise Fernandes Britto
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