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3. Planejamento Econômico e Regime Político
Este debate aparece, hoje em dia, principalmente ao redor do tema da planificação. Por muitos anos, até certamente o "New Deal" norte-americano dos anos 30, o planejamento da atividade econômica e social era visto como distintivo dos países socialistas ou fascistas, enquanto que os regimes democráticos ocidentais ostentavam uma organização social que atribuía um alto valor à ação expontânea dos diversos setores e grupos sociais, à livre competição entre interesses - enfim, ao ideal do laissez-faire e aos salutares mecanismos da livre competição de interesses.
Com a necessidade de implantação de políticas governamentais anti-cíclicas, antes da segunda guerra, e mais tarde com o surgimento da preocupação com o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos, o planejamento passou a ser utilizado também no ocidente , ainda que com muita cautela e resistências. Enquanto que, na linguagem das Nações Unidas, os países socialistas passaram a ser conhecidos como "países de economia centralmente planificada", no ocidente entraram em voga formas mais atenuadas de planificação - planejamento indicativo, supletivo, corretivo, sempre que possível à margem ou em auxílio da iniciativa privada e da lógica do mercado, aparentemente dominante. São típicas desta época, por exemplo, as análises de Albert Hirschman sobre "reformongering", um processo complicado e custoso de implantação de sistemas de planejamento através de um jogo de coalizões cambiantes entre diversos grupos de interesse (o exemplo brasileiro é a criação da SUDENE, na época do governo Kubitschek).
É somente no final da década de 50 e nos anos 60, com o fracasso político de um grande número de democracias liberais em países do terceiro mundo, que o planejamento centralizado começa a ser assumido e adotado de forma plena em países fora da órbita socialista. No Brasil, é criado o Ministério do Planejamento, mais tarde Secretaria, e nenhum governo que se preze pode deixar de ter seu plano trienal , qüinqüenal ou decenal de desenvolvimento.
A existência de um Ministério e de uma ideologia de planeja mento centralizado não significa, evidentemente, que exista um processo efetivo e bem sucedido de planejamento. Existem dificuldades de toda ordem, de tipo econômico, técnico e político pelas quais há sempre uma distância, mais ou menos significativa, entre o que os planos anunciam e o que eles efetivamente realizam, ou entre intenções explicitas e ações concretas e não explicitadas. Mas o importante é que a ideologia do planejamento centralizado e abrangente - "comprehensive" - parece ser universal, dando assim legitimação, aparentemente, ao segundo modelo de organização político-social a que nos referíamos mais acima.
É possível discutir longamente sobre a factibilidade ou não do planejamento centralizado em países como o Brasil, uma discussão importante e que, na realidade, já vem sendo feita com bastante propriedade(2). Por exemplo, parece haver uma grande dificuldade em estabelecer sistemas de planejamento em situações onde a inexistência de mecanismos redundantes de execução e implementação de decisões governamentais torna qualquer atividade organizada e planejada a longo prazo altamente sujeita a falhas e soluções de continuidade.
Pobreza, escassez, incerteza, falta de uma base adequada de informações, falta de quadros técnicos competentes, são todos fatores que aumentam as dificuldades do planejamento abrangente em países pobres, e que tendem a se tornar ainda mais agudos quando recursos escassos são dirigidos à criação de sistemas complexos, caros e geralmente ineficientes de planejamento centralizado. Desta forma ,dizem os críticos , a implantação de um sistema de planejamento abrangente deixa de ser a solução para o problema, para transformar-se em mais um dos problemas do subdesenvolvimento.
Talvez o principal defeito de generalizações tão amplas quanto estas, sugeridas por Wildawski e Caiden, é que, apesar de basicamente corretas, elas não tomam em conta as possibilidades de variação do fenômeno. Excluídos os países desenvolvidos, aonde o planejamento é mais fácil , menos urgente e menos arriscado do que nos países subdesenvolvidos; excluídos os países do bloco socialista, de controle total da Economia e da sociedade pelo Estado todos os demais países surgem como reunidos no mesmo bolo: Argentina, Ceilão, Chile, Filipinas, Ghana, Brasil, índia, Peru... Não há dúvida que, em todos eles, os resultados do planejamento tendem a ficar aquém das promessas e propósitos de seus propositores; más também existem diferenças que são importantes para quem, apesar de tudo, prefere a racionalidade à irracionalidade na condução da coisa pública.
Uma das variáveis que certamente explicam diferenças se refere ao nível de recursos econômicos, institucionais e humanos dos países. No entanto, é sem dúvida paradoxal que países latino-americanos relativamente mais ricos, como a Argentina, o Chile e o Uruguai, tenham fracassado em suas tentativas de implantar uma economia racional e planificada. Talvez importe menos a riqueza relativa do que a absoluta, o que explicaria o relativo sucesso do planejamento em países como Brasil e México; mas como explicar a Índia, a Indonésia e o Paquistão?
É óbvio que é indispensável, aqui, tomar em consideração variáveis de tipo especificamente políticas, que tem a ver com os dois modelos indicados mais acima. A opção por um dos dois modelos de organização política em um país não é simples função de preferências subjetivas das pessoas, e nem tem a ver com "culturas políticas" ou "estilos nacionais" mais ou menos autoritários, mais ou menos individualistas, etc., dos diversos países. Na realidade, ela tem a ver com características estruturais bastante específicas referidas à forma em que a sociedade nacional está organizada para exploração de recursos econômicos e para a administração do poder nacional. Esta estrutura se estabelece de forma historicamente discernível, e tem a ver com fatores tais como o vínculo do pais com o sistema econômico internacional, seu padrão de colonização, que por sua vez determina sua herança colonial, e as principais divisões sociais, econômicas, étnicas e territoriais herdadas historicamente e que se projetam no presente e no futuro. São a combinação destes fatores, e as formas pelas quais o pais veio resolvendo ou deixando de resolver os conflitos e dilemas políticos e sociais de sua história, que determinam, em última analise, às opções políticas contemporâneas e sua opção pelo primeiro, pelo segundo ou, mais freqüentemente, por alguma forma especial de combinação dos dois modelos de organização política indicados acima.
A importância e atualidade desta discussão é que ela se refere diretamente ao tema da abertura, ou distensão política, que tem sido objeto de intensa especulação e discussão por todos os que se preocupam com o sistema político brasileiro. Pareceria haver uma antinomia entre distensão, que implica maior participação de grupos e setores sociais no processo político, e planejamento centralizado, que encontraria na "política", ou pelo menos na política concebida em moldes mais tradicionais, um obstáculo para sua efetivação.
O pano de fundo histórico é indispensável, e o que se segue é um breve resumo destes antecedentes, que estão desenvolvidos em maior detalhe em outra parte.(3)
4. As origens históricas: um sumário
Talvez o mais notável da história antiga do Brasil tenha sido sua capacidade de se manter como uma unidade política cobrindo mais de oito milhões de quilômetros quadrados, enquanto que o Império Espanhol se desintegrava em duas dezenas de repúblicas independentes. A experiência colonial, no entanto, de 1500 a 1822, não foi sempre a de uma administração totalmente centralizada e unificada(4). Em 1534 o país foi dividido em 12 capitanias hereditárias, sobre as quais um Governo Geral foi mais tarde estabelecido. De 1621 a 1774 o país estava dividido em dois Estados, o do Maranhão e o do Brasil. Das 11 capitanias do Estado do Brasil, cinco ainda tinham um donatário privado ou Capitão, em 1640, enquanto que as demais tinham sido readquiridas pela Coroa portuguesa. Por razões geográficas o Norte e Nordeste Brasileiros estavam muito mais próximos da África e mesmo da Europa do que do Sul. Com o surgimento da economia açucareira no Nordeste, o Sul foi por muito tempo abandonado a si mesmo, com a exclusão de alguns estabelecimentos militares destinados a manter à distância outras potências marítimas da época. Apesar disto, um núcleo de colonização próspero e bastante independente se estabelece na área que é hoje São Paulo, de onde partiam expedições para o interior na busca de ouro e escravos. Um estabelecimento militar é criado no extremo sul, à beira do Rio de Prata e em frente a Buenos Aires: é a Colônia de Sacramento. Finalmente, já adentrado o século XVIII, a descoberta do ouro em Minas Gerais consegue atrair o centro de gravidade do país para o Sul, com o estabelecimento da administração colonial centralizada no Rio de Janeiro.
Existem razões positivas e negativas que explicam a manutenção da centralização nacional apesar das dificuldades. Do ponto de vista positivo, José Murilo de Carvalho demonstrou a existência de uma elite homogênea e fortemente inter-relacionada, educada em Coimbra, que tomou a si a tarefa de organização do novo Estado.(5) Do ponto de vista negativo, parece certo que, na época da independência, nenhuma outra região ou província era suficientemente próspera ou poderosa para competir com o Rio de Janeiro, que vinha de se beneficiar de quase um século de administração do fluxo do ouro entre as áreas de mineração no interior e à Europa. Além disto, a independência brasileira é precedida pela vinda da família real e a administração superior portuguesa em 1808, sob proteção britânica. Em 1822, quando D. Pedro declara a independência, ele obtém, entre outras coisas, a adesão da esquadra portuguesa estacionada no Brasil; e desta forma o país já começa sua historia independente com uma organização política e militar relativamente complexa, sem nenhum outro grupo ou setor capaz de ameaçar seu poder. É curioso como, apesar da independência brasileira ter sido, essencialmente, um golpe de estado que assegurava o predomínio de setores portugueses sobre o país, a única resistência partiu de alguns núcleos portugueses na Bahia; uma disputa "em família" pelo controle que se resolveu sem maiores problemas. É só mais adiante que surgem conflitos com grupos mais radicados no Brasil, levando à abdicação de D. Pedro (que mais tarde viria a ser Rei em Portugal) e aos conflitos da regência, aonde se sobressai a Revolução Farroupilha, talvez a tentativa mais seria de secessão pela qual o país tenha passado. Com a maioridade, no entanto, a consolidação territorial do país já estava assegurada.
Que conclusões podemos extrair desta história? Primeiro, que a integração política nacional não é o resultado da federação de regiões independentes mas, ao contrário, a conseqüência da imposição de uma administração centralizada sobre regiões muitas vezes dotadas de veleidades separatistas. Segundo, que a tentativa mais séria de independência regional se origina no Sul, a região que estabeleceu uma tradição militar autônoma ao longo de intermináveis conflitos com a América Espanhola. Esta tradição militar se prolonga no século XIX com a guerra contra Rosas e a do Paraguai, mantendo acesa a tradição militar do Rio Grande. A autonomia e mesmo insubordinação do Rio Grande em relação ao poder central foi sempre grande, só sendo reduzida quando, com a República, o Sul passa a ter um papel central na política nacional, tornando-se assim um fator adicional importante para a integração regional e centralização política do país.(6)
Já temos pelo menos dois componentes importantes que contribuíram, historicamente, para a centralização política nacional, a administração civil e a Marinha portugueses e o exército, formado principalmente nas guerras sulinas. Um terceiro componente foi a decadência econômica das elites no Norte e centro do país, que tratavam de sobreviver as crises da economia do açúcar e do ouro através de um processo de subordinação progressiva a administração central.(7)
O que, ou quem, poderia confrontar esta convergência de fatores e interesses? Somente um centro econômico ativo e autônomo que se desenvolvesse em uma área relativamente marginal ao sistema político administrativo nacional. É o caso de São Paulo, que se transforma, a partir dos fins do século XIX, no centro da economia cafeeira, após mais de um século e meio de estagnação e isolamento que decorreram do estabelecimento do controle direto da Coroa Portuguesa sobre as áreas de mineração. São Paulo, por razões econômicas e mesmo étnicas, se coloca muito mais próximo da Europa e da economia internacional , do que do centro político brasileiro e através deste estado, principalmente, o tema de autonomia vs. integração regional aparece no debate político brasileiro como uma disputa entre federação vs. centralização política. Muito tipicamente, o modelo federativo norte-americano é adotado após a queda do Império, para entrar em recesso após a revolução de 1930, ressurgir em 1945, e desaparecer novamente na Constituição de 1966, constituindo-se agora em "República Federativa".
Quais são os temas políticos contemporâneos que este quadro histórico deveria ajudar a entender?
Em primeiro lugar, há a questão da representação política A representação política supõe a existência de grupos autônomos, orientados em função de interesses próprios e definidos internamente, seja qual for sua base de identificação - econômica, étnica, lingüística, religiosa, etc. O que a análise histórica sugere é que as elites regionais no Centro, Nordeste e, em certa medida, no Sul do país, tendem historicamente a se preocupar menos com a representação de seus interesses no centro político nacional do que em seu acesso a posições de poder e prestígio em um regime político centralizado.(8) Os esforços eventuais de autonomia local tendem geralmente a ser facilmente cooptados pelo centro, ou suprimido pelas elites locais com o apoio do governo central.
Isto leva a um segundo aspecto, relacionado ao primeiro, que é o da natureza da atividade política. Um regime político baseado na centralização do poder e cooptação de setores mais ativos tende à excessiva burocratização e a política de distribuição de recursos entre clientelas eleitorais, enquanto que uma política de tipo representativo tende a responder de forma mais direta e explícita às demandas de seus constituintes e, por isto, a ser mais clara na definição de objetivos e políticas governamentais.
É importante pensar nestas categorias não como entidades estanques, mas como elementos de um processo. A política cartorial e clientelística deve ser vista, assim, como uma resposta de uma administração centralizada de base patrimonialista a uma demanda crescente de participação por parte de grupos antes excluídos dos benefícios do poder. Ao cooptar, o centro se enfraquece, mas ao mesmo tempo tira a autonomia e independência dos cooptados, que de constituintes se transformam em clientes. A conseqüência é a formação de um sistema político pesado, irracional em suas decisões e presa de uma teia cada vez maior e mais complexa de compromissos e acomodações, até o ponto de ruptura. O Estado patrimonialista, clientelista, acomodador, é visto como uma reminiscência do passado, do tradicional, do conservador, e necessidade de sua substituição por um novo tipo de ordenamento jurídico-político se impõe.
É aqui que o dilema dos dois modelos de organização política volta a surgir, e aqui também a visão de processo é essencial. Por um lado, o modelo representativista aparece como ideologia anti-estatal: é o liberalismo à outrance, que vê no Estado a fonte de todos os males, que propõe transformar definitivamente os clientes em constituintes, em fontes de poder, e o Estado em simples instrumento da vontade da maioria organizada. No Brasil, é a ideologia liberal que ainda há pouco se fazia ouvir através do Partido Libertador, do udenismo clássico e, mais fortemente, dos centros economicamente poderosos de São Paulo. Por outro lado, e a tentativa de liberar o Estado de suas peias. O mal não estaria em sua participação ativa na vida nacional, mas sim em seus compromissos, seus clientes, sua sujeição, enfim, à política partidária .
Cada lado tem sua razão, e o quadro só começa a se definir com mais clareza quando se toma em consideração um terceiro tipo de questão, que é a do papel da administração central na promoção do desenvolvimento econômico e social do país. O que podemos observar aqui é que, no Brasil, pelo menos desde 1937, o Estado tem sempre desempenhado um papel ativo e agressivo na implementação de algum tipo de política de desenvolvimento econômico e social, embora fustigado pela crítica liberal anti-intervencionista da elite paulista, principalmente. É fácil ver como este tipo de crítica liberal não se limita aos aspectos freqüentemente irracionais, ineficientes e corruptos da política, mas se refere à própria noção da necessidade social de planejamento e coordenação nacional de recursos. Desde este ponto de vista, a oposição ao estado centralizado surge como uma versão retardada do liberalismo econômico do século XIX, florescendo em um enclave mais privilegiado de um país subdesenvolvido, dependente e organizado segundo moldes político-administrativos patrimoniais .
Eis, assim, um aparente paradoxo, que ressurge hoje em toda a discussão dos problemas de planejamento centralizado e distensão política: uma identificação ente autoritarismo com racionalidade e eficiência, por uma parte, e entre participação política, liberdade e ineficiência e manutenção de situações de privilégio, por outra. Não será esta uma maneira equivocada de ver o problema?
O fato é que o sistema político liberal pode ser tanto uma forma de garantir a participação de setores cada vez maiores da sociedade na definição dos objetivos nacionais quanto, ao contrário, uma forma de garantir a prevalência de interesses estabelecidos em detrimento de setores sociais menos articulados. Por outra parte, sistemas políticos centralizados podem tanto ser uma forma de limitar a distribuição do produto social a um grupo restrito quanto, ao contrário, garantir que a vontade geral prevaleça sobre interesses minoritários mais articulados.
É possível pensar em duas maneiras de ver quadro político brasileiro, que derivam destas duas perspectivas e suas bases sócio-econômicas. A primeira, liberal e anti-estatal, pensa no estado como se legitimando através de um sistema democrático de representação de interesses, e produzindo, essencialmente, uma sociedade segura para o florescimento da iniciativa individual e a eficiência do sistema capitalista competitivo. Ela critica, assim, a tendência oposta como baseada no autoritarismo político, e tendo como produto a política de clientelismo e favoritismo pessoal.
A segunda ideologia política é simétrica a esta. Ela é intervencionista e centralizadora, e vê como fundamento de legitimação do governo a existência de uma política orientada para a maximização de objetivos coletivos e nacionais. Seu produto é um estado centralizado, eficiente, utilizando as técnicas mais avançadas de planejamento econômico. Ela critica, assim, a política representativa como a que defende interesses privados e particularistas, e a livre iniciativa como a manutenção de desigualdades sociais e regionais. O debate político entre as duas tendências se refere, assim, ao verdadeiro sentido de cada face da moeda: É certo que a bandeira de representação política não passa de uma camuflagem para a defesa de interesses e privilégios de pequenos grupos? Todo o discurso político em termos de objetivos coletivos e nacionais não seria, na realidade, senão uma racionalização para o autoritarismo político? Os esforços de planejamento central e eficiência governamental não seriam, na realidade, simples roupagem para as políticas patrimonialistas e clientelísticas de sempre? O que é importante notar é que, não somente as apreciações e avaliações diferem, mas que cada uma das versões capturam um aspecto importante da realidade político-administrativa brasileira. É verdade que o estado brasileiro tem sido, historicamente, o centro de onde emana o clientelismo político e a ineficiência , mas é também certo que, através da estrutura governamental, alguns objetivos importantes e a longo prazo tem sido estabelecidos e alcançados. É verdade que a bandeira da representação política e da descentralização tem sido historicamente relacionada com a política de interesses privatistas - mas é também verdade que ela tem si do útil para garantir a vigência de alguns valores básicos de liberdade e pluralidade, e com isto aumentar cada vez mais o escopo dos beneficiários presentes e futuros do desenvolvimento social.
O importante - e este é o problema político central que o pais confronta - é unificar estas duas tendências no que elas têm de positivo. Este resultado - um sistema político eficiente, moderno, de ampla base de sustentação social, e buscando a realização de objetivos globais a longo prazo - só pode surgir quando a representação política deixe de se identificar com o apoio e a manutenção de interesses privados limitados, e, ao mesmo tempo, quando o Estado deixe definitivamente de ser uma burocracia patrimonial preocupada essencialmente com sua sobrevivência e se transforme em um agente efetivo e responsável de interesses sociais coletivos.
Esta unificação deve ser efetivada inclusive no espaço, ou seja, quando as duas tendências deixem de responder a clivagens políticas diferenciadas geograficamente. Isto significaria dar uma base representativa adequada ao processo de coordenação e planejamento nacional, de tal forma que este processo seja adequadamente controlado para evitar a ineficiência e o autoritarismo, e, ao mesmo tempo, fazer com que a política representativa seja de tal forma relacionada com os interesses mais gerais da sociedade que estes prevaleçam sobre a lógica dos interesses particulares de grupos privilegiados.
Existe assim um duplo trabalho a ser desenvolvido, o de transformar as estruturas e atitudes políticas nos dois lados da divisão regional e ideológica do país; desburocratizar, tornar menos autoritária e clientelística a ação do Estado, e tornar menos privatista e conservadora a política representativa. É difícil prever como este trabalho evoluirá, mas não há dúvida de que, em sua essência, estes serão os termos do debate político que nos espera.
1. Wanderley G. dos Santos e Isabel R. O. Gómez de Souza, Abertura Política: antecipações e estimativas (IUPERJ, mimeografado, 1972).
2. Veja a este respeito Naomi Caiden e Aaron Wildavsky, Planning and Budgeting in Poor Countrles (New York: Wiley, 1974), trabalho que é discutido e serve de ponto de referência para a discussão da experiência mineira em Antônio Octávio Cintra e Luiz Aureliano Gama de Andrade, Plnanning and Development: a note on the Minas Case (trabalho apresentado ao Seminário Internacional de Análise de Políticas Públicas, Fundação Getúlio Vargas, maio de 1975, mimeografado).
3. S. Schwartzman, São Paulo e o Estado Nacional (São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1975
4. Para uma visão geral do processo de colonização portuguesa no Brasil, especialmente nos séculos XVI e XVII, veja entre outros C.R. Boxer, Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola (Univ. of London: The Athlone Press, 1952).
5. José Murilo de Carvalho, Elite and State Building in Imperial Brazil (Tese de doutorado, Stanford University, 1974).
6. Ver, sobre a experiência separatista do Rio Grande, a análise de Joseph L. Love, Rio Grande do Sul and Brazilian Regionalism, 1882-1930 (Stanford: Stanford Univ. Press, 1971).
7. Para uma análise da política regional no Nordeste Brasileiro , veja Aspásia Alcântara de Camargo, Brèsil Nord-Est: Mouvements Paysans et Crise Populiste (Université de Paris, École Pratique dês Haures Études Centre d'Études des Mouvements Soxiaux, 1973, mimeo). José Murilo de Carvalho critica a noção de que a política mineira está relacionada com a decadência econômica da região ("A Composição Social dos Partidos Políticos Imperiais", Cadernos DCP 2, Dezembro de 1974).
8. Sobre as relações entre São Paulo e o centro político nacional no período de expansão industrial, veja Warren Dean, A Industrialização de São Paulo (Difusão Européia do Livro). Para as relações entre São Paulo e a economia internacional, veja Joseph L. Love, "External Financing and Domestic Politics: the Case of São Paulo, Brazil, 1889-1937", em Robert E. Scott (ed) Latin American Modernization Problems (Univ. of Illinois Press, 1973, pp. 236-259).
Simon Schwartzman
simon[arroba]schwartzman.org.br
http://www.schwartzman.org.br/simon
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