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As estratégias de amostragem são importantes para mapear a variabilidade espacial dos solos, pois só a partir de sua modelagem é possível gerar mapas mais consistentes e com precisão. Assim, o estudo dos aspectos da amostragem do solo, a fim de subsidiar a tomada de decisão para a utilização e recomendação destas técnicas em ambientes distintos, tem sido preocupação constante dos pesquisadores (GROENIGEN et al., 1999; LARK, 2000).
A eficácia das estratégias de amostragem do solo pode ser aumentada com a incorporação de um modelo de variabilidade espacial. SOUZA et al. (1997) relataram que o conhecimento do alcance da dependência espacial dos atributos do solo pode ser um critério para definir o intervalo das amostragens. Porém, estes valores dependem da escala, da intensidade de coleta e do manejo da área. Portanto, a característica do relevo, como a forma, pode ser de extrema importância na definição de esquemas de amostragem, bem como na definição de zonas de manejo físico e químico do solo. Esta premissa pode ser aplicada às técnicas de simulação de resultados (GROENIGEN et al., 1999), possibilitando a otimização do número de amostras e transferência de informação para ambientes similares.
Estudando as correlações das produções de milho e soja com a posição topográfica e atributos químicos do solo, KRAVCHENCO & BULLOCK (2000) verificaram que a combinação das características topográficas explicou entre 6 a 54% da variabilidade da produtividade do milho e da soja, porém, quando combinou-se propriedades topográficas e químicas, foram explicados 10 a 78 % da variabilidade da produtividade dessas culturas. Nesse estudo, foram encontradas baixa produtividade nas posições de elevado declive e alta produtividade nas áreas de baixo declive.
O comportamento diferenciado dos atributos dos solos em diferentes locais da paisagem pode ser entendido pela caracterização da variabilidade espacial deles mediante técnicas de geoestatística, identificando locais específicos na paisagem. Estudos mostram que, em latossolos, em áreas de formas côncavas e convexas, independentes do histórico de manejo, há mais variabilidade de atributos químicos e físicos do que em áreas de formas lineares (SOUZA et al., 2003; SOUZA et al., 2004). Isso implica maior número de subamostras naquelas áreas. Portanto, na avaliação da variabilidade espacial, o espaçamento com intervalos menores é necessário em áreas côncavas e convexas, sendo que uma das maneiras de avaliar esta premissa é mediante as técnicas de otimização de amostragem, baseadas em um algoritmo de simulação espacial (GROENIGEN et al., 1999).
O objetivo deste trabalho foi utilizar a forma da paisagem como critério auxiliar à otimização do esquema amostral na estimação dos atributos químicos e físicos de latossolos, em áreas sob cultivo de cana-de-açúcar.
A área de estudo localiza-se no nordeste do Estado de São Paulo, no município de Guariba. As coordenadas geográficas são 21° 19' de latitude sul e 48° 13' de longitude oeste e a altitude média é de 640m. O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo mesotérmico com inverno seco (Cwa), com precipitação média de 1.400 mm e chuvas concentradas no período de novembro a fevereiro.
O relevo é predominantemente suave ondulado, com declividades médias variando de 3 a 8 %. A área experimental está sob cultivo de cana-de-açúcar há mais de 30 anos. O solo da área foi classificado como Latossolo Vermelho eutroférrico, textura muito argilosa (LVef) (EMBRAPA, 1999). Na área em estudo, foi adotado o seguinte manejo: no primeiro plantio e a cada 6 anos, quando da renovação, foram feitas duas gradagens pesadas e abertura de sulcos com sulcador, aplicando calcário para elevar a saturação de base a 60 %. Realizou-se, no plantio, uma adubação de 1.400 kg ha-1, com adubo líquido, com a seguinte fórmula: 6-10-8 (N-P2O5-K2O), e adubação de manutenção de 1.500 kg ha-1, com adubo líquido, com a seguinte fórmula 11-4-8.
De acordo com o modelo de TROEH (1965), classificou-se a curvatura e o perfil das formas do terreno, no terço inferior da encosta, em dois compartimentos: I e II (Figura 1). No compartimento I, a forma do relevo é basicamente linear, e o compartimento II apresenta curvaturas côncavas e convexas. O solo foi amostrado com trado em outubro 2002, na entrelinha da cultura após a colheita, nos pontos de cruzamento de uma malha, georeferenciados, com intervalos regulares de 10m, na profundidade de 0,0-0,2m, com dimensão de 100 x 100m, totalizando 100 pontos, em uma área de 1ha. O pH (CaCl2) e os teores de Ca, K e o P disponível foram determinados conforme RAIJ et al. (2001). Com base nos resultados das análises químicas, determinaram-se a capacidade de troca catiônica (CTC efetiva) e a saturação por bases (V%).
Para determinação dos atributos físicos, foram abertas 100 trincheiras de 0,60m de profundidade (0,3 x 0,3m de largura). A porosidade do solo (total, macro e microporosidade) foi obtida de amostras indeformadas coletadas com anéis volumétricos de 0,03m de altura e 0,048m de diâmetro, saturadas por 48 horas em bandeja, com água até dois terços da altura do anel. Após o período de saturação, as amostras foram drenadas no potencial equivalente a –0,006 MPa, utilizando uma mesa de tensão (EMBRAPA, 1997). Nas mesmas amostras, determinou-se a densidade do solo, utilizando-se o método do volume conhecido (EMBRAPA, 1997). A resistência do solo à penetração foi determinada utilizando um penetrômetro de impacto, modelo IAA/Planalsucar com índice de cone de 30°, conforme STOLF (1991). A fração argila foi determinada pelo método da pipeta (EMBRAPA, 1997).
Foram realizadas as análises estatísticas descritivas dos dados obtidos e a hipótese de normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, por meio do programa SAS (SCHLOTZHAVER & LITTELL, 1997). Determinaram-se também o número de subamostras necessárias para compor uma amostra composta e estimar o valor médio das variáveis usando a fórmula descrita por CLINE (1944):
(1)
em que n é o número mínimo de amostras; ta é o valor do teste t de Student para o nível de probabilidade de 95%; CV é o coeficiente de variação; D é a porcentagem de variação em torno da média (5 %).
Cada atributo químico e físico foi submetido ao ajuste de modelos matemáticos para a definição dos semivariogramas pelo programa GS+ (ROBERTSON, 1998) e à técnica de interpolação de dados (krigagem) pelo programa SURFER (1999). A análise do grau de dependência espacial dos atributos foi realizada segundo CAMBARDELLA et al. (1994), em que são considerados de dependência espacial forte os semivariogramas que têm um efeito pepita menor ou igual a 25 % do patamar, moderada entre 25 e 75%, e fraca quando for maior que 75 %. Considerou-se o alcance obtido por meio do semivariograma para definir o número de subamostras necessárias para avaliar os atributos químicos e físicos. Para garantir a dependência espacial, assumiu-se que os pontos de amostragem deveriam ser coletados a uma distância equivalente à metade do alcance, o que foi realizado no plano amostral delineado.
A otimização dos atributos químicos e físicos do solo foi obtida por meio do programa Sanos for Windows 0.1, o qual se baseia em um algoritmo de simulação espacial (GROENIGEN et al., 1999). Este algoritmo utiliza vários critérios quantitativos de otimização e o utilizado neste trabalho foi o da minimização da variância da krigagem ordinária e o do semivariograma estimado.
Os resultados referentes ao teste Kolmogorov-Smirnov indicaram normalidade para K, CTC, V%, densidade do solo, macroporosidade, microporosidade e resistência do solo à penetração (Tabela 1). Mais importante que a normalidade é que os semivariogramas apresentem patamares bem definidos e que a distribuição não apresente caudas muito alongadas, o que poderia comprometer as estimativas da krigagem, as quais são baseadas nos valores médios (ISAAKS & SRIVASTAVA, 1989).
Com base na fórmula proposta por CLINE (1944), o valor de pH, CTC, V%, argila, densidade do solo, porosidade total e microporosidade, por possuírem baixo CV (Tabela 1), podem ser estimados com menor número de subamostras, concordando com os resultados obtidos por SILVEIRA & CUNHA (2002). Em relação aos atributos Ca, P, K, macroporosidade e resistência do solo à penetração, observou-se a necessidade de um maior número de subamostras a serem coletadas na área para a percentagem de variação de 5 % em torno da média (Tabela 1).
Utilizando-se o procedimento de se coletar 20 subamostras para compor uma amostra composta para os atributos químicos, como proposto por RAIJ et al. (1997), os resultados obtidos mostraram que o pH estaria dentro do recomendado, para uma variação de 5 % em torno da média. Os teores de Ca, P, K e os valores da CTC e de V% não atenderiam ao número mínimo de subamostras recomendadas. Essa discrepância também foi observada quando se utiliza o alcance para estimar o número de subamostras (Tabela 1). Porém, SANTOS & VASCONCELLOS (1987) afirmam que os atributos com baixo CV não são adequados para determinar o número de amostras de solos requeridas para se avaliar com precisão o nível de fertilidade da área, tendo em vista a grande variabilidade encontrada para os atributos como P, K, Mg e Ca, os quais são altamente influenciados pelo manejo.
Todos os atributos analisados apresentaram dependência espacial (Tabela 2). O modelo esférico ajustou-se à semivariância estimada de todos os atributos químicos, com exceção do P, cujos resultados se ajustaram ao modelo exponencial. A semivariância estimada de todos os atributos físicos ajustou-se ao modelo esférico. Os atributos químicos e físicos apresentaram coeficiente de determinação (R2) acima de 0,88, ou seja, 88 % da variabilidade existente nos valores da semivariância estimada é explicada pelos modelos ajustados.
A análise da relação C0/(C0+C1) dos atributos químicos e físicos do solo mostrou que os atributos Ca, densidade do solo, porosidade total, macroporosidade, microporosidade e resistência do solo à penetração apresentaram grau de dependência espacial forte, segundo a classificação proposta por CAMBARDELLA et al. (1994), e os atributos pH, P, K, CTC, V% e argila apresentaram grau de dependência espacial moderada (Tabela 2).
O alcance é uma medida importante no planejamento e na avaliação experimental, já que pode auxiliar na definição de procedimento de amostragem (McBRATNEY & WEBSTER, 1983). Este parâmetro representa a distância em que os pontos amostrais estão correlacionados. Houve dois grupos de alcances para os atributos em estudo, aqueles com variação entre 20m a 30m (densidade do solo, macroporosidade, resistência do solo à penetração, porosidade total, microporosidade, P e Ca) e o grupo com alcance variando entre 35m a 60m (argila, K, V%, pH e CTC) (Tabela 2). O manejo do solo utilizado na área ao longo do tempo, como aplicações de fertilizantes e calcário, pode ter contribuído para maior homogeneização, tendo como conseqüência o aumento do alcance de dependência espacial dos atributos químicos, com exceção de Ca e P. Isso se deveu provavelmente ao calcário ter sido aplicado a lanço e a baixa mobilidade do P ter contribuído para uma maior heterogeneidade destes atributos diminuindo o alcance da dependência espacial.
A utilização do alcance do semivariograma diminuiu o número de amostras a serem coletadas para avaliação de todos os atributos químicos, com exceção do pH, em relação à fórmula de Cline (Tabela 3). Entretanto, com os atributos físicos, isso somente ocorreu com a macroporosidade e com a resistência do solo à penetração, pois o número de amostras para a porosidade total e a microporosidade foram próximos aos obtidos com a fórmula de CLINE (Tabela 3). Esses resultados corroboram os obtidos por McBRATNEY & WEBSTER (1983) e SOUZA et al. (1997), os quais afirmam que o uso do alcance do semivariograma de atributos do solo pode reduzir o número de amostras em relação ao uso dos procedimentos amostrais definidos na estatística clássica. McBRATNEY & WEBSTER (1983) afirmam que a eficácia da estratégia de amostragem do solo pode ser aumentada com a incorporação de um modelo de variabilidade espacial.
A indicação de maior concentração de pontos pelo programa Sanos 0.1 revela os locais de maior variabilidade espacial dos atributos químicos e físicos avaliados (Tabela 3, Figuras 2 e 3). Em todos os atributos químicos e físicos avaliados, houve a necessidade de um maior número de pontos de amostragem na pedoforma côncava e convexa em relação à pedoforma linear, tanto com a utilização da fórmula de Cline como com o alcance do semivariograma (Figuras 2 e 3). Todos os atributos químicos e físicos tiveram mais de 84 % dos pontos plotados na pedoforma côncava e convexa. Este resultado está de acordo com o comportamento das isolinhas (mais próximas) na pedoforma côncava e convexa, comprovando maior variabilidade espacial relativa dos atributos químicos e físicos (SOUZA et al., 2003). O maior número de pontos plotados na pedoforma côncava e convexa reforça a idéia de que, nestas pedoformas, as condições de fluxo de água superficial e lateral condicionam ambientes específicos que interferem nos processos pedogenéticos, favorecendo a maior variabilidade espacial dos atributos do solo. Esses resultados concordam com os obtidos por SOUZA et al. (2003), os quais encontraram maior variabilidade da erosão na pedoforma côncava.
Um dos aspectos relevantes do programa Sanos 0.1 é a plotagem de pontos em locais de real necessidade, já que os cálculos são realizados com base nas coordenadas geográficas (GROENIGEN et al., 1999). SOUZA et al. (2003), estudando a influência da pedoforma na variabilidade espacial de atributos do solo sob cultivo de cana-de-açúcar, observaram que pequenas variações na pedoforma condicionam variabilidade diferenciada em relação aos atributos químicos e granulométricos, e que a variabilidade espacial foi maior na pedoforma côncava do que em relação à linear.
Os mapas de otimização de amostragem possibilitam um melhor entendimento do padrão de distribuição espacial, permitindo definir diferentes zonas de manejo (MONTANARI et al., 2005). Estes mapas podem ser de grande utilidade no planejamento experimental e são úteis também como ferramenta nos programas de agricultura de precisão, uma vez que o número de amostras a serem coletadas representa um elevado custo para esses programas (McBRATNEY & WEBSTER, 1983).
Recomenda-se o uso do alcance do semivariograma para determinar o número de amostras que devem ser coletadas para os atributos químicos e físicos, de acordo com a escala de estudo. Para garantir a dependência espacial, os pontos devem ser coletados a uma distância equivalente à metade do alcance. No caso de não manter a dependência espacial, os pontos devem ser coletados a uma distância equivalente a duas vezes o alcance e, na pedoforma côncava e convexa, deve-se coletar um maior número de pontos.
Os atributos químicos e físicos têm mais de 84 % dos pontos plotados na pedoforma côncava e convexa em relação a pedoforma linear. O maior número de pontos otimizados pelo programa Sanos for Windows 0.1 indica que pedoforma côncava e convexa apresenta maior variabilidade espacial para os atributos químicos e físicos do que a pedoforma linear.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela concessão de bolsa ao pesquisador Souza. Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
Zigomar Menezes de Souza (1)I, ; José Marques JúniorII; Gener Tadeu PereiraIII; Rafael MontanariIV
zigomarms[arroba]yahoo.com.br
(1) Autor para correspondência
IDepartamento de Solos e Adubos, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). Via de acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n, 14870-900 Jaboticabal, SP, Brasil. E-mail: zigomarms[arroba]yahoo.com.br
IIDepartamento Solos e Adubos, FCAV/UNESP, Jaboticabal, SP, Brasil. E-mail: marques[arroba]fcav.unesp.br
IIIDepartamento de Ciências Exatas, FCAV/UNESP. Jaboticabal, São Paulo, Brasil. E-mail: genertp[arroba]fcav.unesp.br
IVDepartamento Solos e Adubos, FCAV/UNESP. Jaboticabal, São Paulo, Brasil. E-mail: montana[arroba]fcav.unesp.br
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