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Mutações em arte e design: a cibercultura (página 2)

Gerson Gomes Cunha

 

A humanidade não para de pesquisar, de inventar, de almejar melhorias para sua vida material e cultural. Se olharmos para alguns anos atrás apenas, constataremos como a vida diária, os costumes, a sociedade, tudo mudou. Um dos fatores determinantes desta mudança é a cadeia de informações e comunicação que cobre o nosso planeta. Notícias culturais, sociais ou melhorias tecnológicas, são transmitidas instantaneamente, de um lado ao outro do planeta, pelas telecomunicações.

Profundamente envolvido nesta rede de comunicação, encontra-se o comunicador visual. O designer gráfico que se ocupa, basicamente, de informações, teria que estar, forçosamente, inserido neste contexto, ele também em estado de mudança contínua. O comunicador visual desempenha um papel ativo na organização social, pois pertencem a ele, cada vez mais, as decisões sobre como influenciar a opinião das pessoas, usando imagens. É que o ser humano pensa visualmente. As imagens agem diretamente sobre a percepção, impressionando primeiro para serem analisadas depois, ao contrário do que acontece com as palavras, que têm sua geração no cérebro para serem materializadas, posteriormente, pelo som. Imagens reunidas ou criadas pelo comunicador visual poderão formar o gosto do usuário, do povo em geral e, apontando o que comer, o que vestir, colaborarão assim com a publicidade em suas diferentes formas de transmitir informação.

Tudo o que vemos nos comunica alguma coisa. Cores, formas, texturas. Um enorme e complexo universo de pequenos detalhes se combina para trazer-nos informações processadas instantaneamente por nossos cérebros. Em se tratando de comunicação, somos cada vez mais uma civilização visual2.

Vivemos assoberbados por estímulos visuais, desde o momento em que acordamos até a hora de dormir. São os jornais e a televisão, os outdoors publicitários, encontrados em nosso trajeto para o trabalho ou o lazer; agora, até mesmo o computador, com a Internet e os e-mails, proporcionando uma nova dimensão do mundo habitado pelo homem.

Dimensão essa que contribui, paradoxalmente, para a solidão do indivíduo. Na medida em que as formas de comunicação se tornam mais rápidas, mais o homem se recolhe em si mesmo e sente maior dificuldade em se comunicar com o seu vizinho imediato, embora se comunique com interlocutores a milhares de quilômetros de distância. Eis o que diz Abraham Moles em em seu livro Teoria dos objetos:

Os fenômenos dominantes da vida social contemporânea são os processos de massificação e de tecnologia: os homens, concentrados em massas enormes, submetidos ao impacto do mass-media, enredados no ciclo da produção em série, mudam de caráter.

Isto provoca um desenvolvimento do distanciamento social, ou seja, a soma dos esforços a serem realizados para estabelecer um contato humano; ao aumentar o gradiente social, os seres se afastam mais uns dos outros; a sociedade se parece cada vez mais com um conjunto de átomos sociais. O ser humano perde o seu significado3 .

A vida individual passou a ter mais importância do que a vida coletiva. O homem é egoista e parece afirmar isso quando estudado em escala "microscópica".

Nesse caso, o psicólogo encontra um campo fértil, já que o seu trabalho parte normalmente do plano individual para chegar ao coletivo. O cotidiano humano é constituído de microatos, microacon-tecimentos, microprazeres, microangústias (a vida social aí incluida), tudo isso deixando de lado as macroestruturas, que raramente acontecem e que se convertem, segundo A. Moles em elementos de um marco, ao invés de serem produtos do próprio homem.

A vida diária do homem normal é desprovida de grandes acontecimentos e, em qualquer caso, há vários sistemas de segurança e de organização social que reduzem impactos sobre a vida de cada um de nós. A escapatória da maioria do povo é viver as grandes aventuras através do cinema ou da televisão, ou transportar, de maneira fictícia, acontecimentos da política ou tragédias climáticas, para seu próprio ambiente.

No inventário da organização do meio ambiente perspectivista entram ainda, segundo o pensamento de A. Moles:

Situações - sejam estáticas, mensagens passivas do ambiente; (por exemplo mobiliário, paisagens, etc); sejam dinâmicas (acontecimentos, fenômenos, estímulos; por exemplo, a campainha do telefone, as mensagens do rádio ou da imprensa).

Atos - reações do homem diante das mensagens do entorno, seja em forma de signos (palavras, opiniões, expressão de atitudes, etc), seja em forma de atos propriamente ditos (trabalho, microatos, manipulações dirigidas para mudar a imagem do ambiente) que o estruturalista, para estudá-los, decompõe uma série de praxemas agrupadas em táticas. Estas duas categorias fenomenológicas caracterizam o circuito ação - reação do cibernético, e o sistema de estímulos - respostas do psicólogico4.

Quando A. Moles se refere aos "fenômenos dominantes da vida social contemporânea" que, segundo ele, são os processos de massificação e de tecnologia: os homens, concentrados em massas enormes, submetidos ao impacto do mass-media, enredados no ciclo da produção em série, mudam de caráter. Compreendemos que essa mudança de caráter envolve cultura e uma relação do homem com o seu entorno, sem esquecermos, porém, as características biológicas do homem, responsáveis por uma parte substancial desse comportamento.

As formas de agir e os costumes conhecem uma fase de transição, originada pela massificação do noticiário e pela publicidade incessante. Os acontecimentos do outro lado do mundo estão, instantaneamente, ao alcance de quase todos.

O homem se encontra, hoje, em posição de atuar e intervir, verdadeiramente, no mundo em que vive, modificando até mesmo o seu biótipo. Experiências em genética já vêm anunciando este estado de coisas. Ao criar esse "admirável mundo novo", o homem estará, na realidade, determinando também, um tipo de organismo. É, sem dúvida, um pensamento assustador, e muitas vezes nos perguntamos o quanto de premonição existe nos filmes de science fiction que nos mostram mundos estranhos, povoados por seres mutantes.

A literatura antropológica inclui muitos estudos, que demonstram o impacto dos fatores tecnoeconômicos, em subsistemas de uma sociedade. Após a introdução do microcomputador, as transformações culturais nas sociedades complexas se aceleraram: o uso da máquina tornou possível aos integrantes da sociedade uma agilidade profissional até então impossível. A mudança básica na tecnologia disparou uma série de modificações culturais. Isso levou a mutações no campo das idéias e da criação, assim como na metodologia do trabalho.

As pessoas envolvidas nestas mudanças tecnológicas exercem as mais diversas profissões: economistas, engenheiros, artistas, designers, membros de contextos culturais variados.

Já caiu no domínio público a frase: " O artista é o espelho de seu tempo". Sendo assim seria impossível que esta categoria especial de comunicadores (muito do que sabemos do passado do homem nos foi transmitido através de suas obras de arte, remanescentes mesmo depois que suas culturas desapareceram) permanecesse alheia ao ciberespaço.

O artista de hoje usa o computador para passos importantes na concepção e execução de suas obras. Catálogos virtuais de artistas isolados, de exposições ou de acervos de museus são veiculados na grande rede WWW, elemento de comunicação e mutação cultural.

Esta mutação de caráter cultural, a criação de um mundo novo, envolvendo o presente e o futuro da humanidade, afeta também, e sobremodo, os designers gráficos, diretamente submetidos ao já citado processo de massificação, acelerada pela introdução de novas tecnologias. Tal impacto é causado pelo uso do computador nos atos e hábitos cotidianos da criação gráfica, característicos desta atividade profissional. Hoje, os websites são prioritariamente criados por um designer, e assim surgiu mais uma especialização nesta profissão.

Até bem pouco tempo, o trabalho em publicidade era feito à mão, isto é, o comunicador visual, além de ser inventivo e criativo, deveria possuir as habilidades manuais de um artista plástico ou de um desenhista. As diferenças entre os que tinham acesso a essa nova tecnologia e os que não a alcançavam ou não a aceitavam, tornaram-se óbvias, mudando as relações entre os indivíduos de grupos fechados, no caso artistas e designers. O emprego do computador, mudando a concepção e a conduta e na área do design gráfico na última década, tornou-se elemento de cultura. Insere-se em uma vertente cultural, a cibercultura que, a um tempo originária e formadora de uma linguagem computacional traz, em seu bojo, importantes consequências para a vida social contemporânea, gerando novas formas de comportamento individual e coletivo. Cabe uma reflexão sobre as palavras de Émile Sicard:

O conteúdo conceitual comum de mutação subentende demasiadamente as duas características de "brusquidão" e de espontaneidade da mudança. No seu sentido estrito, ele não comportaria a soma das modificações mais ou menos imperceptíveis ou que não tivessem sido apercebidas de pronto: trata-se, tanto que não se lhe atribuiu um outro conteúdo conceitual, de brusquidão, ou de incomparável rapidez de uma parte e de espontaneidade de outro lado, isto é, um movimento que não receberia nenhum impulso de um outro corpo, aqui de um corpo social, e portanto de um movimento rápido, ligado unicamente ao dinamismo interno de uma sociedade.5 

Cibercultura, especificamente, seria o emprego das novas tecnologias em duas áreas: inteligência artificial (particularmente, tecnologia de computação e informação) e biotecnologia.

A difusão de novas tecnologias nos mostra dois regimes de sociabilidade: a tecnosociabilidade e a biosociabilidade; levando-nos a entender que, cada vez mais, vivemos em meios culturais estruturados por novas formas de ciência e tecnologia.

Já ciberespaço seriam as redes e sistemas crescentes de meio ambientes gerenciados por computadores, nos quais vários usuários, ao mesmo tempo, poderão intercomunicar, trocar informações, dar notícias, enviar cartas, fechar negócios, etc. recorrendo a uma rede mundial de comunicação digital.

Como consequência, o uso dos micro-computadores vem colocando o homem um pouquinho mais perto da realização de um antigo sonho: substituir o esforço humano pelo trabalho da máquina.

Este assunto, longe de se esgotar, tratando-se de tema dinâmico se renova e se modifica incessantemente.

Referências Bibliográficas

  • IANNI, O. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
  • LÉVY , P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed 44, 1993.
  • MOLES, A. Teoria de los objetos.Barcelona: Gustavo Gilli,1975
  • SANTAELLA, L. O homem e as máquinas. In A arte no século XXI, a humanização das tecnologias. São Paulo:Unesp, 1997.
  • STRUNK, G. Identidade Visual, a direção do olhar. Rio de Janeiro: Europa, 1989.
  • SICARD, É. Traces, persistances et ressurgences de la tradition dans les sociétés en voie de developpement, In Sociologie des mutations, par BALANDIER, Georges. Paris: Anthrops, 1970.

Notas

1. SANTAELLA, Lúcia, O homem e as máquinas. In A arte no século XXI, a humanização das tecnologias. São Paulo:Unesp, 1997. p. 40-41.

2. STRUNK, Gilberto. Identidade Visual,a direção do olhar. Rio de Janeiro:Europa,1989. p. 9

3. MOLES, Abrahan. Teoria de los objetos. Barcelona: Gustavo Gilli,1975. p.19

4. MOLES, A . Ibid

5. SICARD, Émile. Traces, persistences et ressurgences de la tradition dans les sociétés en voie de developpement, in Sociologie de mutations, par BALANDIER, Georges. Paris, Anthrops, 1970, p. 388

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Isis Fernandes Braga (*)
isisbr[arroba]openlink.com.br

(*) ESCOLA DE BELAS ARTES DA UFRJ; Professor assistente, Depto. de Comunicação Visual.; Coordenadora de Extensão do Centro de Letras e Artes, CLA/UFRJ.
Na ANPAP: representante da seção regional do Rio de Janeiro



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