A indiscutível leveza do neoliberalismo no Brasil: uma avaliação econômica e política da era neoliberal



Introdução

Segundo vários críticos do "capitalismo realmente existente" no Brasil, o País estaria vivendo, desde o início dos anos 90, sob um regime "neoliberal". Não partilho dessa opinião mas, para todos os efeitos práticos, vamos admitir que isso seja verdade. Em outros termos, teria ocorrido, na história econômica brasileira recente, um corte fundamental – epistemológico, diriam velhos adeptos do althusserianismo – entre, de um lado, o que vem sendo pregado, adotado e realizado em termos de políticas econômicas há aproximadamente uma década – ou seja, abertura econômica, liberalização comercial, privatizações, retirada do Estado de velhos monopólios (nem tão velhos assim, pois que criados, em sua maior parte, a partir dos anos 60), interdependência financeira, negociação de acordos comerciais, admissão de investimento estrangeiro em setores anteriormente reservados unicamente ao capital nacional etc. –, isto é, tudo o que se costuma designar por "políticas neoliberais", e, de outro lado, o que se tinha e conhecia anteriormente como políticas e práticas do regime "normal" do capitalismo brasileiro no século XX: restrições comerciais e protecionismo, lei do similar nacional, lei de reserva do mercado para informática, ausência de patenteamento para medicamentos e biotecnologia de forma geral, impedimentos constitucionais ao investimento direto estrangeiro em vários setores, enfim, o que se conhece na literatura corrente como "desenvolvimento econômico com autonomia nacional e preservação da soberania".

Pois bem, ao ter de aceitar, a partir dos anos 90 e pelas mãos de seus dirigentes políticos, que a interdependência econômica constitui uma organização social dotada de maior racionalidade instrumental do que a autonomia semi-autárquica até então praticada, o Brasil passou a viver plenamente a era neoliberal, ou pelo menos passou a ter de suportar ou conviver com um regime neoliberal. Em todo caso, é disso que os partidários do modelo anterior, ou defensores da soberania nacional, acusam os sucessivos governos desde o início da presidência Collor. Admitamos, portanto, que isso corresponda à verdade e que de fato saímos do purgatório autonomista para o limbo neoliberal, sem nunca ter alcançado o paraíso do pleno desenvolvimento econômico e social.

Para atender aos requisitos do subtítulo deste trabalho – realizar uma avaliação econômica e política da era neoliberal no Brasil – nós precisaremos então colocar essa era neoliberal sob o teste da realidade, isto é, aferir o desempenho relativo e as realizações do neoliberalismo no Brasil, para confirmar se e como tais políticas e práticas se ajustam efetivamente ao cânone neoliberal. Será necessário, pois, formular uma série de perguntas e questões fundamentais que nos permitirão comparar a era neoliberal com as políticas e práticas de uma era anterior, assim como com realizações similares em nossa própria era, conformando portanto uma análise ao mesmo tempo sincrônica e diacrônica. Caberia contudo lembrar, desde o início, que o regime anterior sob o qual o Brasil estava organizado economicamente – seja durante o período militar, seja sob a República de 1946 – não se caracterizava exatamente pelo estruturalismo econômico – que seria, supostamente, o oposto do neoliberalismo atual –, mas por um sistema híbrido, que poderíamos caracterizar como de "liberal-intervencionismo", praticado tanto sob os "czares econômicos da ditadura" (Roberto Campos, Delfim Netto, Simonsen etc.), como pelos ministros políticos da Fazenda na "república populista" que a precedeu.

 


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