1.1. Objetivo: Descrever as características clínico-epidemiológicas, o tratamento e a letalidade das crianças internadas com leishmaniose visceral em um hospital pediátrico de referência.
1.2. Métodos: Análise retrospectiva dos dados biológicos, demográficos, clínicos e laboratoriais das crianças internadas no Instituto Materno-Infantil de Pernambuco, em Recife, no período compreendido entre 1996 e 2001.
1.3. Resultados: Foram incluídas 431 crianças, de 4 meses a 13,7 anos de idade, sendo que 50,3% eram do sexo feminino, e 82,5% eram do interior do estado de Pernambuco. Cerca de 70% dos domicílios eram de alvenaria, 70% não dispunham de água encanada ou sistema de esgoto sanitário, e o tempo médio de permanência das mães na escola foi de 3 anos. Esplenomegalia e febre estavam presentes em 97% e 95,6% dos casos, respectivamente, e 44,5% dos pacientes eram subnutridos. Em 47 (10,9%) dos pacientes foi detectada infecção na admissão. O nível médio de hemoglobina foi de 6 g/dl, de leucócitos 3.516/mm3 e de plaquetas 118.641/mm3. O tratamento de escolha foi o glucantime (98% dos casos), e em sete pacientes, a anfotericina B foi utilizada. A letalidade foi de 10,2%, sendo que as principais causas imediatas de óbito foram atribuídas a infecções associadas, hemorragias e insuficiência hepática.
1.4. Conclusões: Os autores destacam as características clínicas, epidemiológicas e laboratoriais da leishmaniose visceral em área endêmica, além do diagnóstico tardio e alta letalidade, sugerindo a capacitação de profissionais de saúde para o reconhecimento precoce e tratamento adequado da doença e suas complicações.
Leishmaniose visceral, calazar, infância, diagnóstico, tratamento, letalidade.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as leishmanioses afetam cerca de dois milhões de pessoas por ano, com 500 mil casos da forma visceral. Estima-se que 350 milhões de pessoas estão expostas ao risco de infecção, com uma prevalência de 12 milhões de infectados1,2.
A leishmaniose visceral ou calazar está amplamente difundida no Brasil, com casos autóctones notificados em pelo menos 19 estados da federação, distribuídos em quatro das cinco regiões, permanecendo indene apenas o Sul3. Entre 1984 e 2000, foram notificados 67.231 casos4. A Região Nordeste concentra mais de 90% das notificações, com registros de casos em todas as suas unidades federadas. Em Pernambuco5, foram notificados 1.203 casos no período de 1990 a 1997. Nas últimas décadas, o estado tem mostrado forte tendência à urbanização, com a ocorrência de surtos epidêmicos em várias capitais6 constituindo um sério problema de saúde pública que ameaça a população e preocupa as autoridades sanitárias.
A leishmaniose visceral (LV) é uma infecção sistêmica causada por um protozoário do gênero Leishmania. No Brasil, o principal vetor é o Lutzomya longipalpis, sendo o cão doméstico o reservatório mais importante e o homem o hospedeiro final3. A maioria dos casos é de infecção assintomática ou que desenvolvem sintomas moderados ou transitórios como diarréia, tosse seca, adinamia, febrícula, sudorese e discreta hepatoesplenomegalia7, que podem evoluir ou não para a forma clássica da doença. O quadro clássico consiste de febre, hepatoesplenomegalia, com esplenomegalia volumosa, perda de peso, tosse, diarréia, dor e distensão abdominal. Icterícia e envolvimento renal têm sido descritos. Na fase mais tardia da doença, os pacientes podem desenvolver edema e ascite1.
O diagnóstico baseia-se no encontro do parasita em tecido de medula óssea, baço, fígado ou linfonodos7. Foram desenvolvidos vários testes sorológicos para o diagnóstico (exemplos: fixação do complemento, imunofluorescência indireta, teste de aglutinação direta, ELISA e Dot-ELISA), assim como técnicas de biologia molecular (reação em cadeia da polimerase), porém persistem alguns problemas quanto à sensibilidade, especificidade, disponibilidade e custo desses testes na prática clínica8. Quando não há possibilidade de diagnóstico laboratorial, o início do tratamento é baseado nos achados clínico-epidemiológicos9.
Os antimoniais pentavalentes continuam sendo a droga de primeira escolha para o tratamento, e a anfotericina B é a droga de segunda linha, em casos de resistência ao antimoniato3. Recentemente, uma nova droga de administração oral, a miltefosina, tem-se mostrado efetiva no tratamento da LV na Índia10. Infecções, hemorragias e anemia grave são responsáveis pela maioria das mortes, e o retardo no diagnóstico, a baixa idade e a desnutrição são implicados como importantes fatores que contribuem para o óbito3,7.
Os autores descreveram os dados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais dos pacientes internados com calazar em um hospital pediátrico de referência, destacando a importância do diagnóstico e tratamento precoces para evitar a alta letalidade.
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