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Legitimidade, Controvérsias e Traduções em Estatísticas Públicas (página 2)

Simon Schwartzman

 

Um estudo de caso: o IBGE no Brasil

O caso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ilustra bem as diferentes percepções e dilemas, negociações e redes que fazem parte dos processos de institucionalização e funcionamento de um órgão nacional de estatísticas. O IBGE foi criado nos anos 30 como um dos elementos de uma tentativa ambiciosa de se organizar um Estado moderno e autoritário, que poderia conhecer e governar um vasto e desconhecido território, e sua população dispersa. As ideologias da época pressupunham que o governo central devesse derivar sua força dos cantões do país, os municípios, passando ao largo das oligarquias tradicionais dos Estados. No início, o objetivo era coordenar o trabalho estatístico executado pelos municípios em todo o país, e a inspiração alemã foi explicitamente reconhecida pelo seu fundador, José Bulhões de Carvalho. Um Conselho Nacional de Estatística foi formalmente estabelecido em 1936, sendo seguido por um Conselho Nacional de Geografia em 1937. Em 1942, quando o Brasil se juntava aos aliados na Segunda Guerra Mundial, um sistema muito rígido de centralização econômica e administrativa foi estabelecido, sob a inspiração dos EUA, e as instituições estatísticas e geográficas seguiram o exemplo. As entidades geográficas e estatísticas locais foram abolidas e absorvidas em uma burocracia nacional que permaneceu pelas décadas seguintes.(7)

A geografia era provavelmente mais importante, nos primeiros anos, que a própria estatística, para o cumprimento desta tarefa. A influência mais direta vinha dos geógrafos franceses, que tiveram também uma forte presença no estabelecimento, àquela época, das primeiras universidades brasileiras, mas, novamente, o pensamento geopolítico derivado de autores alemães era forte.(8) O volume introdutório do censo de 1940, o primeiro realizado pelo Instituto, foi um volumoso e ambicioso livro chamado A Cultura Brasileira, escrito por Fernando de Azevedo, um sociólogo da educação que participou da criação da Universidade de São Paulo, e que editou, alguns anos depois, o primeiro quadro abrangente das tradições, grupos e instituições científicas do Brasil (Azevedo, 1971 e 1955). Era tarefa do geógrafo descrever a terra, definir suas fronteiras e identificar os recursos disponíveis para a construção de uma poderosa nação-estado; era tarefa do sociólogo e educador identificar os elementos culturais que estavam transformando o país em uma sociedade moderna, nos moldes ocidentais.

Nos anos 60 e 70 a economia passou a ter precedência sobre a geografia. O Instituto foi colocado sob uma nova Secretaria ou Ministério do Planejamento, que incluía também o Conselho Nacional de Pesquisa e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, teve seu papel redefinido, e passou a ser o fornecedor de informações para os planos de desenvolvimento econômico do país (Fishlow, sem data). Além do mapeamento e das informações demográficas usuais, o Instituto tornou-se responsável pela organização das contas nacionais, e a sua peça central passou a ser uma ambiciosa matriz de insumo-produto (input-output) que permitiria a identificação de gargalos no sistema e a avaliação do impacto potencial dos investimentos em energia, transporte, produção de aço, petroquímicos e outros insumos na economia do país. A França, de novo, pode ter fornecido o modelo intelectual e organizacional – não mais os geógrafos, mas os economistas do Institute National de la Statistique et des Études Économiques (INSEE), o órgão de estatística central da França, em combinação com a assistência técnica vinda dos Estados Unidos. Toda uma nova geração de economistas foi recrutada e incumbida de redesenhar a estratégia do Instituto, partindo do pressuposto de que todas as informações deveriam se encaixar em um modelo econômico abrangente.

Escrevendo em 1972 o então presidente do IBGE, Isaac Kerstenetzky, apresentou sua visão de como o sistema de planejamento do país deveria ser organizado, e o papel que o órgão de estatística deveria desempenhar neste grande esquema (Kerstenetzky, 1972) :

A teoria da política implícita no modelo sinóptico ou de decisão segue uma seqüência que é o inverso daquela usada na análise econômica convencional. Primeiro, identificamos algumas metas que consideramos desejáveis; em segundo lugar, procuramos definir o que deveria ser feito de maneira a manipular os instrumentos que temos à nossa disposição para atingir nossas metas. (9)

E mais adiante:

O conjunto de atividades no campo da estatística e pesquisa sócio-econômica iria reunir e organizar dados e conduzir estudos necessários para construir modelos com os aspectos mais relevantes da estrutura sócio-econômica do país. Tais modelos permitiriam a identificação de trajetórias alternativas de desenvolvimento. O setor político, baseado numa avaliação dos principais objetivos sociais, estabeleceria um plano de acordo com a trajetória escolhida (sublinhados no original). (10)

A associação entre geografia, estatística e planejamento econômico não era difícil de justificar, pelo menos em princípio(11): o planejamento não deveria ser feito pela simples manipulação de variáveis macroeconômicas, mas pela direta intervenção na paisagem física e econômica do país. Mas não era tão fácil ligar esse projeto totalizante à consciência de que a modernização do Brasil estava deixando uma grande parte de sua população à margem e afetando a sociedade de modos imprevisíveis. Nem a geografia nem a economia forneciam boas respostas para estas questões, e um grupo de antropólogos sociais foi convidado a desenvolver um sistema de indicadores sociais que deveriam, assim se esperava, ser integrados com o modelo global de planejamento econômico, tornando-o mais humanitário e consciente socialmente.(12)

Na prática, a economia brasileira nunca foi dirigida a partir do Ministério do Planejamento (13), e é duvidoso que os dados produzidos pelo Instituto de Estatística tenham jamais sido utilizados sistematicamente pelos governos para seu planejamento de longo prazo, exceto em termos muito gerais. Mas a imagística do planejamento teve profundas conseqüências para a organização interna do Instituto. Agora cada linha de pesquisa poderia ser considerada como tendo um lugar definido dentro de um quadro coerente, e não poderia ser facilmente questionada ou modificada. Enquanto a imagística do planejamento mantivesse seu apelo, a legitimidade do órgão permaneceria intacta. Quando, anos mais tarde, o órgão passou por um período difícil de falta de recursos e perda de prestígio, a interpretação usual para a crise entre seus técnicos era de que ela era uma conseqüência da perda da capacidade de planejamento por parte do governo. Hoje, sua organização e agenda de pesquisa são ainda muito semelhantes às daqueles tempos, e é difícil reconciliá-las com o atual ceticismo a respeito do planejamento centralizado e das políticas intervencionistas de governo.

A própria estatística, no entanto, como uma disciplina, não parece ter sido jamais um componente intelectual central da constituição profissional e técnica do Instituto.(14) Em uma tentativa de seguir a tradição francesa das "grandes écoles" controladas pelo governo, o IBGE criou a sua própria Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), que deveria se tornar a sua principal fonte de recrutamento profissional. Embora a escola ainda exista, ela nunca preencheu tal papel, por várias razões. O instituto nunca teve sucesso no seu esforço de assegurar emprego para profissionais formados pela ENCE(15); como um estabelecimento isolado, ele não foi capaz de se manter a par dos desenvolvimentos científicos e intelectuais do seu campo, e perdeu lugar para outros cursos e programas em universidades; e, acima de tudo, os estatísticos não pareciam dominar o conhecimento e as técnicas associadas com a imagística de planejamento então prevalecente.

Seria interessante examinar até onde essa experiência brasileira foi singular ou semelhante ao que aconteceu em outros países. À medida que outros assuntos são incluídos nas agenda dos departamentos de estatística - questões como emprego, educação, saúde, agricultura, condições ambientais, participação social e política, raça, linguagem, discriminação social –, o perfil profissional das instituições de estatística também se modifica. Outras identidades profissionais – a dos economistas, naturalmente, mas também a dos sociólogos, educadores, especialistas em ambiente e saúde – podem ser mais fortes, em muitas agências estatísticas, do que a do próprio estatístico. É possível argumentar que estas outras profissões são, sobretudo, usuárias de informações, enquanto que são os estatísticos que detêm os conhecimentos, o treinamento e a cultura profissional desenvolvida para as atividades de amostragem, coleta, processamento e validação de dados, típicas do trabalho diário das agências de estatística. Mas na prática, hoje, a estatística, enquanto matéria acadêmica, é essencialmente um ramo especializado da matemática, enquanto que as técnicas estatísticas são um componente cada vez mais presente da formação profissional em todos os campos relacionados com o social e o econômico, e grandemente simplificada por software prontos para a utilização. Em muitos países, essas especialidades separadas estão associadas com a multiplicação de instituições estatísticas – os Estados Unidos são provavelmente o extremo, com várias dezenas de instituições nacionais de estatística funcionando de forma separada - mas não o único caso. Quando os departamentos de estatísticas são unificados – como no Brasil ou no México, que incluem também geografia – a conseqüência pode ser o desenvolvimento de culturas técnicas internamente diferenciadas, muitas vezes mais relacionadas com as áreas acadêmicas respectivas do que com outros setores de dentro da instituição.

À fragmentação de disciplinas acadêmicas deve-se acrescentar a tendência generalizada das instituições e centros de pesquisa a se tornarem muito mais pragmáticos e orientados por metas do que no passado. Existe crescente ceticismo a respeito de sistemas abrangentes de análise e interpretação social, ceticismo este associado ao abandono do planejamento abrangente como ferramenta de política de governo e com a expansão da pesquisa aplicada orientada por metas e produtos. Um importante elemento dessa mudança é a queda das barreiras disciplinárias e o desenvolvimento de todos os tipos de cooperação e de redes interdisciplinares e interinstitucionais, em todos os campos do conhecimento (Gibbons e outros, 1994). Essas tendências estão relacionadas, por sua vez, às crescentes pressões sobre as universidades e institutos de pesquisa, no sentido de que estabeleçam elos mais íntimos com a indústria e se relacionem com outros grupos sociais além dos estudantes convencionais – que deixem a torre de marfim e respondam mais pragmaticamente às demandas de curto prazo. Para os institutos de estatística, essa tendência leva a um movimento no sentido de substituir os grandes sistemas abrangentes de informações estatísticas por um trabalho mais orientado para produtos, temas e serviços específicos, que afetam não só as formas pelas quais os dados são distribuídos e divulgados, mas também as maneiras pelas quais eles devam ser coletados e analisados.

Traduções e controvérsias

Argumentamos até aqui que existem fortes estímulos, no campo das estatísticas públicas, para procurar números unificados e consistentes e conceitos que sejam aceitos por uma ampla gama de atores, incluindo os cientistas sociais de diferentes disciplinas, estatísticos profissionais, burocratas de órgãos de estatística, governos, legisladores, grupos de interesse, a imprensa, partidos políticos e organizações internacionais. Para cada ator, a vantagem de conceitos e números unificados é que eles podem sempre argumentar que não estão apenas defendendo seu próprio interesse, mas fazendo uso de dados "objetivos" e "científicos" acima de qualquer discussão. Ao mesmo tempo, eles prefeririam trabalhar com números e conceitos que fossem mais convenientes e adequados a suas respectivas culturas profissionais e interesses. Em outras palavras a tendência para a unificação não acontece sem tensões, uma vez que está sempre em jogo quem irá estabelecer os padrões e controlar o processo de produção e avaliação de dados. Estas tensões encontram meios de expressão e campo fértil nas fissuras e inconsistências que tem lugar nos processos de tradução entre diferentes atores e ambientes em que a produção e o uso das estatísticas públicas se dão.

Michel Callon usa o conceito de "tradução" no sentido de transformação, de converter os atores em alguma outra coisa. "Traduzir é deslocar". "A tradução é o mecanismo pelo qual os mundos social e natural progressivamente tomam forma. O resultado é uma situação em que certas entidades controlam outras" (Callon, p. 223-224). Utilizo o termo aqui em um sentido mais tradicional, também adotado por Glifford Geertz (1983): traduzir é ser capaz de se comunicar, mesmo que imperfeitamente, entre culturas e linguagens que permanecem diferentes. O que é natural e apropriado na academia pode ser questionável e problemático em outros contextos (16). Uma vez publicadas, as estatísticas públicas ganham vida própria, o que normalmente não é plenamente compatível com o modo com que elas são construídas. Às vezes elas são traduzidas em decisões que envolvem obrigações legais; às vezes são recebidas pela imprensa e traduzidas para o público geral em termos simplificados. Às vezes elas são aproveitadas pelos partidos políticos e organizações não-governamentais, que as utilizam para justificar suas ações. Sempre que conceitos e expectativas de um setor são utilizados para avaliar o que acontece em outro, tensões e mal entendidos tendem a ocorrer. Ainda assim, uma vez que existe uma tendência de cada setor a procurar sua legitimação alhures, mantê-los separados é impossível. Os exemplos abaixo, tirados da experiência brasileira dos últimos vários anos, ilustram isso.

Tradução I – da pesquisa empírica a direitos legais

Salários, aluguéis e outros preços no Brasil com freqüência têm sido vinculados aos índices de custo de vida, que não podem ser definidos em termos probabilísticos. Da maneira que isso é feito, o presidente do órgão de estatística assina um ato oficial a cada mês anunciando qual é o número oficial da inflação. O que diferencia este ato de um decreto arbitrário é o pressuposto de que este número foi obtido através da utilização de procedimentos cientificamente válidos, abertos a qualquer um que os queira inspecionar e reproduzir. Na prática, as coisas são muito mais complicadas. Embora os procedimentos estatísticos gerais, técnicas de amostragens e ponderações sejam públicos, os detalhes são mantidos confidenciais para proteger a privacidade dos informantes, e para proteger o índice da manipulação externa, real ou presumida, inclusive pelo próprio governo. Limites de erro amostrais normalmente não são divulgados, e os sistemas de coleta e processamento de dados, incluindo os pesos atribuídos aos diferentes itens nas "cestas" de produtos, a partir das quais os índices são calculados, são mantidos estáveis por longos períodos, apesar das mudanças constantes nos hábitos de consumo dos diferentes grupos populacionais. Essa situação é tornada ainda mais complicada pela existência de vários índices de inflação, produzidos pelas mesmas ou diferentes instituições, que levam a resultados nem sempre convergentes. Essas diferenças não são difíceis de explicar em termos técnicos mas, especialmente em tempos de inflação alta, são quase impossíveis de explicar para o público. Para o especialista, os preços claramente não sobem e descem ao mesmo tempo no todo da economia, e a existência de diferentes instituições produzindo estimativas independentes de dados similares pode ser vista como uma característica positiva de uma sociedade aberta e democrática. O governo, no entanto, precisa de apenas um número para estabelecer sua política, e pode suscitar suspeitas quanto à sua propensão a escolher, entre vários indicadores, aquele que melhor o atende.

Outro exemplo está relacionado às estimativas populacionais. No Brasil, as projeções anuais de população dos municípios, feitas pelo IBGE, são em princípio utilizadas para distribuir parte dos recursos dos impostos federais entre os municípios (o "Fundo de Participação dos Municípios"). Por causa dessa legislação, e de regras que impediam que os municípios que se desmembrassem tivessem suas quotas reduzidas, o número de municípios no Brasil aumentou cerca de 50% em poucos anos, atingindo um valor próximo a seis mil, e em cada caso foi pedido ao IBGE que informasse a população e os limites da nova jurisdição. A qualidade dos números fornecidos, entretanto, depende da qualidade do recenseamento populacional anterior (o último realizado no Brasil foi o de 1991, antes da Contagem Populacional de 1996) e de pressupostos relativos a padrões de migração e taxas de natalidade e mortalidade derivadas de diferentes estudos. Erros estatísticos são inevitáveis, e tendem a se tornar tanto maiores quanto menor é o grupo populacional ao qual as projeções se referem, ou quanto mais distante é o ano de produção dos dados originais. Além disso, uma das principais descobertas do recenseamento brasileiro de 1991, confirmada pela Contagem de 1996, foi uma dramática redução nas taxas de natalidade, levando a uma população muito menor, e projeções muito mais baixas para os anos 90, do que o que era geralmente esperado. Milhares de reclamações e pedidos enviados por municípios, requisitando uma revisão das estimativas populacionais, inundaram o órgão de estatística. O Tribunal de Contas da União decidiu continuar a usar as estimativas populacionais dos anos 80 em vez daquelas baseadas no recenseamento de 1991, para a distribuição de recursos. Em 1996 o IBGE obteve apoio governamental para fazer uma enumeração populacional de meio-de-década para ajustar as estimativas populacionais do país. Os especialistas em população do Instituto acreditavam que isto era necessário por razões técnicas, e o pedido orçamentário obteve amplo apoio no Congresso, em grande parte devido às reclamações dos municípios. Os dados de 1996 confirmaram e em muitos casos acentuaram ainda mais as projeções anteriores de crescimento populacional decrescente. Os dados agora são tecnicamente melhores, mas a insatisfação e os qüestionamentos dos municípios que não cresceram continuam intensos.

Outros exemplos poderiam ser tirados das atividades cartográficas e geográficas. As fronteiras entre países, estados e municípios dependem de mapas detalhados e precisos mas, antes disso, de decisões legalmente válidas, baseadas em acordos, negociações, litígios e mesmo guerra. Se um conflito não pode ser decidido pela força ou negociação, quem sabe seria possível obter uma solução "técnica" para o problema, vinda do instituto geográfico do país? Se se soubesse como dividir a região marítima entre os estados do Paraná e Santa Catarina, que estão voltados um para o outro no Atlântico, se saberia também quanto cada um deveria receber de royalties sobre o petróleo que é produzido pela Petrobrás naquela área. Uma vez que não existe uma solução técnica única para o problema (linhas retas podem ser desenhadas com base em diferentes tipos de pressupostos relativos a uma linha costeira irregular), o Instituto está sob constante acusação de uma parte como estando favorável à outra, enquanto que é impossível para as partes obterem uma decisão legal da Suprema Corte.

O padrão em todos estes exemplos é semelhante. Existem interesses em conflito, e o órgão de estatística é convocado a fornecer uma solução técnica. É um pedido por arbitragem, que é normalmente melhor para as partes envolvidas do que um conflito prolongado. Mas os árbitros geralmente decidem em favor de wm dos litigantes, e portanto podem ver sua autoridade questionada pelo perdedor. Para desempenhar seu papel, o árbitro tem que convencer os litigantes que suas virtudes morais, legais e técnicas estão acima de qualquer dúvida ou crítica. Há um processo constante de tradução em andamento – conflitos de interesse sendo traduzidos em questões técnicas, e processos técnicos e científicos sendo traduzidos em decisões com peso de lei. Como em qualquer tradução, a comunicação entre diferentes linguagens e culturas é possível, mas algo é também perdido no processo.

Tradução II – das preocupações sociais para a pesquisa estatística

Os economistas e sociólogos profissionais dizem normalmente que os conceitos, categorias e procedimentos utilizados nas suas pesquisas derivam de teorias sociais e econômicas em seus campos de pesquisa. Na prática, a sociedade coloca demandas sobre os institutos de estatística que não apenas não derivam de modelos teóricos e conceituais existentes, mas que são com freqüência extremamente difíceis de conceituar e medir de maneiras tecnicamente aceitáveis. Três exemplos que se destacam são raça, pobreza e emprego.

Deveriam as estatísticas brasileiras incluir números sobre raça? O Brasil é um país multirracial (índios nativos, colonizadores portugueses e holandeses, escravos negros africanos, colonos alemães e italianos, imigrantes da Europa Central, judeus, além de imigrantes árabes e japoneses neste século) com uma grande população miscigenada. A discriminação racial é crime, mas existe evidência de que a raça (ou a cor da pele) está fortemente relacionada a todos os indicadores de mobilidade e bem-estar social. A discriminação social, mesmo quando não explícita, é comum. Diferentemente dos Estados Unidos, no entanto, a linha que divide brancos e negros é pouco precisa. Nos Estados Unidos alguém é "negro" se um de seus pais (ou mesmo avós) é negro; no Brasil diferentes tons de negritude trazem diferentes definições sociais, e é muito fácil "passar" de uma raça para outra se se consegue associar um tom de pele mais claro com alguma educação e uma renda razoável. A interpretação dominante é que no Brasil não existe uma "questão racial" central, mas uma ampla questão social, e uma alta correlação entre pobreza e a cor da pele, explicada pela história ainda relativamente recente da escravidão negra. Por algum tempo, a raça foi mantida fora dos recenseamentos e das estatísticas oficiais. Primeiro, por que seria impossível fazer uma classificação racial "objetiva" da população, dados os altos níveis de miscigenação; e em segundo lugar; por que o levantamento de números sobre raça poderia levar ao desenvolvimento de clivagens raciais que antes não existiam.

Quando a questão sobre raça foi finalmente introduzida no questionário de recenseamento de 1980, ela foi colocada em termos de "cor da pele", e as respostas eram classificadas em negro, branco, pardo e amarelo, a última combinando descendentes de japoneses e chineses com índios nativos.(17) Uma vez que se tratava de uma auto-classificação, a resposta poderia apenas ser interpretada culturalmente. Os dados confirmaram que a raça ou cor da pele tinha um efeito independente sobre condições sociais, mas não questionavam a visão dominante de que a raça (ou cor) não era critério a ser utilizado para política social. Mais recentemente, no entanto, tem havido uma demanda de grupos de militantes negros no sentido de se introduzir políticas de ação afirmativa semelhantes àquelas adotadas nos Estados Unidos, demanda essa que inclui a introdução de questões raciais em todos os tipos de documentos públicos, incluindo o registro de nascimento, casamento e morte. A expectativa é que, através disso, uma classificação racial seja introduzida na sociedade brasileira, criando direitos a benefícios sociais e econômicos. O argumento é que essa classificação já existe, e apenas não é bem retratada pelas estatísticas existentes; a visão oposta é que a coleta desses dados iria acentuar e deslocar as atuais questões sociais para outras arenas, convertendo as auto-classificações raciais atuais, que são flexíveis, em categorias estanques. A longo prazo, as pessoas poderiam fixar suas identidades de acordo com a classificação oficialmente definida, e a identificação racial poderia ser requerida em carteiras de identidade e mesmo em faixas no braço,; clivagens raciais acentuadas e intimidantes, que não existem hoje, poderiam se materializar, em um tipo amedrontador de profecia auto-cumprida.

A pobreza e o emprego, ou desemprego, são conceitos semelhantes na percepção popular, mas questões muito diferentes tanto do ponto de vista histórico como do ponto de vista das estatísticas oficiais. Desrosières associa os primeiros estudos estatísticos sobre a pobreza com a Inglaterra do século XIX, e a emergência das estatísticas de desemprego com o New Deal quase um século mais tarde (Desrosières, 1993). A pobreza tem sido uma presença constante na história do homem, mas o seu significado tem se modificado através do tempo (Castel, 1995). A maior parte das pessoas em sociedades tradicionais eram pobres, e isso era aceito como natural e inevitável. O pauperismo se torna uma questão pública quando os pobres são deslocados de seu ambiente e padrões de vida usuais, e levados para fora de suas regiões à procura de comida, abrigo ou trabalho. A pobreza foi uma fonte constante de preocupação e debate na Inglaterra desde o início da revolução industrial, sendo que a maior parte da discussão se voltava para a questão de se os pobres deveriam ser tratados como vítimas, tendo portanto direito à proteção e apoio, ou como moralmente ineptos, devendo ser deixados a seu próprio destino. A segunda visão acabou por prevalecer não apenas entre economistas liberais mais radicais, mas para o próprio Marx, com seu conhecido desprezo pelo lumpenproletariat. A pobreza se torna uma questão moral, uma questão de caráter ou boa vontade, não algo relacionado à maneira com que a sociedade era organizada.

Sc você não trabalhasse, mas quisesse fazê-lo, você não era pobre, mas desempregado. Flutuações econômicas criavam desemprego, e a crise de 1929 produziu milhões de desempregados nos Estados Unidos e na Europa. Diferente da pobreza, o desemprego era entendido como um subproduto cíclico da economia industrial moderna, e mecanismos deveriam ser criados para reduzi-lo, ou compensar suas conseqüências. Todo mundo, em princípio, deveria ter um emprego estável, e alguma ação era necessária quando isso não acontecia. Políticas anti-cíclicas, de um lado, e compensação pelo desemprego, de outro, foram marcos do capitalismo do Estado do Bem-Estar Social do pós-1929. O desemprego tinha que ser medido através de estatísticas adequadas, mas não deveria ser confundido com pobreza. Estar desempregado era um atributo de trabalhadores industriais, não de pessoas fora do sistema produtivo – donas-de-casa, idosos, mendigos, o lumpenproletariat. A definição estatística padrão atual de desemprego, adotada e implementada pela Organização Internacional do Trabalho, mede exatamente isso. Desempregados são aqueles que estão sem emprego, mas que estão ativamente procurando por um, ou vivendo de benefícios de desemprego. Se você não está procurando por um trabalho, se você vive de assistência social, se você vive de doações de sua família, se você mendiga nas ruas, você não está desempregado, mas simplesmente fora da população economicamente ativa. As estatísticas de desemprego se tornaram um excelente instrumento para medir as flutuações de curto prazo da atividade econômica, e a utilização generalizada de metodologias semelhantes permitiu comparações internacionais significativas.

O pressuposto de que todos devam ter um emprego estável, no entanto, está sendo questionado nos países industrializados, e nunca realmente existiu nas sociedades subdesenfolvidas e em desenvolvimento. A preocupação com o fato de que o desenvolvimento econômico estava deixando grandes segmentos da população à sua margem levou à emergência da marginalidade, primeiro (Germani, 1973) e da pobreza, mais recentemente, enquanto objetos de pesquisa social e, gradualmente, ao estabelecimento de procedimentos estatísticos regulares em órgãos de estatística. As estatísticas sobre a pobreza e o desemprego se desenvolveram independentemente e hoje no Brasil elas estão sujeitas a duas controvérsias bastante distintas.

A controvérsia do desemprego se centra na existência de duas pesquisas regulares e independentes sobre desemprego no Brasil. Uma, a PME (Pesquisa Mensal de Emprego), é feita pelo IBGE, e a outra, a PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego), é realizada pelo órgão de estatística do Estado de São Paulo, a Fundação SEADE, em associação com um centro de pesquisa mantido pelos sindicatos, o DIEESE, e replicada em várias capitais. O aspecto mais evidente da controvérsia é que os números da PED são consistentemente mais altos do que aqueles da PME. Parte da diferença é bem explicada em termos técnicos: a PME é centrada no conceito de "desemprego aberto", enquanto que a PED inclui também "desemprego oculto" e situações de trabalho precário. Mas mesmo quando essa diferença é eliminada na análise e são feitas comparações para um mesmo período de referência, ainda assim surgem discrepâncias, que podem ser atribuídas à seqüência na qual as questões são apresentadas aos entrevistados durante o trabalho de campo, à duração das entrevistas e a outros detalhes técnicos. As diferenças técnicas entre duas pesquisas não parecem ser incontornáveis, embora essa afirmação por si própria possa ser controversa. Alem dos números finais, ambas as pesquisas medem diferentes tipos de desemprego (aqueles que estão procurando por empregos na última semana, ou no último mês, por exemplo). Ambas incluem informação sobre a qualidade dos empregos que se tem, distinguindo entre emprego estável (o que no Brasil requer um contrato formal e o pagamento de diversos impostos de previdência social) e diferentes tipos de trabalho precário.

O Ministério do Trabalho do Brasil, que provê fundos para a pesquisa do SEADE – DIEESE, tomou a iniciativa de reunir especialistas e as diversas instituições envolvidas, e promover a unificação destas diferentes pesquisas. A previsão é que uma pesquisa unificada passará a existir a partir de 1999, com maior cobertura territorial e temática. A razão pela qual uma solução técnica não é prontamente fornecida para reconciliar as duas pesquisas é que existem muitos outros níveis nessa controvérsia além do nível técnico. Parte da discussão é precisamente com relação a se as diferenças entre as duas pesquisas são apenas técnicas ou se têm um conteúdo subjacente ideológico ou político. A arena da controvérsia muda completamente se se aceita uma ou a outra interpretação; ou, inversamente, pode-se desejar deslocar a controvérsia para aquela arena onde se sente mais forte. O fato de que uma pesquisa é conduzida pelo Governo Federal e a outra por uma instituição associada aos sindicatos pode ser utilizado de ambos os lados como um argumento para a hipótese política. E uma pesquisa unificada tem também implicações institucionais, já que afeta a distribuição de recursos e a atribuição de responsabilidades quanto ao trabalho de campo, processamento das informações, disponibilização e publicação dos resultados.

A controvérsia sobre a pobreza se desenvolve em torno da questão de quantos pobres e indigentes existem no Brasil: os números podem variar de 8 a 64 milhões, para um população de 157 milhões. Uma controvérsia semelhantes existe a respeito do número de crianças pobres que vivem nas ruas do país, com os números variando de alguns milhares a vários milhões. Contrariamente à controvérsia do desemprego, todos os dados utilizados na controvérsia da pobreza advém de uma única fonte, o IBGE.

Esta questão tem um óbvio apelo em termos de opinião pública, e números absolutos de pobres, indigentes e crianças carentes são avidamente buscados pela imprensa brasileira e internacional. A marginalidade e a pobreza são questões moralmente carregadas, levantadas por grupos religiosos, instituições de caridade e, mais recentemente, por organizações internacionais que tendem cada vez mais a colocar o tema da pobreza no topo de suas agendas. Sociedades com altos índices de pobreza são vistas como moralmente condenáveis, requerendo, conseqüentemente, uma mudança de atitude que possa levar a um compromisso ético de não permitir que esta situação persista. Nesta perspectiva, as questões de emprego e desemprego como indicadores da atividade econômica passam necessariamente ao segundo plano. De outro ponto de vista, no entanto, parece óbvio não basta a indignação: é necessário identificar as ações que possam ter impacto significativo de redução da pobreza, o que requer, por sua vez, informação detalhada e bem diferenciada com relação às necessidades e condições de grupos específicos, para os quais políticas também específicas poderiam ser então elaboradas.

A inclusão da temática da pobreza na agenda de organizações internacionais tem levado a uma busca quase impossível por uma definição "objetiva" de pobreza, que sirva de base para comparações internacionais e medição de progresso através do tempo (Nações Unidas, 1996; Banco Mundial, 1993; Rocha, 1992; Barros e outros, 1994). Que dados utilizar? A renda declarada pela população em uma pesquisa ou recenseamento nacional é um dado obviamente inadequado, não apenas devido a declarações falseadas para menos, mas também devido a problemas incontornáveis de taxas de câmbio e dos diferentes pesos de rendimentos não monetários em diferentes regiões e culturas. Outra alternativa é medir as condições de nutrição e saúde da população, mas a informação sistemática sobre essas questões é difícil de obter e não existem definições consensuais de seu significado exceto em condições extremas. Outra possibilidade é tentar definir uma cesta mínima de produtos considerados essenciais à sobrevivência, e usar o acesso a essa cesta como uma linha divisória. Hábitos de consumo diferentes, diferente disponibilidade de produtos de primeira necessidade e, para comparações internacionais, taxas de câmbio flutuantes, tornam essas avaliações extremamente inconfiáveis e instáveis.

Essas dificuldades não significam, naturalmente, que as questões de pobreza devam ser deixadas de lado. É possível - e necessário - medir e comparar indicadores de desigualdade social, e desenvolver instrumentos para avaliar quão diferentes os grupos populacionais são em face de problemas de privação social, e as políticas alternativas que poderiam ser concebidas para prover suporte a esses grupos. Números globais significam muito pouco, por que eles variam amplamente dependendo de diferentes pressupostos, e em todo caso abrangem muitas situações e condições sociais diferentes. Da perspectiva da opinião pública, no entanto, como refletida na imprensa escrita e por grupos militantes envolvidos em questões de pobreza, números diferentes são uma demonstração inaceitável de "confusão estatística", "falta de clareza" ou ofuscação tecnocrática.

Conclusão: a sociologia da ciência e o futuro das estatísticas públicas

A sociologia da ciência pode prover à estatística pública o mesmo serviço que ela presta para a ciência e a tecnologia em geral: mostrar como a produção de conhecimento é organizada em um campo particular, os diferentes atores que tomam parte na sua produção, as traduções complexas, as mudanças de significado, interpretação e responsabilidades que têm lugar, e os conflitos e alianças cambiantes que acompanham todo esse processo. Não é propósito desse artigo tomar partido em controvérsias, ou tomar posição contra ou a favor da "ciência", mas explicitar o que é com freqüência implícito e não dito e, nesse processo, realizar um trabalho que é útil e necessário. É uma tarefa arriscada. Sempre que se faz traduções e se que busca um fundamento técnico para controvérsias e questões típicas das esferas política, legal e da opinião pública, começam-se a se revelar as incertezas que também existem na área técnica. A primeira e típica reação dos órgãos de estatística a essa invasão de seu domínio técnico é enrijecer sua posição: "este é o número correto, nós fazemos isso cientificamente, nós somos legalmente autorizados a fazê-lo, nós defendemos nossa tradição e reputação, nossos procedimentos técnicos são por demais complexos (ou confidenciais) para vocês examinarem e entenderem". Esta reação pode limitar a capacidade do órgão de aprimorar sua metodologia e permanecer aberto a críticas, inovações e novas abordagens; mas pode ser bem sucedida a curto prazo, uma vez que ela reduz a ambigüidade. A reação oposta é ser mais sincero, reconhecer as limitações e escolhas implícitas presentes em todos os tipos de procedimentos estatísticos e cartográficos, e insistir que é impossível oferecer soluções técnicas a conflitos de interesse que não podem ser acomodados. Esse tipo de reação está em sintonia com o ethos da pesquisa acadêmica e os padrões usuais de honestidade intelectual, mas corre o risco de não ser bem recebida, e pode ser interpretada simplesmente como uma indicação de que falta competência ao Instituto para prover informações adequadas e inquestionáveis sobre as realidades econômicas e as necessidades sociais.

Não existe retorno, no entanto, em relação a esta segunda alternativa. A divisão estanque entre produtores e usuários de conhecimento está sendo rompida em quase toda parte, não no sentido de que a "ciência" está se tornando acessível a todos (o que de fato não ocorre), mas em dois outros importantes sentidos. Primeiro, os produtores de conhecimento estão sendo avaliados mais de perto pelo valor dos produtos que oferecem, e têm que se esforçar para levar seus produtos até o consumidor. Não é suficiente produzir estatísticas complexas para serem publicadas em extensos volumes, cheios de tabelas ou interpretados em jornais esotéricos, especializados; é necessário que os produtores de conhecimento viajem através de toda a cadeia de traduções, desde a produção dos dados até a divulgação do produto, certificando-se de que as traduções são confiáveis e críveis. Em segundo lugar, graças em grande parte aos novos recursos da informática disponíveis ao usuário informado, este é muito mais capaz de rever e reorganizar a informação que recebe para seu uso pessoal do que no passado. Para responder a essa demanda, os órgãos de estatística têm que ser capazes de viajar também na direção oposta no processo de tradução, dos produtos à produção, tornando mais abertas e explícitas as escolhas técnicas e metodológicas que são parte da vida diária de qualquer instituição de pesquisa. Quando combinadas, essas duas tendências podem tornar a vida das instituições públicas de estatísticas mais difícil do que no passado, mas talvez também mais desafiadora e interessante.

Dezembro, 1996

Notas

* Versão revista de trabalho apresentado na reunião conjunta da Sociedade de Estudos Sociais da Ciência e Associação Européia para o Estudo de Ciência e Tecnologia, Bielefeld, Alemanha, 10-13 de Outubro, 1996, sessão sobre "A Sociologia das Estatísticas Públicas", organizada pelo Comitê de Pesquisa sobre a Sociologia da Ciência e Tecnologia da Associação Sociológica Internacional. Publicado em Teoria & Sociedade (Revista dos Departamento des Ciência Política e de Sociologia e Antropologia, Universidade Federal de Minas Gerais), vol. 2, dezembro 1997, 9-38. Publicado em inglês em Science, Technology & Society 1999, 4, 1, Jan-June, 1-34

1. Uma análise muito interessante do desenvolvimento de classificações profissionais nos órgãos de estatística da França, Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos pode ser encontrada em Desrosières, 1990.

2. Existe uma crescente produção de literatura especializada sobre o desenvolvimento de práticas estatísticas contemporâneas, mas pouco, parece, em termos de comparações sistemáticas entre países. Referências bibliográficas extensas sobre desenvolvimentos históricos anteriores e contemporâneos são fornecidas por Alain Desrosières, nas suas publicações. Como amostra, veja Bulmer, Bales e Kish Sklar, 1991; Fourquet, 1980; INSEE, 1977 e 1987; Wagner, Wittrock e Whitley, 1991.

3. Essa observação vem de "Le fardeau moral d’un porte-clefs", em Latour, 1993b, 47-55, e outros textos correlatos naquele volume.

4. Este artigo é acompanhado por comentários feitos por Katherine K. Wallman, Estatística-Chefe do Departamento de Administração e Orçamento dos Estados Unidos, e outros. Fica claro, a partir dos comentários da senhora Wallman, que as instituições estatísticas nos Estados Unidos não desfrutam do mesmo grau de legitimidade que seus pares canadenses.

5. Existe um óbvio paralelo, aqui, com duas das fontes de legitimidade política definidas por Max Weber, racionalidade e tradição. Pode se especular a respeito do possível papel da terceira - carisma -, neste contexto.

6. "Tudo isso leva ao seguinte: a credibilidade ceteris paribus é uma função do grau de ameaça (aguda ou difusa, amplamente disseminada ou estreitamente enfocada); do elemento de surpresa (notável em pesquisas one-off); do valor de "fofoca" da estatística; e de se sua publicação tem lugar em um ambiente em rápida transformação. Esses elementos não são exaustivos, mas sim indicativos do tipo de análise que a reação pública às atividades de uma agência pública requer."( Jacob Ryten, comunicação pessoal).

7. Penha, 1993. Ver as referências bibliográficas para fontes da história do IBGE, disponíveis na Biblioteca do Instituto, no Rio de Janeiro.

8. O Brasil, junto com o México, é um dos poucos países que juntam as atividades estatísticas, cartográficas e geográficas na mesma instituição. As razões desta peculiaridade não são muito claras, mas ela é coerente com a visão alemã a respeito das funções de conhecimento integrado das localidades e regiões.

9. "A teoria da política, contida nos modelos de tipo sinóptico ou de decisão, apresenta (...) uma seqüência inversa à da análise econômica convencional. (...) Identificamos, em primeiro lugar, alguns objetivos que consideramos desejáveis e indagamos, em seguida, o que deve ser feito de modo a manipular os vários meios (instrumentos) à nossa disposição no sentido de alcançar os objetivos desejados".

10. "O conjunto de atividades da área de estatística e pesquisa sócio-econômica reuniria e sistematizaria dados e realizaria estudos capazes de permitir a construção de modelos com os aspectos mais salientes da estrutura sócio-econômica do país. Estes modelos permitiriam a identificação de trajetórias alternativas de desenvolvimento. A esfera política, em função da avaliação dos grandes objetivos sociais, estabeleceria um plano de ação segundo a trajetória escolhida".

11. Na prática, houve problemas, às vezes graves, como no início dos anos 50, quando todo o sistema estatístico organizado por Teixeira de Freitas foi colocado sob a ameaça de um novo presidente designado para o instituto, um militar associado à área da cartografia (Freitas, 1952).

12. Em anos recentes tem sido feito um esforço para incluir questões ambientais neste grande esquema. A idéia, apresentada por organizações internacionais e já sendo testada em diversos países, é desenvolver sistemas nacionais de "contas ambientais", que poderiam ser ligadas às contas nacionais, assim se espera, com medidas associadas de "bem-estar humano", ou desenvolvimento humano.

13. Ainda hoje, o Ministério do Planejamento é responsável pelo processo orçamentário, investimentos e planejamento geral de longo prazo, enquanto que o Ministério da Economia, através do Banco Central, maneja as principais variáveis econômicas, tais como as taxas de câmbio e de juros e o controle dos gastos do governo.

14. O estatístico italiano Giorgio Mortara forneceu, por muitos anos, a principal orientação intelectual e profissional do Instituto em questões de estatística (Mortara,1985).

15. No serviço público brasileiro, apenas os militares e o serviço diplomático podem garantir emprego para alunos de suas instituições educacionais.

16. René Padieu fornece a seguinte lista de contrastes entre conceitos jurídicos e estatísticos, a partir de sua experiência no INSEE, mostrando como a questão é geral: "o status jurídico de empresas versus natureza econômica ou feição organizacional; casamento oficial versus concubinato; regras fiscais para avaliação de estoques e desvalorização de equipamento versus "consumo de capital fixo" econômico, classificações de taxa e tarifa versus classificações técnicas ou econômicas; fronteira administrativa da cidade versus limite de aglomeração, etc".(René Padieu, Comunicação Pessoal). Peter Wagner sugeriu uma distinção mais sistemática entre os dois tipos de linguagem, a estatística e a jurídica: "no primeiro caso, a estatística está, por assim dizer, do lado "soft", coletando dados a partir da difusa realidade social, e é uma outra "linguagem" social, aquela da lei, que a torna "hard", criando limites reais onde antes haviam "apenas" classificações estatísticas. No segundo caso, ao contrário, o movimento é de uma observação "soft" de problemas sociais em direção à estatística como um "hardener", uma ferramenta para apreender alguma coisa fixa e identificável. Se você concorda com esta observação, poderia ser útil reverter a ordem: partir de, primeiro, o desejo de "manter as coisas juntas", que se volta para a estatística como metodologia, para (o que em alguns casos pode realmente ser um segundo passo nessa política) o caso onde classificações estatísticas são traduzidas em direitos e obrigações. E poder-se-ia pensar em exemplos onde o processo é revertido (ou ameaça ser revertido): quando direitos legais são abolidos, os números perdem o seu significado e o mundo social volta ao difuso." (Peter Wagner, Comunicação Pessoal).

17. Essa classificação deve ser comparada com a classificação usual adotada nos Estados Unidos entre "brancos anglo-saxãos", "negros", "índios americanos" e "hispânicos".

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