Inexigibilidade de Advogado
nos Procedimentos de Jurisdição Voluntária

  1. Introdução
  2. Natureza Jurídica dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária
  3. Ordem Constitucional e Acesso à Justiça
  4. Do Rito dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária
  5. Inexigibilidade de Advogado Como Meio de Acesso à Justiça
  6. Proposta de Simplificação
  7. Conclusão
  8. Referências bibliográficas

INTRODUÇÃO

A ordem jurídica estabelecida no Estado brasileiro a partir da Constituição de 1988 busca a realização do Estado Democrático de Direito, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Nesse sentido, faz-se necessária a criação de mecanismos que possibilitem maior acesso aos órgãos judiciários ou mesmo administrativos a fim de que este desígnio constitucional se efetive.

Por outro lado, há conceitos jurídicos que merecem uma análise mais cuidadosa para ser compreendidos de maneira a se adequar à ordem jurídica vigente, com a proposta do texto constitucional e, desse modo, realizar o seu papel de garantia/instrumento do bem comum.

Na discussão do tema, objetiva-se definir os conceitos básicos necessários à sua compreensão, mormente os de jurisdição e de suas faces contenciosa e voluntária, do apontamento das diferenças entre elas e da análise desta última na tentativa de vislumbrá-la mais claramente como atividade administrativa prestada pelos órgãos judiciários.

Toda a conceituação proposta tem por parâmetro a ordem constitucional vigente, à qual, aliás, estão submetidos os diplomas legais e a atuação dos órgãos judiciais. Numa análise hermenêutica, busca-se conciliar os princípios expressos na Constituição com os dispositivos da lei processual.

Partindo dessa perspectiva surge a proposta de simplificação dos procedimentos de jurisdição voluntária por meio da inexibilidade de advogado legalmente habilitado para iniciá-los e impulsioná-los, possibilitando o acesso a um maior número de usuários dos serviços públicos: os cidadãos. A exemplo do que ocorre nos Juizados Especiais, na Justiça do Trabalho e nos habeas corpus.

Ou, ainda, da consideração da atividade do magistrado como agente público administrativo a quem a lei confere a prerrogativa de analisar os procedimentos em questão. Ou mesmo da consideração do Ministério Público como substituto processual nestes casos, tudo mediante autorização legal.

A técnica empregada para se alcançar os resultados pretendidos foi basicamente a pesquisa bibliográfica utilizando obras jurídicas de caráter doutrinário, assim como obras históricas, filosóficas. Tais textos foram consultados nas Bibliotecas da UnB, da UPIS, do TJDF, Biblioteca Demonstrativa de Brasília, Biblioteca da Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus – BA e também no acervo pessoal da pesquisadora.

1. Natureza Jurídica dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária

1.1. Aspectos gerais sobre jurisdição

A jurisdição pode ser definida como a função estatal que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, mediante a substituição pela atividade dos órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, quer para afirmar a existência da vontade da lei, quer para torná-la praticamente efetiva, segundo Chiovenda.

Passa a existir jurisdição na medida em que o Estado monopoliza a aplicação da justiça, tomando-a formalmente para si, ainda que, na prática, o exercício da jurisdição possa ter sido, no princípio, atribuído a indivíduos que não eram agentes estatais permanentes.

Entendida como função do Estado, a jurisdição goza de autonomia e independência. Nem sempre foi assim, pois houve épocas em que as funções-poderes do Estado não estavam separadas.

Segundo Mezzomo:

"a Independência norte- americana e a Revolução Francesa representam o marco de nascimento do Estado Liberal-Iluminista, um modelo de organização politico-jurídica que se pauta pelo reconhecimento formal de direitos do indivíduo frente ao Estado (Declarações de Direitos), pelo primado da lei (Estado de Direito) e pela tripartição de poderes".

(...)

"A tripartição das funções-poderes do Estado, (...) redundou em conferir-se uma delineada autonomia entre jurisdição, função legiferante e administração, ou seja entre poderes judiciário, executivo e legislativo. Mas a separação absoluta, levada a cabo nos primeiros tempos de vigência em França, demonstrou-se ilusória, pois há pontos nebulosos, poucos é certo, em que os limites entre as funções-poderes se tornam pouco nítidos e nos quais, dependendo-se da posição que se adote, a correta diferenciação torna-se tarefa árdua, como soe ocorrer com a denominada "jurisdição voluntária". Sob a ótica de uma processualística que tenha como centro de gravidade a ação (Escola Tradicional), e se oriente pela visão carnelutiana, centrada na lide, a jurisdição voluntária é considerada atividade de administração judicial de interesses privados. Ao revés, vista por uma processualística centrada sobre a jurisdição (Escola Instrumentalista), a jurisdição voluntária jurisdição é pois prescinde-se, então da noção de lide, no sentido carnelutiano, como elemento componente do conceito de jurisdição".

Para Maximilianus Führer, "a Jurisdição caracteriza-se pelos seguintes elementos: finalidade de realizar o Direito; inércia, ou seja, o juiz em regra deve aguardar a provocação da parte; presença de lide, ou seja, presença de conflito de interesse; produção de coisa julgada, ou seja, definitividade da solução dada."

"O Direito, antes de ser monopólio do Estado, era uma manifestação das leis de Deus, apenas conhecidas e reveladas pelos sacerdotes", de acordo com Ovídio Baptista. E, ainda, "a verdadeira e autêntica Jurisdição apenas surgiu a partir do momento em que o Estado assumiu uma posição de maior independência, desvinculando-se dos valores estritamente religiosas, e passando a exercer um Poder mais acentuado de controle social".

Pode-se concluir a partir daí que a função imediata da jurisdição ou Poder Jurisdicional é a de dirimir os conflitos e decidir as controvérsias que refletem direta ou indiretamente na ordem jurídica.

"A jurisdição é criada e organizada pelo Estado precisamente com a finalidade de pacificar, segundo a lei, os conflitos de interesses das mais diferentes espécies, abrangendo não só os conflitos de natureza privada, mas igualmente as relações conflituosas no campo do Direito Público", nas palavras de Ovídio Baptista.

É uma atividade provocada a jurisdicional. Sem provocação, por meio da ação, não há jurisdição.

Isto porque a inércia é uma das principais características da atividade jurisdicional. Os juízes aguardam que os interessados lhes busquem propositalmente através da demanda ou do pedido, via ação. É o pedido condição para que o Estado se manifeste formalmente.

Ainda de acordo com Mezzomo:

"Por séculos a jurisdição teve um feição mais ou menos estável, fruto da velocidade com que se operavam as mudanças no contexto da sociedade. Quando sobreveio o Estado Liberal, a jurisdição tomou a feição que seria a mais útil ao sistema organizacional vigente, prestigiando o cunho declaratório da sentença, a separação rígida direito processo e fundamentou-se no sistema tradicional de sentença condenatória-execução forçada, adquirindo uma postura introspectiva que distanciou o processo das realidades em que ele deveria operar. Isto não causava rubores em um Estado que limitava-se a garantir direitos no plano meramente formal. Daí surgem as visões que limitam os objetivos perseguidos pela jurisdição enquanto exercício do poder jurisdicional. Chiovenda já evoluiu ao afirmar que a jurisdição visava a aplicação da vontade da lei e não mais a consecução do direito subjetivo da parte. Isto já representava um avanço ma caminhava de evolução rumo à transformação da visão da jurisdição a uma visão de ótica publicista. Mas ainda assim, vemos a postura de Carnelutti que centra sua teoria sobre a lide, o que é um apostura voltada ao direito subjetivo, embora seja inegável uma ligação entre a lide e o contexto social, pois que a lide é um conceito sociológico e não processual".

Em síntese, a jurisdição, como atividade exclusiva do Estado, prestada por intermédio do Poder Judiciário, se dá por provocação dos interessados com o objetivo de solucionar os conflitos de interesse, os litígios existentes, na "distribuição da justiça" pelo órgão competente.

1.2. Jurisdição contenciosa

A jurisdição contenciosa é a jurisdição própria ou verdadeira e tem como características a ação, a lide, o processo e o contraditório (ou sua possibilidade). Presume-se que haja um litígio que origina um processo e que produz a coisa julgada. Nessa atividade, o juiz compõe os litígios entre as partes.

Nelson Nery, comentando o art. 1º do CPC, afirma que:

"A função jurisdicional tem por escopo a pacificação social, de sorte que a solução dos conflitos é o objeto primeiro da jurisdição. O CPC estabelece regras de jurisdição contenciosa (CPC 1º ao 1102), ao mesmo tempo que regula a jurisdição voluntária (CPC 1103 ao 1210). O termo contenciosa está aqui para distinguir-se da expressão voluntária."

A jurisdição contenciosa "tem por objetivo a composição e solução de um litígio", na lição de Marcos Afonso Borges. Esse objetivo é alcançado mediante a aplicação da lei, em atividade na qual "o juiz outorga a um ou a outro dos litigantes o bem da vida disputado, e os efeitos da sentença adquirem definitivamente, imutabilidade em frente às partes e seus sucessores (autoridade da coisa julgada material)", nas palavras de Athos Gusmão Carneiro.

Há quem defenda que a expressão jurisdição contenciosa é pleonástica ou redundante, já que a própria idéia de jurisdição induz à idéia de contenda, de lide, litígio. Nesse sentido, seria mais apropriado o emprego da denominação jurisdição propriamente dita ou jurisdição em sim mesma.

Para Humberto Theodoro Júnior lide ou litígio é "um conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida". E mais, "interesse é ‘posição favorável para a satisfação de uma necessidade’ assumida por uma das partes e pretensão, a exigência de uma parte de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio". Já os bens da vida são "as coisas ou valores necessários ou úteis à sobrevivência do homem, bem como a seu aprimoramento".

Na jurisdição contenciosa há um bem da vida em disputa gerando o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida, no qual as partes buscam a subordinação do interesse adverso aos seu.

A jurisdição contenciosa comporta como elementos definidores a atividade jurisdicional; a composição de litígios; a bilateralidade da causa; lides ou litígios acerca de direitos e obrigações contrapostas; presença de autor e réu; jurisdição propriamente dita; ação; processo; legalidade estrita, na medida em que o juiz deve conceder o pedido de uma das partes, ou parcialmente a ambas, de acordo com o que está na lei; coisa julgada formal e material; presença de eventual revelia; existência ou possibilidade de contraditório.

1.3. Jurisdição voluntária

A jurisdição voluntária se dá quando, de acordo com Athos Gusmão Carneiro "a ordem jurídica deixa a critério dos particulares regularem, uns em face dos outros, suas relações, livremente criando, modificando ou extinguindo direitos e obrigações recíprocas".

A expressão "jurisdição voluntária" teve sua origem no Direito Romano, de fonte atribuída a Marciano no Digesto. É também chamada por muitos de jurisdição graciosa.

Existem três correntes que tentam explicar a natureza jurídica da jurisdição voluntária. Duas são clássicas, a corrente jurisdicionalista, que equipara a Jurisdição voluntária à jurisdição contenciosa e a corrente administrativista, que lhe confere cunho especial por ser exercida por juízes que tratam de administração de negócios jurídicos. E uma terceira corrente, a autonomista, que cria uma outra função estatal ao lado da trilogia dos Poderes, sendo a jurisdição voluntária um quarto Poder.

A corrente jurisdicionalista, conforme apregoado por Alcides de Mendonça Lima:

"sustenta que, por via da mesma, há também aplicação do Direito objetivo e tutela dos Direitos subjetivos, embora sem conflitos. Nem por isso, porém, deixa de ter a índole da Jurisdição contenciosa, porque é um modo de o juiz exercer atividade atingindo aqueles dois objetivos, mesmo visando, em regra, apenas a interesses unilaterais privados. Esta doutrina tem o amparo de juristas de diferentes nacionalidades sem aderir às idéias mais modernas que rompem com a linha que tem o pálio da própria história".

Para os adeptos dessa corrente, tal qual Marcos Afonso Borges, "o processo voluntário pertence à Jurisdição e não à administração".

José Olímpio de Castro Filho afirma que:

"Via de regra, na jurisdição, seja contenciosa ou voluntária, há tutela de interesses privados, enquanto que na administração domina a tutela de interesse público, de tal sorte que na Jurisdição, seja contenciosa seja voluntária, se trata sempre de tutelar e garantir um interesse privado protegido pela ordem jurídica e que de outra forma permaneceria insatisfeito".

Os seguidores nacionais afirmam que tal corrente é a correta, pois taxativamente a jurisdição é uma e una. Conforme Amílcar de Castro, "a jurisdição não varia de natureza". Marcos Afonso Borges prossegue dizendo que:

"Todas as vezes que a autoridade jurisdicional possa e deva fazer o que está proibido aos jurisdicionados, encontra-se a mesma jurisdição, nada importando que o assunto seja penal ou civil; não tenha havido defesa; seja esta, ou aquela, a forma do processo; com ou sem lide; seja ou não a sentença dotada do efeito de coisa julgada substancial; ou deva o próprio requerente, que não foi vencido pagar as custas."

A conceituação de jurisdição assume aqui uma feição bastante ampla. Deste modo, a atuação dos órgãos jurisdicionais está presente não apenas quando há litígio ou conflitos de interesses e alegações de direitos opostos. Mas, todas as vezes que o Judiciário se manifesta acerca do que lhe é levado a apreciar, está fazendo Justiça no caso concreto e àqueles que lhe submetem o problema, quer seja litigioso ou não. Assim, na jurisdição voluntária existem jurisdição, ação e processo.

Justificam ainda que toda atividade jurisdicional depende de "iniciativa da parte interessada", e essa é feita mediante o ajuizamento da ação. Desse modo, na jurisdição voluntária há ação, segundo a corrente jurisdicionalista, já que o ato jurisdicional está condicionado a manifestação de vontade das partes através da ação, mesmo que não haja lide.

Portanto, o processo voluntário pertence à jurisdição e não à administração. "Numa palavra: a jurisdição como Poder de julgar, é função unitária. Tem a mesma forma; a mesma natureza; e precisamente por isso, a não ser como expressão figurada, é indivisível pela essência do dividendo", de acordo com Marcos Afonso Borges.

Para sintetizar, de acordo com esta corrente o que caracteriza a jurisdição voluntária são a imparcialidade do órgão encarregado de decidir; a garantia de observância do Direito objetivo; a proteção dos interesses privados; um interesse insatisfeito provocando a atividade jurisdicional; a ausência de lide, que serve apenas para diferenciar a Jurisdição voluntária da contenciosa; a existência de Jurisdição; em havendo jurisdição, há coisa julgada como um seu efeito genérico; fazem partes de um mesmo conceito maior, o da jurisdição, tanto jurisdição voluntária quanto a contenciosa.

Para a corrente administrativista, de acordo com Alcides de Mendonça Lima "o Estado exerce, por vários órgãos, função administrativa de interesses privados para a devida validade, eficácia e segurança do ato, em certos casos previstos em lei, porém a competência é, expressamente, atribuída aos juízes".

Tal argumento é reforçado quando o mesmo autor diz o seguinte: "se todas as espécies da ora jurisdição voluntária viessem a ser transferidas para outros órgãos públicos, haveria sempre o risco de quem se sentisse lesado provocar a atuação jurisdicional". Haveria nesse caso o risco de o Estado ter que se manifestar duplamente sobre a mesma matéria. Atribuindo-se ao Poder Judiciário a apreciação desses assuntos, evitar-se-ia "a duplicação do exercício estatal na tutela dos interesses privados".

A jurisdição voluntária se prestaria, nesse caso, a satisfazer a vontade dos indivíduos, "tranqüilizando seus interesse e reduzindo as tendências de conflitos eventuais e dando segurança à ordem social".

De acordo com Dijosete Costa Júnior, "para os administrativistas, o juiz ocupa uma posição sui generis no processo voluntário, não agindo jurisdicionalmente, mas com índole administrativa, interferindo nos negócios jurídicos sendo condição sine qua non de sua realidade ou complementação. Essa atuação passa a ser constitutiva e preventiva de futuras lides".

Dada essa situação, o juiz torna-se competente para o exercício de um procedimento de caráter especial, conforme define o Código de Processo Civil.

Tem-se, portanto, de acordo com a corrente administrativista, o conceito da natureza da jurisdição voluntária como "administração pública de interesses privados por intermédio de juiz nos casos expressamente previstos em lei".

Para a corrente administrativa, portanto, na jurisdição voluntária não existe litígio nem há processo, na acepção técnica, há apenas uma medida judicial de caráter administrativo. Nesses procedimentos há interessados e não partes; mesmo modo não existe coisa julgada. Assim, não se tem propriamente jurisdição, mas administração pública de interesses privados.

Como principais argumentos negando o caráter jurisdicional da jurisdição voluntária estão a discricionariedade presente nesses procedimentos e que é característica da atividade administrativa; manifestação do interesse estatal em proteger os Direitos subjetivos: o fato de a atividade jurisdicional não ser secundária e substitutiva, nem pressupor litígio; escopo constitutivo, visando novos estados jurídicos ou desenvolvimento das relações existentes; a não aplicação do princípio dispositivo; e, finalmente, a não produção de coisa julgada.

Existe ainda a corrente autonomista segundo a qual a jurisdição não é nem voluntária nem contenciosa, e, menos ainda, função administrativa. Para os seguidores desta corrente, a jurisdição voluntária se constitui num verdadeiro quarto poder, ao lado dos três poderes estabelecidos conforme o conceito tripartido de Montesquieu.

Esta tese é defendida por Ellio Fazzalari que sustenta a jurisdição voluntária como un genus per sè stante. Reivindica-se, portanto, para a jurisdição voluntária uma posição autônoma em relação às demais funções do Estado.

2. Ordem Constitucional e Acesso à Justiça

O direito processual não pode ser compreendido separadamente, já que faz parte do sistema jurídico vigente. Por imposição hierárquica, está subordinado às regras constitucionais. Se constitui em instrumento para o acesso ao Poder Judiciário, mas não existe em si mesmo. É, antes, garante do direito material, embora seja dotado de independência acadêmica. Por outro lado, como garantia democrática e constitucional, se presta a assegurar, mesmo que apenas potencialmente, tratamento igualitário para o cidadão pelo Estado. A relação adequada entre o processo e a constituição consolida a integridade, a coerência e a validade do próprio ordenamento jurídico.

A supremacia da constituição dentro do ordenamento jurídico aponta admitir de que os mecanismos do processo devem ser orientados no sentido de dar efetividade às garantias básicas e os direitos individuais.

De acordo com Baracho:

"As garantias constitucionais do processo alcançam todos os seus participantes. O processo como garantia constitucional consolida-se nas constituições do século XX, através da consagração de princípios de direito processual, com o reconhecimento e a enumeração de direitos da pessoa humana, sendo que estes consolidam-se pelas garantias que os tornam efetivos e exeqüíveis."

E ainda:

"O Processo Constitucional tem por objeto essencial a análise das garantias constitucionais, como são vistas atualmente, isto é, como instrumentos predominantemente processuais, dirigidos a reintegração da ordem constitucional, quando ocorre o seu desconhecimento ou violação pelos órgãos do poder."

O processo está, portanto, entrelaçado com os princípios e garantias constitucionais, não podendo ser compreendido sem considerá-las.

Nesse sentido, Francisco Prates diz:

"Afere-se, claramente, que, no presente, nenhum dos ramos do direito, por estarem os mesmos em um Estado Democrático de Direito plural e complexo, podem deixar de considerar e aplicar, acima de tudo, os dois princípios nucleares de um processo libertário, quais sejam: o que garante, o mais amplamente possível, a todos os cidadãos, o acesso ao Poder Judiciário, e aquele que concretiza em toda a sua dimensão o devido processo legal, já que esses podem ser entendidos como pressupostos necessários ao exercício de todos os outros princípios."

E ainda:

"Em outras palavras, o processo, em todo seu âmbito de atuação, deve ser reinterpretado à luz dos princípios elencados na Carta Constitucional de 1988, a qual pressupõe a compreensão da idéia de cidadania em um ambiente de reconhecimento dos direitos fundamentais, os quais são fonte inegável de inclusão e integração social".

Garantir maior flexibilidade no acesso ao Poder Judiciário é, antes, fazer valer o princípio do acesso à justiça, também denominado direito ao exercício de ação e de defesa, na medida em que, em linhas gerais, possibilita a todos os cidadãos comparecerem em juízo para a defesa dos direitos que julguem estarem sendo lesados ou ameaçados. Esta garantia constitucional está expressa no enunciado do artigo 5º, inciso XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Note-se que no caso dos procedimentos de jurisdição voluntária, a lesão ou ameaça a direito se configura na impossibilidade do seu próprio exercício. Em outras palavras, quando ao cidadão são impostas barreiras que lhe impedem de livremente praticar os atos que a lei garante poderem ser praticados, que ele deseja praticar isoladamente ou em conjunto com outrem e para os quais se exige o aval judicial, este entrave pode ser caracterizado como a própria lesão ou ameaça a direito.

Do princípio de que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" decorre um divisor entre a antiga e a atual ordem jurídica. Em sendo um princípio jurídico, se configura como chave de existência de um sistema jurídico aberto, encerra noção de valor, traz fundamento ético, indica uma escolha política e aponta caminhos a ser seguidos. Depreende-se daí que, como marco democrático assumido pelo texto constitucional de 1988, deve ser compreendido em sentido amplo, pois para efetivá-lo devem ser tomadas todas as medidas que facilitem o acesso ao Judiciário.

Ratifica-se com isso a relevância da existência de mecanismos legais e supra legais que visem oportunizar a facilitação pretendida. A existência das Defensorias Públicas e a atuação do Ministério Público como substituto processual em alguns casos apontam neste sentido.

Segundo Francisco Prates:

"O acesso irrestrito ao Poder Judiciário pode ser visto como uma das maiores aquisições do processo democrático, já que representa a garantia de que todas as pessoas, de modo indistinto e sem discriminações, poderão defender os seus direitos mais elementares, configurando-se em um mecanismo fundamental para assegurar o respeito e a dignidade do ser humano, revelando ser um verdadeiro direito da cidadania".

No mesmo sentido, Baracho diz:

"O direito de ação consolida-se na compreensão de que todas as pessoas têm de obter a tutela efetiva dos juízes e tribunais, na concretização e exercício de seus direitos e interesses legítimos. A ação, considerada como direito público constitucional, é aceita pela doutrina."

"A segurança da proteção jurídica consiste no fornecimento de benefícios, através de meios jurídicos e financeiros para atender as necessidades, para chegar a uma solução justa, em qualquer litígio, fazendo valer os direitos de defesa, nos mais amplos caminhos que percorre a sociedade civil democrática".

E também Gonçalves:

"A instrumentalidade técnica do processo está em que ele se constitua na melhor, mais ágil e mais democrática estrutura para que a sentença que dele resulta se forme, seja gerada, com a garantia da participação igual, paritária, simétrica, daqueles que receberão os seus efeitos".

É, portanto, razoável afirmar que a garantia de mecanismos que importem na flexibilização do acesso ao Poder Judiciário na satisfação dos interesses particulares que não ofendam a ordem pública realiza o propósito constitucional, informativo de toda a ordem jurídica vigente.

3. Do Rito dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária

O Título II do Livro IV do Código de Processo Civil estabelece as normas dos procedimentos de jurisdição voluntária, estando no Capítulo I as disposições gerais que se aplicam, no silêncio da lei, a todos estes procedimentos.

Note-se que a presença do Ministério Público será sempre necessária e quando não lhe couber dar início ao procedimento, deverá necessariamente ser citado.

Ademais, exige-se a citação de todos os interessados, inclusive a Fazenda Pública.

Da simples leitura dos artigos da lei, há de se perceber que não existe nesses procedimentos natureza contraditória, já que a existência dessa característica os transformaria em procedimentos de natureza contenciosa e assim também seria a jursidição.

Filiando-se à corrente que entende a jurisdição voluntária como atividade administrativa, é possível dizer, tal qual Nelson Nery:

"Sem discutir a natureza jurídica da denominada jurisdição voluntária, tem-se entendido, conforme a doutrina dominante, ser ela atividade judiciária de administração pública de interesses privados. Há, portanto, interesses privados que, em virtude de opção legislativa, comportam fiscalização pelo poder público, tendo em vista a relevância que apresentam para a sociedade" e ainda sobre os princípios fundamentais da jurisdição voluntária que "são diferentes dos que inspiram a jurisdição contenciosa, tendo em vista a própria natureza peculiar da administração pública de interesses privados. A relação jurídica que se forma entre os interessados é unilateral, pois aqui não se trata de decidir litígio, mas sim de dar-lhes assistência protetiva. O juiz integra o ato ou negócio jurídico privado, homologando-o, autorizando-o, aprovando-o. Esta é uma das razões que impedem seja ele, a um só tempo partícipe integrado do negócio jurídico privado e fiscal da lei".

Note-se que a participação do Ministério Público se dá no mister de ser fiscal da lei. A esse respeito afirma Nelson Nery:

"Há interesse público de data lege e de jure conditio em todos os procedimentos de jurisdição voluntária. Por isso, deve o MP intervir em todos os procedimentos de jurisdição voluntária, não lhe sendo lícito examinar discricionariamente, como se não existisse o CPC 1105, se é ou não caso de intervenção. Esta discricionariedade existiria se não houvesse a expressa determinação legal de intervenção".

Nesses procedimentos, além dos aspectos até aqui analisados, não há que se falar em requerente e requerido, mas apenas em interessados. Não havendo também o fenômeno da revelia e, tampouco, prazos peremptórios, bem como a permissão para a atuação de ofício do juiz.

Por outro lado, há participação necessária do Ministério Público como custus legis, e assim também participação voluntária na qualidade de substituto processual, já que lhe é dado iniciar os procedimentos de jurisdição voluntária, segundo os arts. 1.104 e 1.105 do Código de Processo Civil:

"Art. 1.104. O procedimento terá início por provocação do interessado ou do Ministério Público, cabendo-lhe formular o pedido em requerimento dirigido ao juiz, devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial".

"Art. 1.105. Serão citados, sob pena de nulidade, todos os interessados, bem como o Ministério Público".

De se ressaltar também a necessidade de chamada a Fazenda Pública quando seus interesses estiverem envolvidos, nesse sentido é o art. 1.108 do CPC:

"Art. 1.108. A Fazenda Pública será sempre ouvida nos casos em que tiver interesse".

A sentença proferida nos procedimentos de jurisdição voluntária tem caráter constitutivo, positivo ou negativo. Ou seja, dada uma relação fática e após a análise pelo órgão julgador tem-se a constituição ou desconstituição de um vínculo jurídico. Pode ainda ter caráter declaratório, mas nunca condenatório. Ainda quanto à sentença, mais uma vez se observam características que aproximam a atividade do juiz da atividade administrativa, haja vista o preceito do art. 1.109 do Código de Processo Civil, in verbis:

"Art. 1.109. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente e oportuna".

Perceba-se aí a utilização de termos oportunidade e conveniência, inegavelmente ligados à atividade administrativa do Estado. Em se considerando a atividade do juiz nos procedimentos de jurisdição voluntária dotados de natureza administrativa, pode-se mesmo afirmar que o ato daí decorrente, embora seja formalmente uma sentença reveste-se de característica de ato administrativo discricionário.

Há também a autorização para que o juiz decida por eqüidade, é o que diz Nelson Nery analisando o dispositivo legal:

"Somente nos casos expressos em lei o juiz pode decidir por eqüidade (CPC 127). Em todos os procedimentos de jurisdição voluntária, há autorização legal para o juiz assim proceder (CPC 1109). A lei processual concede ao juiz a oportunidade de aplicação de eqüidade ao arrepio da legalidade estrita, podendo decidir escorado na conveniência e oportunidade, critérios próprios do poder discricionário, portanto inquisitorial, bem como de acordo com o bem comum (Nery, RP 46/14)".

O art. 1.107 do Código de Processo Civil reforça essa afirmação:

"Art. 1.107. Os interessados podem produzir as provas destinadas a demonstrar suas alegações; mas ao juiz é lícito investigar livremente os fatos e ordenar de ofício a realização de qualquer prova"

A esse respeito Nelson Nery anota:

"Na jurisdição voluntária não existem prazos peremptórios nem revelia, devendo o juiz proceder à instrução probatória de ofício, mesmo contra a vontade dos interessados, já que incide em plenitude o princípio da investigação de ofício em contraposição ao princípio dispositivo.

(...)

Há diferença entre a inquisitoriedade, característica da jurisdição voluntária, e o poder dado ao juiz pelo CPC 130, de determinar, de ofício, a realização de prova e indeferir as inúteis. O CPC 130 deve ser entendido em consonância com o CPC 125, 330 e 1107. O poder dado ao juiz na jurisdição contenciosa, de determinar ex officio, realização de prova, encontra limitação no princípio dispositivo e no da igualdade das partes (Arruda Alvim, CPCC, V, 214 e ss.). Na jurisdição voluntária incide o princípio oficial em toda sua extensão. O juiz, independentemente do requerimento dos interessados, deve determinar a realização de prova ex officio. Aqui não há ônus da prova, há faculdade de provar".

Observe-se que o próprio texto legal dá a indicação de serem os procedimentos de jurisdição voluntária muito mais, senão totalmente, de natureza administrativa do que judicial. O que não fere a tripartição dos poderes, já que ao Poder Judiciário é dado atuar como agente público administrativo.

4. Inexigibilidade de Advogado Como Meio de Acesso à Justiça

Considerados todos esses aspectos, a questão que se coloca é a da exigibilidade de participação do advogado nos procedimentos de jurisdição voluntária.

É bem verdade que a atividade postulatória é privativa de advogado legalmente habilitado. Mas é também verdade que já existem procedimentos em que sua participação é dispensável.

O CPC define em seu artigo 7º a capacidade processual:

"Art. 7º. Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo"

Já no artigo 36 está a definição da capacidade postulatória, quase sempre privativa de advogado:

"Art. 36. A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver".

Nelson Nery anota a esse respeito:

"A capacidade processual não se confunde com a capacidade postulatória, que é a aptidão que se tem para procurar em juízo. O profissional regularmente inscrito no quadro da OAB tem capacidade postulatória (CPC 36; EOAB 8º, 1ºss). Também o membro do MP tem capacidade postulatória tanto no processo penal quanto no processo civil , para ajuizar ação penal e ACP (CF 129 III; CPC 81; LACP 5º; CDC 82 I; ECA 210 I). No juizado de pequenas causas há dispensa da capacidade postulatória para o ajuizamento da pretensão (LPC 9º caput), sendo exigível apenas para subscrever eventual recurso (LPC 41 § 2º). Na justiça do trabalho o empregado pode reclamar pessoalmente, sem necessidade de advogado (CLT 791 caput). Também não se exige capacidade postulatória para a impetração de HC (CPP 654 caput; EOAB 1º § 1º). Em MS, as informações devem ser prestadas pessoalmente pela autoridade coatora, que é a parte passiva legítima, não se admitindo sejam subscritas somente por procurador (RF 302/164; Meireles, MS, 42)"

Acompanhando a mens legis das exceções legais para a exclusividade da capacidade postulatória, tem-se que, não havendo litígio ou – em outras palavras – havendo a possibilidade de composição consensual, voluntária, é permitido às partes ingressarem em juízo sem a participação necessária do advogado. Assim também nos casos de reconhecida hipossuficiência ou de perigo às liberdades, como se percebe no acesso à justiça do trabalho e nos casos de impetração de habeas corpus.

Conforme definido anteriormente, nos procedimentos de jurisdição voluntária não há que se falar em conflitos de interesses, mas apenas em tutela estatal a interesses privados considerados por lei merecedores de fiscalização pelo agente público; as ações são sempre dotadas de natureza consensual.

Do próprio conceito de lide, como sendo conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, tem-se que os direitos buscados nos procedimentos de jurisdição voluntária têm natureza potestativa, ou seja, se constituem em direito de constituir, desconstituir ou modificar relação jurídica subjacente. A estrutura do direito potestativo se traduz por ter o poder de desconstituir a relação. É um poder, e não um direito contra uma conduta. Não existe pretensão a ser resistida. E se não há pretensão, não pode haver lide. Existe mera ação constitutiva, de natureza positiva ou negativa.

Por outro lado, segundo a doutrina dominante, nesses procedimentos o juiz sequer exerce atividade jurisdicional, mas meramente administrativa, fiscalizadora; por esta mesma razão, há a participação necessária do Ministério Público, aqui atuando como custus legis.

É público que o acesso aos profissionais do direito, ainda que garantido por lei, é dispendioso, tornando-se, desse modo inacessível a uma parcela considerável da população. Ou, de outra forma, acarretando acúmulo de trabalho às Defensorias Públicas e demais serviços de Assistência Judicial gratuita e se constituindo em verdadeiro obstáculo ao acesso ao Poder Judiciário.

Perceba-se que esta dificuldade pode ser entendida como contrária aos princípios constitucionais do livre acesso, desde que atendidas as exigências legais, e mesmo o da democracia. A existência do Estado Democrático de Direito requer sejam minimizados os entraves impostos aos cidadãos para a realização dos seus direitos.

Outrossim, segundo Gonçalves , "a instrumentalidade técnica do processo está em que ele se constitua na melhor, mais ágil e mais democrática estrutura para que a sentença que dele resulta se forme, seja gerada, com a garantia da participação igual, paritária, simétrica, daqueles que receberão os seus efeitos". Nisto incluídas as formas de acesso ao Poder Judiciário.

Não se defende aqui que a presença do advogado seja dispensável ou obstáculo a este acesso como regra. Mas que há procedimentos – e note-se que nem existe a presença do termo processo em sentido próprio – em que, dada a simplicidade do direito argüido ou da natureza do próprio procedimento, ou ainda as características das partes envolvidas, exigir a participação deste profissional como condição sine qua non torna a uma parcela importante dos usuários difícil o acesso à justiça.

Por outro lado, não se propõe a exclusão da atuação dos advogados nos procedimentos de jurisdição voluntária. A exemplo do que ocorre nas demais exceções legais, este profissional pode subscrever o pedido e acompanhar o desenvolvimento da ação se as partes assim desejarem; apenas a obrigatoriedade dessa participação é que deixa de existir.

Apenas, visando obedecer à ordem constitucional vigente e aos valores nela inseridos, bem como à instrumentalidade do processo e sua natureza de instrumento para a efetivação da tutela estatal e a exemplo de outras hipóteses permissivas, sugere-se que a participação do advogado legalmente habilitado seja voluntária, sendo permitido às partes ingressar em juízo em nome próprio.

5. Proposta de Simplificação

Por todo o exposto é que se propõe a inexigibilidade do advogado para a propositura dos procedimentos de jurisdição voluntária. Mas, para isto, é preciso que o Poder Judiciário esteja pronto a receber essas demandas. Seria necessária, portanto, a modificação de procedimentos adotados diuturnamente para alcançar os propósitos aqui defendidos.

A primeira modificação pertinente, mas talvez sequer necessária, é a alteração do texto da lei processual civil autorizando o ingresso dos procedimentos de jurisdição voluntária sem a subscrição por profissional habilitado.

Nesse caso, o art. 36 do Código de Processo Civil poderia incluir nas exceções à exclusividade da capacidade postulatória tais procedimentos, recebendo a seguinte redação:

"Art. 36. A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver, e, ainda, nos procedimentos de jurisdição voluntária" (o grifo é meu, com a alteração sugerida).

Ainda nesse sentido, tal autorização poderia ser expressa no art. 1.104 do mesmo diploma legal, que passaria a ter a ser expresso dessa maneira:

"Art. 1.104. O procedimento terá início por provocação do interessado, que poderá postular em juízo sem representação de profissional legalmente habilitado, ou do Ministério Público, cabendo-lhes formular pedido em requerimento dirigido ao juiz, devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial". (o grifo é meu, com a alteração sugerida).

Observe-se que a alteração legal serviria para consolidar o meio de acesso aqui defendido, mas não é condição sine qua non para tanto.

Isto porque, da leitura do texto legal, quando diz que "o procedimento terá início por provocação do interessado (...) cabendo-lhes formular pedido em requerimento dirigido ao juiz" (o grifo é meu), pode-se depreender daí que não existe o emprego do termo petição e tem-se margem para a interpretação segundo a qual o próprio interessado pode se dirigir à autoridade judiciária.

Assim, apenas uma nova interpretação da lei seria suficiente para garantir o ingresso, nos procedimentos de jurisdição voluntária, pelos interessados agindo em nome próprio. Basta, para tanto, que os órgãos judiciários reconheçam na tutela prestada nestes procedimentos o caráter administrativo para que a participação do advogado deixe de ser obrigatória.

Outro caminho que se apresenta e que está em conformidade com a lei é o acesso por intermédio do Ministério Público. De se salientar o relevante papel que este órgão tem desempenhado na defesa dos interesses coletivos. Aqui, mais uma vez, abre-se na via legal a possibilidade de o Ministério Público subscrever o pedido, prescindindo da participação de advogado. Nesse sentido é o art. 1.104 do Código de Processo Civil:

"Art. 1.104. O procedimento terá início por provocação do interessado ou do Ministério Público, cabendo-lhes formular pedido em requerimento dirigido ao juiz, devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial". (o grifo é meu)

Nelson Nery indica ainda a possibilidade de início do procedimento por iniciativa do próprio juiz, de ofício:

"Aqui não há lugar para aplicação ampla do princípio da demanda, nem para o princípio dispositivo, podendo ser iniciado o procedimento a requerimento da parte, do MP ou mesmo ex officio, ainda que não haja esta previsão em sentido expresso no CPC 1103 (Nery, RP 46/11). São exemplos disso o CPC 1113, 1129, 1142, 1160, 1171, 1190 (Mendonça Lima, Coment RT, 35; Pontes de Miranda, Coment (1973), XVI, p. 18)".

Disto decorre que o requerimento das partes dirigido ao juiz seja suficiente para provocar sua atuação ex officio no sentido de inciar e impulsionar os procedimentos de jurisdição voluntária. Não se trata de petição, mas de requerimento ou documento, peça informativa, suficiente para dar início ao impulso oficial pelo magistrado.

Excetuando-se a hipótese de ingresso via Ministério Público, seja porque a lei ou sua inteligência admita o impulso inicial pela parte, seja admitindo-se uma sua capacidade postulatória, seja considerando este requerimento apenas como condição para provocar a atuação de ofício do juízo, é mister que não sendo possível por qualquer razão aos interessados formular o pedido, ou reduzi-lo a termo, existam serventuários da justiça aptos a fazer as devidas reduções.

Em outras palavras, a exemplo do que ocorre nos Juizados Especiais e na Justiça do Trabalho, faz-se necessária a disponibilização de servidores da Justiça que formalizem os pedidos trazidos pelas partes para levar à apreciação judicial.

Desta maneira, os procedimentos de jurisdição voluntária se iniciariam com requerimento formulado pelas próprias partes por escrito ou oralmente diante de serventuário qualificado para reduzir a termo as alegações e os pedidos. Ou mediante petição assinada por profissional legalmente habilitado para tanto. Ou ainda por iniciativa do Ministério Público.

Note-se que a participação do advogado não está excluída, mas apenas deixa de ser necessária para iniciar e impulsionar o procedimento.

Afora o modo de ingresso, os demais atos continuariam sendo praticados sem alteração de qualquer espécie ou natureza.

CONCLUSÃO

A evolução do direito neste início de século XXI parece apontar para uma ordem jurídica menos presa aos dogmas e mais voltada para a realização de princípios consagrados, basicamente, na Constituição, ou no direito constitucional.

Aproximar o ordenamento desses princípios dá a indicação de um movimento no sentido de realizar o Estado Democrático de Direito. Assim é que se busca facilitar o acesso ao Judiciário como instrumento efetivo para a realização desse propósito.

Simplificar as formas de acesso ao Poder Público, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial, ou mesmo na esfera legislativa é um caminho bastante viável para a consecução do espírito democrático.

Dessa maneira, nem o direito material nem o direito processual podem ficar alheios aos reclames sociais por uma justiça mais próxima do cidadão.

Na medida em que se criam mecanismos efetivos nesse sentido, os poderes instituídos se aproximam do público ao qual se destinam.

Assim ocorreu em 1995 com a criação dos Juizados Especiais pela Lei 9.099, assim ocorre na Justiça do Trabalho quando garante o livre acesso ao trabalhador e assim é desde tempos remotos com os pedidos de habeas corpus.

No momento atual, o reconhecimento da natureza administrativa dos procedimentos de jurisdição voluntária possibilita a adoção de medidas que viabilizem o acesso direto dos interessados ao Poder Judiciário para que vejam atendidos os seus reclames.

Admitir que estes procedimentos sejam dotados de caráter administrativo possibilita a atuação de ofício do juiz, mediante mero requerimento da parte. Ou ainda, viabiliza aos interessados iniciarem e impulsionarem tais feitos. Ou mesmo como uma terceira via, permite que o Ministério Público seja acionado como substituto processual, hipótese permitida por lei.

De toda sorte, qualquer dessas possibilidades permite que o acesso se dê mesmo quando as partes não possam ou não queiram se utilizar dos serviços de advogados legalmente habilitados. Não que a atuação desses profissionais não seja relevante. Apenas se reconhece que a exigência de sua atuação inviabiliza a uma parcela considerável da população o acesso à prestação do serviço público. Em sendo, portanto, prescindível sua participação é forçoso admitir esta circunstância em benefício das partes envolvidas ou, em última análise, da garantia dos princípios constitucionais.

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CAROLINE ANGÉLICA RABÊLO DE SOUZA

carolrabelo[arroba]pop.com.br

Dados do autor: Caroline Angélica Rabêlo de Souza. Graduada em Direito pela UESC/BA e pós-graduada em Direito Civil pela UPIS/DF

Brasília

2006


 
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