Imagens de liderança indígena e o Programa Waimiri-Atroari:
índios e usinas hidrelétricas na Amazônia

Stephen G. Baines1
Professor do Depto. de Antropologia, Universidade de Brasília e pesquisador nível 1B do CNPq.

 

RESUMO:

O artigo examina a maneira como imagens de liderança indígena Waimiri-Atroari estão sendo usadas para divulgar mensagens, através da mídia, que rebatem as críticas dirigidas à implantação de grandes usinas hidrelétricas em áreas indígenas e suas conseqüências altamente nocivas para os povos indígenas atingidos. As imagens apóiam a política do setor elétrico de implantar mais hidrelétricas que incidem em territórios indígenas na região amazônica. Esta estratégia tem sido usada, sobretudo, após as manifestações em Altamira, em 1989, contra a construção de um complexo de usinas hidrelétricas no vale do rio Xingu que afetariam dezenas de aldeias indígenas, e a mobilização do movimento político indígena nos anos recentes.

PALAVRAS CHAVES: Índios, imagens, líderes, Waimiri-Atroari, usinas hidrelétricas, política empresarial.

  

Em outros trabalhos abordei o papel da nova liderança Waimiri-Atroari, recrutada durante os anos da Frente de Atração Waimiri-Atroari (FAWA) da Funai(1970-1987), e reforçada pela atual administração indigenista do Programa Waimiri-Atroari (PWA, Funai-Eletronorte), que substituiu a FAWA a partir de 1987, poucos meses antes do fechamento das comportas da Usina Hidrelétrica Balbina em outubro daquele ano (Baines, 1991: 280-313; 1993a: 219-39; 1997: 70-2). Nos últimos vinte anos, a situação dos Waimiri-Atroari tem sido marcada pelas pressões exercidas por duas grandes empresas sobre a área, a Mineração Taboca S/A do Grupo Paranapanema e a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - Eletronorte2. As atividades dessas duas empresas em áreas que incidem sobre o território dos Waimiri-Atroari, respectivamente, de mineração de grande escala, e de aproveitamento hidrelétrico, embora muito diversas, resultaram numa atuação por parte das administrações indigenistas locais que chamo "indigenismo empresarial" (Baines, 1993a), em que o poder econômico de grandes empresas sobrepuja o da Funai. O programa indigenista decorrente de um convênio entre a Funai e a Eletronorte vem sendo apresentado, nas campanhas publicitárias desta empresa, como um modelo de indigenismo, os líderes Waimiri-Atroari desempenhando um papel fundamental para imbuí-lo de autenticidade e uma retórica de autodeterminação indígena. A partir da implantação do PWA, destaca-se o papel da mídia na construção de imagens dos líderes Waimiri-Atroari, nas quais estes aparecem em filmes documentários que os apresentam como se estivessem participando, com os indigenistas da direção do PWA, em relações sociais simétricas e democráticas.

Em abril de 1994, o PWA foi apresentado num filme documentário, no qual aparecem alguns líderes, divulgado em nível nacional na televisão (1995:136, nota 8) como um grande sucesso na história da política indigenista. O mito do indigenismo heróico é reforçado nas palavras do seu supervisor, que o apresenta como uma proposta indigenista que é o sonho posto em prática de todos os indigenistas e, ainda, como "a salvação da extinção" dos Waimiri-Atroari (1997). O mesmo supervisor definiu o PWA como "revolucionário"3.

O fato do PWA, junto com o Programa Parakanã administrado também pela Eletronorte4, oferecer subprogramas de saúde e de educação com uma infra-estrutura muito maior do que o atendimento deficiente oferecido antes pela Funai tem convencido muitos acadêmicos, até mesmo antropólogos, a defendê-los como os únicos programas indigenistas que fornecem projetos assistencialistas concretos que garantem a sobrevivência física dos índios. Entretanto, o fato de serem os únicos, e irreversíveis no seu processo de dirigir o contato interétnico, não ameniza que o controle e a vigilância exercidos pela administração sobre os índios criem uma situação de grande violência contra a cultura indígena.

Antes de avaliar o papel do PWA a partir do seu objetivo louvável de contribuir para a sobrevivência física dos Waimiri-Atroari, vale ressaltar seu papel na política de marketing da empresa. Após críticas no nível nacional e internacional ao impacto nefasto de grandes usinas hidrelétricas sobre o ambiente e os povos indígenas na região amazônica, sem mencionar os estouros nos orçamentos (Pinto, 1998), as instituições de financiamento internacional, como o Banco Mundial, vetaram o apoio a novas hidrelétricas na Amazônia. A mobilização indígena no Encontro de Altamira, no Pará, em fevereiro de 1989, contra o Complexo Hidrelétrico do Xingu, amplamente divulgada na imprensa internacional, contribuiu para sensibilizar a opinião pública contra a construção de grandes usinas hidrelétricas em áreas indígenas. A resposta do setor elétrico tem sido de mudar seu estilo de propaganda. Enquanto a primeira versão do Plano 2010 previu a construção de 297 novas hidrelétricas (Eletrobrás, Plano 2010, 1987, apud Santos & Andrade, 1988: 6) até 2010, divulgações recentes mencionam apenas alguns projetos prioritários na região amazônica (por exemplo, Eletronorte, 1998; Eletrobrás, 1998). Contudo, o setor elétrico continua a investir "maciçamente em matérias pagas de duvidosa veracidade, que procuram vender a imagem de uma preocupação com a questão social e ambiental" (Santos & Andrade, 1988: 6).

Ante as críticas à construção de grandes usinas hidrelétricas que atingirão sociedades indígenas, a Eletronorte está usando o PWA como modelo para tentar convencer a opinião pública que índios e grandes hidrelétricas na região amazônica podem "dar certo", procurando criar situações em que os próprios índios solicitem a construção das hidrelétricas. Vale refletir sobre a história de contato dos Waimiri-Atroari. A partir de 1968, até a década de 1980, os Waimiri-Atroari receberam visitas de pastores Waiwai, grupo da família lingüística Carib da mesma região, que chegaram a conduzir grupos grandes de Waimiri-Atroari para visitar sua aldeia em Kaxmi, no rio Anauá. Nesse período, os Waimiri-Atroari eram vistos como "índios bravos" que os Waiwai procuravam "civilizar" por meio da evangelização. Durante a década de 1970 e nos primeiros anos da década de 1980, os Waimiri-Atroari, assolados por epidemias letais, se viram subordinados aos Waiwai, estes respaldados pela Missão Evangélica da Amazônia (MEVA).

Em 1998 esta situação tem se revertido com o convite dos Waimiri-Atroari aos Waiwai para visitarem seus aldeamentos numa tentativa de convencê-los dos benefícios do PWA. Os Waimiri-Atroari, instrumentalizando os diferenciais de poder da sociedade nacional com o respaldo do PWA, estão chamando seus "irmãos" pobres a solicitar os benefícios da Eletronorte. Vêm notícias através do PWA de que os Waiwai querem que a Eletronorte construa a planejada Usina Hidrelétrica Cachoeira Porteira para ganhar benefícios compensatórios parecidos àqueles desfrutados pelos Waimiri-Atroari. E argumento melhor a Eletronorte não poderia encontrar para justificar a construção de novas hidrelétricas na região do que a solicitação dos próprios índios.

Apesar de o seu supervisor apresentar o PWA como "indigenismo alternativo", a incorporação dos líderes Waimiri-Atroari na sua administração não constitui de maneira alguma "o surgimento de uma 'comunidade de comunicação e de argumentação', criada no processo de 'planejamento, execução e avaliação', destacado por Stavenhagen (1985)" (Cardoso de Oliveira, 1994: 24-5), no seu conceito de etnodesenvolvimento. Nem assegura a possibilidade da efetivação das relações interétnicas em termos simétricos como aparece nos filmes publicitários. Ao contrário, as imagens dos líderes Waimiri-Atroari divulgadas pela Eletronorte através da mídia mascaram as relações sociais assimétricas estabelecidas por uma administração indigenista que subordina os índios aos processos decisórios de planejamento, execução e avaliação, e os incorpora na sua política publicitária. A empresa vem construindo imagens de um programa modelo de indigenismo, com a mensagem implícita ao público que os efeitos nocivos de grandes usinas hidrelétricas em áreas indígenas podem não apenas ser contornados (Baines, 1994: 27-35), mas revertidos em benefícios para os índios por meio de programas indigenistas assistencialistas. Dessa maneira, a empresa alinha a ação compensatória do PWA com a política energética para a expansão de usinas hidrelétricas.

Comenta Steele (1996: 45) que, nos Estados Unidos, imagens de índios foram usadas no passado para vender diversos produtos. No caso da Eletronorte, as imagens vêm sendo usadas para vender o próprio programa indigenista e, indiretamente, a política de expansão dos projetos de usinas hidrelétricas na região amazônica que atingirão um grande número de sociedades indígenas (Viveiros de Castro & Andrade, 1988; Eletronorte, 1998). Pinto (1998) comenta a retomada do projeto de usina no rio Xingu em 1998, a hidrelétrica de Belo Monte5, maior que Tucuruí e Itaipu, dirigida para o abastecimento de energia no Sul do país.

Frisa Márcio Silva que o PWA "apresenta (...) o mesmo caráter de 'instituição total' (...) da extinta Frente de Atração, uma vez que procura exercer o papel de mediador absoluto entre a população indígena e os estranhos" (1993: 56). Silva acrescenta que a inclusão da sociedade Waimiri-Atroari nos espaços subalternos, de um canto inferior de seu organograma, "revela, em uma cápsula, uma política indigenista tutelar, baseada em um rígido ordenamento hierárquico aos quais todos os Waimiri-Atroari (...) devem se submeter" (ibidem). Na época da implantação do PWA, Viveiros de Castro e Andrade afirmaram que a política indigenista da Eletronorte com os Waimiri-Atroari confunde a "(...) busca de soluções alternativas com medidas paliativas e tardias, de caráter cosmético, tomadas quando todas as decisões referentes à obra já foram efetuadas. Cria-se, assim, uma falsa idéia de 'participação'" (1988: 16).

Apesar de as tentativas recentes por parte da Eletronorte de consertar esta imagem (Baines, 1995: 138; 1996: 21-4), alegando haver mudado drasticamente sua política, com a criação de um Departamento de Meio Ambiente em 19876, houve, de fato, uma ampliação dessa falsa idéia de participação através de uma campanha intensiva de marketing ao incorporar filmagens e depoimentos dos líderes na propaganda da Eletronorte. Sem colocar em questão as palavras dos Waimiri-Atroari, a montagem dos filmes está fora do controle deles. A empresa seleciona imagens para construir uma versão popular de indigenismo heróico para vender o PWA ao público.

Assinala Goodyear que "a imagem popular do índio é transformada para atender às necessidades da cultura dominante e justificar seu tratamento dos nativos" (1996: 30). Nos primeiros anos da FAWA os Waimiri-Atroari eram considerados bravos e perigosos e houve tentativas, por parte dos indigenistas, de eliminar a sua indianidade e transformá-los em agricultores "civilizados" (Baines, 1991). Na época da criação do PWA, quando já eram dominados e trabalhavam em projetos dirigidos pelos funcionários, surgiu uma preocupação, entre indigenistas, de revitalizar a cultura indígena7. Como afirmam Viveiros de Castro e Andrade, procura-se preservar "um fundo folclórico de tradições culturais de valor ornamental 'para inglês ver'" (1988: 18). Depois dos índios serem colonizados, afirma Gallois, "são submetidos a atitudes protecionistas que se transfiguram rapidamente em intervenções reeducativas" que "almejam a manutenção de características idealizadas de ser índio. Quando necessário, pretende-se inclusive reensinar-lhes suas tradições perdidas" (1992: 130). Na propaganda da Eletronorte há um manifesto esforço de vender imagens de autenticidade e de respeito à cultura tradicional.

A política adotada pelo PWA de acentuar a "recuperação das tradições" resultou no surgimento de um neotradicionalismo (Baines, 1995). Um discurso de autodeterminação indígena foi imposto aos líderes numa administração de estrutura autoritária. A preocupação, por parte de alguns indigenistas da direção do PWA, em criar uma imagem pública favorável de respeito à cultura indígena, de "autodeterminação" e de "participação" indígena, exigia dos líderes Waimiri-Atroari uma retórica de revitalização cultural, e de "estar praticando sua cultura".

Nas palavras de Gallois, "o índio deve continuar correspondendo à imagem daquilo que se quer preservar: protegem-se os elementos da indianidade idealizada por nossa sociedade mesmo ao preço de relações autoritárias e, sempre, reducionistas" (1992: 127). A própria consciência de alguns indigenistas do PWA do fato que os Waimiri-Atroari não tinham voz, nem foram considerados nas decisões da empresa, levou-os a fazer alguns líderes parecer como se tivessem voz, dentro de uma montagem de filmes feita pela empresa. Isso foi facilitado pelo fato de os líderes se assumirem como porta-vozes da administração indigenista. No seu anseio de escapar de uma situação de subordinação, na qual ouviam afirmações preconceituosas de agentes da sociedade nacional, segundo as quais os índios não têm capacidade de tomar iniciativa própria e são manipulados pelos brancos, os novos líderes acionaram o discurso do movimento indígena propagado por muitos funcionários índios, para se revoltarem contra tais afirmações. Internalizaram a retórica da administração e a defenderam com veemência como demonstração de sua autodeterminação, prestando-se ao jogo de submissão através de uma retórica de rejeição da submissão.

Enfatiza Ramos que não somente no indigenismo oficial, em que se enquadram a FAWA e o PWA, mas também no indigenismo laico das entidades de apoio, a burocratização conduz à invenção do "índio 'burocratizável'. Os índios 'de carne e osso' começam a ser filtrados, sua alteridade indomada, criadora de desordem em potencial ou de fato para as entidades, sofre um processo de domesticação e surge então um modelo de índio, que seria uma espécie de 'índio-modelo' (...) o modelo que acomoda o índio às necessidades da organização (...) o índio hiper-real" (1995: 9-10). Mesmo quando os agentes da sociedade nacional não trabalham dentro de administrações atreladas a interesses empresariais como é o caso do PWA, as melhores intenções podem encobrir relações assimétricas e discursos de dominação permeados por estereótipos pejorativos quanto ao "índio".

Os filmes produzidos sob o controle do PWA, como uma propaganda da Eletronorte projetada em vôos internacionais da VARIG em várias línguas, e uma reportagem no programa de televisão Fantástico lembram os registros fotográficos das celebrações patrocinadas pela Hudson Bay Company em 1920, em que se selecionaram imagens que apresentavam relações amistosas entre a empresa e os nativos, para demonstrar a anuência dos indígenas para com a política empresarial (Geller, 1996: 68). Considerando a dependência de muitos povos indígenas, naquela época, da Hudson Bay Company por cargos, crédito, e suprimentos, fazia sentido para os líderes indígenas demonstrar lealdade à empresa (: 70). Para os líderes Waimiri-Atroari também faz sentido representarem os papéis exigidos deles pela administração e participarem da construção de imagens para a propaganda. Enquanto a direção da empresa recorre a estratégias publicitárias sofisticadas que incorporam imagens filmadas e depoimentos gravados dos Waimiri-Atroari, e à manipulação de dados demográficos para distorcer as conseqüências da implantação do PWA (Baines, 1996: 18-24), no nível local, como observa Gallois, "no cotidiano de sua atuação, a maior parte dos agentes de contato não toma consciência de estar promovendo relações de dominação" (1992: 126). Acrescenta Gallois que "os índios, quanto a eles, têm plena consciência destas relações e se prestam, através de estratégias diversas, ao jogo da submissão" (ibidem).

Descrevi os "capitães" na época da FAWA, desempenhando um papel fundamental no processo de acelerada remodelação imposta pela qual a sociedade Waimiri-Atroari estava passando, sobretudo o capitão principal e seu irmão (Baines, 1991). A partir de 1978, no Posto Indígena Terraplenagem, geralmente acompanhado por outros jovens que também perderam seus pais nas epidemias, isolado dos homens mais velhos que desfrutavam de autoridade na sua sociedade, um dos jovens foi exposto a uma doutrinação intensiva pelos funcionários da Funai, que se encarregavam de "ensinar-lhe" a se conformar às suas idéias a respeito do que é um "capitão", "chefe", "cacique", "tuxaua" ou "líder" indígena. Não encontrando um modelo de poder centralizado e abrangente na sociedade Waimiri-Atroari (a autoridade dos líderes idosos raramente se estendia além do grupo local), os funcionários da Funai atribuíram poderes a este jovem e seu irmão para estabelecê-los como capitães sobre todos os aldeamentos. No início, os Waimiri-Atroari sobreviventes de aldeias distantes não os aceitavam, mas, à medida que a administração ia aumentando seu controle sobre eles, consolidaram-se os cargos do capitão principal e do seu irmão.

Um chefe do Posto Indígena Terraplenagem mandou construir para o capitão principal uma casa no estilo do posto, com teto de zinco. Posteriormente, o capitão principal e seu irmão pediram casas de alvenaria à Mineração Taboca. A empresa entregou-lhes as casas em 1988, construídas nos aldeamentos onde os dois residem. Adotavam um comportamento próprio para se distinguir dos demais Waimiri-Atroari, como evitar participar dos ritos e modelar seu comportamento ao do chefe do posto com relação aos servidores braçais. Os líderes Waimiri-Atroari apresentavam uma incompatibilidade entre os papéis de "capitão" e de "xamã" (Baines, 1991: 301-2), parecida com aquela observada por Melatti (1985: 182-5) entre os papéis de patrão e de pajé Marubo.

O capitão principal e seu irmão foram levados para Manaus onde passaram períodos longos na Casa do Índio. Demonstravam uma preocupação constante com a hora e o cumprimento do horário de serviço. Sua posição era única na FAWA. A conversa de todos os servidores era permeada por referências ao capitão principal. Com o irmão, nomeado capitão do aldeamento Xeri pelo coordenador da FAWA que mandou implantá-lo, foi transformado em porta-voz da administração indigenista para todos os Waimiri-Atroari. Os funcionários delegaram também aos dois o poder de "ensinar" aos outros Waimiri-Atroari, embora os dois tivessem de aceitar serem "ensinados" pela Funai. Durante o processo de retalhar a área indígena para a implantação de grandes projetos (Baines, 1991: 94), os capitães transmitiam aos demais Waimiri-Atroari as informações divulgadas pela administração indigenista sobre os limites do seu próprio território, como ordens a não serem questionadas. Passaram a oferecer uma versão "indígena" do seu passado que fosse aceitável aos funcionários da FAWA, de modo a legitimar a atuação desta (1993b). Foram inseridos na sua hierarquia burocrática na posição de transmissores de ordens. Os novos líderes cumpriam meticulosamente o horário de serviço imposto e executavam, de maneira exemplar, os deveres e ordens que os servidores especificavam como próprios de um capitão.

Contudo, a mediação do poder não correspondia ao modelo simplista da hierarquia burocrática. Os capitães subordinaram os demais Waimiri-Atroari, sendo eles subordinados pelos servidores da FAWA, porém, aproveitaram das contradições da sua situação para negociar e renegociar a sua posição na administração. Para conceitualizar as múltiplas formas de dominação, e as múltiplas sujeições, seguindo Foucault, precisamos "captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que (...) ele se prolonga, penetra em instituições, corporifica-se em técnicas (...)" (1986: 182).

Os capitães instrumentalizavam a situação colonial repleta de ambigüidades e contradições inerentes à identidade que lhes estava sendo imposta, de "índios civilizados", que a equipe de funcionários índios da FAWA, de outros grupos indígenas aculturados, estava lançando como modelo. Vários líderes emulavam os funcionários índios da Funai até se tornarem indistinguíveis desses para uma pessoa estranha à FAWA. E procuravam oferecer a cada ouvinte as posturas e a retórica deles exigidas, e utilizarem seus cargos para exigir um acesso desigual a privilégios em relação aos demais Waimiri-Atroari dentro da administração. Em projetos econômicos implantados pela Funai de confecção e venda de farinha de mandioca, coleta de castanha, e confecção de artesanato, presenciei funcionários da FAWA repetidamente "ensinar" aos capitães estratégias para explorar a mão-de-obra dos demais Waimiri-Atroari, apossando-se da maior parte do lucro proveniente da venda dos produtos. Incentivavam os líderes a se tornarem "espertos", como eles se autodesignavam.

Como os Waiãpi que "aprenderam a manipular (a imagem de 'índios bonitos, puros' do Amapá) para afirmar-se diante dos regionais e para conseguir apoio" (Gallois, 1998), e os Gaviões que aproveitaram dos estereótipos usados contra eles "de ferozes e traiçoeiros" para escarnecer dos regionais (Da Matta, 1978:178), os líderes Waimiri-Atroari aprenderam a manipular uma diversidade de imagens sobre o "índio" que lhes foram atribuídas por agentes da sociedade nacional. Ostentavam relógios e rádio-gravadores como símbolos de prestígio, assumindo uma postura de superioridade em relação aos demais Waimiri-Atroari, como muitos dos funcionários da FAWA faziam em relação a eles.

Os funcionários índios da FAWA compartilhavam muitas das características dos "mamelucos" descritos por Vainfas no litoral da Bahia do século XVI, "meio brancos, meio índios" (1995: 141, 147), transmitiam aos capitães Waimiri-Atroari todas as ambigüidades inerentes à identidade de "índio civilizado" e "caboclo". Lançaram mão da retórica do movimento indígena, de serem, junto com os Waimiri-Atroari, "índios também", unidos na luta política contra os "brancos". Porém, manipulavam as ambigüidades das identidades étnicas acionadas na FAWA para seu próprio proveito. Ora se identificaram como "índios" contra os "brancos", ora como "índios civilizados" ou "caboclos" em oposição a "índios" ou "índios bravos" vistos pejorativamente, ora como "peãos da Funai" em oposição ao "chefe branco", conforme o contexto e a intenção (Baines, 1991).

Ramos menciona o acesso de índios aos escalões mais altos da administração da Funai, e o surgimento de "um novo personagem, o 'índio funcionário', uma categoria de jovens, aparentemente oportunistas, mais interessados no emprego do que na causa indígena, que preferiram se opor ao movimento a pôr em risco seus cargos recém-adquiridos" (1990: 134). Contudo, o recrutamento de "índios civilizados" nos escalões mais baixos da administração indigenista para servir como ponta de lança da sociedade nacional no "descimento" de índios é política secular (Baines, 1991: 326-7)8.

Os funcionários índios da FAWA serviam a Funai, vendo seu próprio papel como o de "civilizar os Waimiri-Atroari", e impor uma ideologia hegemônica desenvolvimentista. Muitos haviam trabalhado, como operários, em grandes projetos de desenvolvimento regional como a construção da estrada Perimetral Norte na região do alto Rio Negro, da estrada BR-174 no território dos Waimiri-Atroari, e da construção da Usina Hidrelétrica Balbina. Alguns tinham uma longa experiência urbana em Manaus e outras cidades. Viviam e aplicavam todos os preconceitos pejorativos da sociedade regional sobre o "índio", com a mesma violência dos servidores "brancos". Suas próprias vidas exemplificavam a ambivalência cultural. Serviam os chefes de posto e os coordenadores brancos da FAWA ao dominar e subordinar os Waimiri-Atroari. E não hesitavam fazer o contrário, acirrando os Waimiri-Atroari contra os funcionários brancos para expulsá-los da área e pedir aos Waimiri-Atroari que estes pleiteassem aos coordenadores e delegados brancos da Funai a sua substituição nos cargos melhor remunerados da administração, como encarregados de postos indígenas. Aproveitavam das ambigüidades da identidade de "índio civilizado", conforme as circunstâncias, para interesses pessoais. Muitos exigiam acesso sexual a mulheres Waimiri-Atroari, alegando aos capitães que o então delegado da Funai lhes havia autorizado por serem "índios também" (Baines, 1991: 278). Os capitães internalizaram esta versão, ao denunciarem funcionários "brancos" e protegerem funcionários "índios", em casos de violência sexual contra jovens mulheres Waimiri-Atroari (: 313, nota 178).

Como frisei acima, muitos funcionários índios impuseram uma retórica de "índios unidos" contra "os brancos", enquanto a maioria impunha relações de sujeição-dominação aos Waimiri-Atroari. A idéia propagada pelo movimento indígena, na luta política dos grupos indígenas de se unirem para constituir uma identidade étnica mais efetiva ante a ocupação intensiva dos seus territórios pela sociedade nacional, que índios constituem um "povo" e devem ser unidos era nova para os Waimiri-Atroari. Entrava em contradição com a situação de extrema desigualdade que vivenciaram em relação aos funcionários índios. Os líderes novos reproduziam desigualdades dentro da sua própria sociedade e foram recrutados para mediar as relações sociais de sujeição-dominação e "ensinar" aos outros Waimiri-Atroari a retórica indigenista com todas as contradições que essa ideologia adquiriu no contexto da FAWA. Assim os líderes vivenciaram os diferenciais de poder impostos pela administração, reproduzindo-os entre os Waimiri-Atroari.

Os líderes e jovens Waimiri-Atroari modelavam seu comportamento no dos funcionários índios. Mostravam-se hábeis mediadores nos discursos correntes da FAWA, contextualizando cada discurso para satisfazer a pessoa a que se dirigia. Assumiam como "índio civilizado", "caboclo", "índio conscientizado", "índio da Funai", e outras identidades, conforme deles era exigido e segundo a espécie de relacionamento que queriam travar com o outro, dentro de contextos de dominação criados pelos agentes da sociedade nacional. Contextualizavam discursos contraditórios, instrumentalizando-os para seus próprios fins a exemplo dos funcionários.

Nos primeiros anos da FAWA, os líderes cumpriam as ordens dos funcionários de destruir as casas comunais e substituí-las por casas de estilo regional, como, posteriormente, cumpriam as ordens de reinstalar algumas casas comunais, obedecendo as ordens de indigenistas brancos que visavam uma revitalização cultural. Com o fechamento das comportas da Usina Hidrelétrica Balbina, em 1987, e o deslocamento compulsório do grupo que vivia em casas pequenas no Posto Indígena Taquari, a administração do PWA mandou os Waimiri-Atroari construir uma casa comunal "tradicional" no local escolhido para o novo aldeamento, porém, "melhorada" com alicerce de concreto.

Quando certos funcionários da Funai exigiam deles, os capitães elogiavam a atuação da Mineração Taboca S/A do Grupo Paranapanema, como nas ocasiões em que a empresa construiu uma escola no Posto Indígena Terraplenagem em 1984, e, posteriormente construiu casas de alvenaria para o capitão principal e seu irmão em 1988. Assumiam também, às vezes simultaneamente, uma retórica ativista dirigida contra a mesma empresa como invasora das terras dos índios, retórica que veio a predominar nos últimos anos, sob a direção do PWA, e que coincidia com o discurso institucional desta.

Podemos entender a disponibilidade dos líderes Waimiri-Atroari a obedecer as ordens dos funcionários como uma estratégia de sobrevivência, após haverem presenciado a sua sociedade desabar. Houve uma depopulação maciça decorrente de epidemias e conflitos interétnicos, em que a população indígena foi reduzida de, talvez, mais de 2 mil indivíduos no final do século XIX, a entre 600 e mil em 1973. Em 1983 a população chegou ao ponto mais baixo de 332 indivíduos (Baines, 1991: 74-8), seguida por uma rápida recuperação populacional a partir deste ano. A sociedade Waimiri-Atroari, como estava até o final da década de 1960, deixou de existir, e vem sendo remodelada no novo contexto de uma administração indigenista governamental.

Não houve uma resistência contra os novos líderes nomeados pelos funcionários da FAWA, pois a maioria dos líderes antigos havia morrido nas epidemias, deixando uma população predominantemente jovem. Os líderes nomeados pela administração substituíram a autoridade dos velhos em vez de desafiá-la. Alguns velhos que sobreviveram, inclusive líderes que antes tinham autoridade nas suas aldeias, foram eliminados do jogo político, tanto pelos funcionários da Funai, quanto pelos capitães Waimiri-Atroari. Ante a ocupação do seu território por contingentes da sociedade regional, e a implantação da administração autoritária da FAWA (e, posteriormente, do PWA), os Waimiri-Atroari foram obrigados a se acomodar à dominação e a aprender as regras do jogo do indigenismo oficial.

As posturas de rejeição radical ao tradicional, assumidas freqüentemente pelos líderes, podem ser entendidas, em alguns contextos, como uma demonstração da sua aderência aos valores urbanos e desenvolvimentistas veiculados por muitos funcionários, para se mostrarem "índios civilizados", além de ser uma reafirmação da censura imposta pelos funcionários sobre muitos aspectos da vida Waimiri-Atroari. Podemos também entender essas posturas como uma valorização por parte dos líderes da sua posição na FAWA, de vê-la como um possível caminho para escaparem dos preconceitos pejorativos associados ao "índio", serem tratados pelos funcionários como "gente" e aspirarem a ser "funcionários índios" da administração. Constata Oliveira Filho que

para um indivíduo localizado em uma situação de contato (...) a adesão ao seu próprio código cultural não é um fato automático, compulsivo, mas passa pela percepção da diferença, da constatação de existência de outros padrões e crenças, que podem ser igualmente atualizados em contextos limitados e atendendo a interesses ou vantagens setoriais. A situação de contato interétnico de certo modo desnaturaliza os códigos culturais em que uma pessoa foi socializada, transformando as normas de ação em uma (entre outras) possibilidade de conduta, os valores de orientação ficando como componentes de ideologias alternativas. (Oliveira Filho: 1988: 58-9).

Thomas (1992: 213) frisa que identidades e tradições não são apenas diferentes de outras, mas são constituídas em oposição a outras. Em situações coloniais assimétricas e altamente politizadas, ocorrem processos "não somente de selecionar aspectos do passado ou costumes do presente que sejam privilegiados na construção de uma identidade étnica, mas também de rejeitar radicalmente o que é local e tradicional" (: 214). Thomas chama este processo de inverter as identidades e narrativas criadas em situações coloniais "a inversão da tradição", a partir da tendência recente entre acadêmicos, seguindo Roy Wagner, de naturalizar a invenção da tradição, o que pressupõe uma afirmação, por parte dos povos indígenas, das objetificações da cultura que surgem em discursos interétnicos. Podemos entender a rejeição dessas reificações da cultura como uma resposta cultural dinâmica a uma situação de rápidas mudanças.

Alguns líderes Waimiri-Atroari adotaram padrões de comportamento burocrático consagrados por representantes da sociedade dominante, até mesmo por muitos funcionários da FAWA, o que Morin e Saladin d'Anglure (1997: 185) afirmam ser um dos perigos para lideranças indígenas envolvidas no movimento indígena. Padrões de afirmar autoridade que eram rejeitados pelos outros Waimiri-Atroari por serem considerados arrogantes e alheios à sua própria sociedade e ao mesmo tempo admirados como próprios de "índios civilizados". Os líderes anunciavam as ordens da administração para os demais Waimiri-Atroari em português, seguindo o estilo autoritário dos servidores, e logo traduziram-nas para sua própria língua.

O surgimento de indigenistas na direção da administração que adotam uma linguagem antropológica como jargão e, simultaneamente, vêem os antropólogos como não comprometidos com as ideologias indigenistas que eles assumem, coincide com a desconfiança de muitos líderes do movimento indígena com relação a antropólogos. Quando exigido deles, os líderes Waimiri-Atroari adotaram uma retórica ativista contra a presença de antropólogos, postura colocada pela direção do PWA como parte do seu discurso institucional. Tais atitudes foram assumidas como ordens a ser obedecidas e como parte de suas atribuições como líderes.

A organização política dos novos líderes aconteceu num clima de concorrência entre agentes da sociedade nacional para participarem de uma política indigenista para os Waimiri-Atroari. Além do indigenismo oficial da FUNAI, foi fundado, por membros do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), um Movimento de Apoio à Resistência Waimiri-Atroari (MAREWA). A partir de setembro de 1985, um casal de missionários da ala progressista da Igreja Católica iniciou um projeto educacional no Posto Indígena Terraplenagem, onde residia o capitão principal. A Missão Evangélica da Amazônia (MEVA) procurou evangelizar os Waimiri-Atroari, primeiro através de contatos iniciados por pastores Waiwai a partir de 1968, e, posteriormente, através de um projeto educacional dirigido por um casal de missionários protestantes, que substituiu os missionários católicos no Posto Indígena Terraplenagem no final de 1986. Este casal, por sua vez, foi substituído pelo subprograma educacional do PWA, quando este assumiu a administração da área. A Mineração Taboca S/A (Paranapanema), o Exército, e a Eletronorte vêm interferindo diretamente na política indigenista nesta área (Baines, 1991).

Além de interesses externos à administração, os líderes Waimiri-Atroari foram envolvidos na luta pelo poder entre seus funcionários (Baines, 1991: 287-301). Neste clima de intrigas e tentativas de aliciamento dos jovens por parte de diversos agentes da sociedade nacional constituía-se a liderança (: 280-313), que aprendeu a contextualizar os discursos contraditórios gerados numa situação de contato interétnico marcada pela interferência de grandes empresas. Os líderes Waimiri-Atroari instrumentalizavam esses discursos para seus próprios fins dentro deste contexto de dominação. Atualmente, configura-se uma situação em que não somente seus depoimentos gravados mas também suas imagens filmadas estão sendo usados para fins publicitários, com todo o poder da mídia.

Imagens de índios que apóiam os programas indigenistas, o discurso do seu supervisor de que o PWA "conseguiu colocar em prática o que todos os indigenistas sonhavam" e a existência de representantes de um povo indígena (os Waiwai), maravilhados com as "riquezas" do PWA, interessados na construção de uma grande hidrelétrica (a de Cachoeira Porteira), para ganhar uma indenização parecida, combinam bem com a declaração do presidente da Eletronorte de que a Usina Hidrelétrica Belo Monte (que seria uma das maiores do mundo) é a obra de seus sonhos (Pinto, 1998), para tentar reverter assim as críticas e acelerar a aprovação de mais hidrelétricas na região amazônica.

 

Notas

1 Professor adjunto 4, Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília; pesquisador 1c do CNPq. Meus agradecimentos a Dominique Tilkin Gallois e Denise Fajardo, coordenadoras do GT: Etnologia Indígena, no XXII Encontro Anual da ANPOCS, pelo convite para participar da sessão "Políticas de intervenção e novas formas de representação indígena", na qual apresentei uma versão deste trabalho. Meus agradecimentos ao Professor Julio Cezar Melatti por ter lido uma versão deste trabalho e oferecido seus valiosos comentários. A responsabilidade pelo conteúdo é inteiramente minha.

2 Empresa controlada pela Eletrobrás.

3 O Liberal, Belém, 28 out. 1998.

4 No caso do Programa Parakanã, como indenização para a inundação de parte do seu território pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.

5 Lúcio Flávio Pinto chama atenção ao fato de que "a Eletronorte, logo depois do Encontro dos Povos Indígenas de Altamira (realizado em fevereiro de 1989), tratou de trocar o nome da hidrelétrica, rebatizando-a de Kararaô para Belo Monte" (1998: 11). Segundo divulgação de Benedito Carraro, Presidente do Conselho de Administração da Eletronorte e diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobrás: "a Usina Hidréletrica Belo Monte, de 11.000 MW, localizada no rio Xingu, num dos melhores sítios conhecidos para implantação de aproveitamentos hidrelétricos, próximo à cidade de Altamira, no estado do Pará (...) além da Eletronorte, pela sua importância e vulto, mobilizará todos os agentes envolvidos com o Setor Elétrico nacional" (Eletronorte, 1998).

6 Ver, por exemplo, a matéria publicada pelo PNUD, de Cherie Hart (1991). Viveiros de Castro e Andrade esclarecem que "a 'consciência ambiental' que parece ter iluminado repentinamente as grandes concessionárias e empreiteiras do setor elétrico não é senão um movimento de autodefesa ou contra-ofensiva que visa o aperfeiçoamento de um 'produto gerencial' - a imagem pública da empresa" (1988: 8) - ante as condições impostas pelas agências financiadoras internacionais. Numa matéria jornalística que faz propaganda para o PWA, "Índios dão a volta por cima: Waimiri-Atroari escapam da extinção e ostentam padrão de vida invejável", publicada em O Liberal (Belém, 28 out. 1998), afirma-se que o "resgate da tradição" maryba, de iniciação de crianças, "é um exemplo de como conquistar a cidadania". De fato, os Waimiri-Atroari nunca deixaram de praticar os ritos de iniciação, não podendo haver um "resgate" de uma tradição que nunca deixou de ser praticada. O comentário reflete o interesse do supervisor em divulgar uma imagem pública de "resgate cultural" para exagerar os supostos benefícios do PWA.

7 Ver, por exemplo, as palavras atribuídas ao supervisor do PWA, que os Waimiri-Atroari "estão recuperando algo do que foi perdido", descrito como um processo de cura (Hart, 1991: 16), e a afirmação de que, após o PWA ter controlado questões de saúde, os funcionários do PWA "dirigiram-se a uma questão mais sutil: a revitalização do patrimônio cultural dos índios" e "reconstrução do seu passado cultural" (: 18).

8 O recrutamento de "índios" para impor os interesses da sociedade hegemônica já é evidente nas expedições punitivas de Pedro Favella. Segundo Sousa (1873: 181), no ano de 1664, no rio Urubu, adjacente à região atualmente habitada pelos Waimiri-Atroari, Favella massacrou 700 indígenas, levou 400 prisioneiros e incendiou 300 aldeias com uma força que saiu de Belém de "500 índios sob as ordens de seus superiores e de quatro companhias de tropas regulares (...)", ainda recrutando "muitos indígenas domesticados" (: 182) na viagem. Barbosa Rodrigues (1885: 40), no século passado, recrutou "tapuyas" (ao contrário do uso mais comum deste termo para designar "índios primitivos" em oposição aos Tupi do litoral brasileiro, Barbosa Rodrigues o usa aqui como equivalente a "índio civilizado" ou "caboclo") na sua equipe de pacificação - os regionais das vizinhanças da vila de Moura, inclusive o "índio Pedro", Makuxi - apesar de criticá-los severamente por ser a população que vivia numa situação de conflito interétnico violento com os índios do rio Jauaperí. Os relatórios do SPI revelam uma política consistente de recrutar "funcionários índios" de outros grupos étnicos para trabalhar nesta área, desde a segunda década deste século.

 

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Stephen G. Baines
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