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No período de dezembro de 2001 a dezembro de 2002 foram estudados 10 pacientes portadores de PEX e 10 pacientes com o tórax morfologicamente normal. Os pacientes com PEX tinham idades entre 10 e 31 anos (média de 17,4 anos), 5 eram do sexo masculino, 9 da raça branca e 1 da amarela. Foram excluídos do estudo os pacientes sem condições clínicas para cirurgia, ou portadores de patologias que aumentassem a morbidade do procedimento cirúrgico. Os pacientes com o tórax morfologicamente normal tinham idades entre 16 e 35 anos (média de 25,8 anos), 6 eram do sexo masculino, e todos da raça branca. Foram excluídos os portadores de qualquer afecção que pudesse interferir na morfologia da caixa torácica.
Toda a amostra foi medida clinicamente no nível do manúbrio e da maior deformidade, ou do terço distal do esterno, no caso dos pacientes com caixa torácica morfologicamente normal. Os pacientes portadores de PEX foram operados e acompanhados para serem novamente avaliados entre o 60º e o 80º dia de pós operatório. Todas as medidas foram realizadas com o paciente em decúbito dorsal horizontal, em mesa plana paralela ao piso e durante inspiração profunda.
Os materiais utilizados para as medidas clínicas foram esquadro articulado, régua acoplada a um nível, pino rosqueado com porca limitadora e régua convencional (Figura 1).
Constituiu medida A a distância entre o plano coronal tangencial à coluna torácica e o plano coronal tangencial ao ponto mais alto do rebordo costal, no nível da maior deformidade ou do terço inferior do esterno. A medida A' é semelhante, mas aferida no nível do manúbrio esternal (Figuras 2 e 4). A medida B foi a formada pela distância entre o plano tangencial ao ponto mais alto do rebordo costal e o plano que continha o ponto mais baixo do esterno (ambos os planos pararelos entre si), no nível da maior deformidade ou do terço inferior do esterno. A medida B' é semelhante, mas aferida no nível do manúbrio esternal (Figuras 3 e 4). O índice antropométrico para o PEX foi por nós definido como a medida B dividida pela medida A (Figura 4).
Todos os pacientes foram operados segundo a técnica de Robicsek(22), modificada pelo grupo de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, através de uma incisão pré-esternal longitudinal nos homens e submamária nas mulheres. De acordo com a técnica, a seguir é feita a ressecção das cartilagens costais com preservação dos pericôndrios, osteotomia transversa em cunha da tábua anterior do esterno no nível do manúbrio esternal e de seu terço distal, fixação do esterno corrigido na altura das linhas de cunha com fios de aço, sutura dos músculos intercostais e pericôndrios abaixo do esterno com interposição de uma fita de tela de polipropileno, e interposição de fita de tela de polipropileno entre os peitorais e os músculos retos abdominais quando na presença de exagerada tensão para a aproximação. Completa-se a técnica com a drenagem do espaço abaixo do plano muscular com dreno de sucção contínua. Para controle da dor utilizou-se em 8 pacientes (80%) o cateter peridural, aplicando-se analgésico a pedido do paciente e nos 2 outros (20%) utilizou-se antiinflamatórios não hormonais e analgésicos da classe dos opiáceos.
Adicionalmente, todos os pacientes foram medidos tomograficamente nos cortes da janela mediastinal no nível do manúbrio esternal e da maior deformidade ou terço distal do esterno, de acordo com a técnica descrita por Haller(16). O índice de Haller é definido como a distância látero-lateral interna dividida pela distância ântero-posterior interna no nível da maior deformidade (A/C). Este índice também foi calculado no nível do manúbrio esternal (A'/C'), em virtude do protocolo deste estudo. O esquema de medidas clínicas foi associado ao desenho das medidas tomográficas para melhor entendimento (Figura 4).
O estudo estatístico aplicado foi o seguinte: análise univariada - teste de Duncan; análise multivariada e teste da correlação canônica; análise pareada para os grupos do pré e do pós operatório uma vez que se tratam dos mesmos indivíduos em situações diferentes (teste t de Student para análise univariada e teste de Hotelling para análise multivariada). Considerou-se p significativo se menor que 0,05. Foi utilizado o programa estatístico SAS 8.02. Este protocolo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Protocolo 658/01).
Na nossa amostra de pacientes operados, tivemos mortalidade zero. Quanto à morbidade, constatou-se: 1 infecção por rotavirus, 1 pequeno pneumotórax menor que 10%, 1 deiscência parcial de pele e tecido celular subcutâneo, 2 pequenas deiscências da derme, 2 seromas occiptais, e 1 atelectasia pulmonar parcial. As retiradas do dreno de sucção e do cateter peridural deram-se respectivamente entre o 4º e o 7º dias do pós operatório (média de 5,62 dias) e o pós operatório imediato e o 7º dia do pós operatório (média de 3,57 dias). Todos os pacientes submetidos à cirurgia receberam alta hospitalar entre o 5º e 8º dias após a operação (média de 6,25 dias).
A análise univariada, utilizada para comparação das médias e desvios padrão dos dados originais do índice antropométrico para PEX, no nível do manúbrio esternal e no nível da maior deformidade ou do terço inferior do esterno, é apresentada na tabela 1. As diferenças em ambos os níveis entre as médias (pré-operatório x pós operatório e pré-operatório x indivíduos com tórax normal) são estatisticamente significativas, enquanto que a diferença entre pós operatório X indivíduos com tórax normal é não significativa. A análise pareada, avaliando-se as médias entre o pré e o pós operatório mostrou tratar-se de grupos diferentes, considerando-se as medidas tanto no nível do manúbrio esternal como da maior deformidade.
Como a correlação estatística entre as variáveis B'/A' e B/A foi alta, justificou-se a análise multivariada das médias do índice antropométrico (no nível do manúbrio esternal e da maior deformidade ou terço distal do esterno). Esta análise demonstrou que as diferenças entre pré e pós operatório e entre pré operatório e indivíduos com tórax normal são significativas, porém a diferença entre pós operatório e indivíduos com tórax normal foi não significativa. Com o estudo pareado entre pré e pós operatório verificou-se que, embora sejam os mesmos indivíduos, eles pertencem a grupos diferentes.
Em resumo, com base nos achados estatísticos para esta amostra, pode-se dizer que, considerando-se o nosso índice (índice antropométrico), os grupos pré operatório e indivíduos com tórax morfologicamente normal são diferentes. Após a correção cirúrgica, o grupo pré operatório tornou-se semelhante ao grupo controle (Figura 5).
Realizando-se a análise univariada para a comparação das médias e desvios padrão do índice de Haller no nível do manúbrio esternal , observamos que as diferenças entre pré operatório e indivíduos com tórax morfologicamente normal e pós operatório e indivíduos com tórax morfologicamente normal são significativas, enquanto que a diferença das médias entre pré e pós operatório é não significativa. Este achado foi comprovado pela análise pareada entre as médias dos grupos pré e pós operatório, que mostrou igualdade estatística entre eles no nível do manúbrio esternal. Já a análise univariada no nível da maior deformidade ou do terço distal do esterno, a análise multivariada em ambos os níveis e o estudo pareado multivariado relacionados ao índice de Haller são concordantes com os achados estatísticos do índice antropométrico (Figura 6).
Em outras palavras, os resultados estatísticos obtidos com as médias do índice antropométrico e do índice de Haller são congruentes na análise univariada no nível da maior deformidade ou do terço inferior do esterno, e também na análise multivariada, em ambos os níveis. Já a análise univariada destas médias no nível do manúbrio esternal é controversa, uma vez que, utilizando o índice antropométrico, detectamos diferença estatística entre o pré e o pós operatório e não a encontramos entre o pós operatório e o grupo dos indivíduos com caixa torácica morfologicamente normal, e o inverso ocorre em relação aos resultados do índice de Haller. Entre as medidas clínicas e as medidas tomográficas encontramos 86% de correlação (p < 0,0001).
Adotamos, no Grupo de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, desde 1993, a técnica de Robicsek(22) porque acreditamos que a etiologia do PEX se deve ao crescimento anormal das cartilagens condrocostais, e que um suporte rígido na posição retroesternal é fundamental para manter os bons resultados a longo prazo. Acreditamos também, em concordância com Humphreys(8) em seu trabalho, que os melhores resultados são observados até o quinto ano do pós operatório, sendo que, após esse período, as recidivas podem ser observadas em maior freqüência se a técnica de correção não for adequada.
Neste trabalho, estamos propondo uma forma clínica e antropométrica para avaliação do PEX, objetiva, simples, de fácil aplicabilidade em nível ambulatorial, independente de qualquer tipo de exame subsidiário. As formas de avaliação clínica, já mencionadas anteriormente(3,17-19), exigem equipamentos ou medidas complexas e de difícil obtenção, o que contribui para que, até hoje, sejam muito pouco utilizadas. Acreditamos que medidas clínicas são ferramentas da maior importância no diagnóstico e seguimento desses pacientes, principalmente porque são baseadas no contorno torácico externo, o que corresponde à real deformidade estética, ou seja, à principal queixa dos portadores de PEX. Salientamos também que esta é a principal indicação do tratamento cirúrgico desta deformidade.
As medidas tomográficas, que são bem conhecidas, e as mais freqüentemente utilizadas, como o índice de Haller(16), revelam as alterações da porção óssea da caixa torácica, portanto alterações internas, o que nem sempre corresponde ao defeito visualizado ou à gravidade da malformação presente na inspeção clínica. Lembramos ainda que aplicamos as medidas de Haller também no nível do manúbrio esternal (A'/C'), embora tenham sido descritas pelo autor apenas no nível da maior deformidade ou terço distal do esterno. Isto foi intencional, uma vez que acreditamos que a técnica ideal para correção do defeito deva atuar sobre a porção superior da parede anterior do tórax para que o resultado final seja mais completo.
Com base nos resultados no nível do manúbrio esternal, o índice antropométrico detecta mudança mensurável nos pacientes após a correção cirúrgica, o que não é observado com a utilização do índice de Haller. Este fato pode ser justificado, pois não alteramos cirurgicamente a caixa torácica no nível do manúbrio esternal, e portanto as medidas relativas ao perímetro interno torácico desta região devem permanecer as mesmas no pré e no pós operatório. Já o índice antropomé-trico baseia-se em medidas externas e os resultados podem ser atribuídos à interposição do músculo peitoral maior sobre o esterno, causando um maior preenchimento da região anterior do tórax e, portanto, favorecendo uma melhor correção estética dessa região. Os demais estudos estatísticos (análise univariada na maior deformidade ou terço distal do esterno e análise multivariada) são concordantes tanto para o índice antropométrico como para o índice de Haller. O teste de correlação canônica comprova a afinidade entre os dois índices, o que fortalece a proposta de que o índice antropométrico possa substituir o índice de Haller na avaliação do PEX. Ainda não encerramos nossa casuística, portanto é possível que novos resultados sejam obtidos com um maior número de observações.
Concluímos, então, que o índice antropométrico para PEX é exeqüível em nível ambulatorial. Através de instrumentos simples e de baixo custo, qualquer profissional que examine um paciente com essa deformidade pode avaliar, medir e quantificar objetivamente o defeito. Com esta medida, o caráter subjetivo do exame clínico não permanece como o único fator de indicação ou decisão para um provável tratamento cirúrgico. Além disso, o índice antropométrico, quando aplicado no pré e no pós operatório, permite-nos de maneira rápida e objetiva a quantificação do defeito e, o mais importante, dos resultados no pós operatório. Uma outra proposta, um pouco mais ousada e que necessita de estudos posteriores com o índice antropométrico, seria a possibilidade de comparação entre dois ou mais grupos de pacientes, operados em diferentes serviços, por diferentes técnicas e/ou cirurgiões, ensejando o estudo do PEX com protocolos multicêntricos.
À Prof. Dra. Clarice Demétrio (Titular do Departamento de Ciências Exatas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - USP); ao Prof. Dr. Lauro Kawabe (Responsável pelo agendamento cirúrgico do Instituto do Coração - INCOR-FMUSP); aos residentes do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas - FMUSP-SP); a Ivete Regina Vieira Torres e Marcelo da Conceição Barroso (Ambulatório do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas - FMUSP-SP); a Argemiro Falcetti Jr (Ilustração Médica do Instituto do Coração - INCOR-FMUSP-SP); ao Dr. João Amaurício Pauli (Secretário de Saúde de Piracicaba); aos pacientes que possibilitaram a realização deste trabalho.
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Nota
* Trabalho realizado no Departamento de Cardio-Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Serviço de Cirurgia Torácica.
Eduardo Baldassari Rebeis(TE SBCT); Marcos Naoyuki Samano; Carlos Tadeu dos Santos Dias;
Ângelo Fernandez(TE SBCT); José Ribas Milanez de Campos(TE SBCT); Fábio Biscegli Jatene(TE SBCT); Sérgio Almeida de Oliveira(TE SBCT)
ctsdias[arroba]carpa.ciagri.usp.br
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