(em hospital no Nordeste do Brasil)
Para avaliar a operacionalização do tratamento recomendado pelo protocolo da Organização Mundial da Saúde para a criança desnutrida grave hospitalizada, realizou-se um estudo de série de casos. Participaram 117 crianças com idade de um a sessenta meses. Foi utilizada uma lista de verificação elaborada segundo as etapas do Protocolo OMS, sendo aplicada para cada paciente do estudo no momento da alta hospitalar, avaliando os procedimentos realizados durante o internamento. Também foram utilizadas planilhas de ingestão diária de alimentos e líquidos, de acompanhamento diário dos dados clínicos do paciente, de acompanhamento da terapêutica e exames laboratoriais. Foram avaliadas as 36 principais etapas do Protocolo OMS: em 24 delas houve o cumprimento correto em mais de 80% das crianças, em sete etapas este percentual ficou entre 50 e 80% e em cinco etapas o percentual de cumprimento adequado foi menor do que 50%. A principal dificuldade foi em relação à monitorização com a presença freqüente de médico ou enfermeira junto à criança. Com pequenos ajustes as recomendações do Protocolo OMS podem ser seguidas garantindo o seu objetivo mais importante que é a redução da letalidade.
Desnutrição; Hospitalização; Terapia Nutricional; Saúde Infantil
To assess the implementation of WHO guidelines for managing severely malnourished hospitalized children, a case-series study was performed with 117 children from 1 to 60 months of age. A checklist was prepared according to steps in the guidelines and applied to each patient at discharge, thus assessing the procedures adopted during hospitalization. Daily spreadsheets on food and liquid intake, clinical data, prescribed treatment, and laboratory results were also used. 36 steps were evaluated, 24 of which were followed correctly in more than 80% of cases; the proportion was 50 to 80% for seven steps and less than 50% for five steps. Monitoring that required frequent physician and nursing staff bedside presence was associated with difficulties. With some minor adjustments, the guidelines can be followed without great difficulty and without compromising the more important objective of reducing case-fatality.
Malnutrition; Hospitalization; Nutrition Therapy; Child Welfare
A desnutrição tem profundas e graves implicações para a criança, a sociedade e o futuro da humanidade. No início do ano 2000, estimava-se que cerca de 30% da população mundial sofria de alguma forma de desnutrição 1, e em 2005, estima-se uma prevalência de desnutrição infantil de 29%; o continente africano apresentando a maior taxa, com 33,8%, seguido da Ásia com 29,9% e da América Latina com 9,3% 2. No Brasil, das crianças na faixa etária inferior a cinco anos em 2002, 7% eram afetadas por desnutrição crônica e 2% por desnutrição aguda 3. Em Pernambuco, segundo dados da II Pesquisa Estadual de Nutrição e Saúde (PENS) realizada em 1997, 12,1% de crianças menores de cinco anos apresentavam desnutrição crônica e 1,8% desnutrição aguda 4.
Das cerca de 12 milhões de mortes de menores de cinco anos registradas a cada ano nos países em desenvolvimento, devidas principalmente a causas evitáveis, cerca de 60% podem ser direta ou indiretamente atribuídas à desnutrição 5.
Em uma revisão da literatura dos últimos cinqüenta anos, Schofield & Ashworth 6 observaram que a taxa de letalidade da desnutrição grave em crianças hospitalizadas pouco modificou nesse período, mantendo-se entre 20% e 30%.
Com o intuito de tentar reduzir as altas taxas de mortalidade observadas e sistematizar os cuidados de tratamento hospitalar e levando em conta as particularidades fisiopatológicas da desnutrição em estágios avançados a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs um modelo básico de condutas, doravante denominado de Protocolo OMS, recomendando a sua utilização em países em desenvolvimento, mediante uma adaptação dessa proposta à realidade de cada local 7,8. É reconhecido que todas as crianças gravemente desnutridas estão em risco de desenvolver hipoglicemia e hipotermia, importantes causas de morte, principalmente durante os dois primeiros dias de tratamento. A hipoglicemia pode ser causada por infecção sistêmica grave, hipotermia ou jejum prolongado (quatro a seis horas), o que ocorre com freqüência durante o trajeto para o hospital 8,9,10. Redução na temperatura do ambiente para 22ºC ou elevação para 33ºC pode levar à hipotermia ou febre 11.
Por outro lado, embora o clínico que lida com a criança desnutrida tenha de considerar tanto a desidratação quanto a hiperidratação, é preciso levar em conta que muitos dos sinais que são normalmente utilizados para avaliação da desidratação não são confiáveis em uma criança com desnutrição grave, para que o seu manejo seja adequado diminuindo o risco de choque circulatório ou de hipervolemia 8,11,12. A deficiência dos eletrólitos e micronutrientes é crucial para a criança desnutrida grave, pois leva a alterações fisiológicas que aumentam a morbimortalidade. Dentre as alterações que ocorrem nos eletrólitos, minerais e elementos traços, cabe ressaltar aquelas observadas no potássio, sódio, magnésio, zinco e cobre 12,13,14, 15,16. O Protocolo OMS preconiza e enfatiza a administração regular desses elementos durante o tratamento, o que é feito por meio da mistura de minerais que compõe as fórmulas lácteas e o soro para reidratação oral elaborado especificamente para a criança desnutrida grave, denominado Resomal (Reidratation Solution for Malnutrition) 8,17.
Ademais pode ocorrer insuficiência cardíaca congestiva na criança desnutrida grave, geralmente como uma complicação de hiperidratação (especialmente quando é feita infusão venosa de líquidos ou são oferecidas soluções para reidratação oral com grande quantidade de sódio), de anemia grave, de transfusão de hemoderivados ou da utilização de dieta com alto conteúdo de sódio 8. Pelas razões acima expostas orienta-se que líquidos e sódio sejam oferecidos com muita cautela e que a administração de volume por via oral ou venosa seja monitorizada com rigor 8.
Assim, as recomendações do Protocolo OMS incluem: o tratamento e/ou a prevenção da hipoglicemia, da hipotermia e da desidratação; o tratamento dos distúrbios eletrolíticos, da infecção, da deficiência dos micronutrientes; o suprimento de alimentação adequada na fase inicial de estabilização e na fase da recuperação; e a busca da reabilitação completa da criança 8.
Dois estudos realizados recentemente na África 18,19 avaliaram o Protocolo OMS e relatam redução da taxa de letalidade hospitalar após a sua implantação.
Estudo realizado no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP) 20 verificou em crianças desnutridas com índice peso/idade abaixo do percentil 3, uma taxa de letalidade hospitalar de 34,3%, que é considerada inaceitável segundo a OMS 8.
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