David Kallás; Antônio Carlos Aidar Sauaia
(*) XVIII Congreso Latinoamericano de Estratégia
SLADE - Maio de 2005 - Santa Cruz de La Sierra - Bolívia
RESUMO
Tratado inicialmente (1992) como um sistema de medição de desempenho baseado em indicadores, o balanced scorecard evoluiu e hoje (2005) já é possível afirmar que se trata de uma ferramenta de gestão que organiza, de forma lógica e objetiva, os conceitos e as idéias preexistentes sobre gestão da estratégia. O estudo aqui descrito envolveu 32 empresas simuladas num experimento em que a diretoria de 5 empresas simuladas implantou com o apoio de consultoria externa, um sistema de gestão baseado no balanced scorecard. Os indicadores de desempenho das empresas foram comparados durantes sete anos simulados observando-se, com elevada significância estatística, que o grupo experimental (cinco empresas) apresentou resultados nitidamente superiores ao grupo de controle (demais 27 empresas). Conclui-se que a aplicação do balanced scorecard contribuiu positivamente para o desempenho das empresas simuladas no experimento em questão.
Da Escola de Administração Científica de Taylor aos nossos dias, a evolução dos conceitos tem ocorrido em ritmo vertiginoso. O constante lançamento de teorias adaptadas às últimas transformações ambientais tem levado a uma diversidade de novas propostas para a gestão dos negócios empresariais (FERREIRA et al., 2002:3). Segundo ROSENBURG (2001), muitos dos 10.000 livros de negócios, publicados mundialmente entre 1998 e 2001, tratam de novas formas de gerir o negócio. Via de regra, sua validade é incontestável, cabendo somente ao administrador precavido perceber em que grau essas contribuições diferem, sob as diversas nomenclaturas que recebem e se essas novas propostas podem e devem ser adotadas em sua empresa.
Um caso típico de análise é o balanced scorecard. Apresentado inicialmente por KAPLAN & NORTON (1992) como ferramenta de monitoramento da performance e controle da estratégia, evoluiu em seu potencial, passando a ser tratado como uma ferramenta de gestão de organizações de grande, médio e pequeno porte, além da possibilidade de aplicação inclusive para indivíduos e equipes. Pouco tempo após sua criação, o conceito tornou-se amplamente disseminado e aplicado por executivos em todo o mundo.
A eficiência do método suscitou opiniões diversas entre as empresas, devido ao contexto diferente em que se deu cada aplicação. Entretanto, como seriam os resultados se pudéssemos comparar empresas que partiram do mesmo ponto com e sem o uso do balanced scorecard? Trata-se de mais um modismo ou é possível considerá-lo uma ferramenta de gestão efetiva? Essas inquietações, surgidas tanto no ambiente acadêmico como profissional motivaram a realização desta pesquisa. Adiciona-se a este fato o desejo de que este estudo ajude as organizações brasileiras a serem cada vez mais competitivas no cenário doméstico e internacional, ampliando seus conhecimentos sobre ferramentas de gestão.
Talvez o balanced scorecard não tenha sido originado a partir dos conceitos da administração estratégica. Seu surgimento está relacionado às limitações dos sistemas tradicionais de avaliação de desempenho (KAPLAN & NORTON, 1992:71), o que não deixa de ser um dos problemas do planejamento estratégico apontados por ANSOFF et al. (1976:8). Entretanto, conforme sua evolução e uso, o instrumento tornou-se uma importante ferramenta de gestão estratégica. Mais que um exercício de medição, o BSC motiva melhorias não incrementais em áreas críticas, como desenvolvimento de produtos, processos, clientes e mercados (KAPLAN & NORTON, 1993:134).
O balanced scorecard é uma ferramenta que materializa a visão e a estratégia da empresa por meio de um mapa coerente com objetivos e medidas de desempenho, organizados segundo quatro perspectivas diferentes: financeira, do cliente, dos processos internos e do aprendizado e crescimento. Tais medidas devem ser interligadas para comunicar um pequeno número de temas estratégicos amplos, como o crescimento da empresa, a redução de riscos ou o aumento de produtividade (KAPLAN & NORTON, 1997:24-25; 44).
Após o surgimento da ferramenta e suas aplicações iniciais em empresas americanas, tanto os autores como os executivos perceberam que seu escopo expandia os conceitos iniciais (JÚLIO & NETO, 2002:181; CAMPOS, J., 1998:64). Em concordância, KAPLAN & NORTON (2000a:18) observam que as empresas bem-sucedidas do balanced scorecard revelaram um padrão consistente na consecução do foco e do alinhamento estratégico. "Embora cada organização abordasse o desafio à sua própria maneira, em ritmos e seqüências diferentes, observamos a atuação de cinco princípios comuns, que chamamos de princípios da organização focalizada na estratégia".
Em muitos casos, adotaram-se scorecards individuais para a definição de objetivos pessoais. Finalmente, cada uma das organizações bem sucedidas vinculou a remuneração por incentivos ao balanced scorecard (KAPLAN & NORTON, 2000a:22-23).
De início, o foco é a mobilização e a criação de impulso para o lançamento do processo. Após a mobilização da organização, o foco se desloca para a governança (EPSTEIN & WISNER, 2001). Por fim, de maneira gradual, desenvolve- se um novo sistema gerencial – um sistema gerencial estratégico que institucionaliza os novos valores culturais e as novas estruturas em novo sistema de gestão. As novas fases podem desenrolar-se ao longo de dois ou três anos (KAPLAN & NORTON, 2000a:26-27).
Uma contribuição significativa do balanced scorecard é o alinhamento de indicadores de resultado (lag indicators) com indicadores de tendência (lead indicators) de uma forma lógica e alinhada à estratégia. STERN STEWART (1999) identifica a complementaridade do BSC com outras ferramentas gerenciais e estratégicas, como o custeio ABC e o EVA _, ressaltando que o custeio ABC auxilia os gestores a entender melhor a estrutura de custos e capital, o BSC amplia a visão da gestão para questões não-financeiras e o EVA_ orienta os gestores para a criação de valor, visão compartilhada por SHINOHARA (2003:11).
Pode-se afirmar que o BSC considera diferentes grupos de interesse na análise e execução da estratégia. A análise dos envolvidos (stakeholders) proporciona elementos para comparar as várias perspectivas e chegar a uma decisão, ferramenta usada por SAUAIA & KALLÁS (2003) para analisar o dilema de cooperar e competir em mercados oligopolísticos.
Outro benefício está relacionado à comunicação da estratégia na organização (YOUNG & O’BYRNE 2001:291). O BSC descreve a visão de futuro da empresa para toda a organização, de modo a criar aspirações compartilhadas. Cria um modelo holístico da estratégia, mostrando a todos os funcionários como eles podem contribuir para o sucesso organizacional (KAPLAN & NORTON 1997:154).
Para CAMPOS, J. (1998:105), outro benefício do BSC é o direcionamento e foco nas ações. Embora provendo a gerência sênior com medidas adicionais, o balanced scorecard minimiza a carga de informações a analisar, porque, ao enfocar os objetivos mais críticos, limita o número de medições a usar.
Apesar de apresentar suas limitações, o planejamento estratégico ainda é um instrumento muito utilizado nas organizações, particularmente poderoso se aliado ao balanced scorecard.
Pesquisas anuais realizadas pela BAIN & COMPANY (2001) procuram verificar quais as ferramentas de gerenciamento mais usadas no Brasil e no mundo e o grau de satisfação dos gestores quanto a elas. De acordo com os resultados brasileiros, o planejamento estratégico é a ferramenta de gerenciamento mais usada, a segunda colocada em satisfação. Já o balanced scorecard mostra-se uma ferramenta recente, em franca expansão. Seu uso, que era de 30% dos respondentes em 2000, aumentou para 56% em 2001. No item satisfação, aparece como a quarta colocada, com uma nota de 4,29 em um máximo de 5.
Algumas críticas têm sido salientadas na literatura. YOUNG & O’BYRNE (2001:301) colocam que alguns usuários do BSC confundem os fins com os meios. Investimentos em clientes e relações com fornecedores e empregados não são a finalidade da empresa, mas um meio para agregar de valor aos acionistas. Quando os gestores esquecem esse ponto fundamental, o balanced scorecard pode tornar-se um pretexto para defender a falha da empresa em produzir resultados financeiros superiores. BOYETT & BOYETT (1999:269) alertam para a questão da conexão entre os objetivos e indicadores do BSC: "Na vida real, a associação entre causa e efeito raramente é tão clara. Na maioria das situações, devemos nos contentar em incluir a maioria das medidas certas no scorecard, sem tentar imaginar qual é a relação entre elas". Tal limitação foi diversas vezes reconhecida por KAPLAN & NORTON (1996, 1997, 2000a, 2000b), quando afirmaram que o BSC construído pela empresa é uma hipótese inicial.
A estratégia define uma lógica de como o valor será criado para os acionistas. Define as ações e recursos requeridos para se atingir resultados desejados. Como tal é baseada em uma série de premissas que devem ser testadas (NORTON, 2001:1). Um excelente conjunto de medidas não garante uma estratégia vencedora. A falha na conversão da performance operacional em resultados financeiros deve mandar os executivos de volta à "prancheta de desenho" para repensar sua estratégia ou seu plano de como implementá-la (KAPLAN & NORTON, 1992:77).
Diversas são as tentativas de se complementar a simplicidade do BSC com modelos mais complexos. AKKERMANS & OORSCHOT (2002) sugerem complementar BSC com a dinâmica de sistemas (system dynamics).
Com base na ampla aceitação do BSC e na inquietação de diversos autores a respeito de sua real contribuição, a pergunta-problema se contextualiza da seguinte forma: A aplicação do balanced scorecard exerce impacto nos indicadores de sucesso das empresas? O sucesso será medido por meio de um experimento e da análise comparativa dos sete indicadores de desempenho setoriais das empresas no ambiente laboratorial do MMG – Multinational Management Game, (KEYS et al., 1992) apresentados no Quadro 1:
METODOLOGIA DA PESQUISA
Dados os pontos de validade e invalidade de cada tipo de experimento e, considerando- se as características do ambiente de jogos de empresas, o experimento escolhido foi: "préteste e pós-teste a grupos experimental e de controle casuais". Trata-se de um dos planos mais recomendados, segundo CAMPBELL & STANLEY (1979:16). Para LAKATOS & MARCONI (2000:242-243), esse método emprega dois grupos equiparados. Aquele, em que se introduz a variável experimental, é denominado grupo experimental, ao passo que o grupo que não está sujeito a influências funciona como grupo de controle. Ambos os levantamentos foram realizados simultaneamente, sendo que, no grupo de controle, nenhuma variável experimental é introduzida. Por esse motivo, faz-se a suposição de que a diferença entre as medidas depois e antes, no grupo de controle (O’2 - O’1) seja o resultado da ação das variáveis ou fatores incontroláveis, ao passo que a mesma diferença, no grupo experimental (O2 - O1), corresponde à ação da variável experimental mais os mesmos acontecimentos incontroláveis percebidos no grupo de controle. Assim, pode-se determinar o efeito da variável experimental subtraindo a diferença das duas medidas, no grupo de controle, da diferença das duas medidas, no grupo experimental: [(O2 - O1) - (O’2 - O’1)].
Foram avaliados dois grupos, um experimental e um de controle, formados por alunos da disciplina "Jogos de Empresas" (EAD-472), oferecida no programa de graduação dos cursos de Administração e Contabilidade, da FEA/USP - Brasil. Nesta disciplina é feita uma simulação de um mercado fictício onde empresas, formadas por alunos, definem preços, volume de investimentos, salários e demais decisões idênticas às de empresas reais. As decisões são compiladas num software específico que simula o mercado a partir de condições parametrizadas e gera resultados para as equipes, as quais, com base nos resultados, tomam suas novas decisões para o próximo período.
Figura 1 – Balanced Scorecard da Companhia Antartic Tech
Esta pesquisa analisa o processo e os resultados de dois grupos, sendo que um deles (grupo experimental) é composto por equipes que utilizaram o balanced scorecard como ferramenta de gestão (X). A análise foi feita por meio da comparação dos resultados entre os grupos que utilizaram e os que não utilizaram este modelo (O) com base nos indicadores de sucesso já descritos no Quadro 1. O início da aplicação do BSC para as empresas simuladas do grupo experimental se deu entre os períodos 2 e 3, de um total de 7 períodos (rodadas) de aplicação do jogo.
A Figura 1 ilustra um mapa completo do BSC de uma das empresas do experimento, onde as caixas representam os objetivos estratégicos para cada perspectiva e, ao lado de cada objetivo, seus indicadores estratégicos de desempenho.O processo de aplicação do balanced scorecard foi semelhante para as empresas. Todas desembolsaram a mesma quantia para a consultoria, embora em condições comerciais diferentes (resultados de um esforço de negociação desigual entre as mesmas). A construção do mapa e a definição de indicadores estratégicos foram feitas em um período de tempo relativamente curto (imediatamente após a venda dos serviços de consultoria). A lógica para a construção dos BSC foi a mesma e procurou-se manter um número reduzido de objetivos e indicadores para preservar o aspecto da simplicidade, recomendado no método. Nenhum BSC teve menos que 10 ou mais que 14 objetivos (média de 11,4), sendo que, para cada objetivo, foram identificados, em média, 1,54 indicadores.
Esta média está de acordo com a recomendação de KAPLAN & NORTON (2000a:393) de que o BSC deveria ter, em média, 1,5 indicadores por objetivo.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
A análise quantitativa dos efeitos do BSC nos indicadores das empresas simuladas foi feita com o exame das variações de desempenho obtidas antes e depois da aplicação do BSC, comparados os grupos experimental e de controle. Neste caso, a análise da diferença antes versus depois foi efetuada por meio de medidas repetidas de dados dependentes (related data), no caso os testes não-paramétricos de Wilcoxon e Friedman. Para a comparação entre o grupo experimental e o de controle foi feita uma comparação de médias independentes, neste caso também o teste não-paramétrico de Mann-Whitney (STEVENSON, 2001:307-334), uma vez que a amostragem não permite realizar o teste paramétrico t, sugerido por CAMPBELL & STANLEY (1979:42).
Considerou-se, para a análise, um nível de significância de 5%. A Tabela 1 apresenta o resumo dos principais resultados dos testes não-paramétricos referidos.
Analisando-se cada um dos sete indicadores individualmente, apenas dois (endividamento e retorno sobre vendas) são estatisticamente significantes (teste de Mann-Whitney).
Porém, a pontuação total agregada baseada na performance relativa dos sete indicadores é também significante. Isto mostra que o BSC exerceu mais impacto no desempenho total que nos indicadores isolados.
A Figura 2 apresenta a evolução da pontuação total do jogo. A diferença de desempenho entre o grupo experimental e o de controle é claramente percebível por meio deste gráfico.
Nos primeiros dois anos, a pontuação média do grupo de controle (27 empresas) foi maior que a do grupo experimental (5 empresas). Após a inserção da variável experimental (aplicação do BSC), a média de pontos do grupo experimental apresentou constantes melhorias até o ano seis, apresentando uma pequena queda no ano sete.
Em relação às análises individuais dos BSCs e às correlações entre os indicadores, seguem algumas discussões:
Ao se dividir esses 13 indicadores pela média de 17 indicadores por BSC, verifica-se que, em média, 76% dos indicadores dos BSCs aparecem em pelo menos 3 das 5 empresas simuladas. Isso pode sugerir que:
O contexto do experimento, face à limitação dos algoritmos do simulador, pode ter reduzido o rol de possibilidades para a escolha de indicadores alternativos.
A partir desses dados, sugerem-se as seguintes análises:
Algumas empresas reduziram seus estoques para zero a partir do ano 4, mantendo este nível nos anos subseqüentes. Como o giro de estoque é calculado dividindo-se o custo das mercadorias vendidas pelo estoque médio, existiram indicadores com valores muito elevados que comprometeram, em parte, a análise.
Em vista da discussão acima, é possível rejeitar H0 (a aplicação experimental do balanced scorecard em empresas simuladas não exerce impacto positivo nos seus indicadores de sucesso).
CONCLUSÕES E LIMITAÇÕES
A combinação de jogos de empresas com balanced scorecard é uma iniciativa pouco explorada, mas que desperta o interesse dos pesquisadores de jogos e simulações. Foi primeiramente introduzida por SAUAIA (2001), sendo, posteriormente, tratada por DICKINSON (2003, 2004), PRAY et al. (2003) e KALLÁS & SAUAIA (2004).
Os resultados da pesquisa mostraram que a aplicação experimental do balanced scorecard em empresas simuladas pode ter melhorado seus indicadores de sucesso.
Segundo CAMPBELL & STANLEY (1979:6), os experimentos, se bem-sucedidos, necessitam réplica e validação cruzada em outros tempos, sob outras condições, antes que se possam incorporar à ciência, antes que possam ser teoricamente interpretados com confiança.
Ademais, embora se reconheça a experimentação como linguagem básica da prova e como a única decisão judicial capaz de dirimir dúvidas entre teorias rivais, não se deve esperar que "experimentos cruciais", que põem à prova teorias opostas, tenham que gerar necessariamente resultados nítidos.
Para estudos futuros, propõe-se replicar o experimento, com as seguintes precauções:
O conceito do balanced scorecard ainda apresenta lacunas e oportunidades de evolução e desenvolvimento. Entretanto, mostrou-se efetiva sua aplicação nas empresas deste experimento.
Espera-se que, com trabalhos acadêmicos e profissionais, os pontos positivos e negativos sejam trabalhados e discutidos de modo a se caminhar para a maturidade do conceito.
BOYD & WESTFALL (1978:101-103) apud LAKATOS & MARCONI (2000:243) consideram que, se o procedimento "pré-teste e pós-teste aplicado a grupos experimental e de controle casuais" revela-se verdadeiro para os estudos em que os assuntos são inanimados, ocorrem limitações quando seres humanos são objeto de pesquisa. Exemplificam indicando que a medida antes, quando realizada com pessoas, pode levá-las a prestar mais atenção ao objeto da pesquisa, trazendo duas atitudes diferentes e opostas: serem mais afetadas pela variável experimental ou cristalizarem suas oposições. O efeito "educacional" sensibiliza as pessoas, fazendo-as reparar mais no objeto de investigação e pode, também, afetar o grupo de controle.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
David Kallás; Antônio Carlos Aidar Sauaia
davidkallas[arroba]hotmail.com