Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 

Gerenciamento de caso aplicado ao tratamento da dependência do álcool (página 2)

Marcelo Ribeiro

 

Dependência do álcool

Embora a área de tratamento para a síndrome da dependência alcoólica tenha se desenvolvido nos últimos anos, é inegável que existe uma parcela da sociedade que não responde ao tratamento. Esta ausência de resposta, combinada com o gerenciamento do caso voltado para o bem estar social e programas médicos, tem levantado questões sobre como pode ser apropriado tratar ou facilitar o tratamento para esta demanda. Dentre as características dos clientes com dependência de álcool e outras drogas que não respondem ao tratamento, destacam-se:9

1) Formas mais severas de dependência química;

2) Coexistência de condições médicas e psiquiátricas;

3) Incapacidade severa em várias áreas da vida;

4) Desvantagem socioeconômica;

5) Carência de educação formal;

6) Desemprego e pobreza;

7) Estigmatização social;

8) Extensiva utilização do serviço público;

9) Problemas presentes por longos períodos (cronicidade).

Infelizmente, os tratamentos tradicionais nem sempre são concebidos para lidar com estes problemas. Este tipo de cliente necessita suporte profissional e tratamento contínuo e intermitente por meses e/ou anos, sendo que a maioria dos tratamentos convencionais oferece intervenções episódicas. O recente modelo e a implementação de programas de tratamento especializado para problemas relacionados ao consumo de substâncias específicos para subpopulações têm, atualmente, melhorado a fragmentação dos cuidados. Programas estruturados impõem barreiras para o tratamento, como critérios de admissão e procedimentos, modelo distinto de tratamento e uma falta de integração com outros serviços. O gerenciamento de caso surge como uma alternativa para contornar estas dificuldades e a fragmentação dos serviços de saúde.11 O gerenciamento de caso é direcionado para problemas de acessibilidade, eficácia, continuidade do tratamento, seu formato e implementação. Por tal, se faz necessário ter uma concepção clara do que será realizado no gerenciamento de caso, por quem, com quem e quais serão os benefícios almejados. Abaixo estão descritas as principais metas do gerenciamento de caso em um ambiente particular:6

1) Aumentar a continuidade do tratamento (fundamental) – estudos de corte transversal (pesquisar evidências individuais e compreensivas do tratamento em um determinado tempo) e estudos longitudinais (com a continuação da intervenção, coletar evidências sobre a resposta da intervenção oferecida).

2) Aumentar a acessibilidade – superar barreiras administrativas;

3) Aumentar a avaliação – designar um ponto de efeito para o desfecho no tratamento quando múltiplos serviços estão envolvidos para atender as necessidades do cliente;

4) Aumentar a efetividade – aumentar a probabilidade dos clientes receberem os serviços adequados as suas necessidades, diminuindo a duplicação de serviços. Pode ou não ser realizada a análise de custos.

Em suma, o profissional serve como um agente responsável pela coordenação do caso no sentido de viabilizar as necessidades individuais do cliente, sendo que este pode continuar a receber vários outros tipos de intervenções em variados serviços. Neste contexto, o profissional ou gerente de caso não é encarado como o provedor de cuidados, mas sim como alguém que visualiza, de forma compreensiva, as necessidades do cliente e atua como um facilitador no sentido de suprir estas necessidades.

 

O que é necessário em tratamentos de dependência de álcool: dicas práticas

1. Funções do gerente de caso

Os profissionais que são denominados gerentes de caso podem se engajar em funções adicionais e alternativas que almejam o sucesso no tratamento. Este é um aspecto fundamental para a aplicabilidade do gerenciamento de caso com dependentes de álcool, porque, muito do trabalho, como estabelecer conexões com outros serviços ou coordenar alguma situação de vida específica do cliente, pode exigir do profissional em questão toda uma adaptação em sua prática profissional.

Se a proposta de tratamento é desenvolvida em equipe, é importante verificar qual profissional será o gerente de caso. A idéia é que este profissional exerça uma posição de referência para o cliente no serviço, sendo fundamental que este profissional esteja muito integrado à equipe, uma vez que atuará como um interlocutor entre a proposta de tratamento e as necessidades do cliente, de modo a viabilizá-las. Não necessariamente o gerente de caso necessita ter uma formação acadêmica superior. Muitas vezes, um agente comunitário, desde que tenha o treinamento adequado, pode ser o gerente de caso. O mais importante é que este profissional possua uma postura de disponibilidade e sensibilidade para com o cliente e esteja em contato contínuo com o mesmo.

2. O primeiro contato: a história clínica

Na obtenção de informações para a obtenção de uma historia clínica, vale ressaltar a importância de não apenas analisar situações de uso, risco de uso, conseqüências sociais, psicológicas e de saúde decorrentes da dependência química, mas também*: 1) criar a aliança terapêutica e favorecer o engajamento do cliente no tratamento; 2) buscar compreender o contexto dentro do qual a dependência se desenvolveu; 3) identificar os fatores que favoreceram a instalação da dependência; 4) identificar os fatores que mantêm a dependência; 5) identificar os fatores que favorecem a abstinência; 6) reunir condições para estabelecer a hipótese diagnóstica.

Ao profissional, cabe a necessidade de sensibilidade para verificar até que ponto poderão ser pesquisadas todas as informações necessárias para a história clínica em uma ou mais sessões; se o cliente não se encontra intoxicado a ponto de comprometer a veracidade das respostas; se naquele momento não será mais produtivo garantir o vínculo e a aliança terapêutica de modo que o cliente compareça à próxima consulta; bem como a capacidade de realizar uma escuta empática e de poder estar na relação com o intuito da ajuda, sendo que o conceito de ajuda deve ser estabelecido pelo cliente e não apenas pelo profissional ou requisitante do tratamento, atribuindo a auto-eficácia ao cliente, de forma a evitar a argumentação e fluir com a resistência. Mas, mais do que coletar informações, faz-se necessário estar com o cliente, poder ouvi-lo, se colocar no lugar dele para poder compreender seus medos, desejos, angústias e atitudes, de modo a não julgar, mas sim compreendê-lo e recebê-lo sem emissão de juízos de valor, visando garantir a continuidade do tratamento no futuro.

3. Averiguar a motivação para tratamento

No âmbito de tratamento é essencial que uma avaliação cuidadosa identifique a natureza, os problemas e os objetivos apropriados e possíveis no tratamento. Da mesma forma, o processo de tratamento deve identificar os fatores específicos que vão auxiliar ou dificultar a conquista dos objetivos a serem atingidos. Neste contexto, a motivação é útil para identificar os diferentes fatores que podem ser apropriados aos diferentes estágios de motivação e servir de orientação importante para o gerente de caso. Por exemplo: clientes em estágio de pré-contemplação deveriam ser ajudados a reconhecer e desenvolver consciência de seus problemas em vez de serem diretamente guiados para a abstinência. Os clientes no estágio da contemplação mostram-se abertos às intervenções que aumentam a consciência (métodos educacionais e automonitoramento), mas são resistentes às orientações diretivas para ação. No estágio de ação, os clientes necessitam de ajuda prática com procedimentos de mudança comportamental.12 A Tabela 1 apresenta uma definição dos estágios de mudança, com sugestões de intervenções para o gerente de caso.13

Algumas escalas podem auxiliar na identificação da motivação do cliente. A University of Rhode Island Change Assessment Scale (URICA) investiga os estágios de mudança: contemplação, pré-contemplação, ação e manutenção.14 Esta escala foi traduzida e adaptada culturalmente para o idioma português.15 Outra escala utilizada para medir a prontidão para a modificação do comportamento de beber é a The Stages Readiness and Treatment Eagerness Scale (SOCRATES),16 que também se encontra validada e adaptada.**

4. Metas e atividades para incentivar a aderência

Considerando os objetivos, a população-alvo, o ambiente e o modelo administrativo da intervenção, a Tabela 217 mostra algumas metas específicas, atividades concernentes e métodos de verificação que visam aumentar a aderência e retenção no tratamento.

Considerações finais

Em suma, estudos sobre saúde mental e dependência de substâncias9 indicam que o gerenciamento de caso pode ser uma ferramenta valiosa especialmente no tratamento de clientes com múltiplos problemas, sendo que o estabelecimento de um ponto de responsabilidade para cada cliente é fundamental. O programa de gerenciamento de caso trabalha com metas realistas e possíveis, tanto para o cliente quanto para o tratamento, no sentido de evitar falsas promessas. A implementação do programa pode requerer meses até que toda a equipe seja integrada na proposta, a ponto de se familiarizar com o público-alvo e a comunidade em questão. Neste trâmite, muitos problemas podem acontecer e nem sempre é possível antecipá-los, mas é possível atuar auxiliando na solução de problemas e, para tal, o processo de comunicação entre o gerente de caso, o programa de tratamento e o cliente é essencial.

 

Referências

1. Cowger CD. Assessing client strengths: Clinical assessment for client empowerment. SocWork 1994;40:755-82.

2. Ronnau A. Strengths approach to helping family caregivers. Child Today 1990;19:24-7.

3. Saleebey D. The strengths perspective in social work practice. New York: Longman; 1992.

4. Rapp RC, Siegal HA, Fischer JA, Wagner JA. A strengths-based model of case-management/advocacy: Adapting a mental health model to practice work with persons who have substance abuse problems. In: Ashery R, editor. Progress and issues in case management (NIDA Research Monograph Series nº 127, DHHS Publication nº ADM 92-1946, pp. 79-91). Rockville: National Instittute on Drug Abuse; 1992.

5. Sulivan WP, Wolf JL, Hartmann DJ. Case management in alcohol and drug treatment: Improving client outcomes. Families in society. The J Contemp Serv 1992;73:195-201.

6. Intagliata J. Improving the Quality of Community Care for the chronically Mentally Disabled: The role of Case Management. Schizophrenia Bulletin, 1982;8:655-74.
        [
Medline ]

7. Johnson PJ, Rubin A. Case management in mental health: A social work domain? Soc Work 1983;28:49-6.
        [
Medline ]

8.Sullivan JP. Case management. In: JA Talbott, editor. The chronically mentally ill. New York: Human Sciences Press; 1981. p.119-31.

9. Siegal HA, Rapp RC. Case management and Substance Abuse Practice and Experience. New York: Springer Publishing Company; 1996.

10. Marshman J. The treatment of alcoholics: An Ontario perspective. Report of the task force on treatment services for alcoholics. Toronto:Addiction Research Foudation; 1978.

11. Falk M, Lipson D, Lewis-Idema D, Ulmer C, Kaplan K, Robisnson G, Hickey E, Veiga R. Case Management for special populations. Moving beyond categorical distinctions. J Case Manag 1993;39-45.

12. DiClemente CC. Addiction and Change – How Addictions Develop and Addicted People Recover. 1nd ed. New York: Guilford Press; 2003.

13. Davidson R, Rollnick S, MacEwan I. Counseling Problem Drinkers. 1nd ed. London: Routledge; 1991.

14. McConnaughy EA, Prochaska JO, Velicer WF. Stages of change in psychotherapy: measurement and samples profiles. Psychoth 1983;20:368-75.

15. Figlie NB. Motivation in alcoholic outpatient in specialised alcoholism and gastroenterology clinical treatment program. [dissertation]. São Paulo: Univ. Federal de São Paulo; 1999.

16. Miller WR, Tonigan JS. Assessing Drinkers' Motivation for change: The Stages of Change Readiness and Treatment Eagerness Scale (SOCRATES). Psychiatry Addict Behav 1996;10(2):81-9.

17. Perty NM, Bohn MJ. Fishbowls and Candy Bars: Using Low-Cost Incentives to increase treatment retention. Scien & Pract Perspect 2003;1(2):55-61.

 

Notas

*Figlie NB, Laranjeira R, Bordin S. Aconselhamento em Dependência Química. São Paulo: Roca (in press 2004).

**Figlie NB, Dunn J, Laranjeira R. Motivation for Change in Alcohol Dependent Outpatients from Brazil". Addictive Behaviors (in press 2004).

 

Neliana Buzi FiglieI; Ronaldo LaranjeiraII
laranjeira[arroba]uniad.org.br

I. Ambulatório de Dependência do Álcool da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) – Departamento de Psiquiatria – UNIFESP
II. Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) – Departamento de Psiquiatria – UNIFESP

 



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.