Reflexões sobre a questão da ética na política e as possíveis distinções ideológicas entre a esquerda e a direita no trato da coisa pública. A lógica do poder não parece fazer muitas distinções entre esquerda e direita no que ser refere a questões morais como o uso da máquina pública e a falta de transparência no controle dos partidos políticos.
Palavras-chave: Política. Poder. Partidos políticos. Ética. Esquerda. Direita.
1. Pequena introdução à teoria das perplexidades
Confesso, cabalmente, minha perplexidade: sempre pensei que, a despeito de todos os problemas atinentes à formulação e execução de políticas públicas, em especial aqueles problemas vinculados à definição e execução de políticas econômicas – terreno no qual a chamada esquerda sempre demonstrou dificuldades de toda ordem, para não dizer, de pronto, uma singular incompetência administrativa e operacional –, haveria quase que uma "natural diferença" de comportamentos e de posturas quando o tema em pauta fosse a ética na (e da) política. Estávamos todos naturalmente propensos a acreditar que, não obstante os esperados "contorsionismos verbais" e outros exemplos de pequenos "desvios de conduta", no que se refere às contingências práticas da luta política, existiria uma grande e fundamental divisão de caráter entre modos de se fazer política (com "p" maiúsculo): de um lado, a desfaçatez atávica e a falta de princípios por parte da direita, de outro, a "inclinação tendencial", se me permitem esta expressão, da esquerda em direção de normas éticas ou morais na forma de se conduzir em política (bem sei que ética e moral não são a mesma coisa, mas deixemos essas sutis diferenças de lado, por enquanto).
Será que vou ter de confessar que fui ingênuo e cândido em relação a essas coisas? Serei obrigado a reconhecer que, nessas coisas de se "fazer política", as diferenças entre a esquerda e a direita não são exatamente aquelas que suspeitávamos, ou que o quê as aproxima, nessas matérias, é muito mais consistente do que aquilo que supostamente as separa? Terei de penitenciar-me por ter, durante muito tempo, acreditado numa espécie de "superioridade moral" da esquerda nessas lides políticas de disputa pelo poder, de luta pela conquista e manutenção dos "postos de comando" do Estado? Vou mesmo ter de, modestamente, fazer a "viagem de Canossa" de meu "aprendizado moral" nas artes e ofícios do grande comércio da política? Posto em termos diretos e mais simples: ainda se pode acreditar na existência de diferenças reais de comportamento, de postura prática, de atitudes mentais no grande jogo da política entre, de um lado, a direita e, de outro, a esquerda? Existe, de fato, alguma distinção normativa, alguma oposição fundamental, alguma separação moral ou bifurcação ética entre a esquerda e a direita em matéria ou em artes de política? Grandes questões as que aqui se colocam…
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