Com a promulgação da CF/88, o MP, que antes ocupava uma seção específica do capítulo reservado aos diversos órgãos do Poder Executivo, hoje tem uma posição indiscutivelmente de maior destaque, sendo objeto do Capítulo IV, inserto no Título IV, que trata da organização dos três poderes do Estado, capítulo este que disciplina as funções ditas essenciais à Justiça.Assim, com a nova ordem constitucional estabelecida, o MP destacou-se nitidamente do Poder Executivo, tendo agora uma feição muito mais independente e autônoma, a ponto de se dizer, com um indisfarçável exagero claro, tratar-se de um Quarto Poder.
Excessos à parte, porém, o certo é que o MP ganhou com a nova ordem constitucional um novo status, passando a figurar como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis", tal como se encontra insculpido no art. 127, caput, da CF/88.Ademais, para tornar efetiva a sua independência, o § 2º. do mesmo art. 127 assegurou a sua "autonomia funcional e administrativa", dando-lhe, outrossim, a possibilidade de "propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira", além de poder elaborar "sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias." Ainda em sede constitucional, previstas estão as mesmas garantias outorgadas à magistratura, quais sejam, a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio, além de ser vedado aos seus membros o recebimento de "honorários, percentagens ou custas processuais ", o exercício da advocacia, a participação em sociedade comercial, o exercício de qualquer outra função pública, salvo uma de magistério, bem como "atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei."
Complementando estas diretrizes constitucionais, temos a Lei Federal n.º 8.625/93, que dispõe sobre as normas gerais para organização do Ministério Público dos Estados (é a chamada Lei Orgânica do MP) e a Lei Complementar Federal n.º 75/93 que disciplina a organização do Ministério Público da União.Feitas estas considerações iniciais, vamos abordar mais especificamente o tema em questão: a ética no Ministério Público.Considerando- se ética como "a ciência de uma forma específica de comportamento humano", ou "de uma esfera do comportamento humano ", como a definiu Adolfo Sánchez Vázquez (Ética, Civilização Brasileira, 8ª. edição, 1985, p. 12 e segs.), vamos tentar estabelecer determinados parâmetros de atuação do Promotor de Justiça, frente aos demais operadores jurídicos, mas dando ênfase à sua atuação na área criminal e principalmente em relação à parte acusada, aquela que se encontra no banco dos réus, aspecto que vou me ater mais demoradamente, não somente pelo fato de atuar na área criminal, como também pela circunstância de ensinar Direito Processual Penal.Mas, mesmo antes disso, e para situar melhor a minha posição é preciso que constatemos uma realidade preocupante: hoje, e mais do que nunca, os meios de comunicação buscam incutir na opinião pública a idéia de que o infrator deve ser punido o mais severamente possível, retirando- lhe também direitos e garantias constitucionais e indissociáveis da condição de réu, como se isto servisse para solucionar, feito um bálsamo, o problema da violência e da criminalidade.
É evidente que a violência e a criminalidade não se resolvem à base de leis mais severas, de uma maior criminalização de condutas e de restrições a princípios constitucionais como a ampla defesa, o contraditório, a individualização das penas, a presunção de inocência, etc., mesmo porque a lei penal deve ser concebida como última solução para o problema da violência, pois não é, nunca foi e jamais será superação para a segurança pública de um povo.Aliás, se nós observarmos o sistema carcerário brasileiro, constataremos que ele revela exatamente o quadro social reinante neste País, pois nele estão "guardados" os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma "mera coincidência". Ao contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão- somente a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.
E isto ocorre porque, via de regra, a falta de condições mínimas de vida (como, por exemplo, a falta de comida), leva o homem ao desespero e ao caminho do crime, como também o levam a doença, a fome e a ausência de educação na infância. Assim, aquele que foi privado durante toda a sua vida (principalmente no seu início) dessas mínimas condições se subsistência estaria, a meu ver, mais propenso ao cometimento do delito pelo simples fato de não haver para ele, muitas vezes, qualquer outra opção; há exceções, é verdade, porém estas, de tão poucas, mais uma vez apenas confirmam a regra.A esse respeito, há uma opinião bastante interessante de uma Juíza Militar Federal, Drª. MARIA LÚCIA KARAM, segundo a qual "hoje, como há duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os indivíduos despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis." (cfr. De Crimes, Penas e Fantasias, Ed. Luan, Rio de Janeiro, 1991 p. 177).
Ora, em nosso País, por exemplo, muitas leis penais estão a todo momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc, sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a constitucionalidade de alguns dos seus preceitos.
E o resultado? Nenhum! Ou será que após a edição da lei de crimes hediondos (que data de 1990), ou do surgimento da prisão temporária (de 1989), a criminalidade diminuiu e a segurança pública melhorou? E a criminalização do porte de arma? Será que haverá êxito no que concerne à segurança pública? Será que os criminosos guardarão suas armas por temor de serem presos em flagrante por crime de porte de arma? E as pessoas das classes média e alta, terão elas receio de portar uma arma de fogo ou serão facilmente beneficiadas com o registro e a autorização para portá-las? Querer, portanto, que a lei penal e a lei processual penal resolvam a questão da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois muito pouco adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis, retirada de garantias processuais ou métodos de policiamento mais rígidos, como, por exemplo, a famigerada "tolerância zero", etc., etc.
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