Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
No Brasil, o método mais utilizado para corrigir as deficiências de fósforo nos rebanhos bovinos é através de misturas ou suplementos minerais, colocados á disposição permanente dos animais em cochos nas pastagens. Nestas misturas, a fonte de fósforo (geralmente o fosfato bicálcico), pelo seu custo elevado e pelos níveis em que integra o suplemento, representa o ítem mais caro, compreendendo de 40% a 75% do custo final do produto. Assim, com vistas a reduzir o ônus representado pelo fósforo na suplementação mineral dos rebanhos, há cerca de dez anos começaram a ser empreendidos esforços de pesquisa no sentido de ensaiar fontes não convencionais de fósforo, de custo mais baixo do que o do fosfato bicálcico. Dentre as fontes aventadas para estudo, desde logo mereceram atenção especial os fosfatos de rocha ou concentrados fosfáticos, principalmente em razão de seu custo, cerca de dez vezes inferior ao fosfato bicálcico. Desde o início do estudo de tais produtos dois de seus aspectos merecem particular atenção: as concentrações e biodisponibilidade de seu fósforo e os possíveis efeitos tóxicos de seu flúor, relativamente elevado, porém pouco biodisponível.
Do excesso de flúor ingerido pelo animal, boa parte é excretada pela urina (Zipkin et al. 1956), enquanto quase todo o restante é acumulado seletivamente nos ossos e dentes (Zipkin et al. 1964), causando anomalias das estruturas óssea e dentária (Shupe et al. 1963). Estas anomalias, em se tratando dos dentes, podem variar, desde leves alterações de cor e forma até o desgaste excessivo e queda de dentes, comprometendo a ingestão de alimentos e água. No esqueleto dos animais as lesões podem assumir as mais diferentes formas e graus de gravidade, tais como osteoporose, osteosclerose, osteomalácia, hiperostose e osteofitose ou combinações destas (Johnson 1965, Shupe & Alther 1966, Shupe 1969), podendo levar o animal à dificuldade ou incapacidade de locomover-se e a severas fragilidades ósseas, capazes de causar frequentes fraturas.
O presente trabalho representa o estudo, através de técnicas apropriadas, de amostras de ossos obtidas de bovinos que receberam, por períodos e em quantidades variáveis, fosfato de rocha de Tapira como suplemento de fósforo, tendo em vista detectar possíveis alterações decorrentes do flúor ingerido. O fosfato de Tapira foi escolhido dentre outros fosfatos de rocha produzidos no Brasil por seus níveis relativamente elevados de fósforo e por ser o de mais baixa concentração de flúor. No Quadro 1 encontra-se a composição média, fósforo e flúor do fosfato de Tapira em comparação com o fosfato bicálcico.
4.1 Experimento 1
Foram utilizados 24 bovinos mestiços Holandês x Zebú, machos, com idade média de 34 meses, bloqueados por peso vivo e distribuídos nos seguintes tratamentos: (A) Dieta basal + 1 kg de mistura de concentrados; (B) Dieta basal + 1 kg de mistura de concentrados contendo 128g de fosfato de Tapira; (C) Dieta basal + 1 kg de mistura de concentrados contendo 45g de fosfato bicálcico; (D) Dieta basal + 1 kg de mistura de concentrados contendo 63g de fosfato de Tapira.
A dieta basal consistiu de cana-de-açucar adicionada de 1% de uma mistura de uréia (90%) e sulfato de amônia (10%). A mistura de concentrados era constituída de milho desintegrado com palha e sabugo (50%), raspa de mandioca (45%) e calcário calcítico (5%).
Os animais foram mantidos em baias individuais, durante 6 meses, tendo à disposição a dieta basal, água e mistura mineral com a seguinte composição: sal comum 99,15%; sulfato de cobre, 0,40%; óxido de zinco, 0,40%; iodato de potássio, 0,03% e sulfato de cobalto, 0,02%.
O controle de ingestão da dieta basal era feito diariamente e os animais foram pesados a cada 28 dias, após jejum de cerca de 18 horas.
4.2 Experimento 2
Neste experimento foram utilizados, inicialmente, 200 bovinos de sobreano, sendo 100 machos e 100 fêmeas, distribuidos pelos seguintes tratamentos, num delineamento de blocos ao acaso:
a) Sal comum + microelementos + cálcio (sem fósforo) - Controle;
b) Sal comum + microelementos + fósforo (fosfato bicálcico);
c) Sal comum + microelementos + fósforo (2/3 de fosfato bicálcico + 1/3 de fosfato de Tapira);
d) Sal comum + microelementos + fósforo (1/3 de fosfato bicálcico + 2/3 de fosfato de Tapira); e
e) Sal comum + microelementos + fósforo (fosfato de Tapira).
Durante os 33 meses de experimento os animais permaneceram em pastagens de Brachiaria decumbens formados em solos pobres de cerrado, recebendo durante todo o tempo, em cochos cobertos, as respectivas misturas minerais (tratamentos). A cada 28 dias os animais eram rotacionados ao acaso nos pastos experimentais, e a cada período de 6 meses era realizado um exame clínico dos dentes incisivos para obtenção de eventuais sinais de fluorose. Nos mesmos períodos eram colhidas amostras de ossos (biópsias da 12a costela) para dosagens dos níveis de flúor. Ao cabo do período experimental, 27 machos com mais de 450 kg foram abatidos para verificação de eventuais lesões ósseas de fluorose. Nessa oportunidade foram colhidas amostras de ossos de 11 desses animais para serem submetidas ao presente estudo.
4.3 Experimento 3
Foram utilizadas 43 novilhas mestiças Holandez x Zebu, com idade variando de 8 a 16 meses (média de 14 meses) e bloqueadas por peso e por pai, divididas em dois tratamentos: A) pasto mais suplemento mineral cuja fonte de fósforo era fosfato bicálcico (22 animais); B) pasto mais suplemento mineral, cuja fonte de fósforo era o fosfato de Tapira (21 animais). Estes suplementos eram deixados em cochos cobertos, à vontade para os animais. O consumo era medido na mesma época de troca dos animais dos piquetes.
Foram utilizados 67 ha de capim gordura (Melinis minutiflora), divididos em quatro piquetes, e 6,8 ha, também divididos em quatro piquetes, de pasto de capim elefante (Penisetum purpureum). A cada 14 dias era feita a rotação entre os piquetes utilizados.
Um mês antes do parto, as novilhas eram colocadas em pasto maternidade, onde recebiam capim elefante picado, à vontade, e cerca de 2 kg/animal/dia de mistura de concentrado comercial. Nesse período, elas não recebiam a suplementação mineral do respectivo tratamento.
Todos os animais após o parto receberam o mesmo manejo alimentar, porém cada grupo recebia, junto com a mistura de concentrados, 60g/animal/dia da respectiva mistura mineral do tratamento.
Quando as vacas "secavam", eram transferidas para as pastagens utilizadas quando solteiras e passavam a receber a respectiva mistura mineral no cocho, à vontade.
Nesse experimento, os animais foram acompanhados até à quinta lactação, quando então cinco vacas de cada grupo foram sacrificadas e as amostras de osso da 6a costela foram retiradas e colocadas em solução tamponada a pH 7,0 de formol a 10%.
4.4 Coleta do material
Ao final dos experimentos os animais foram sacrificados e amostras da 6a costela direita de cada animal foram obtidas para avaliação de eventuais alterações do esqueleto. Cada amostra tinha comprimento de 3 cm e era coletada sempre da mesma localização no osso (cerca de 10 cm abaixo da articulação costovertebral). No Experimento 2 a amostra foi coletada na junção costocondral. As amostras foram fixadas em solução neutra de formol a 10%.
4.5 Exame histológico-morfométrico
Dos fragmentos de costelas incluídos em metilmetacrilato foram tirados cortes longitudinais de 7 µm de espessura e corados pelo método do Tricrômico de Goldner (Romeis 1989). Com auxilio de um aparelho de análise de campo ASM 68K, da Firma Leitz/Wetzlar, determinou-se a espessura da bainha de osteóide na superfície interna da compacta, sobre as trabéculas e nos canais de Havers. A correlação da superfície quiescente, da superfície de aposição e da superfície de reabsorção também foi estimada.
4.6 Estudo microrradiográfico
Os exames histológico-morfométricos e microrradiográficos foram realizados seguindo a metodologia em uso no Instituto de Patologia Veterinária da Universidade de Berlim (Pilati et al. 1996).
Dos blocos de metilmetacrilato foram tirados cortes transversais de cerca de 80 µm de espessura para realização de microrradiografias de contato. As microrradiografias foram examinadas com auxílio de um microscópio, determinando-se o grau de mineralização das lamelas dos osteôneos, das lamelas do endósteo e o das trabéculas. Também estabeleceu-se uma relação entre osteôneos com canais de Havers estreitos, alargados e largos.
5.1 Experimento 1
A composição em cálcio, fósforo e flúor do fosfato bicálcico e fosfato de rocha de Tapira utilizados no presente experimento, encontra-se no Quadro 1. A ingestão total diária de fósforo e flúor pelos animais durante o experimento, encontra-se no Quadro 2.
Os resultados histológicos e microrradiográficos serão descritos em conjunto, porque observaram-se apenas diferenças com relação à idade dos animais, uma vez que essa variava entre 26 e 48 meses:
No subperiósteo da compacta lateral, em sete animais, a superfície era lisa e recoberta por uma camada de tecido osteóide. Nos outros 12 animais observaram-se, em intensidades variáveis, formação de lamelas tangenciais que variavam de uma a dez camadas. As novas lamelas formadas eram revestidas por uma bainha osteóide. Sob o periósteo da compacta pleural ocorria, em 18 animais, predominantemente aposição de tecido ósseo, onde apareciam finas bainhas osteóides. Nas superfícies não recobertas por osteóide, observava-se reabsorção óssea por osteoclastos. Em parte as lacunas eram preenchidas por substância osteóide. Lacunas de reabsorção eram encontradas regularmente nos locais de inserção dos músculos intercostais. Em um bovino a reabsorção osteoclástica predominava sobre a aposição.
A transformação da compacta em osteôneo, espessura da bainha de osteóde, assim como o grau de mineralização estão representados no Quadro 3 (Fig. 1 e 2). A compacta pleural era na maioria dos animais mais espessa que a compacta lateral. Em 13 animais somente 1/3 interno, em cinco animais 2/3 internos foram remodelados em osteôneos. O resto era constituído por lamelas radiais e tangenciais separados por estreitos canais vasculares. Em um bovino (de 35 meses) a compacta lateral encontrava-se em avançado estágio de transformação em sistemas osteonais, revestidos por uma camada de lamelas gerais interna e uma camada externa.
Na compacta pleural de onze animais predominavam as lamelas tangênciais e radiais. No máximo 1/3 do endósteo era transformado em sistemas osteonais. Em geral os osteôneos eram de forma oval ou arredondada. A maioria dos osteôneos eram completamente desenvolvidos e mostravam um estreito canal de Havers. A lamela interna, em contato com o canal de Havers, era mais intensamente mineralizada que as lamelas externas. Em todos os animais encontravam-se alguns osteôneos incompletamente desenvolvidos com lamelas especiais mais fracamente mineralizadas. Em cinco animais observavam-se apenas alguns canais de Havers alargados, em 14 animais esse número era mais elevado. Na maioria dos canais de Havers alargados havia aposição de tecido ósseo, com uma bainha osteóide com uma espessura máxima de 7,9 a 18,1 µm.
Nos bovinos do tratamento com 126g de fosfato de Tapira, observou-se uma maior atividade osteoclástica próximo à medular, onde canais vasculares alargados eram transformados em trabéculas permanentes.
Um bovino (652) mostrava, em relação a sua idade, uma compacta muito fina. Três animais (654, 662, 664) mostravam uma compacta com camadas múltiplas divididas por uma linha fortemente mineralizada. Em dois bovinos observaram-se dois periodos e em um bovino um período de parada de crescimento.
Em todos os tratamentos ocorria aposição e reabsorção de tecido ósseo endostalmente na compacta lateral e pleural. Na superfície endostal da compacta lateral de seis animais a reabsorção e a aposição encontravam-se em equilíbrio. Em seis animais predominava a aposição e nos sete restantes (655, 656, 657, 658, 661, 663, 667) predominava a reabsorção. O novo tecido ósseo aposto era recoberto por osteóide. O tecido osteóide recobria até 2/3 da superfície. A reabsorção era focal, podendo estender-se até 2/3 da superfície. Na superfície endostal da compacta pleural de cinco animais a aposição e a reabsorção apresentavam-se em equilíbrio (1:1) e cada um recobria 1/3 da superfície. Em 11 animais predominava a aposição, sendo que a superfície era recoberta de 1/3 a totalmente por bainhas osteóides. Em dois animais (656, 662) predominava a reabsorção sobre a aposição. A superfície de reabsorção recobria até 1/3 da superfície. A reabsorção era realizada por osteoclastos grandes. O novo tecido ósseo aposto era recoberto por osteblastos grandes e mostrava bainhas de ostoíde de espessura máxima entre 6,4 e 21,6 µm.
Todos os animais apresentavam no espaço medular uma rede trabecular que era mais densa próxima à compacta que no centro da medular. Na superfície trabecular encontrava-se superfície quiescente recoberta por osteoblastos pequenos e achatados, segmentos com reabsorção através de pequenos e grandes osteoclastos, assim como segmentos com aposição de tecido ósseo por osteoblastos grandes e cúbicos. Em 18 animais de todos os tratamentos predominava a superfície quiescente. Em um animal predominava a superfície com aposição. Em geral resultou que a superfície de reabsorção em todos os animais era menor que a superfície quiescente e da superfície de aposição. Dois animais (656, 658) do tratamento B mostravam, em comparação com os outros animais, uma superfície de reabsorção maior. Nos segmentos de aposição encontrava-se uma espessura máxima da bainha de osteóide de 9,0 a 19,4 µm. As bainhas osteóides no centro da medular eram, na maioria das costelas, um pouco mais finas e estendiam-se por uma superfície menor do que na periferia.
Em resumo, baseados nos achados, verificou-se que os animais de todos os tratamentos, dependendo da idade, mostravam pequenas diferenças na intensidade de crescimento, osteogênese e modelamento. Considerando-se estas diferenças, não se observaram alterações induzidas pela alimentação nos animais dos quatro tratamentos. Nos animais do tratamento B observou-se um leve aumento na absorção de tecido ósseo. Nos animais de todos os quatro tratamentos o tecido ósseo mineralizado apresentava grau de mineralização semelhante. Não houve diferença na espessura das bainhas osteóides dos canais de Havers, das lamelas gerais e das trabéculas entre os animais dos diferentes tratamentos.
5.2 Experimento 2
Neste experimento, com duração de 33 meses, procurou-se esclarecer se ocorreu lesão de fluorose no esqueleto em consequência do flúor contido no fosfato de rocha (1,01%) ingerido pelos animais. A quantidade de mistura mineral, de fósforo e flúor ingeridos pelos animais com a suplementação mineral pode ser vista no Quadro 4.
Os resultados serão descritos em conjunto devido encontrarem-se apenas pequenas variações entre os tratamentos:
Sob o periósteo da compacta lateral todos os animais mostravam uma superfície fechada, que era em cinco animais completamente e em seis quase completamente recoberta por uma fina bainha de osteóide. Sob o periósteo da compacta pleural havia uma fina camada de osteóide recobrindo a superfície. Em dez animais ainda aparecia focalmente reabsorção osteoclástica. Nos locais de inserção dos músculos intercostais encontrava-se regularmente reabsorção de tecido ósseo.
A transformação da compacta em osteôneo, a espessura das bainhas osteóides, assim como o grau de mineralização dos osteôneos estão representados no Quadro 5 (Fig. 3). Tanto na compacta lateral como na compacta pleural a remodelação em osteôneos era variável, atingindo 1/3, 2/3 ou toda a compacta. Em relação à compacta pleural, em nove animais só 1/3 interno e em dois animais os 2/3 internos foram transformados em osteôneos. Na compacta lateral de sete bovinos somente 1/3 interno e em dois animais 2/3 internos foram transformados em osteôneos. A parte não transformada em osteôneos era constituída de lamelas radiais e tangenciais separadas por estreitos canais vasculares. Os osteôneos eram quase totalmente desenvolvidos e mostravam canais de Havers estreitos. A zona interna da lamela interna dos sistemas osteonais junto aos canais de Havers era intensamente mineralizados. Em todos os animais apareciam ainda alguns osteôneos com canais vasculares largos. Em três animais este número era um pouco mais elevado. Na maioria dos osteôneos com canais vasculares alargados ocorria aposição de tecido ósseo lamelar, onde encontrava-se uma bainha osteóide de 9,8 a 16,1µm de espessura. Em alguns dos canais de Havers alargados ocorria ainda reabsorção excêntrica de tecido ósseo por osteoclastos.
Tanto na compacta lateral como na compacta pleural apareciam na superfície endostal diferentes atividades: segmentos com superfície quiescente recobertos por osteoblastos pequenos e achatados, segmentos com aposição de tecido ósseo recoberto por osteoblastos grandes e cúbicos, assim como segmentos com reabsorção de tecido ósseo por osteoclastos. Aposição de tecido ósseo na compacta lateral encontrava-se em três animais apenas focalmente, em cinco animais em 1/3 da superfície e, em três animais, a aposição de tecido ósseo recobria de 1/3 a 1/2 da superfície. O tecido ósseo aposto era recoberto por uma fina bainha de substância osteóide. Sobre a compacta pleural a aposição de tecido ósseo recobria em sete animais 1/3, em um animal 1/2 e em três animais quase completamente a superfície. Sobre a superfície endostal da compacta pleural, o tecido ósseo aposto mostrava uma bainha osteóide de 7 a 18,5 µm de espessura.
Na superfície das trabéculas predominava em todos os animais uma superfície lisa recoberta por osteoblastos pequenos e achatados. Em todos os bovinos predominava a aposição de tecido ósseo sobre a reabsorção. No tecido ósseo aposto apareciam bainhas osteóides de 11,4 a 18,3 µm de espessura. Em todos os bovinos aparecia, em pequeno grau, reabsorção de tecido ósseo por pequenos e grandes osteoclastos.
Em resumo, dos achados resulta que a remodelação da compacta em osteôneos ocorria, com pequenas variações entre os animais, regularmente. O tecido ósseo mineralizado na compacta, osteôneos e lamelas, apresentava-se regularmente e de intensidade semelhante em todos os animais. A espessura das bainhas osteóides nos canais de Havers, assim como nas lamelas gerais e sobre as trabéculas, não mostrava diferença entre os animais do Experimento 2.
5.3 Experimento 3
O consumo das misturas minerais das novilhas até o 8 mês de gestação, quando ingeriram a mistura mineral à vontade, encontra-se no Quadro 6. Após o parto, as vacas ingeriram, através da mistura de concentrados, 60g/dia das respectivas misturas minerais.
Os resultados dos dois tratamentos serão descritos em conjunto devido à semelhança da estrutura óssea dos dois tratamentos:
Subperiostalmente, os achados eram uniformes nos animais dos dois tratamentos. Sob o periósteo da compacta lateral, a superfície era fechada completamente por uma fina camada de osteóide. Sob o periósteo da compacta pleural encontrava-se predominantemente uma superfície fechada que era revestida por uma fina bainha de substância osteóide. Nas áreas não recobertas por substância osteóide encontrava-se focalmente reabsorção de tecido ósseo. Algumas lacunas de reabsorção também eram observadas nos locais de inserção dos músculos intercostais.
A transformação da compacta em osteôneos, a espessura das bainhas osteóides, assim como o grau de mineralização podem ser vistos no Quadro 7. (Fig. 4). Todos os animais mostravam uma compacta que era transformada em osteôneos em diferentes graus. A compacta lateral em três animais apresentava-se em avançado grau de remodelação em osteôneos recobertos por uma camada de lamelas gerais internas e externas. Entre os osteôneos encontravam-se ainda largas lamelas intersticiais. Em seis animais a compacta foi remodelada em osteôneos até 2/3 e, em um animal, o remodelamento limitava-se ao 1/3 interno. O resto da compacta mostrava ainda uma estrutura constituída de lamelas radiais e tangenciais, separadas por canais vasculares estreitos. O remodelamento em osteôneos na compacta pleural ocorria em velocidades semelhantes, assim que em cinco animais 1/3 interno e, em outros cinco, 2/3 internos foram transformados em osteôneos. Também na compacta pleural encontravam-se ainda superficialmente estruturas ricas em lamelas radiais e tangenciais. A maioria dos osteôneos era completamente desenvolvida e mostrava canal de Havers estreito. A lamela interna junto ao canal de Havers mostrava-se intensamente mineralizada. Em todos os animais encontravam-se alguns osteôneos incompletamente desenvolvidos, com lamelas especiais fracamente mineralizadas. Em todos os animais observaram-se ainda alguns osteôneos com canal vascular alargado. Na maioria dos osteôneos com canais de Havers alargados encontrava-se aposição de tecido ósseo e, em raros casos, reabsorção. O tecido ósseo sintetizado pelos osteoblastos era revestido por osteóide que tinha uma espessura de 4,3 a 17 µm.
Na superfície endostal da compacta lateral e pleural predominava, em nove animais, a superfície quiescente que era recoberta por osteoblastos pequenos e achatados. Focalmente observava-se aposição de tecido ósseo. Em um animal a aposição de tecido ósseo lamelar era mais intensa. A aposição de tecido ósseo recobria a superfície endostal da compacta pleural em até 2/3 e a compacta lateral em até 1/3. O tecido ósseo aposto trazia uma bainha osteóide de 4,0 a 15,5 µm de espessura. Em todas as vacas observava-se, na superfície endostal da compacta lateral e pleural, pequeno grau de reabsorção. No espaço medular observava-se pequeno número de trabéculas.
Na espongiosa predominava, em todos as vacas, a superfície quiescente que era recoberta por uma camada de osteoblastos pequenos e achatados. A superfície de aposição de tecido ósseo era em todos os bovinos maior que a superfície de reabsorção. O tecido ósseo que foi recentemente aposto mostrava uma bainha osteóide de 4,3 a 17,2 µm de espessura. Em todos os animais observavam-se pequenas lacunas de reabsorção por osteoclastos.
Em resumo, os achados histológicos não mostraram diferenças entre os animais dos dois tratamentos. Não se encontraram indícios de aumento ou diminuíção no remodelamento da compacta. A mineralização do tecido ósseo da compacta, dos osteôneos e das lamelas apresentava-se semelhante em todos os animais. Também na espessura das bainhas osteóides dos canais de Havers, lamelas gerais e trabéculas não se observaram diferenças entre os animais.
No presente trabalho foram colhidas amostras de costelas de bovinos que haviam ingerido o fosfato de rocha de Tapira por períodos curtos (6 meses) e por períodos longos (3 e 7 anos), para exame histológico e microrradiográficos, com o objetivo de se verificar alterações de deficiência de fósforo ou devidas à ingestão de níveis elevados de flúor.
No Experimento 1, nos animais que receberam suplementação com 128g de fosfato de Tapira por dia observou-se maior atividade osteoclástica no sentido do remodelamento, possivelmente devido a um hiperparatireoidismo, que provocou maior reabsorção óssea pelos osteoclastos.
Nos estágios iniciais de uma fluorose observam-se alterações no esqueleto que correspondem a uma osteomalácia hipofosfatêmica (Cohrs 1941, Blakemore et al. 1948, Obel 1969). No Experimento 1, os bovinos ingeriram diferentes quantidades de flúor através do suplemento mineral, sendo que em um tratamento os bovinos chegaram a ingerir 1920 mg flúor/dia. Nas costelas examinadas não se observaram diferenças nas bainhas osteóides e na estrutura óssea que poderiam indicar efeito sobre o esqueleto do excesso de flúor ingerido. Os animais que receberam suplemento que não continha flúor se comportaram como aqueles que receberam pequenas e grandes quantidades de flúor do fosfato de rocha.
Vários fatores podem influenciar a manifestação dos sintomas de toxidez de flúor pelo animal: quantidade de flúor ingerida, intervalo de tempo da ingestão, flutuações da ingestão com o tempo, solubilidade do flúor ingerido, idade do animal ao início da ingestão, nível geral de nutrição do animal, fatores de estresse e resposta biológica individual (NRC 1974). Segundo Kühnert (1991), a fluorose crônica dos bovinos pode ocorrer após longo tempo de ingestão de 1,5 mg de flúor/kg de peso vivo por dia. Como o flúor do fosfato de rocha é de menor disponibilidade, difícil absorção, os bovinos toleram doses diárias mais elevadas desse elemento quando comparado, por exemplo, com o fluoreto de sódio (Rand & Schmidt 1952, Underwood 1981). As lesões de fluorose no esqueleto desenvolvem-se no bovino adulto no sentido do remodelamento, assim que até que se tornem visíveis é necessário um longo período de tempo. É relatado que uma fluorose desenvolve-se apenas após ingestão de fosfato de rocha por alguns anos (Shupe et al. 1962). Em animais em desenvolvimento, onde a osteogênese é mais ativa, as lesões de fluorose desenvolvem-se mais rapidamente (Suttie et al. 1957). Baseado nisso, como no Experimento 1 os bovinos apresentavam idades diferentes, mas estavam em uma fase de desaceleramento do crescimento, mesmo os animais com fosfato de rocha, que ingeriram 1920 mg de flúor/dia, portanto, acima do limite proposto por Kühnert (1991), não apresentaram nenhum sinal de fluorose. Não foi possível concluir se isso deveu-se à pequena absorção do flúor ou ao curto período de ingestão (6 meses) deste. Snook (1962) suplementou bovinos com 113 g de fosfato de rocha, com um teor de flúor de 1,3 a 1,5 %, durante 4 anos, sem observar sinais de fluorose.
Os Experimentos 2 e 3 eram de longa duração e foram conduzidos com animais a campo. No Experimento 2 os bovinos receberam uma suplementação de fósforo entre 3,15 e 4,81 g por dia. As quantidades de fósforo ingeridas foram suficientes para impedir transtornos da mineralização óssea. Os exames histológicos e microrradiográficos das costelas resultaram numa mineralização completa do tecido ósseo. Segundo Kirchgessner (1985), as necessidades de fósforo de um bovino em crescimento são de 17 a 35 g por dia. Os animais deste experimento não mostraram sinais de deficiência de fósforo no esqueleto. A ingestão de flúor por estes animais era entre 23,74 e 276,8 mg por dia. A dose maior de flúor é relativa, uma vez que era oriunda do fosfato de rocha, que apresenta baixa disponibilidade de flúor. Essa dosagem de flúor é bem inferior à dada como tóxica por Kühnert (1991). Também um efeito aditivo devido ao longo tempo de ingestão não era de se esperar, pois Snook (1962), como acima mencionado, não observou sinais de fluorose após alimentação de bovinos com fosfato de rocha contendo 1,3 a 1,5 % de flúor, durante 4 anos. Assim que nos animais deste experimento, que permaneceram em experimentação durante 33 meses, não era de se esperar uma diferença estrutural e na mineralização das costelas entre o grupo que recebeu a menor e o grupo que recebeu a maior dosagem de flúor.
No Experimento 3 os bovinos foram mantidos a pasto durante 7 anos e, durante esse período, receberam suplemento mineral, cuja fonte de fósforo era o fosfato bicálcico ou o fosfato de Tapira. O exame histológico das costelas não revelou diferenças na mineralização óssea, indicando que a dieta basal suplementada com as duas fontes de fósforo era suficiente para atender às necessidades dos animais.
A quantidade de flúor ingerida diariamente pelos bovinos do tratamento com fosfato bicálcico, variou de 26 a 54 mg/animal, durante o experimento. Portanto, não era de se esperar alterações ósseas decorrentes de fluorose. Os bovinos que receberam o fosfato de Tapira como suplemento de fósforo, ingeriram de 49 a 185 mg de flúor/animal/dia. Isso equivaleu a um consumo de 0,69 a 1,38 mg de flúor/kg de peso vivo por dia. Não houve alteração na estrutura e na mineralização do tecido ósseo desses animais. Desta forma, pode-se concluir que a suplementação com o fosfato de rocha de Tapira nas quantidades registradas e os manejos alimentares empregados nos presentes experimentos, não foram capazes de provocar sinais de fluorose óssea nos bovinos.
Blakemore F., Bosworth T.J. & Green H.H. 1948. Industrial fluorosis of farm animals in England, attributable to the manufacture of bricks, the calcining of ironstone, and to enamelling processes. J. Comp. Pathol. 58:267-301.
Call J.W., Butcher J.E., Shupe J.L., Blake, J.T. & Olson A.E. 1986. Dietary phosphorus for beefcows. Am. J. Vet. Res. 47(2):475-81.
Cohrs P. 1941. Zur pathologischen Anatomie und Pathogenese der chronischen Fluorvergiftung des Rindes. Dtsch. Tierärztl. Wschr. 49:352-357.
Döbereiner J., Tokarnia C.H., Langenegger J. & Dutra, I.S. 1992. Epizootic Botulism of cattle in Brazil. Dtsch. Tierärztl. Wschr. 99:188-90.
Durand M.R.E. 1974. Phosphorus deficiency in cattle. Tech. Bull. n° 3, Queensland Department of Primary Industries, Australia.
Johnson L.C. 1965. Histogenesis and mechanisms in the development of osteofluorosis, p. 424-441. In: Simens J.H. (ed.) Fluorine Chemistry. Vol.4. Academic Press, New York.
Kirchgessner M. 1985. Mineral- und Wirkstoffe, S. 133-186. In: Kirchgessner M. (ed.) Tierernährung. 6. verb. Auflage. DLG-Verlag, Frankfurt.
Kühnert M. & Gaede W. 1991. Vergiftungen durch Nichtmetalle und ausgewählte Verbindungen, S. 258-294. In: Kühnert, M. (ed.) Veterinärmedizinische Toxikologie. Gustav Fischer, Stuttgart.
McDowell L.R. 1976. Beef Cattle Production in Developing Countries. University of Edinburgh Press, Edinburgh, p.216.244.
NRC (National Research Council) 1974. Subcommitee on Fluorosis. Effects of fluoride in animals. National Academy of Sciences, Washington, DC. 70 p.
Obel A.-L. 1969. Hypo- und hypervitaminosen, S.404-439. In: Joest, E. (ed.) Handbuch der Speziellen Pathologischen Anatomie der Haustiere. Band 3. 3. Auflage. Paul Parey, Berlin.
Pilati C., Dutra I.S., Behrens K., Döbereiner J. & Dämmrich K. 1996. Diagnóstico da deficiência de fósforo em bovinos pelos exames histológicos e microrradiográficos de costelas. Pesq. Vet. Bras. 16(1):27-33.
Rand W.E. & Schmidt H.J. 1952. The effect upon cattle of Arizona waters of high fluoride content. Am. J. Vet. Res. 13:50-61.
Romeis B. 1989. Mikroskopische Technik. 17. Auflage. Urban Schwarzenberg, München, S.499-500.
Shupe J.L., Miner M.L., Harris L.E. & Greenwood D.A. 1962. Relative effects of eeding hay atmospherical contaminated by fluoride residue, normal hay pluscalcium fluoride, and normal hay plus sodium fluoride to dairy heifers. Am. J. Vet. Res. 23(95):777-787.
Shupe J.L., Miner M.L., Greenwood D.A., Harris L.E. & Stoddard G.E. 1963. The effect of fluorine on dairy cattle. II. Clinical and pathological effects. Am. J. Vet. Res. 24:964-979
Shupe J.L.& Alther E.W. 1966. The effects of fluorides on livestock, with particular reference to cattle, p. 307-354. In: Eichler O., Faran A., Herken H., Welch A.D. & Smith F.A.(eds) Handbook of Experimental Pharmacology. Vol. 20, part 1. Springer, New York.
Shupe J.L. 1969. Levels of toxicity to animals provide sound basis for fluorides standards. In: A Symposium on the Technical Significance of Air Quality Standart. Environ. Sci. Tecnol. 3:721-724.
Shupe J.L., Butcher J.E., Olson A.E., Call J.W. & Blake J.T. 1986. Bone changes associated with dietary phosphorus deficiency in cattle. Proc. World Congress on Diseases of Cattle 2(2):829-832.
Snook L.C. 1962. Rock phosphate in stock feeds. The fluorine hazard. Aust. Vet. J. 38:42-47.
Suttie J.W., Miller R.F. & Phillips P.H. 1957. Effects of dietary NaF on cows. II. Effects on milk production. J. Dairy Sci. 40:1485-1491.
Tokarnia C.H., Döbereiner J. & Moraes S.S. 1988. Situação atual e perspectivas da investigação sobre nutrição mineral em bovinos no Brasil. Pesq. Vet. Bras. 8(1/2):1-16.
Underwood E.J. 1981. The mineral Nutrition of Livestock. 2nd ed. Commenwealth Agricultural Bureaux, Farnham Royal, Slough, England.
ZipKin I.R., Likins R.C., McClure F.J. & Steere A.C. 1956. Urinary fluoride levels associated with the use of fluoridated waters. Publ. Hlth Rep. 71:767-772.
Zipkin I.R., Eanes E.D & Shupe J.L. 1964. Effect of prolonged exposure to fluoride on the ash, fluoride, citrate and crystallinity of bovine bone. Am. J. Vet. Res. 25:1591-1597.
Célso Pilati2, Ivan V. Rosa3, Milton S. Dayrell4, Jürgen Döbereiner5 e Klaus Dämmrich6 - a2cp[arroba]cav.udesc.br
1Parte do trabalho de Tese de Doutorado do primeiro autor, submetido à Universidade Livre de Berlim, Alemanha, em julho de 1994.
2Laboratório de Patologia Animal, CAV, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Av. Luiz de Camões 2090, Cx. Postal 281, Lages, SC 88520-000.
3Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte - Embrapa, Cx. Postal 154, Campo Grande, MS 79002-970.
4Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Leite - Embrapa, Cx. Postal 151, Coronel Pacheco, MG 36159-000.
5Projeto Saúde Animal Embrapa/UFRRJ, Km 47, Seropédica, RJ 23851-970; bolsista do CNPq (305294/88-1).
6Institut für Veterinär-Pathologie, Freie Universität Berlin, Strasse 518, Nr. 15, D-14163 Berlin, Alemanha.
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|