Educação e desenvolvimento: onde estamos, e para aonde vamos?

Enviado por Simon Schwartzman


Texto preparado para o seminário "Brasil em Desenvolvimento", Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2003.

Neste texto, parto do princípio de que a educação brasileira precisa melhorar bastante, e que existe uma relação profunda entre educação e desenvolvimento, nos seus diversos sentidos – não somente desenvolvimento econômico, mas também desenvolvimento social e cultural, independentemente de como possamos interpretar estes termos. A partir desta premissa, pretendo examinar onde estamos em educação, e discutir uma série de questões de política educacional que podem nos ajudar a pensar para aonde estamos indo, e nossas chances de chegar aonde queremos. O argumento principal é que a educação brasileira está passando por uma transição cujo resultado vai depender menos de políticas específicas do que de um salto qualitativo na maneira pela qual as questões educacionais são vistas e enfrentadas.

ONDE ESTAMOS?

Para saber onde estamos em termos de educação, temos três perguntas importantes a responder: primeiro, a qualidade de nossa educação: o que nossos estudantes estão aprendendo? Segundo, a cobertura: quantos estudantes estão aprendendo, e em que nível? E terceiro, o esforço: estamos nos esforçando o suficiente para melhorar a nossa educação?

Estoque

O estudo internacional comparativo da OECD sobre "Competências de Leitura para o Mundo de Amanhã", conhecido como PISA2, permite situar o Brasil no contexto internacional, e ter uma idéia de sua evolução nos anos mais recentes. O estudo compara amostras de estudantes de 15 anos nos países da OECD e de vários outros que resolveram participar do estudo, entre os quais o Brasil e Chile. Além disto, o estudo trata de identificar os fatores que podem explicar os diferentes resultados obtidos.

Quase todos os países que participaram do estudo, entre os quais o Brasil, aumentaram o nível educacional médio de suas populações nos anos mais recentes.

Comparando a educação da população entre 55 e 64 anos de idade nos 37 países que participaram do estudo, pode-se ver que, nos Estados Unidos, mais de 80% desta geração tem educação secundária completa, mostrando que a expansão da educação média ocorreu várias décadas atrás. Para o conjunto dos países da OECD, a média é de 65%, comparado com 30% para a Coréia, pouco menos de 30% para Argentina e Chile, menos de 15% para o Brasil, e cerca de 10% para o México. Na geração adulta mais nova, entre 25 e 34 anos, a percentagem nos Estados Unidos muda pouco, chegando a um teto de 90%; a OECD também se aproxima dos 90%; e a Coréia dá um salto espetacular, superando os Estados Unidos. Os países latino-americanos, no outro extremo, melhoram pouco. A Argentina passa um pouco dos 50%, superada agora pelo Chile, que se aproxima dos 60%; o Brasil toca os 30%, e o México permanece próximo dos 25%. Apesar de ter dobrado o número de pessoas com educação secundária completa nos 30 anos que separam uma geração da outra, a posição do Brasil, em termos relativos, piorou no período, passando da 32ª para a 34ª posição, enquanto Coréia passava da 24ª para a primeira posição.

Gráfico 1 – Fonte: Brasil. Censo do ano 2000

O Gráfico 1, da amostra do Censo Populacional de 2000, permite ver a evolução do estoque de educação no Brasil, a partir da evolução das diferentes gerações. Na geração mais velha, 35% das pessoas tinham menos de um ano de escolaridade, e somente 15% iam além do que é hoje o ensino fundamental, e era antes o antigo ginásio (8 anos de escolaridade ou mais). Na nova geração a situação se inverte: a percentagem de pessoas com menos de um ano de escolaridade cai para 5%, e os com o ensino fundamental completo, 54%. A percentagem de pessoas com mais do que a educação média – ou seja, mais de 11 anos de escolaridade – vem também crescendo, embora ainda esteja longe dos padrões da OECD.

Qualidade

Além dos níveis ainda baixos de cobertura no segundo grau, apesar da expansão dos últimos anos, o relatório do PISA mostra que os resultados que a educação brasileira vem obtendo são extremamente ruins. A principal evidência é a distribuição dos estudantes de 15 anos de cada país em uma escala de cinco pontos de capacidade de leitura, descrita de forma resumida no Quadro 5 do anexo. Esta escala está composta a partir de três dimensões: a habilidade de obter informação, de interpretar textos, e de refletir e avaliar o que foi lido O nível cinco, mais alto, corresponde à capacidade de trabalhar com textos e informações gráficas complexas; o nível um, mais baixo, corresponde à capacidade de trabalhar com textos e informações gráficas simples.

Existem escalas semelhantes para os conhecimentos de matemática e de ciências. Os resultados dos diversos países que participaram do estudo, em termos de capacidade de leitura, podem ser vistos no Quadro 6 no anexo.

O nível cinco é muito exigente, e o número de estudantes de quinze anos que conseguem atingi-lo, nos países da OECD, não chega a 10%. No entanto, em vários países, como a Nova Zelândia, Finlândia, Austrália, Canadá e Reino Unido, mais de 15% dos alunos têm esta capacidade. No outro extremo, em todos os países latinoamericanos que participaram do estudo, e também na Tailândia, Albânia, Macedônia e Indonésia, não se chega a 1%. No Peru, 54,1% dos estudantes estão abaixo do nível 1, seguido de perto pela Albânia, com 43%. O Brasil, com 23.3% dos estudantes neste nível, está bastante próximo da Argentina. Na América Latina, o México é que tem um número menor de pessoas abaixo do mínimo; e a Argentina é quem tem mais pessoas nos níveis 3, 4 e 5. Uma outra maneira de olhar estes dados é pela média de pontos obtidos pelos alunos de cada país. O país de nível mais alto é a Finlândia, com a média de 545 pontos, no limite superior do nível quatro. Os países latino-americanos, incluindo o Brasil, estão na casa dos 400 pontos, no limite inferior do nível 1; o Peru, com 327, não chega alcançar o nível mínimo.

Gráfico 2

Uma das explicações para os níveis tão baixos do Brasil e México é que muitos estudantes de 15 anos de idade não estão na série correspondente à sua idade, que seria o primeiro ano do ensino médio no Brasil. Tomando somente os alunos da amostra que estão na série correta, as médias para Brasil e Argentina sobem para 463 e 467 pontos, próximo do nível de Portugal e da Rússia, na porção superior do nível dois. Não se trata, portanto, de um simples problema de atraso escolar, mas de má qualidade da educação recebida pelos alunos que estudam e que se formam.

Um fator muito importante na determinação deste baixo padrão de desempenho é o nível socioeconômico e cultural das famílias de onde provêm os estudantes. As análises feitas pela OECD confirmam que o peso das condições socioeconômicas pode ser tal que, estatisticamente, as escolas parecem não ter nenhum efeito sobre o desempenho dos estudantes. Assim, diz o relatório:

In countries where the impact of socio-economic background on student performance is moderate, not all successes can be credited to the education system and, in countries where gradients are steep, not all of the problems should be attributed to schools either. The analysis has shown that the challenges which education systems face as a result of the differences in the distribution of socioeconomic factors in the student population differ widely. Many of the factors of socio-economic disadvantage are also not directly linked to education policy, at least not in the short term. For example, the educational attainment of parents can only gradually improve, and family wealth will depend on long-term national economic development.

But PISA results suggest that school policy and schools themselves can play a crucial role in moderating the impact of social disadvantage on student performance. The results reveal some school resource factors, school policies and classroom practices that appear to make a significant difference to student performance. The extent to which students make use of school resources, and the extent to which specialist teachers are available, can both have an impact on student performance. According to principals’ perceptions of teacher-related factors affecting school climate, teacher morale and commitment, and some aspects of school autonomy, also appear to make a difference. Finally, there are aspects of classroom practice that show a positive relationship with student performance, such as teacher-student relations and the disciplinary climate in the classroom. (p. 225).

Os resultados do PISA são similares aos encontrados nas análises do Sistema de Avaliação da Educação Básica brasileira. Um estudo feito por Albernaz, Ferreira e Franco, com os dados do SAEB 1999, encontra que o principal determinante do desempenho escolar no Brasil é o nível socioeconômico da família dos alunos3. Além da renda, o gênero tem impacto (os meninos são melhores em matemática), e a "raça" – os negros e pardos têm desempenho pior. O impacto de características da escola sobre o desempenho parece ser tanto maior quanto o nível socioeconômico médio dos alunos é mais alto. As variáveis medidas aqui são as condições das instalações escolares, a insuficiência e a escolaridade dos professores. Na mesma linha, Nelson do Valle e Silva e Carlos Hasembalg estimam que o "fator escola" contribui no máximo com 40% das eventuais melhorias na educação brasileira, com os outros 60% sendo atribuídos a fatores socioeconômicos.4

 


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