Tempo e espaço em ambientes virtuais

 

 

ABSTRACT

Este trabalho pretende explorar a relação entre as categorias cultura, sociedade e natureza com o objetivo de refletir sobre as transformações socioculturais de nossas sociedades contemporâneas. A associação entre sociedade, cultura e natureza necessita de uma abordagem multidisciplinar e a adoção de princípios da complexidade (Morin, 1998). A multidisciplinaridade se expressa através da relação entre sociologia, antropologia, mídia (tecnologia) e comunicação para uma interpretação sociocultural do ciberespaço.

Palabras clave:
 · cibercultura
 
· ciberespacio
 
· cibersociedad
 
· etnografía
 
· relaciones sociales

 

Considerações iniciais

A ciências sociais atualmente discutem a necessidade de superar a postura que coloca homens e objetos em posições ontologicamente antagônicas, condição fundamental para se superar o determinismo e enfatizar as mútuas influências entre tecnologia e sociedade. (Benakouche, 2001).

Este paper tem como objetivo discutir como as categorias sociedade, cultura e natureza estão sendo (re)criadas no ambiente contemporâneo e, conseqüentemente, vêm fomentando transformações nas ações e práticas cotidianas, alterando a noção de tempo e espaço determinados sistemas sociais.

Nesse sentido, esse trabalho não tem a pretensão de responder, mas apenas de levantar algumas questões para uma discussão crítica da correlação contemporânea entre as categorias sociedade, cultura e natureza, a partir dos princípios do pensamento complexo (Morin, 1998) em que a realidade é compreendida de forma hologramática - a cultura está nas pessoas, que estão na cultura - e recursiva - quando os seres vivos têm os recursos de vida do ecossistema, que só existem pelas retroações entre esses seres vivos (Silva, 2001).

 

Navegando na sociedade, cultura e natureza

A configuração de uma sociedade pós-industrial, ou programada (1) , tem delineado um campo fértil de novos objetos para as ciências sociais, a revisão de clássicas concepções e a possibilidade de abordagens multidisciplinares.

Essencialmente esta sociedade programada constrói um sistema econômico pós-industrial mais atrelado à transformação da informação em mercadoria do que aos bens materiais. Assim, a produção e a difusão maciça dos bens culturais ocupam lugar central que fora dos bens materiais na sociedade industrial e nos abre um leque de objetos de investigação. A base material da sociedade está sendo remodelada a partir de estratégias de acumulação que contêm em seu cerne processos de geração e difusão de novos conhecimentos (Touraine, 1994; Baumgarten, 2001)

Desta forma, Touraine (1994, 1998) estabelece que a vida social não pode ser mais descrita como um sistema social cujos valores, normas e formas de organização são estabelecidos e definidos pelo Estado ou mercado, mas coloca a dimensão cultural como parte fundamental para a compreensão das transformações sociais e nos induz a refletir sobre o papel que a tecnologia vem desempenhando nesses processos de reconfiguração dos sistemas sociais.

Baumgarten (2001) chama a atenção para o fato de que alguns autores das ciências sociais vêm tentando defender a necessidade de ?abrir a caixa preta da técnica? a fim de poder investigar seus efeitos sobre a sociedade, o que significa compreender os processos de concepção, produção e difusão da tecnologia e do conhecimento.

A identificação da sociedade contemporânea como sociedade da informação e do conhecimento (Giddens, 2002; Castells, 2002, Santos, 2001) pode ser atribuída em função da troca de mensagens entre habitantes ou pela relevância que o conhecimento, a ciência e a tecnologia adquirem no processo de produção e reprodução desta sociedade? (2) O fato é que as sociedades complexas estão vivenciando processos permanentes e acelerados de transformações tecnológicas acompanhados de uma crescente apropriação social das novas tecnologias de comunicação e informação configurando o ciberespaço e a cibercultura.

Para Baumgarten (2001) a procura por conhecimento integra a estratégia de sobrevivência de espécie humana, entretanto não se pode perder de vista que este conhecer está sempre associado e condicionado a situações concretas de cada sociedade, seja em saber científico, nas suas práticas, na sua cultura, em suas técnicas ou ideologia.

Segundo Demo (2002) conhecimento e aprendizagem são fatores centrais da precipitação de mudanças, fenômeno que marca nosso período histórico e que vem sendo reforçado pela globalização competitiva, em suas palavras:

Olhando para trás, o que distingue, acima de tudo, sociedade arcaica de sociedade moderna é o fator conhecimento: a primeira o usa e produz de modo muito lento, tendencialmente repetitivo, dando a entender que não possui projeto de história própria, enquanto a segunda o produz com originalidade crescente, tornando-o a referência crucial da inovação. (Demo, 2002, p.213)

 

Parece, portanto, ser tarefa urgente investigar que movimento social e cultural encontra-se oculto por trás deste fenômeno técnico (Levy, 1999)? Fenômeno este que vem acompanhado de uma alteração na percepção e construção social de realidade, materializando-se na elaboração de uma cibercultura e um ciberespaço.

Com o intuito de compreender as alterações qualitativas na elaboração destes novos ambientes, Lévy (1999) aborda as implicações culturais do desenvolvimento das tecnologias digitais de informação e comunicação considerando a técnica como produto de uma cultura ao mesmo tempo em que a sociedade encontra-se condicionada por suas técnicas (3) . Para tanto, tem uma extremada preocupação em delimitar o conceito de ciberespaço e cibercultura, pois em sua acepção ciberespaço ou rede é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores, abrangendo infra-estrutura e informação. Espaço que permite aos indivíduos a navegação e alimentação nesse universo.

Já cibercultura é o conjunto de técnicas materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem nesse espaço. No ciberespaço os grupos desenvolvem uma moral social que regem suas relações a ponto de construir uma cultura própria deste espaço.

O ciberespaço permite a criação de comunidades virtuais que se constroem ?sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, de projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independente das proximidades geográficas e das filiações institucionais.? (Lévy, 1999, p.127). É importante delimitar o termo virtual, pois não diz respeito ao irreal ou ao ilusório, mas à origem da palavra do latim que significa potência e força. (4) Para o autor, as redes de computadores não substituem os encontros físicos, mas os completam e adicionam. Os grupos só se interessam em constituir-se como comunidade virtual para aproximar-se do ideal coletivo inteligente de forma mais rápida e ser mais capaz de aprender e inventar a fim de atingir a inteligência coletiva (5) .

Castells (2002) afirma que ainda não está claro o grau de sociabilidade que ocorre nas redes eletrônicas e nem quais são as conseqüências culturais dessa forma de sociabilidade. Alguns autores preferem trabalhar com uma distinção entre laços fortes e fracos afirmando que a rede é especialmente apropriada para a geração de laços fracos múltiplos, com um modelo igualitário de interação, já que facilita a ligação entre pessoas com diversas características sociais e que parece contribuir para a expansão dos vínculos sociais em uma sociedade complexa em que as questões de individualização e participação estão sempre afloradas (6).

Guimarães Jr (2003) através de seus estudos etnográficos sobre sociabilidade no ciberespaço aponta que ?a transformação e reelaboração ? tanto simbólica quanto material ? de artefatos culturais é ainda mais pronunciada quando estes artefatos são empregados como ferramentas e plataformas para a existência de culturas locais no ciberespaço? (Guimarães Jr , 2003, p.14).

Parece ser inegável, portanto, que o progresso das novas tecnologias tem gerado transformações socioculturais, que de alguma forma estabelecem algum tipo de vínculo com a ação do sujeito contemporâneo.

Castells (2002) cita Wellman para definir que a Rede é a Rede:

?transcende a distância, costuma ter natureza assíncrona, combina a rápida disseminação da comunicação de massa com a penetração da comunicação pessoal, e permitem afiliações em múltiplas comunidades parciais.? (Wellman apud Castells, 2002, 446)

 

As sociedades complexas, portanto, de acordo com Velho (1999), vivenciam um período em que o indivíduo possui um potencial de metamorfose, por experimentar um campo de possibilidades diante da coexistência de diferentes estilos de vida e visões de mundo, alterando diversas esferas como a vida privada, as relações de trabalho e as relações e processos de produção de conhecimento e de ensino-aprendizagem. A temática nos incita a seguinte pergunta: de que forma a cibercultura atua no projeto e metamorfose do sujeito contemporâneo e na unidade e fragmentação da sociedade complexa?

Castells (2003) ao citar o trabalho de Cardoso, sobre comunidades virtuais em português, mostra que a presença de uma nova noção de espaço, em que físico e virtual se influenciam mutuamente, está lançando as bases para a emergência de novas formas de socialização, novos estilos de vida e novas formas de organização social.

Fragoso (2001) e Guimarães Jr (2003) afirmam que o ciberespaço desafia os pares dicotômicos de categorias analíticas tais como sociedade/tecnologia ou cultura/objeto a elaborarem visões agregadas e sistematizadas do espaço. O ciberespaço é constituído e habitado por elementos diversos que estabelecem relações dinâmicas, permitindo a navegação em ambientes através de salas, janelas, links. Esta aproximação com elementos do espaço construído demonstra que os indivíduos que navegam por estes espaços constroem um sistema simbólico que os auxilia na orientação ou, se não conseguem esta elaboração, se perdem no espaço. O ciberespaço enquanto lugar e espaço relacional parece possibilitar a criação de corpos virtuais, denominados avatares (7) (Guimarães Jr, 2003) e até mesmo a ciber-flânerie (Lemos, 2001).

A noção de tempo também é alterada na elaboração destes novos espaços, Bauman (2001) ao caracterizar a chamada modernidade líquida sugere o desencaixe ou a desconexão entre espaço e tempo. Em outras épocas, espaço e lugar coincidiam em geral e a vida social implicava em interações presentes, face a face. Atualmente, o tempo abstrato está em parte desconectado do espaço, como o espaço abstrato está desvinculado do tempo.

Justifica-se, portanto, uma análise multidisciplinar da questão que envolve sociedade, cultura e natureza e um recorte para que se possa elaborar, segundo o paradigma sistêmico de Morin (1998), a compreensão dos processos de forma retroativa (todo todo).

Segundo Borges e Pedro (2003), devido à novidade e às especificidades dos fenômenos sociais que podem ser identificados e analisados neste novo ambiente de interação, seu estudo oferece uma série de desafios teórico-metodológicos para as ciências sociais, tendo em vista, por exemplo, que grande parte das teorias e metodologias desta área de saber foram pensadas para a situação face a face, entre observador e observado.

Considerando que as características do mundo social são inseparáveis dos processos interpretativos pelos quais o mundo é constituído, realizado ou explicado; o papel do pesquisador é estudar a cotidianidade e descobrir os modelos de racionalidade subjacentes à ação dos indivíduos e dos grupos. A sociedade é entendida como uma constituição de estruturas com regras e conhecimentos compartilhados e tácitos que tornam a interação social possível e aceita. (Garfinkel apud Haguette, 2000)

Neste sentido, identificar de que forma os grupos têm construído novas noções de tempo e espaço, conceitos fundamentais para se compreender uma cultura parece ser um passo fundamental para uma interpretação sociocultural desses ambientes virtuais. Além disso, identificar como os modelos de ambientes virtuais (re)significam o sistema simbólico de determinados grupos culturais, pode avançar em direção a construção de ambientes virtuais em função das peculiaridades de cada grupo social.

Como a cultura consiste em formas de comunicação e estas estão em permanentes processos de transformação, possibilitando e favorecendo novas formas de interação propõe-se uma investigação sobre as novas formas de interação e suas conexões com as novas configurações de tempo e espaço.

A interação é o principal mecanismo que promove a socialização, um processo recíproco através do qual o indivíduo passa a ser membro de uma sociedade ou grupo. A socialização é um processo de iniciação em um mundo social, em suas forma de interação e em seus numerosos significados (Berger e Berger, 1981). Este processo indica o desenvolvimento de uma capacidade de viver em grupo, segundo Turner (2000), tornamo-nos humanos através da interação com os outros em uma variedade de contextos culturais e socioestruturais. Através da socialização adquirimos capacidade de desempenhar papéis, de partilhar um sistema simbólico de significados ou códigos culturais, de construção de identidade e auto-imagem. O papel social, definido como o comportamento esperado de uma pessoa que ocupa certo status, envolve a consciência da norma e outros sistemas simbólicos. Demo (2002) destaca a ambivalência do processo, pois por um lado reprime a individualidade, a criatividade, a provocação e por outro favorece a acomodação no grupo, cria os vínculos e dá estabilidade ao indivíduo.

Que este artigo, então, seja um convite à reflexão sobre as novas noções de tempo e espaço em um seminário que determinado grupo se formará e conformará um tempo e um espaço próprio; eterno enquanto dure.

 

Bibliografia

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Notas

· [1] - Este trabalho se apropria do termo conceituado por Touraine (1998) em que a essência da sociedade programada está na alteração da base da sociedade, que passa do campo econômico (empregado-trabalhador), para o campo cultural (poderemos viver juntos?).

· [2] - Para Giddens (2002) a comunicação instantânea altera a própria estrutura de nossas vidas, exemplificada pelo fato da imagem de Nelson Mandela poder nos ser mais familiar do que a de nosso vizinho de porta.

· [3] - Lévy faz questão de distinguir entre condicionada e determinada.

· [4] - A matriz de Lévy faz a distinção entre real, atual, virtual e possível, trabalhada por Prates, em palestra proferida ao Curso de Administração de Empresa da Associação Internacional de Educação Continuada PRATES. Eufrasio. Virtu(re)alidade: a sociedade netocrática. Belo Horizonte, 2003, Palestra.

· [5] - A respeito de inteligência coletiva ver Lévy,1993.

· [6] - Castells tem a preocupação de destacar que essa análise cabe estritamente ao grupo de ?pessoas que vivem em mundo tecnologicamente desenvolvido? (Castells, 2002:445).

· [7] - O termo se origina na literatura de ficção científica nos anos 90 e expressa as representações corporais no ciberespaço (Guimarães Jr, 2003).

 

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Este artículo es obra original de Rachel de Castro Almeida y su publicación inicial procede del II Congreso Online del Observatorio para la CiberSociedad: http://www.cibersociedad.net/congres2004/index_es.html"
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