Corte internacional de justiça: origens históricas, organização, procedimentos, decisão e legitimidade

Indice
1. Introdução
2. A solução pacífica de conflitos internacionais – breve histórico
3. Origens Históricas
4. A organização da corte
5. Os procedimentos
6. A Decisão
7. Legitimidade
8. Conclusão
9. Anexos
10. Bibliografia

1. Introdução

O trabalho monográfico é de essência jurídica e destina-se a analisar e descrever o papel da Corte Internacional de Justiça na resolução pacífica dos conflitos internacionais.
O desenvolvimento foi dividido em seis capítulos em que abordamos sucintamente, no primeiro, a necessidade da solução pacífica dos conflitos. No segundo, os vários métodos de resolução pacífica dos conflitos internacionais e as origens históricas da Corte Internacional de Justiça. No terceiro capítulo, examinamos a organização do Tribunal. Faz-se uma exposição, no capitulo de número quatro, dos aspectos do processo contencioso. O processo decisório da CIJ, da maneira que se elabora a decisão até as possibilidades de recurso, passando pelas opiniões divergentes e a execução das decisões, entre outros assuntos correlatos, constam do quinto capítulo. Uma análise mais aprofundada sobre alguns aspectos da legitimidade foi realizada no sexto capítulo, onde abordamos a noção de legitimidade no plano internacional até a relação "poder e legitimidade", culminando com "a questão da legitimidade perante a CIJ". Finalizamos com a inserção, como anexos, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e, como exemplo prático e valioso da aplicação da justiça no âmbito internacional, da tradução (livre) de uma das mais recentes decisões da Corte.

2. A solução pacífica de conflitos internacionais – breve histórico

A busca pela resolução pacífica dos conflitos entre Estados já aparecia como uma recomendação aos signatários da Convenção para a Resolução dos Conflitos Internacionais, assinada em Haia, em 18 de outubro de 1907, conforme dispunha o texto de seu art. 1.º:
"Tendo em vista prevenir, tanto quanto possível, o recurso à força nas relações entre os Estados, as potências contratantes concordam em envidar todos os seus esforços para assegurar a resolução pacífica dos conflitos internacionais."

Na atualidade, elevou-se tal busca a verdadeira interdição do emprego da força nas relações internacionais e, conseqüentemente, a obrigação da resolução de conflitos por meios pacíficos, adquirindo tais normas caráter imperativo de valor absoluto, segundo dispõe o texto da "Declaração relativa aos princípios de direito internacional no que respeita às relações amigáveis e à cooperação entre Estados", votada pela Assembléia das Nações Unidas a 24 de Outubro de 1970:
"Todos os Estados devem solucionar os seus conflitos internacionais com os outros Estados por meios pacíficos de tal modo
que a paz e a segurança internacionais assim como a justiça não sejam postas em perigo".
Há diversas formas de solução pacífica de conflitos, as quais serão circunstanciadamente abordadas mais adiante.

No processo levado perante a CIJ das Actividades militares e paramilitares na Nicarágua, em 1984, os Estados Unidos sustentaram que o recurso à força no decurso de um conflito armado apresentava características que não se prestavam à aplicação do processo judiciário, mas recusando a distinção entre "questão política" e "questão jurídica". A CIJ rejeitou o argumento, deixando claro que a Corte "não se eximiu jamais ao exame de um processo pela simples razão de que este tinha implicações políticas ou comportava sérios elementos de emprego da força" (também no caso do Estreito de Corfu, em 1949). Da mesma forma, em matéria de manutenção de paz, "O Conselho (de segurança) tem atribuições políticas; a Corte exerce funções puramente judiciárias. Os dois órgãos podem pois desempenhar as suas funções distintas mas complementares a propósito dos mesmos acontecimentos".

Face a este impasse, tentou-se colocar em oposição os processos jurídicos – os que estão destinados a resolver o conflito sobre a base do direito – e os processos políticos – que autorizam a tomada em consideração de argumentos de oportunidade e conveniência, e não em bases jurídicas .
"De um ponto de vista jurídico, existe uma distinção que apresenta uma relativa clareza e cujo alcance é menos contestável que as precedentes. Ela consiste em opor as formas de resolução que permitem impor uma solução às partes num conflito e aquelas pelas quais uma solução só é proposta, a qual eles não são obrigados a respeitar."
Sob este prisma, pode-se distinguir duas grandes categorias de formas de resolução de conflitos, combinando o critério do alcance jurídico da solução e o seu fundamento, em direito ou em oportunidade:

a) A resolução não-jurisdicional;

b) A resolução jurisdicional.

Os processos jurisdicionais internacionais levam a uma solução imposta aos Estados litigantes, os quais previamente, no exercício pleno de sua soberania, concordaram com a solução jurisdicional, sendo elementos fundamentais neste tipo de resolução (característicos da função jurisdicional) uma "decisão fundada sobre considerações jurídicas, obrigatória para as partes, pronunciada por um órgão independente das partes no litígio, na seqüência de um processo contraditório e garantindo os direitos de defesa e igualdade das partes".

3. Origens Históricas

Os vários métodos de resolução pacífica dos conflitos internacionais
A criação da Corte Internacional de Justiça representou o auge de um longo desenvolvimento dos métodos para a resolução pacífica dos conflitos internacionais, as origens dos quais, pode-se dizer, remontam épocas clássicas.
O artigo 33 da Carta das Nações Unidas lista, de forma não restritiva, os seguintes métodos para a resolução pacífica dos conflitos entre Estados: negociação, inquérito internacional, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso às organizações ou acordos regionais, a que os "bons ofícios" também devem ser adicionados. Entre estes métodos, alguns deles envolvem apelação a outros Estados. Por exemplo, a mediação coloca as partes em litígio numa posição em que cada uma resolve a disputa por si, sem imposição de uma solução, graças a influência de um terceiro Estado. A arbitragem vai mais além, tendo em razão que a disputa é de fato submetida a decisão ou "sentença" de uma terceira parte imparcial, de modo que uma solução, obrigatória, possa ser conseguida. O mesmo acontece na resolução judicial, exceto pelo fato de tratar-se de uma Corte sujeita a regras mais estritas, em matérias processuais, do que um tribunal arbitral, por exemplo. Historicamente falando, a mediação e a arbitragem precederam a resolução judicial. A primeira era conhecida na Índia antiga e no mundo Islâmico, enquanto numerosos exemplos da segunda eram encontrados na Grécia antiga, na China, entre as tribos árabes, no nascente mundo islâmico, no direito marítimo costumeiro da Europa medieval e na prática Papal.

A história moderna da arbitragem internacional, entretanto, é reconhecida geralmente como datando do assim chamado "Tratado de Jay" de 1794, entre os Estados Unidos da América e a Grã Bretanha. Este tratado de Amizade, de Comércio e de Navegação estabeleceu a criação de três comissões mistas, compostas de um número igual de americanos e britânicos, cuja tarefa era decidir sobre questões relevantes entre os dois países que não se conseguiram resolver pela negociação. Porquanto seja verdade que nestas comissões mistas não se falava estritamente em órgãos de julgamento por terceiros, havia a pretensão para que funcionassem, até certo ponto, como tribunais. Durante todo o século XIX, restabeleceu-se o interesse no processo de arbitragem, tendo os Estados Unidos e o Reino Unido usado desse recurso, bem como outros Estados na Europa e nas Américas.

A arbitragem das Reivindicações do Alabama, em 1872, entre o Reino Unido e os Estados Unidos marcou o começo da segunda, e ainda mais decisiva, fase. Sob o tratado de Washington, de 1871, os Estados Unidos e o Reino Unido, em razão das alegações de quebra de neutralidade deste último durante a Guerra Civil Americana, concordaram em se submeter às exigências da arbitragem. Os dois países indicaram certas regras que regeriam os deveres dos governos neutros, as quais deveriam ser aplicadas pelo tribunal arbitral, concordando-se que o mesmo seria composto de cinco membros, a serem apontados, respectivamente, pelos Líderes de Estado dos Estados Unidos, do Reino Unido, do Brasil, da Itália e da Suíça, em que os últimos três Estados não foram partes no caso. A decisão do tribunal arbitral ordenou ao Reino Unido o pagamento de indenização, tendo sido devidamente cumprida. O prosseguimento no uso de tal método serviu como demonstração da eficácia da arbitragem na resolução das principais disputas e levou, durante os últimos anos do século XIX, ao desenvolvimento desse recurso em vários sentidos, a saber:

  • um crescimento nítido na prática da introdução de cláusulas nos tratados que estabelecessem o recurso à arbitragem no caso de disputa entre as partes;
  • a conclusão de tratados gerais de arbitragem para a resolução de classes específicas de disputas entre Estados;
  • esforços para se construir leis gerais de arbitragem, de modo que os países que desejassem ter este recurso como meio de resolução de disputas não fossem obrigados a concordar, toda vez, com o procedimento a ser adotado, a composição do tribunal, as regras a serem seguidas e os fatores a serem considerados na tomada da decisão;
  • propostas para a criação de um tribunal internacional permanente de arbitragem a fim de evidenciar a necessidade de se estabelecer um tribunal ad hoc para decidir quais disputas são passíveis de jurisdição arbitral.

A Corte Permanente de Arbitragem
A Conferência de Paz de Haia, em 1899, marcou o início de uma terceira fase na história moderna da arbitragem internacional. O principal objetivo da conferência, em que — numa inovação notável — Estados menores da Europa, alguns Estados da Ásia e o México também participaram, foi discutir a paz e o desarmamento. Terminou adotando uma Convenção para Resolução Pacífica dos Conflitos Internacionais, que tratava não somente da arbitragem, mas também de outros métodos de resolução pacífica, tais como os bons ofícios e a mediação.

Com respeito a arbitragem, a Convenção de 1899 fez previsão para a criação de um sistema permanente que permitiria aos tribunais arbitrais se ajustarem como desejassem e que facilitasse seus trabalhos. Esta instituição, conhecida como a Corte Permanente de Arbitragem, consistiu essencialmente num conjunto dos juristas designados por cada país que aderiu à convenção — cada um destes países tendo direito a designar até quatro nomes — dentre os quais os membros do tribunal arbitral poderiam ser escolhidos (os países que assinaram a convenção são designados geralmente como as "partes participantes na Corte Permanente de Arbitragem", e os juristas, apontados pelos países, como "membros da Corte Permanente de Arbitragem"). A Convenção, além disso, criou um Escritório permanente, situado em Haia, com as funções correspondentes àquelas de um cartório da corte ou de um secretariado, e estabeleceu um conjunto de regras de procedimento para reger a conduta das arbitragens. Ver-se-á que o nome "Corte Permanente de Arbitragem" não é uma designação completamente exata do sistema acima estabelecido pela Convenção, que representou somente um método ou um dispositivo para facilitar a criação de tribunais arbitrais como e quando necessário. Não obstante, o sistema assim estabelecido foi permanente e nele a Convenção como que "institucionalizou" o direito e a prática da arbitragem, colocando-a numa posição mais definitiva e mais geralmente aceita.

A Corte Permanente de Arbitragem foi estabelecida em 1900 e começou a operar em 1902. Alguns anos mais tarde, em 1907, numa segunda Conferência de Paz de Haia, à qual os Estados da América Central e do Sul foram também convidados, a Convenção foi revisada e as regras que conduziam os procedimentos arbitrais aperfeiçoadas. Alguns participantes desejavam que a Conferência não se limitasse a melhorar o sistema criado em 1899. A Secretária de Estado dos Estados Unidos, Elihu Root, instruiu a delegação dos Estados Unidos a trabalhar para a criação de um tribunal permanente composto de juizes que fossem agentes judiciais e nada mais, que não tivessem nenhuma outra ocupação, e que devotariam seu tempo integral à análise e à decisão de casos internacionais por meios jurídicos. "Estes juízes", escreveu a Secretária Root, "deveriam, então, ser selecionados de diferentes países, de forma que os diferentes sistemas de legais, procedimentos e as principais línguas sejam representados razoavelmente.". Os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha submeteram uma proposta comum para uma Corte Permanente, contudo a Conferência foi incapaz de alcançar um consenso baseado nela. Tornou-se evidente, no curso das discussões, que uma das dificuldades principais era a de encontrar uma maneira aceitável de se escolher os juízes, não tendo nenhuma das propostas feitas conseguido o apoio geral. A Conferência limitou-se a recomendar que os Estados deveriam adotar uma convenção preparatória para a criação de uma corte arbitral de justiça logo que um acordo fosse alcançado "respeitando a escolha dos juizes e a constituição da corte". Embora esta corte, de fato, nunca tivesse vindo a existir, a convenção preparatória que a deveria ter criado estabeleceu determinadas idéias fundamentais as quais, anos mais tarde, serviriam como fonte da inspiração para esboçar o Estatuto da Corte Permanente Internacional de Justiça (CPIJ). A corte de justiça arbitral, "composta dos juizes que representam os vários sistemas jurídicos existentes no mundo, e capaz de assegurar a continuidade na jurisprudência arbitral", teria sua sede em Haia e jurisdição para analisar os casos que lhe fossem submetidos conforme um tratado geral ou nos termos de um acordo específico. Disponibilizou-se tal recurso, inicialmente, para procedimentos sumários, através de uma delegação especial de três juizes, eleitos anualmente, e o complemento da convenção por regras determinadas pela própria Corte.

A Corte Permanente de Arbitragem, que em 1913 teve sua sede fixada no "Palácio da Paz", construído graças a um presente de Andrew Carnegie, contribui positivamente para o desenvolvimento do Direito Internacional. Sua existência independe de todas organizações internacionais restantes, e, atualmente, dela participam 82 membros. Entre os casos que foram decididos através dos recursos de sua máquina, pode-se mencionar o caso "Carthage" e "Manouba" (1913) — a respeito da apreensão de embarcações —, o caso da Fronteira do Timor (1914) e o caso da Soberania sobre as Ilhas de Palmas (1928). Enquanto demonstrando que os sistemas e recursos dos tribunais arbitrais poderiam decidir disputas entre Estados na base do direito e da justiça, com imparcialidade, estes casos acabaram por revelar as falhas da Corte Permanente de Arbitragem. Num tribunal que mudava sua composição com constância, não se podia esperar o alcance de um desenvolvimento consistente do direito internacional na mesma medida que um tribunal permanentemente constituído. Além disso, havia o caráter inteiramente voluntário do sistema. O fato de os Estados terem sido partes nas Convenções de 1899 e 1907, não os obrigava a submeter suas disputas à arbitragem, e, mesmo que estivessem dispostos a fazê-lo, não estavam obrigados ao dever de recorrerem a Corte Permanente de Arbitragem nem a seguir as regras de procedimento dispostas nas Convenções. Recentemente, a Corte Permanente de Arbitragem procurou diversificar os serviços que poderia oferecer, ao lado daqueles contemplados pelas Convenções, por exemplo, fornecendo o auxílio técnico aos tribunais arbitrais fora de seu âmbito. Também, em 1993, adotou as "Regras da Corte Permanente de Arbitragem para disputas arbitráveis de conflitos entre duas partes em que somente uma é um Estado".

O trabalho das duas Conferências de Paz de Háia e as idéias que inspiraram os estadistas e os juristas tiveram alguma influência na criação da Corte de Justiça Central Americana, a qual funcionou de 1908 a 1918, assim como nos vários planos e propostas submetidos entre 1911 e 1919, ambos por organismos nacionais, internacionais e por governos, para se estabelecer um Tribunal Internacional de Justiça, culminando na criação do CPIJ dentro da estrutura do novo sistema internacional surgido após o fim da Primeira Grande Guerra Mundial.

A Corte Permanente Internacional de Justiça
O artigo 14 da Convenção da Liga das Nações (LDN) incumbiu o Conselho da Liga de formular planos para o estabelecimento de uma Corte Permanente de Internacional Justiça, esta corte seria competente não só para tomar conhecimento e decidir sobre qualquer disputa em caráter internacional que lhe fosse submetida pelas partes em conflito, mas também para dar pareceres em qualquer litígio ou questões encaminhadas pelo Conselho ou pela Assembléia.
O " Comitê dos Dez " reunido no Salão Japonês. Em junho-julho de 1920, no Palácio da Paz, este comitê trabalhou um primeiro projeto para o Tribunal Permanente de Justiça Internacional.

O Conselho da Liga, tomando as providências necessárias para efetivar o disposto no artigo 14, numa segunda seção, no início de 1920, designou um Comitê Consultivo de Juristas para apresentar um relatório na instituição da CPIJ. O comitê reuniu-se em Haia, sobre a presidência do Barão Descamps (Bélgica). Em agosto de 1920, um relatório contendo um esboço foi submetido ao Conselho que, após examiná-lo e fazer certas emendas, apresentou-o diante da Primeira Assembléia da Liga das Nações, iniciada na cidade de Genebra, em novembro daquele ano. A Assembléia instruiu seu Terceiro Comitê a examinar as questões sobre a constituição da Corte. Em dezembro de 1920, depois de um exaustivo estudo por um subcomitê, o Comitê submeteu um projeto revisado à Assembléia, a qual, por unanimidade, adotou-o. Este era o Estatuto do CPIJ. A Assembléia entendeu que um voto só não seria suficiente para estabelecer a CPIJ, de modo que cada Estado representado na Assembléia teria que ratificar o Estatuto formalmente. Numa resolução de 13 de dezembro de 1920, o Conselho foi chamado para submeter aos Membros da Liga das Nações um protocolo adotando o Estatuto e decidiu que este deveria entrar em vigor assim que ratificado pela maioria dos Estados membros. O protocolo foi aberto para assinatura em 16 dezembro e na reunião seguinte da Assembléia, em setembro de 1921, a maioria dos membros já o havia assinado e ratificado. O Estatuto, desta forma, entrou assim em vigor. Só seria revisado uma vez, em 1929, vigorando esta revisão a partir de 1936.

Entre outras coisas, o novo Estatuto solucionou o problema inicialmente insuperável da eleição dos membros de um tribunal internacional permanente, dispondo que os juizes seriam eleitos concorrentemente, contudo independentemente, pelo Conselho e pela Assembléia da Liga, tendo em mente que "deveriam representar as principais formas de civilização e os principais sistemas de direito do mundo". Esta solução pode parecer simples agora, entretanto, em 1920, foi uma considerável realização tê-la concebido. As primeiras eleições foram realizadas em 14 de setembro 1921. Na primavera de 1919, foi decidido que a CPIJ deveria ter seu assento permanente no Palácio da Paz, em Haia, o qual compartilharia com a Corte Permanente de Arbitragem. Já no Palácio de Paz, em 30 de janeiro de 1922 a sessão preliminar da Corte dedicou-se à elaboração de debates das Regras da Corte, e foi lá também que sua sessão inaugural foi realizada, em 15 de fevereiro de 1922, com o jurista holandês Loder como Presidente.

O CPIJ era assim uma realidade em funcionamento. O grande avanço que representou na história dos processos legais internacionais pode ser apreciado considerando o seguinte:

  • Ao contrário dos tribunais arbitrais, o CPIJ era um corpo permanentemente constituído, regido por seu próprio Estatuto e Regras de Procedimento, fixadas previamente obrigando as partes a apelar à Corte.
  • Tinha um Cartório permanente, o qual servia como um canal de comunicação com os governos e organismos internacionais.
  • Seus procedimentos eram amplamente divulgados e previstos para que a publicação ocorresse no tempo devido das alegações, dos registros literais das sessões e de toda as provas documentais que lhe fossem submetidas.
  • Constituído, então, como um tribunal permanente, pôde agora estabelecer um gradual desenvolvimento de uma prática constante e manter uma certa continuidade de suas decisões, permitindo, de tal maneira, que se desse uma maior contribuição ao desenvolvimento do direito internacional.
  • Em princípio a CPIJ foi acessível a todos os Estados que desejassem a resolução judicial de seus conflitos internacionais e eles puderam declarar antecipadamente que para certas classes de disputas legais a jurisdição da Corte estava estabelecida como compulsória em relação a outros Estados que aceitassem a mesma obrigação. Esse sistema de aceitação voluntária da jurisdição da Corte era o máximo que se podia obter naquele tempo.
  • A CPIJ foi autorizada a dar pareceres sobre qualquer conflito ou questões encaminhadas pelo Conselho da Liga das Nações ou pela Assembléia.
  • Estatuto da Corte listou especificamente as fontes de direito aplicáveis nas decisões de casos contenciosos e na elaboração de pareceres, sem prejuízo do poder da Corte de decidir um caso ex aequo et bono, se as partes assim concordarem.
  • Era o tribunal mais representativo da comunidade internacional e dos principais sistemas de direito do mundo do que qualquer outro tribunal tinha sido até então.

Embora a Liga das Nações, em regra, estivesse diretamente ligada a criação da Corte Internacional Permanente de Justiça, esta, entretanto, não era uma parte da Liga. Havia uma íntima associação entre os dois organismos, que encontrava expressão inter alia no fato de que os Membros da Corte eram periodicamente eleitos pelo Conselho da Liga e pela Assembléia, e que ambos (Conselho e Assembléia) tinham a prerrogativa de solicitar pareceres da Corte, mas esta nunca foi uma parte integrante da Liga, da mesma maneira que o Estatuto nunca foi parte da Convenção. Em particular, um Estado membro da Liga de Nações, só por este fato, não era considerado automaticamente parte para o Estatuto da Corte.

Entre 1922 e 1940 a CPIJ resolveu 29 casos contenciosos entre Estados e emitiu 27 pareceres consultivos. Paralelamente uma centena de tratados, convenções e declarações conferiam-lhe jurisdição sobre classes específicas de conflitos. Dessa forma, qualquer duvida que pudesse existir sobre se um tribunal judicial internacional permanente poderia funcionar de uma maneira prática e efetiva foi, então, dissipada. Demonstrou-se o valor da Corte para a comunidade internacional de vários modos diferentes, de início pelo desenvolvimento de uma verdadeira técnica jurídica. Expressão disso encontra-se nas Regras da Corte que a CPIJ fixou originalmente em 1922 e, subseqüentemente, revisou em três ocasiões, em 1926, 1931 e 1936. Havia, ainda, a Resolução da CPIJ relativa à Prática Judicial da Corte, adotada em 1931 e revisada em 1936, que estabeleceu o processo interno a ser aplicado durante as deliberações da Corte em cada caso. Adicionalmente, ainda ajudando a solucionar algumas disputas internacionais sérias, muitas delas conseqüências da Primeira Guerra Mundial, as decisões do CPIJ freqüentemente clarificaram, ao mesmo tempo, áreas inicilamente obscuras do direito internacional ou contribuíram para seu desenvolvimento.

O Corte Internacional de Justiça
A deflagração da Primeira Guerra Mundial, em setembro de 1939, ocasionou, inevitavelmente, conseqüências sérias para o CPIJ, que já conhecia, durante alguns anos, um período de declínio de suas atividades, em razão da enorme tensão do período entre guerras e a o recrudescimento das hostilidades entre as nações participantes da corrida armamentista. Depois de sua última sessão pública em, 4 de dezembro de 1939, a Corte Permanente de Justiça Internacional não tratou, de fato, de qualquer questão judicial e nenhuma eleição adicional de juizes foi realizada. Em 1940 a Corte removeu, para Genebra, o único juiz que permanecia em Haia, junto com alguns funcionários do Cartório de nacionalidade holandesa. Era inevitável que até mesmo sobre a tensão da guerra alguma atenção deveria ser dada ao futuro da Corte, como também à criação de uma nova ordem política internacional.

Em 1942 o Secretário de Estado dos Estados Unidos e o Secretário de Relações Exteriores do Reino Unido se declararam a favor da implantação ou restabelecimento de uma corte internacional após a guerra, e o Comitê Jurídico Interamericano recomendou a ampliação da jurisdição da CPIJ. No começo de 1943, o Governo do Reino Unido tomou a iniciativa de convidar vários peritos para, em Londres, constituir um Comitê informal interaliados para examinar o assunto. Este Comitê, sobre a presidência do "Sir" William Malkin (Reino Unido), realizou 19 reuniões que foram assistidas por juristas de 11 países. Em seu relatório, publicado em 10 de fevereiro de 1944, recomendou:

  • que o Estatuto de qualquer nova Corte internacional deveria estar baseado no da Corte Permanente de Justiça Internacional;
  • que a jurisdição sobre pareceres deveria ser mantida no caso da nova Corte;
  • que a aceitação da jurisdição da nova Corte não deveria ser compulsória;
  • que o Tribunal não deveria ter nenhuma jurisdição sobre assuntos essencialmente políticos.

Nesse ínterim, em 30 de outubro 1943, resultando de uma conferência entre China, a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Reino Unido e os Estados Unidos, uma declaração em comum foi emitida reconhecendo a necessidade
"de se estabelecer o mais cedo possível uma organização internacional geral, baseada nos princípios da igualdade de soberania de todos os Estados pacíficos, e acessível aos membros desses Estados, grandes e pequenos, para a manutenção da paz e segurança internacionais".

Em Dumbarton Oaks (Estados Unidos), esta declaração resultou na publicação (em 09 de outubro de 1944) de propostas para o estabelecimento de uma organização internacional geral, a qual incluísse uma Corte Internacional de Justiça. O próximo passo, em abril de 1945, foi a reunião, em Washington, de um comitê de juristas representando 44 Estados. Este Comitê, sobre a presidência de G. H. Hackworth (Estados Unidos), tendo como relator Basdevant, foi incumbido da preparação de um projeto de Estatuto da futura Corte Internacional de Justiça, para ser submetido à Conferência de São Francisco, a qual, durante os meses de abril e junho de 1945, elaborava o projeto da Carta das Nações Unidas. O projeto de Estatuto, preparado pelo Comitê, tomou por base o Estatuto do CPIJ e não era, portanto, um texto completamente novo. O Comitê, mesmo assim, sentiu-se constrangido por deixar várias questões abertas que deveriam ser decididas pela Conferência: um novo tribunal deveria ser criado? De que forma deveria a missão da corte, como principal órgão judicial das Nações Unidas, ser declarada? A jurisdição da corte deveria ser compulsória, e, nesse caso, até que ponto? Como os juizes deveriam ser eleitos?

As decisões concludentes desses pontos, e da forma definitiva do Estatuto, ocorreram na Conferência de São Francisco, na qual participaram 50 Estados. A Conferência decidiu contra a jurisdição compulsória e em favor da criação de um tribunal completamente novo, o qual seria o principal órgão judiciário das Nações Unidas (art. 92 da Carta), na mesma posição da Assembléia Geral, do Conselho de Segurança, do Conselho Econômico e Social, do Secretariado, entre outros órgãos da ONU (art. 7º da Carta), e com o Estatuto anexado e formando parte integrante da Carta da ONU. As razões principais que levaram a Conferência a decidir pela criação de uma nova Corte — e não a manutenção da CPIJ — foram as seguintes:

  • Como o Tribunal seria o órgão judiciário principal das Nações Unidas, era inapropriado que este papel fosse preenchido pelo Tribunal Permanente de Internacional Justiça, o qual, até então, estava ligado à Liga de Nações, já a caminho da dissolução.
  • A criação de uma nova Corte era mais adequada com o mandamento da Carta de que todos Estados Membros das Nações Unidas seriam, ipso facto, partes no Estatuto da Corte.
  • Na Conferência de São Francisco, dos 43 Estados que faziam parte do Estatuto da CPIJ, 17 não eram partes da ONU, muitos deles inimigos. Simultaneamente, 13 Estados que seriam membros da ONU não eram partes no Estatuto da CPIJ.
  • Havia um sentimento por parte de alguns de que a CPIJ pertencia a uma velha ordem mundial, na qual os Estados europeus tinham dominado os negócios políticos e legais da comunidade internacional, e que a criação de uma nova Corte facilitaria uma maior representatividade e influência dos Estados não-europeus. Isto de fato aconteceu, tendo em vista que o número de membros das Nações Unidas cresceu de 51, em 1945, para 185, em 1996.

A Conferência de São Francisco mostrou, entretanto, um pouco de preocupação no sentido de que todo o desenvolvimento conseguido até então não deveria ser abandonado, particularmente no caso do Estatuto da CPIJ ter-se embasado em experiências passadas, e fazia sentido não mudar algo que tinha parecido funcionar bem. A Carta declarou, então, expressamente que o Estatuto do CIJ baseou-se no da CPIJ. Ao mesmo tempo, foram tomadas, na medida máxima do possível, as ações necessárias para a transferência de jurisdição da CPIJ para a da CIJ. De qualquer maneira, a decisão para criar uma nova Corte necessariamente envolvia a dissolução de sua predecessora. O CPIJ reuniu-se pela última vez em outubro 1945, quando decidiu-se tomar as medidas apropriadas para assegurar a transferência de seus arquivos e bens a nova CIJ que, como sua predecessora, teria sua sede no Palácio da Paz. Todos os juizes da CPIJ renunciaram em 31 de janeiro 1946, e a eleição dos primeiros Membros da CIJ aconteceu em 5 de fevereiro 1946, na Primeira Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas. Em abril de 1946, foi dissolvida formalmente a CPIJ, e a CIJ se reuniu pela primeira vez e elegeu como seu Presidente o Meritíssimo Juiz Guerrero, o último Presidente da CPIJ, designou os membros de seu Cartório (em grande parte dentre os funcionários da agora extinta CPIJ) e realizou sua sessão pública inaugural no 18º dia daquele mês.

4. A organização da corte

Ela é composta de 15 juízes, não podendo dois deles ser nacionais do mesmo Estado. O mandato dos juízes é de nove anos, que pode ser renovado. Os grandes juízes quase sempre são reeleitos. O juiz que for eleito na vaga de um que não tenha acabado o seu mandato "completará o período do mandato de seu predecessor".

Os juízes são eleitos pela Assembléia Geral e pelo Conselho de Segurança. A eleição nestes dois órgãos será feita por maioria absoluta, não havendo no Conselho de Segurança qualquer diferença entre os membros permanentes e não permanentes.
A Assembléia e o Conselho decidirão entre os nomes constantes "de uma lista de pessoas apresentadas pelos grupos nacionais da Corte Permanente de Arbitragem". Se o Estado não fizer parte da Corte Permanente de Arbitragem, ele utilizará processo semelhante (art. 4º, alínea 2ª). "Nenhum grupo deverá indicar mais de quatro pessoas, das quais no máximo duas poderão ser de sua nacionalidade" (art. 5º , alínea 2ª). Cada grupo não poderá indicar candidatos em maior número "do que o dobro dos lugares a serem preenchidos". O Secretário-geral convida, através dos governos, os grupos nacionais da CPA a se manifestarem três meses antes das eleições.

Estas listas são encaminhadas à Assembléia Geral e ao Conselho de Segurança, que fazem as eleições em separado. E depois são comparadas as duas listas dos eleitos. Se permanecerem vagos alguns lugares (ex.: candidatos que não tenham sido eleitos nos dois órgãos), serão feitas uma segunda e terceira eleições. Se a situação perdurar, será formada uma Comissão de seis membros (três do Conselho e três na Assembléia Geral) que, por maioria absoluta, escolherá um dos candidatos e o submeterá à aprovação da Assembléia-Geral e do Conselho de Segurança. Esta comissão unanimemente pode escolher um nome que não seja candidato. Se esta comissão não chegar a um acordo, os membros da Corte é que decidirão o procedimento da vaga entre os candidatos "que tenham obtido votos na Assembléia Geral ou no Conselho de Segurança". Em caso de empate na Corte, o juiz mais velho "terá voto decisivo".

O procedimento de eleição pela Assembléia Geral e pelo Conselho de Segurança tem ocasionado que muitas vezes é ali eleito maior número de candidatos do que as vagas. Neste caso, são feitas eleições sucessivas até que o número de eleitos seja igual ao número de vagas.
A demissão de um juiz só é feita por decisão unânime da própria Corte.
O presidente e o vice-presidente são eleitos por três anos.
É de se assinalar que os juízes deverão representar as "mais altas formas de civilização e os principais sistemas jurídicos do mundo".
A precedência entre os juízes é feita pela antiguidade, e quando forem eleitos na mesma sessão, a precedência é pela idade.
A CIJ possui um escrivão e um escrivão-adjunto, que são eleitos por sete anos.
A sede da Corte é em Haia, sendo que o seu presidente e o escrivão são obrigados a residir nesta cidade.
Os juízes não deverão exercer outras funções, enfim, deverão manter a sua completa independência. Os juízes, no exercício de suas funções, gozarão dos privilégios e imunidades diplomáticas.
Ao lado destes juízes, que compõem permanentemente a Corte, existem ainda os juízes "ad hoc", que são temporários. O juiz "ad hoc", também chamado juiz "nacional", é indicado pelos Estados que se encontram em litígio. É uma instituição remanescente da arbitragem e visa atender à igualdade entre os Estados e dar às partes maior confiança na Corte.
Esta instituição tem sido criticada porque já se sabe de antemão o voto do juiz "ad hoc". Entretanto, o juiz permanente tem mais imparcialidade, o que dá desvantagem ao Estado que já tem juiz seu nacional na Corte.

Como já citamos anteriormente, a finalidade da CIJ, é resolver os problemas entre os Estados. Os membros da Corte gozam de privilégios e imunidades como as de um diplomata. Não podem ser demitidos, exceto por unanimidade de votos de seus pares. A CIJ funciona Permanentemente, exceto durante as férias judiciais. Funciona ordinariamente em sessão plenária. Em alguns casos, a CIJ poderá formar Câmaras de três ou mais juízes – questões trabalhistas, assuntos referentes ao trânsito e comunicações. São as partes que indicam esses juízes e a Corte os elege.
Os idiomas oficiais da Corte são o inglês e o francês. E todos os documentos desse Comitê devem estar nos dois idiomas oficiais da Corte. Se não estiver, o escrivão deverá providenciar intérpretes e tradutores.
Em julho de 1993, a Corte criou a Câmara dos Assuntos Ambientais formada por sete membros.

5. Os procedimentos

Nas cortes internacionais de arbitragem, cuja existência se baseia somente na vontade das partes, não surpreende que estas devam ter uma grande influência na elaboração de suas regras de procedimento. O CPIJ, cuja composição e a competência eram fixadas antes mesmo que qualquer conflito lhe fosse submetido, deveria oferecer às partes um corpo de regras pré-determinadas que disciplinassem o comportamento delas durante o processo. Seus fundadores e seus primeiros membros tiveram disponível para esta finalidade elementos fornecidos pela prática dos tribunais arbitrais anteriores e pela Corte Permanente de Arbitragem, mas também foi necessário, em grande parte, inovar em seus fundamentos. Foi necessário elaborar um procedimento capaz de satisfazer ao sentido da justiça do maior número possível das potências litigantes e de estabelecer entre elas condições da igualdade rigorosas. Era necessário que a Corte inspirasse confiança nelas e, reciprocamente, ter confiança nelas. Dessa forma, a Corte procurou combinar a simplicidade das regras e a ausência de um formalismo com a flexibilidade na maneira com que são aplicados. A CPIJ conseguiu alcançar um equilíbrio duro entre as várias exigências que teve que atender, sendo tal equilíbrio mantido pela CIJ, mudando somente com prudência extrema as regras colocadas pela sua antecessora.

Instituição dos procedimentos
A distinção deve ser feita conforme os procedimentos sejam instituídos com a notificação de um acordo especial ou por meio de um pedido:

  • Um acordo especial é de natureza bilateral e, para os procedimentos, pode ser depositado na Corte por um dos Estados parte ou por ambos. Um acordo especial deve indicar o assunto da disputa e das partes nela envolvidas. Desde que não haja um Estado "demandante" nem um estado "demandado", nas publicações da corte seus nomes são separados por uma barra obliqua no final do título oficial do caso, por exemplo, Austrália/Dinamarca.
  • O pedido, de natureza unilateral, é submetido por um estado demandante contra um estado demandado. Pretende-se, com isso, a comunicação deste último Estado, contendo as Regras da Corte requisitos restritos para o cumprimento deste ato. Além do nome da parte contrária (contra a qual a reivindicação é apresentada) e o assunto da disputa, o Estado demandante deve, o quanto possível, indicar brevemente em que bases - um tratado ou uma declaração da aceitação da jurisdição compulsória - a Jurisdição da Corte é reclamada, e deve sucintamente indicar os fatos e os fundamentos em que se fundam suas reivindicações. No final do título oficial do caso os nomes das duas partes são separados pela abreviatura "vs." (para indicar o "versus" do Latim), por exemplo, Holanda vs. México.

O acordo especial ou o pedido normalmente são assinados pelos representantes e, em geral, são acompanhados por uma carta de apresentação do Ministro de Relações Exteriores ou do embaixador em Haia. Pode estar em inglês ou em francês, ficando a cargo do Estado demandante a escolha. Uma pessoa autorizada pelo Estado demandante, no geral o embaixador em Haia ou o representante, entrega o original ao Escrivão ou envia-lhe pelo correio. O Escrivão, em seguida, assegurando-se que as exigências formais do Estatuto e das Regras da Corte foram cumpridas, transmite-o a outra parte e aos membros da corte, incorporando-a à Lista Geral da Corte, sendo também a imprensa informada pôr meio de uma breve nota. Em seguida, sendo devidamente registrado, traduzido e impresso, uma versão bilíngüe do acordo ou do pedido é enviada, então, ao Secretário Geral das Nações Unidas e a todos os Estados os quais a Corte está aberta, bem como a toda pessoa que solicitá-la. Deste modo, a instituição dos procedimentos é bem pública. A data do recebimento pelo Escrivão do acordo especial ou do pedido, marca a abertura dos procedimentos perante a Corte.

A disputa surgida entre os Estados interessados, algum tempo depois, é submetida à Corte. Esta pré-fase na Corte, durante a qual os Estados interessados discutem e consideram a questão, duram, na média, de cinco a seis anos, e, às vezes, acima de 10 anos. Entretanto, muitas disputas, as quais são extremamente complexas devido a sua natureza, desde que fossem estabelecidas de outra maneira pelas partes, não foram ainda completamente esclarecidas quando a disputa for trazida diante da corte, e as questões requerem o longo estudo pelas próprias partes durante todo o curso dos procedimentos. A maioria dos casos discutidos perante a CIJ duram, em média, 2 anos e 5 meses, da instituição dos procedimentos à entrega do julgamento final. Mesmo alguns casos foram decididos dentro de um ano (Apelação Relacionada a Jurisdição do "ICAO Council", 11 meses). A titulo de comparação, foi calculado recentemente que 13 das arbitragens internacionais mais importantes, entregues por tribunais arbitrais especialmente constituídos entre 1921 e 1965, demoraram, em média, dois anos e três meses. Esta duração média comum permaneceu idêntica em dez de arbitragens internacionais importantes solucionadas entre 1965 e 1985.

Pode-se acrescentar que não pode retirar a aceitação da cláusula facultativa após o caso ser levado à Corte. H. Waldock sustenta que a aceitação da cláusula facultativa sem prazo está submetida ao direito dos tratados e só pode ser retirada com o consentimento das partes, ou então que se aplique a cláusula "rebus sic stantibus". A Corte aplica o princípio da boa fé e o direito dos tratados. Alguns afirmam que os Estados podem retirar a declaração de aceitação, mas antes de a Corte ser chamada a julgar.

A justiça internacional é gratuita, sendo que as despesas serão pagas pela ONU. É de se lembrar que os Estados contribuem para o orçamento da ONU.

Fase Escrita e Fase Oral
Combinando os dois tipos de procedimentos usados em graus variados em todos os países, o Estatuto prevê que o procedimento perante a Corte será em duas fases: uma escrita, outra oral. Este princípio recebeu uma aplicação flexível, permitindo as partes, se quiserem, dar maior ênfase na fase escrita (a exemplo do caso Direito de passagem sobre território indiano), ou na segunda fase (a exemplo do caso Sudoeste africano). Ainda que cada uma dessas fases, separadamente, às vezes estivesse sujeita a críticas, nunca houve um acordo sobre o que, efetivamente, poderia ser eliminado. Na realidade a combinação de uma fase escrita seguida de uma fase oral, como prescrito pelo Estatuto, é altamente desejável se a Corte for alcançar sua decisão baseada num pleno conhecimento da causa. Desta forma, proporciona-se para os litigantes e para a Corte garantias necessárias a boa administração da justiça internacional.

Procedimentos Escritos
Na primeira fase do processo ou fase escrita, uma petição será submetida à Corte, contendo uma exposição detalhada dos pontos de fato e de direito (memória), a qual será comunicada também às outras partes envolvidas, contando cada uma delas com direito de resposta (contramemoriais), havendo, se necessário, direito a réplica (art. 43, item 2 do Estatuto). As partes são livres para escolher a forma que dão aos pedidos. Um das razões pelas quais os casos tendem a ser plenamente justificados reside na necessidade de se satisfazer a Corte como um todo, bem como cada um de seus Membros individualmente, em outras palavras, satisfazer 15 juizes vindos de experiências jurídicas diferentes. Documentos comprobatórios dos fatos normalmente devem ser anexados, contudo, se muito extensos, extrai-se somente o necessário que esteja relacionado ao caso, e, a menos que já tenham sido publicados pela Corte, uma cópia autenticada do texto do documento é depositada no Cartório, onde estará disponível para consulta aos Membros da Corte e para a outra parte (ou partes) – art. 43, item 4 do Estatuto. A Corte poderá, durante os procedimentos escritos, antes do início da audiência, solicitar aos agentes que apresentem qualquer documento ou fornecer quaisquer explicações, donde qualquer recusa deverá constar da ata (art. 49 do Estatuto).

Logo após designado pelo Presidente, o mais cedo possível, este irá reunir-se com os agentes das partes a fim de que se determine o número de alegações escritas, a ordem de apresentação e o prazo em que elas deverão ocorrer — caso o processo seja iniciado por um acordo especial, normalmente neste já se indica o número e ordem das apresentações das alegações escritas. A corte, então, decide a respeito dessa questão considerando a opinião das partes, desde que isso não traga um injustificável atraso ao processo. Normalmente, após um mês da instituição do processo, a Corte coloca sua decisão na Ordem, publicando-a no Reports of Judgments, Advisory Opinions and Orders (Relatórios de Julgamentos, Pareceres Consultivos e Ordens).

Quando o processo é iniciado por meio de uma petição, em regra só duas alegações são apresentadas: uma memória pelo demandante; uma contra memória pelo demandado. Se as partes então requererem, ou se a Corte considerar como necessário, também pode haver réplicas, as quais não deverão simplesmente repetir os argumentos das partes, mas sim elucidar os pontos divergentes. O prazo designado às apresentações será tão curto quanto a natureza do caso permitir, sendo normalmente igual para ambas as partes. Tal prazo somente poderá ser estendido a pedido de uma das partes e contando que a Corte o considere plenamente justificado.

Até 1978 as Regras da Corte estabeleciam que o número de alegações seria de 4 em vez de 2, contudo, tomando-se em consideração o parecer de diversos especialistas, isto foi mudado, considerando-se que tal fato prejudicava a celeridade do processo, tornando-o extremamente longo (geralmente um único volume de aproximadamente 100 páginas, embora no caso Barcelona Traction havia 37 volumes). Mesmo sendo os prazos pedidos pelas partes para as alegações relativamente longos (em geral de três a seis meses para cada alegação, porém, às vezes, até um ano ou mais), pareceu difícil não levar em consideração os anseios expressos pelos representantes dos Estados soberanos, os quais estão preocupados em dar exposição apropriada e cuidadosa a seus casos. A Corte sentiu-se obrigada em concordar com os pedidos de extensão de prazo em alguns casos (estendendo-se por mais um ano ou, até, um ano e meio), assim quase dobrando o tempo originalmente estimado para os procedimentos escritos. A ampliação assim concedida às partes, gradualmente contribuiu para um considerável aumento da duração dos casos, algo que a Corte anotou com lamento numa ordem feita em 1968. Os prazos requeridos pelas partes são ainda freqüentemente consideráveis.

Quando um caso é trazido perante a Corte (ou a câmara da Corte) pela notificação de um acordo especial, normalmente as partes, neste próprio acordo, fixam o número e a ordem das alegações. Em casos recentes, as partes concordaram sobre a exposição, por cada uma delas, de um memorial, contra memórias e, se necessário, uma alegação adicional. Também se ajustaram sobre determinados prazos. A Corte considerou o desejo das partes neste ponto (Artigos 46 e 92 das Regras). Doravante Réplicas foram apresentadas nos casos concernente à Plataforma Continental (Tunísia/Líbia), à Delimitação do Mar Territorial na área do Golfo do Maine, Plataforma Continental (Líbia /Malta), Conflito fronteiriço terrestre, insular e marítimo entre El Salvador e Honduras, Disputa Territorial (Líbia /Chad) e do Projeto Gabèíkovo-Nagymaros (Hungria/Eslováquia), entretanto, no caso da Disputa de Fronteiras (Burquina Faso/República do Maine) só memoriais e contra memórias foram apresentadas.

O procedimento escrito, até o julgamento final, possui um caráter confidencial, seguindo a prática dos tribunais arbitrais a fim de se assegurar uma condução equânime dos debates. Um original assinado de cada alegação é entregue pelo agente ao Escrivão, junto com 126 cópias, destinadas à parte contrária, aos Membros da Corte e ao Cartório do Escrivão. Se forem impressas, como geralmente ocorre, as alegações devem, tanto quanto possível, estarem de acordo com o formato e com as regras tipográficas recomendadas pela Corte, mas, por razões de economia e velocidade, desde 1972 a impressão não tem sido mais obrigatória. As alegações e seus apêndices são escritos em francês ou em inglês, como preferir a parte interessada. Podem estar numa combinação destes dois idiomas e, até mesmo, total ou parcialmente num terceiro idioma, contanto que a própria parte junte uma tradução em inglês ou francês. O Cartório faz uma tradução não oficial das peças no outro idioma oficial da Corte para a conveniência de seus Membros. Se Estados interessados requererem à Corte cópias dos procedimentos, esta os remeter-lhes-á, desde que a Corte esteja aberta a tais Estados e a opinião das partes seja consultada. Normalmente as alegações são postas à disposição da imprensa e do público, também após consulta às partes, no momento da abertura do procedimento oral; para esta finalidade, cópias são enviadas à Câmara de Imprensa e à Biblioteca do Palácio da Paz, para o Centro Internacional de Imprensa de Haia e às bibliotecas ou centros de informação da ONU (Nova Iorque, Genebra, Bruxelas, etc.).

Em cada uma das exposições das alegações, a parte indica suas conclusões nesta etapa do caso. Estas "conclusões", um conceito emprestado pela arbitragem e pela prática judicial internacional dos sistemas daqueles países da Civil Law, um instituto não conhecido nos países da Common Law, são a indicação precisa e direta da pretensão que se faz à Corte. Correspondem, deste modo, ao pedido de uma decisão da Corte com base nos fatos e fundamentos apontados nas alegações iniciais, bem como em quaisquer contra-alegações da parte contrária; entretanto não incluem, em tese, nenhum relato, mesmo que resumido, dos fatos e fundamentos supramencionados. Definem o limite do pedido e a estrutura dentro da qual a Corte terá que alcançar sua decisão. A CIJ terá não só "o dever de responder aos pedidos das partes como expressos em suas conclusões finais, mas também se abster de decidir pontos não inclusos nos pedidos constantes destas conclusões".

Procedimentos Orais
Uma vez que todas as alegações tenham sido expostas, o caso está pronto para os debates orais. Em princípio há um intervalo de alguns meses antes dessa fase da instância começar. A data para sua abertura é decidida pela Corte, tão distante quanto possível, levando-se em conta o seu calendário e a conveniência das partes, que sempre necessitam de mais um certo tempo

Numa prática oposta a dos Tribunais Arbitrais, as audiências da Corte Internacional de Justiça são abertas ao público, a menos que as partes assim não requeiram ou que a própria Corte determine que se façam a portas fechadas. Anunciadas ao público por via de editais de imprensa, as audiências acontecem de manhã, das 10 às13 horas, ou à tarde, das 15 às 18 horas, no Grande Salão de Justiça, situado no térreo do Palácio da Paz. Os juizes usam uma toga preta com um jabot branco, e o Escrivão, o qual se senta ao lado dos juízes, uma beca preta com faixas brancas. Os representantes e consultores das partes, os quais vestem-se de acordo com a prática corrente de seus países, ficam de frente para a Corte, do seguinte modo: para os casos iniciados através de uma petição, o Estado demandante está à esquerda do Presidente e o demandado à direita deste; nos casos instituídos pela notificação de um acordo especial, as partes são colocados em ordem alfabética, partindo da esquerda. Medidas são tomadas a fim de que os debates possam ser acompanhados pelos vários meios de imprensa

As partes dirigem-se à Corte na ordem de depósito de suas alegações ou, em casos submetidos por um acordo especial, na ordem fixada pela Corte depois de consultar os agentes das partes. Normalmente cada parte tem a palavra em dois turnos. Os oradores podem dirigir-se à Corte em qualquer uma dos idiomas oficiais desta; não é necessário que todo o debate esteja em uma só língua ou que todos os representantes das partes usem um só idioma. Tudo o que for dito em inglês é traduzido para o francês e vice-versa. O Tradução, que foi feita consecutivamente até 1965, é simultânea desde então. Se um conselheiro desejar usar um idioma não oficial da Corte, a parte interessada antecipadamente informa tal fato ao Escrivão, fornecendo uma tradução em inglês ou francês. Como freqüentemente acontece nos principais órgãos das Nações Unidas, os oradores, muitos dos quais não usam sua língua nativa, freqüentemente lêem um texto previamente preparado, entregando, antes de cada audiência, uma cópia ao Escrivão, para sua conveniência, embora isto não seja um procedimento obrigatório. Os debates orais são gravados progressivamente na língua oficial em que foram proferidos e uma cópia daqueles é emitida pelo Escrivão na forma de um relatório provisório, o qual é distribuído algumas horas mais tarde; uma vez tendo sido corrigido, em relação à forma, pelos próprios oradores (sob a supervisão da Corte), este relatório dos procedimentos torna-se autêntico. Os funcionários do Cartório extraem uma cópia traduzida do relatório provisório no outro idioma da Corte, a qual é distribuída dois ou três dias após as audiências.

As audiências, que geralmente duram duas ou três semanas — embora no caso Barcelona Traction houve 64 sessões, no caso do Sudoeste Africano, 102, e no caso concernente ao Conflito fronteiriço terrestre, insular e marítimo ocorreram 50 reuniões —, prosseguem sob a direção da Corte, em particular do Presidente. Este consulta seus colegas e certifica-se das opiniões dos agentes das partes, os quais, geralmente, recebe antes da abertura das audiências (se necessário for, ordens são dadas com relação à conduta dos procedimentos). Como sempre se preocupou com o real conteúdo do que é dito, a CIJ, até o presente momento, absteve-se, na medida do possível, de dar instruções aos representantes dos Estados soberanos. Embora as Regras autorizem a Corte, como tal, a fazer perguntas sobre pontos que requeiram explicações, e solicitar mais informações ou documentos adicionais, raramente isto é feito (por exemplo, no caso do Estreito de Corfu, Ambatielos, Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua). Cada juiz, individualmente, possui esta faculdade, mas o regular uso deste direito só passou a ser feito a partir de 1965. Contudo, até mesmo quando uma questão lhes vem a mente, os juízes informam ao Presidente e a seus colegas da intenção de fazê-la, não pedindo uma resposta imediata. Portanto, quando os oradores dirigem-se à Corte, praticamente possuem somente o duplo objetivo de responder à parte contrária e não fugir ao propósito do próprio caso. Esta concepção dos procedimentos orais, da forma como realizado pela Corte e pelas partes, foi objeto de críticas, até mesmo por governos, como tendendo a ser uma certa repetição da fase escrita. Por esta razão, as Regras da Corte instituídas em 1978 estipulam:

"As exposições orais feitas em favor de cada parte serão tão breves quanto possível, tendo consideração ao que é necessário para uma boa apresentação das teses na audiência. Por essa razão, serão relacionados os pontos que ainda dividem as partes, e não reiterados os fundamentos tratados nos procedimentos escritos, nem se repetem simplesmente os fatos e os argumentos lá contidos."

"A Corte pode, a qualquer tempo, antes ou durante as audiências, indicar quaisquer pontos ou questões que gostaria de ver expostos pelas partes ou aqueles que considerar suficientemente discutidos."

No que diz respeito a colheita de provas, a CIJ, a qual, nesse ponto, é autorizada pelo Estatuto a tomar todas as medidas necessárias, tentou evitar uma aproximação do formalismo, com a cooperação das partes e considerando os conceitos divergentes que elas podem ter sobre o assunto. Deste modo, acontecer-lhe-á, às vezes, aceitar elementos de prova com mais flexibilidade do que determinados tribunais nacionais, embora reservado seu direito de reconsiderar a questão durante as deliberações sobre o caso. Os julgamentos da corte freqüentemente contêm uma exposição detalhada do modo que a corte tratou as provas apresentadas pelas partes, considerando a natureza da prova e as circunstâncias do caso (v.g., Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua, Méritos, Conflito fronteiriço terrestre, insular e marítimo entre El Salvador e Honduras). Assim:

  • As questões de fato, nas quais freqüentemente não há divergência entre as partes, no geral são evidenciadas por provas documentais, as quais, normalmente, são formadas nas alegações. Findado o procedimento escrito, novos documentos só podem ser apresentados em circunstâncias excepcionais e somente se tal fato não causar demora ao processo. Normalmente devem ser depositadas 125 cópias destes novos documentos. O Escrivão dá vistas desses documentos a parte contrária a fim de que se manifeste a respeito. Se a manifestação for favorável, a Corte admitirá os novos documentos; caso contrário, decide-se e aceita-se somente um original "se considerar o documento necessário". As partes não podem mencionar nas audiências o conteúdo de nenhum documento novo ao qual a parte contrária não tenha pronto acesso através de uma publicação ou não tenha sido produzido conforme o acima previsto.
  • Na prática houve, relativamente, poucos exemplos na CIJ ou na CPIJ de prova oral por quaisquer testemunhas ou peritos (caso dos Direitos das minorias da Alta-Silésia, Templo de Preali Vihear (Tailândia/Camboja), Sudoeste Africano, Processo da Plataforma Continental (Tunísia/Líbia), Delimitação da fronteira marítima na região do Golfo do Maine, Plataforma Continental (Malta/Líbia), Atividades militares e paramilitares na Nicarágua, "Elletronica Sicula" (Estados Unidos vs. Itália)). Na oitiva das testemunhas ou peritos arrolados por qualquer uma das partes, a Corte, até agora, seguiu as linhas gerais dos procedimentos dos países da "Commom Law", sem considerar-se obrigada a nenhuma regra particular nesse sentido: inquirição pelos agentes das partes que arrolaram as testemunhas, seguida por uma reinquirição pelos representantes da outra parte, uma nova inquirição pelos primeiros e, então, respostas às possíveis perguntas do Presidente e dos Membros da Corte. Isso pode ocorrer, assim como nas alegações, em outro idioma que não o inglês ou o francês (por exemplo, no caso do Estreito de Corfu, e do Conflito fronteiriço territorial, marítimo e insular). A Corte tem a faculdade de chamar testemunhas, mas, até então, nunca o fez. Pode, finalmente, designar peritos para apresentar-lhe um relatório ( Usina de Chorzow, Estreito de Corfu), determinar uma investigação no local (Estreito de Corfu) ou ela própria proceder uma inspeção in loco (Desvio de águas do Meuse). No caso das Zonas Livres do Alto-Savoy e o Distrito de Gex e do Sudoeste Africano, a Corte rejeitou requerimento para esta última finalidade. As Câmaras constituídas pela Corte também tem esta faculdade; por exemplo, um perito foi designado pela Câmara formada no caso da Delimitação da fronteira marítima na região do Golfo do Maine, para ajudá-la a examinar os aspectos técnicos (entretanto, neste caso, a designação de um perito estava prevista no acordo especial); embora a mesma Câmara não tenha considerado necessário mandar que se realizasse uma investigação ou perícia no local.

Após a conclusão dos argumentos orais de cada parte, os consultores respondem ou terminam de responder às perguntas da Corte ou dos Juízes individualmente e os agentes das partes lêem suas conclusões finais, das quais entregam um texto assinado ao Escrivão. Ao fim da última audiência pública, o Presidente pede aos agentes que se mantenham à disposição da Corte. Às vezes as respostas a algumas perguntas podem ser enviadas por escrito à Corte e mais perguntas ainda podem ser colocadas por escrito. Tais perguntas e respostas serão devidamente comunicadas a cada Membro da Corte e a cada parte.

Exceções preliminares e outros incidentes no processo
O procedimento anteriormente descrito é o normal e sem incidentes perante o plenário da Corte. Devemos agora, entretanto, considerar certas questões envolvendo esse assunto, as quais, assim como nos tribunais nacionais, podem modificar o curso dos processos.

Exceções preliminares
O caso mais comum é aquele das exceções preliminares levantadas pelo Estado demandado quando o processo foi instituído por uma petição do demandante. Estas exceções tendem a impedir que a corte decida sobre o mérito do caso. Podem possuir diversos fundamentos: a incompetência da Corte ratione personae, incompetência ratione materiae (inexistência de um conflito jurídico atual e de caráter internacional), a sua incompetência ratione temporis (caducidade da vigência de um compromisso especial ou um tratado, fatos anteriores a vigência do compromisso de jurisdição obrigatória) e a ilegitimidade do demandante por lhe faltar interesse de agir). Uma exceção preliminar, versando sobre a incompetência do juiz ou sobre a inadmissibilidade do processo, será baseada numa das seguintes alegações:

  • Que falta jurisdição a Corte sob os termos da cláusula jurisdicional de um tratado, ou da declaração de aceitação da jurisdição obrigatória da Corte, sobre a qual o Estado demandante fundou seu pedido de submissão do caso perante a Corte. O Estado demandado pode, por exemplo, alegar que a declaração de aceitação ou o tratado são nulos ou não estão mais em vigor; que a disputa é anterior a data a partir da qual o tratado ou a declaração passaram a ter vigência; ou, então, que existe uma reserva quanto à declaração, v.g., uma reserva de competência nacional sobre o assunto, excluindo a disputa em questão da jurisdição da CIJ;
  • Ou o pedido é inadmissível por razões de ordem mais geral. Pode-se dizer que as disposições essenciais do Estatuto ou das Regras não foram observadas; que o conflito não existe, não tem mais qualquer objeto, funda-se em um direito não-existente ou não é da natureza legal do estabelecido no Estatuto; que a decisão seria sem efeito prático ou seria incompatível com o papel de uma corte; que o Estado demandante não tem legitimidade ativa, não tem interesse legal no caso, tampouco esgotou as possibilidades de negociações ou outro procedimento preliminar; nem, finalmente, que a parte privada a ser protegida não tem a nacionalidade do Estado demandante, e, ainda, não se esgotaram os recursos internos que lhe estavam disponíveis no país do demandado — alguns desses pontos podem, de acordo com o caso ou com algumas opiniões, ser objeto de exceção de incompetência. Os Tribunais Internacionais sempre adotaram uma atitude pragmática nesse assunto;
  • Ou que existam nesta fase preliminar outros fundamentos para que o processo não prossiga. Pode ser alegado que a disputa trazida perante a Corte envolve outros aspectos aos quais esta não esteja vinculada; que o demandante não mencionou perante a Corte certas partes cuja presença seria indispensável; que o demandante alega fatos circunscritos à competência de um órgão político das Nações Unidas; que alguns procedimentos de negociações não foram esgotados, etc.

A casos semelhantes cabe a Corte decidir a questão, porque tem jurisdição para decidir sobre sua jurisdição, "é juiz de sua própria competência". Como constante do artigo 36, parágrafo 6º, do Estatuto: "Qualquer controvérsia sobre a jurisdição da Corte será resolvida por decisão da própria Corte". O procedimento a ser seguido é definido no artigo 79 das Regras. Quando um Estado demandado desejar argüir uma exceção preliminar, deve fazê-lo por escrito dentro do prazo fixado para a entrega de seus contra memórias. O procedimento escrito é, então, suspenso quanto ao mérito, iniciando-se um procedimento escrito e oral nas exceções preliminares, um tipo de processo dentro do processo, constituindo uma fase distinta do caso. Uma Ordem é dada para se fixar o prazo dentro do qual o Estado demandante deve relatar suas observações escritas e conclusões, em outras palavras, sua resposta às exceções. Abre-se, então, uma série de audiências públicas, similares às descritas acima, entretanto mais curtas, limitadas às questões levantadas nas exceções preliminares. A CIJ delibera e depois profere uma decisão de acordo com seu método usual. Há três soluções, e três somente:

  • a Corte acolherá pelo menos um das exceções preliminares e o processo, então, se extingui, mesmo significando a possibilidade de um novo exame se o fundamento da exceção preliminar apontada não mais existir (o recurso interno foi esgotado, mas em vão, por exemplo);
  • A Corte rejeita as exceções preliminares e o processo, no mérito, começa novamente do ponto em que foi suspenso; o demandado, então, será chamado a entregar seu contra memória dentro de um certo tempo;
  • A Corte declarará que as exceções preliminares não possuem um caráter exclusivamente preliminar e o processo reinicia-se a fim de permitir que todas as questões colocadas perante a Corte sejam decididas.

Este diagrama é susceptível de variações, as quais não afetam a sua ordem geral, como abaixo exemplificado:

  • O Estado demandado retira sua exceção preliminar (Direitos dos Nacionais dos Estados Unidos da América no Marrocos).
  • Estado demandado contesta a jurisdição da Corte ou a admissibilidade das reivindicações nas alegações escritas ou nas argumentações orais, porém não o faz por meio de uma exceção preliminar formal; a Corte, se necessário, examinará tal questão em seu julgamento (Direitos das minorias na Alta-Silésia, Nottebohm, Apelo relacionado à competência do conselho de ICAO, Elletronica Sicula (entre Estados Unidos e Itália), Timor Leste (Portugal vs. Austrália)).
  • A Corte, por iniciativa própria, considera uma questão preliminar que não tenha sido objeto de exceção formal (Empréstimos sérvios, Administração do Príncipe von Pless, Sudoeste Africano, Testes Nucleares, Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã).
  • As partes, por acordo, requerem à Corte que as exceções preliminares sejam juntadas às de mérito, sendo a CIJ obrigada a acatar (Empréstimos noruegueses). Antes da revisão das Regras de 1972, a Corte tinha a faculdade de decidir antecipadamente sobre a juntada das exceções preliminares aos méritos (Administração do Príncipe von Pless, Pajzs, Csaky, Esterhazy, Losinger, Ferrovia de Panevezys-Saldutiskis, Direito de passagem sobre território indiano, Barcelona Traction), mas uma das principais emendas trazidas às Regras pela CIJ, colocou fim a esta possibilidade. Considerando que não tem a faculdade de juntar uma exceção preliminar aos méritos, a Corte declarou, em certa ocasião, que uma reserva relacionada a tratados multilaterais, acompanhada de uma declaração de aceitação obrigatória de sua jurisdição, não tinha, nas circunstâncias do caso, caráter exclusivamente preliminar, acabando por decidir sobre tal questão na fase de mérito (Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua).
  • O Estado demandante argúi uma exceção preliminar dentro do prazo colocado para a apresentação de seus memoriais: é tratada, então, exatamente como uma exceção apresentada pelo Estado demandado. Esta última hipótese pode se dar quando o Estado demandante procura proteger os direitos de um terceiro Estado, os quais poderiam ser comprometidos pela decisão (Ouro monetário depositado em Roma).

Com a dissolução da CPIJ, as exceções preliminares ficaram mais freqüentes e, proporcionalmente, uma quantidade maior delas foram aceitas. Há críticas à Corte a respeito desse assunto, pois esse caminho expressaria uma união de formalismo e timidez: mas isto é esquecer-se que a CIJ, cuja jurisdição não é obrigatório nem universal, tem que ter um cuidado especial a fim de não exceder os limites colocados pelos governos, e que as exceções preliminares constituem uma garantia jurídica essencial oferecida por todos os sistemas processuais. Desde 1946, exceções preliminares foram formalmente argüidas em 25 casos, sendo aceitas em dois terços deles. Até mesmo quando rejeitadas, tiveram sucesso em protelar a decisão do caso em mais de um ano. Sem ser formalmente obrigada por exceções preliminares, em alguns casos a Corte teve que lidar com questões de jurisdição e admissibilidade (em sete desses casos uma das partes não se apresentou perante a Corte).

A Corte, até 1984, num total de 36 argüições de exceção preliminares, absteve-se de analisar a questão de mérito em 14 casos (um total próximo de 40 %). Na realidade, várias dessas interpelações possuíam um objetivo político e não tinham a mínima chance de ser acolhidas. Entre 1985 e 1991, dos nove processos levados à Corte, destaca-se somente a inadmissibilidade de um pedido de revisão de julgamento (Plataforma Continental Tunísia-Líbia) e de dois pedidos para a indicação de medidas cautelares (Guiné Bissau vs. Senegal e Finlândia vs. Dinamarca).

A revelia
Alguns sistemas jurídicos, no caso da recusa do réu em comparecer perante o Tribunal, dão como verdadeiras as alegações do autor, sem que para isso se exijam provas. Entretanto, como lida com Estados soberanos, a Corte não pode adotar tal comportamento sem garantir que a decisão será proferida tomando-se todas as precauções cabíveis.

O Estatuto também prevê casos onde o Estado demandado não comparece perante a Corte, ou porque recusa, com fundamento ou não, totalmente a jurisdição da Corte, ou por qualquer outro motivo (Art. 53). A revelia de uma das partes não impede o processo de seguir seu curso, o que não só está de acordo com o Estatuto mas também com o princípio da isonomia das partes, em virtude de que uma parte não deve ser penalizada por causa da atitude da outra. Mas, num caso desta natureza, a Corte deve assegurar-se de que tem competência, levando-se em conta todas as considerações pertinentes. Se concluir positivamente, deve examinar o mérito das questões de fato e de direito, certificando-se que a pretensão é bem fundada. Desta forma, os procedimentos orais e os escritos prosseguem, nos quais o Estado demandante participa, e a Corte então profere seu julgamento do modo normal. A CPIJ nunca teve a oportunidade de declara a revelia, em contrapartida na CIJ, em alguns casos a revelia ocorreu em todas as etapas do processo (Competência em matéria de pescas (entre Reino Unido, RFA e Islândia), Testes Nucleares, Plataforma Continental do Mar de Egeu, Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã). Em outros casos a revelia só ocorreu durante certas fases (Estreito de Corfu, Avaliação da quantia de indenização; Anglo-Iranian Oil Co., Proteção interina; Nottebohm, Exceções preliminares; Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua, Méritos, Formas e quantia da indenização). Às vezes a revelia foi seguida pela desistência do Estado demandante, por uma razão ou outra, interrompendo o processo (Denúncia do Tratado de 2 de novembro de 1865 entre China e Bélgica, Reforma agrária polonesa e minoria alemã, Companhia de Eletricidade de Sófia e Bulgária, Julgamento dos prisioneiros de guerra paquistaneses). Este tipo de desistência também pode não se relacionar a todo o caso, mas a questões que a Corte tenha deixado para posterior exame, tal como a determinação da quantia da indenização (Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua). Quanto a esse aspecto, o procedimento na CIJ também diferencia-se dos adotados em alguns sistemas jurídicos nacionais, pois no caso do Estado revel ser condenado, não pode, em princípio, opor-se à decisão.

Medidas cautelares
Se a qualquer momento entender que os direitos que formam o objeto de seu pedido estão em perigo imediato, o Estado demandante pode pedir que a Corte indique, a título temporário, medidas cautelares. Se necessário for, o Presidente então pode chamar as partes a fim de que cessem qualquer atividade que possa impedir a efetividade de qualquer decisão, podendo tomar medidas cautelares para garantir os efeitos desejados (v.g., Administração do Príncipe von Pless, Companhia de Eletricidade de Sófia e Bulgária, Anglo-Iranian Oil Co., Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua, Aplicação da Convenção de Prevenção e Punição do Crime de Genocídio). Em todos os eventos, um procedimento sumário é instaurado, tendo prioridade sobre todos os demais, para colher a manifestação das partes. Constituem uma fase separada do caso e em geral uma decisão é proferida dentro de três a quatro semanas. A decisão da Corte é pronunciada por via de Ordem, a qual é lida pelo Presidente numa audiência pública. Pode dar uma resposta negativa (Usina de Chorzow, Estado legal do território do sudeste da Groelândia, Reforma agrária polonesa e minoria alemã, Interhandel, Julgamento dos prisioneiros de guerra paquistaneses, Plataforma Continental do Mar Egeu, Arbitragem de 31 de julho de 1989, Passagem pelo Great Belt, Questões de Interpretação e Aplicação da Convenção de Montreal de 1971 surgidas no acidente aéreo em Lockerbie (Líbia vs. Reino unido) (Líbia vs. Estados Unidos de América)). Já nesta fase do processo o Estado demandado pode contestar a competência da Corte ou não se apresentar, neste caso a Corte normalmente indicará medidas cautelares a menos que manifestamente lhe falte competência (Denúncia do Tratado de 2 de novembro de 1865 entre China e Bélgica, Companhia de Eletricidade de Sófia e Bulgária, Anglo-Iranian Oil Co., Competência em matéria de pescas (Reino Unido, RFA e Islândia), Testes Nucleares, Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, Atividades Militares contra a Nicarágua (Estados Unidos e Nicarágua)). As câmaras constituídas pela Corte também podem indicar medidas cautelares, e isto foi feito com uma particular rapidez no caso referente ao Conflito fronteiriço entre Burquina Faso e o Mali. A Corte também pode indicar medidas cautelares a pedido do Estado demandado ou por iniciativa própria, mas nunca o fez até então.

Reunião de processos
Se a Corte constatar que partes distintas apresentam os mesmos argumentos e chegam às mesmas conclusões, contra um mesmo adversário em relação a questões mais ou menos idênticas, pode mandar reunir os processos. Neste caso, às partes será permitido designar somente um único juiz ad hoc, quando tal designação for permitida, e submeterão em conjunto suas alegações escritas e argumentos orais. Somente uma única decisão será entregue. A Corte também pode, sem operar qualquer reunião formal, ordenar uma ação comum direta a respeito de qualquer aspecto do processo. A CPIJ reuniu os processos nos casos Direitos das minorias na Alta-Silésia, Estado legal do território do sudeste da Groelândia e Apelação contra certos julgamentos do Tribunal Arbitral associados ao caso Húngaro/Tcheco-eslovaco. A CIJ reuniu os processos no caso do Sudoeste Africano e Plataforma Continental do Mar do Norte, mas não o fez no caso do Acidente Aéreo de 27 de julho de 1955. Nos casos da Competência em matéria de pescas (Reino Unido/RFA/Islândia), dos Testes Nucleares e das Questões de Interpretação e Aplicação da Convenção de Montreal de 1971 surgidas no acidente aéreo em Lockerbie (Líbia vs. Reino Unido) (Líbia vs. Estados Unidos de América), os processos prosseguiram — e ainda prosseguem no último caso - em paralelo e decisões similares foram proferidas no mesmo dia. Nos casos da Competência em matéria de pescas (Reino Unido/RFA/Islândia), um dos Estados demandantes tinha um juiz de sua nacionalidade como Membro da Corte, mas os demais não tinham nem um juiz de sua nacionalidade nem um juiz ad hoc; no caso dos Testes Nucleares os dois Estados demandantes designaram o mesmo juiz ad hoc.

Intervenção
Como num tribunal nacional, admite-se no processo a intervenção de uma terceira parte, inicialmente não integrante do litígio, conforme previsto nos artigos 62 e 63 do Estatuto e nos artigos 81 e 82 das Regras da Corte.
Um terceiro Estado pode pedir permissão para intervir no processo se considerar que tenha um interesse jurídico o qual possa ser afetado pela decisão no caso. Cabe a Corte decidir sobre esse pedido (art. 62 do Estatuto). Foram depositados pedidos para permissão de intervenção em vários casos (Testes Nucleares, Plataforma Continental Tunísia-Líbia, Plataforma Continental Líbia-Malta, Pedido para exame da situação, de acordo com o parágrafo 63 da decisão da Corte de 20 de dezembro de 1974 nos Testes Nucleares (Nova Zelândia vs. França)), mas a CIJ rejeitou a maioria destes pedidos, por faltar legítimo interesse jurídico por parte dos Estados na questão. Somente no caso Conflito fronteiriço terrestre, insular e marítimo entre El Salvador/Honduras uma câmara da Corte deferiu, dentro dos limites que especificou, o pedido de intervenção de um Estado — neste caso a Nicarágua.

Se a disputa se relaciona a interpretação de uma convenção em que o terceiro Estado foi parte, este também tem direito de intervir no processo (art. 63 do Estatuto). Foram depositados alguns pedidos de intervenção com este propósito (Vapor "Wimbledon", Haya de la Torre, Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua, Pedido para exame da situação, de acordo com o parágrafo 63 da decisão da Corte de 20 de dezembro de 1974 nos Testes Nucleares (Nova Zelândia vs. França)). Entretanto, estará igualmente obrigado a interpretação proferida na decisão da Corte (art. 63 do Estatuto, segunda parte).

O stoppel
Uma particularidade da instância arbitral, originada da prática técnico-jurídica anglo-saxônica, e adotada em matéria de prova na prática processual da CIJ é o stoppel. No quadro das exceções preliminares, consiste na oposição que uma parte faz a outra em relação a contradição desta a algo que havia admitido anteriormente. Conforme Guggenheim, "é uma exceção de não-admissibilidade oponível a toda a alegação que, se bem que possa ser conforme à realidade dos fatos, não é menos inadmissível porque contrária a uma atitude anteriormente adotada pela parte que a apresenta".

No caso das Atividades Militares na Nicarágua o stoppel foi argüido pelos Estados Unidos, tendo a Corte rejeitado este argumento, lembrando que não basta que um Estado tenha aceito de uma maneira clara e constante um regime jurídico ou um princípio, tornando-se ainda mais necessário que o seu comportamento tenha levado "um outro ou outros Estados, fundamentados nesta atitude, a modificar a sua posição em seu prejuízo ou a sofrer um prejuízo" .

Retirada de um processo da lista da Corte
Havendo uma decisão final definitiva do caso, com a emissão da sentença pela Corte, ou ocorrendo a desistência do Estado demandante sem objeções do Estado argüido, chega-se ao final do processo contencioso. A retirada do demandante não impede, obrigatoriamente, que o caso possa ser reapresentado perante a Corte, mais notadamente quando a desistência não se traduza numa renúncia definitiva ao pedido inicial (v.g., caso Barcelona Traction).

6. A Decisão

Há três maneiras de se encerrar um caso apresentado perante a Corte

  • Um acordo entre as partes: em qualquer estágio dos procedimentos, as partes podem informar ao Tribunal que chegaram a um acordo e a Corte ou seu Presidente ordenarão a retirada do caso da Lista da Corte;
  • Desistência: o demandante declara, a qualquer momento, que não mais quer continuar o procedimento ou as duas partes concordam em desistir do caso. A Corte ordena a retirada do caso de sua Lista (por exemplo, A declaração do tratado sino-belga de 2 de novembro de 1865 e a no caso da Administração do príncipe von Pless). Pode ser que a desistência se relacione a um só assunto da disputa, não resolvido em uma fase anterior e remanesça ainda pendente. Isso ocorreu, por o exemplo, na determinação da quantia de indenização no caso do Pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos em Teheran e das Atividades militares e paramilitares na Nicarágua. Dois casos na CPIJ terminaram em desistência explícita ou implícita por causa da Segunda Guerra Mundial (Companhia de eletricidade de Sófia e da Bulgária e Gerliczy) .
  • Julgamento: a corte profere uma decisão que põe fim ao caso pela aceitação de uma exceção preliminar ou por uma decisão de mérito. É esta solução pelo julgamento, o modo mais habitual do encerramento de um caso, que será examinada em detalhes neste capítulo.

A deliberação da Corte
Uma vez que os litigantes terminam suas alegações, remanesce para a Corte elaborar sua decisão e torná-la conhecida, de maneira a inspirar confiança geral na boa administração da justiça internacional. Considerando que a Corte é composta de juristas que vêm de diferentes formações, as deliberações do Tribunal devem ser organizadas para permitir que todos os membros tenham a mesma oportunidade para participar da decisão. Para se alcançar um consenso tão amplo quanto possível dentro de tão divergente corpo, é necessária a busca progressiva de um processo decisório que reflita o esforço em comum. Também o sistema de se designar um determinado juiz para agir como Relator e preparar um relatório do caso para os demais colegas, testado no começo pelo CPIJ, foi abandonado rapidamente.

A Corte gradualmente desenvolveu um método, o qual deveria ser codificado e tornado público. Para esta finalidade, foi definida uma resolução para a prática judicial interna, cuja primeira versão surgiu em 1931, a segunda em 1936 (e continuou em vigor em 1946), a terceira em 1968 e, a mais recente, em 1976. É aconselhável, entretanto, anotar que a corte se reservou ao direito de desviar das determinações de sua prática judicial interna em um determinado caso, se for necessário, e que não é costume da Corte revelar como aplica exatamente tal resolução, por exemplo, como acelera determinadas fases, encurtando-as onde for necessário. De certo que a primeira regra sobre as deliberações da Corte e que elas são secretas. Esse princípio, geralmente aceito nos sistemas legais e praticado em todas as arbitragens internacionais, assegura a liberdade e a eficácia dos debates.

Nos termos da resolução de 1976, as deliberações têm geralmente cinco fases, as quais na média, demoram três meses:

  • Após a última audiência pública, os membros da Corte têm pouco tempo para o estudo das alegações das partes, a seguir debatem suas opiniões preliminares. O presidente, por escrito, expõe os assuntos que entender passíveis de uma decisão e os demais membros podem dar suas próprias sugestões a esse respeito.
  • Nas audiências secretas para se deliberar sobre o caso os juízes se reúnem em um comitê, ou mais precisamente na câmara do conselho (ou de deliberação), em uma sala do Palácio da Paz. Só estão presentes com os juízes o Escrivão e alguns funcionários do Cartório encarregados dos serviços das audiências e traduções. A minuta dessas deliberações, as quais não são destinadas ao público, limitam-se a indicar a data, as pessoas presentes e o objeto dos debates, sem dar maiores comentários.
  • Cada juiz tem várias semanas para preparar as notas escritas que expressam a sua opinião preliminar aos questionamentos postos pelo Presidente ou por qualquer outro membro e na solução a ser dada ao caso. Estas notas, escritas em francês ou traduzidas para o inglês pelo Escrivão, são distribuídas a todos os juízes que compõem a Corte e participam para o caso em questão. Permite-se, assim, que os membros da Corte tenham uma primeira idéia da opinião da maioria provavelmente se formará entre eles. Tais notas são estritamente reservadas para uso dos juízes. Depois, ao final do caso, elas são destruídas pelo Escrivão.
  • Depois de serem examinadas as notas escritas, as deliberações dos Membros da Corte podem se estender por várias sessões, onde os juízes expressam oralmente suas opiniões, na ordem inversa de antigüidade, isto é, começando com qualquer juiz ad hoc e terminando pelo Vice-presidente e o Presidente. Eles respondem as questões colocadas uns para os outros. O sentido da decisão a ser proferida e a composição da fatura maioria torna-se mais clara, embora, normalmente, nenhum voto é decidido sobre qualquer ponto específico. Ao fim desta deliberação, é formado um grupo redator de três juízes é constituído. Dois dos redatores são eleitos, por votação secreta, dentre os juízes cuja opinião pessoal provou ser a mais próxima da maioria provisória e o terçeiro é automaticamente o Presidente ou, se a opinião dele estiver de acordo com a da minoria provisória, o Vice-presidente; caso ambos fizerem parte da minoria provisória, o terceiro componente da comissão de redatores também será eleito como os outros dois.
  • A comissão de redatores prepara um esboço do julgamento em inglês e francês — com a ajuda do Escrivão para a introdução do julgamento que resume o procedimento, traduções para outros idiomas e a verificação de elementos de fato. O esboço que tem o mesmo caráter secreto das notas escritas, é transmitido aos juízes. Este tem um curto período para fazer sugestões escritas de emendas de fundo e de forma relativas aos textos em inglês ou francês ou qualquer discrepância entre os textos nos dois idiomas. A comissão de redatores analisará se aceita ou não tais emendas num novo esboço. A Corte realizará uma primeira leitura desse esboço, o qual será discutido em várias sessões privadas: cada parágrafo é lido em voz alta nos dois idiomas, e, depois de discutido, será mantido, modificado ou remetido de volta à comissão de redatores. Por fim, um esboço do julgamento emendado é distribuído aos Membros da Corte, sendo realizada uma segunda leitura, mais curta, página a página, sendo adotado com ou sem modificações.
  • Ao término da segunda leitura, é dado um voto final a respeito das respostas propostas pelo esboço do julgamento em relação às alegações das partes. Cada Membro da Corte oralmente vota "sim" ou "não", em ordem inversa de sua antigüidade. Toda a decisão é tomada pela maioria absoluta dos juízes presentes. Nenhuma abstenção é permitida em qualquer ponto a ser votado. Um juiz que não assistiu a parte do procedimento oral ou às deliberações, entretanto sem perder nada de essencial, pode ser admitido à votação. Se um juiz pode expressar seu voto e queira faze-lo, porém esta fisicamente incapacitado de comparecer a sessão, podem ser tomadas medidas para permitir sua participação, inclusive através de correspondência. Em caso de empate, o que pode acontecer quando há um juiz ad hoc ou quando um Membro regular não vota, o Presidente ou o Membro que o substitua tem um voto de desempate (a exemplo do caso Lótus ou do Sudoeste africano). O resultado da votação é consignado na minuta.

A sentença
A sentença é composta como um documento bilíngüe, cujas duas versões apresentam-se em páginas opostas, num tamanho médio de cerca de cinqüenta páginas em cada idioma (até agora houve o mínimo de dez e o máximo de duzentas e setenta e uma páginas). O estilo empreendido pela Corte em seus julgamentos é tão simples quanto a natureza das questões permitir. Conforme a prática do direito internacional, o vocabulário evita palavras ou frases muito particulares para qualquer sistema de direito. O texto é dividido em parágrafos que são numerados desde 1966. Subtítulos, usados originalmente, tornaram-se muito raros (caso Barcelona Traction e Disputa da plataforma terrestre, insular e marítima). A CPIJ e a CIJ seguiram a prática da maioria dos países que adotam a Civil Law, dividindo seu julgamento em três partes principais:

  • Uma introdução que nomeia os juízes e os representantes dos litigantes, resumindo todo o processo, sem comentários e expondo as alegações das partes;
  • Os fundamentos de fato e de direito a motivar a decisão da Corte, discutindo-se os argumentos das partes de forma cuidadosa e equilibrada;
  • o dispositivo que, depois das palavras «Por estes motivos», dá a decisão da Corte à demanda que lhe foi submetida, conforme o pedido das partes em suas alegações ou num acordo especial.

Após a Corte proferir o voto final na parte dispositiva, imediatamente serão consignadas duas decisões: em qual dos dois idiomas em que o julgamento foi proferido, francês ou inglês, será a versão autêntica e quando o julgamento será proferido.

  • O texto que terá fé (versão autêntica) ocupará as páginas da esquerda. Se todo o procedimento desenvolver-se, por acordo entre as partes ou por força das circunstâncias, somente em um dos dois idiomas oficiais, está será mantido como versão autentica; caso contrário, a escolha depende da decisão da Corte. De qualquer maneira os dois textos se apresentam como proferidos pela Corte.
  • A julgamento é oficialmente datado do dia do pronunciamento, isto ocorrerá só algum tempo depois de sua aprovação final, a fim de se permitir ao Escrivão notificar os agentes das partes, convidar os representantes da imprensa e o público, e preparar uma cópia provisória do julgamento, previamente impressa (atualmente em duas vias). Durante este breve período intermediário, a decisão da Corte não é comunicada a ninguém, nem para a Secretaria da ONU, nem às partes. A CPIJ não acatou um pedido feito pelas partes, a esse respeito, num acordo especial, para que fossem comunicadas oficiosamente da decisão entre o fim das deliberações secretas e o pronunciamento do julgamento (caso das Zonas livres do Alto Savoy e o do Distrito de Gex). Nesse sentido, a CIJ achou-se obrigada a recordar que seria incompatível com uma boa administração da justiça fazer, distribuir ou publicar declarações deixando antever a decisão da Corte (caso dos Testes nucleares).

Ao contrário da prática dos tribunais arbitrais internacionais, o pronunciamento de um julgamento da CIJ é feito com o máximo de publicidade. O pronunciamento acontece em público, no Grande Salão de Justiça do Palácio da Paz. Os juízes que participaram da decisão estão presentes; se houver ausentes, por sérios motivos, um quórum de nove presentes deve ser alcançado. O Presidente faz a leitura do julgamento, com exceção do relatório dos procedimentos, em um dos dois idiomas oficiais. No momento da leitura, os agentes das partes recebem cada um uma cópia provisória do julgamento, assinada pelo Presidente e pelo Escrivão, lacradas com o selo da Corte; estas duas cópias, junto com uma terceira, também assinada e selada, são depositadas nos arquivos da Corte, constituindo cópias oficiais do julgamento. Pode ocorrer, em razão da extensão do julgamento, do Presidente não lê-lo totalmente. Em tal caso, indica as passagens omitidas, dando um breve resumo delas. Quando o Presidente terminar, o Escrivão lê a tradução da parte dispositiva e o texto escrito é distribuído aos jornalistas presentes, junto com um boletim de imprensa de algumas páginas que resume o julgamento em ambos os idiomas. Este boletim de imprensa, preparado pelo Escrivão, não compromete a responsabilidade da Corte. É enviado através do serviço postal a muitos destinatários e por meios mais rápidos ao Serviço de informação da Secretaria da ONU. O Secretário Geral também é informado da decisão.

Em geral, dentro de algumas semanas, o julgamento é publicado, de forma impressa, em fascículo do Reports of Judgments, Advisory Opinions and Orders (Relatórios de Julgamentos, Pareceres Consultivos e Ordens), sendo cópias enviadas pelo Escrivão a governos de Estados que aceitaram a jurisdição da Corte, sendo, ainda, posto à venda ao público. Se por qualquer motivo houver necessidade, o Escrivão envia a governos dos Estados mencionados cópias provisórias do julgamento antes de lhes enviar as cópias impressas. Depois disso, para que todos os interessados no caso possam ser informados sobre a natureza, origem dos fatos e argumentos que fundamentaram a decisão da Corte, todos os documentos relativos ao caso são impressos e publicados na série dos Pleadings, Oral Arguments, Documents (Alegações, Argumentos Orais e Documentos). Este volume conterá, só em idioma original, as alegações das partes na fase escrita, os registros gravados nas audiências públicas, os documentos novos ou adicionais apresentados pelas partes e as correspondências principais trocadas durante o procedimento entre os representantes e o Escrivão, como, em princípio, os anexos desses vários documentos.

Opiniões separadas e divergentes
O Regulamento revisado de 1978 estipula que o dispositivo de todo julgamento indicará o número e nomes dos juízes que constituem a maioria. Está é uma inovação radical. Até então, julgamentos formais só indicavam o número de juízes e o número relativo aos votos da maioria e da minoria, quantos foram os "sim" e quanto foi os "não", sem especificar quem votou de um ou de outro modo. Certamente o Estatuto sempre admitiu o princípio da publicidade, podendo os Membros da Corte individualmente apresentarem suas opiniões, se assim desejarem, entretanto alguns juízes nunca o fizeram. Às vezes, no passado, tornou-se impossível no julgamento saber de qual maneira cada juiz votou (exemplos de casos: Direito de Passagem em Território Indiano, Barcelona Traction e Testes Nucleares). Se a parte dispositiva estiver composta de vários pontos, o voto separado é admitido.

As opiniões dos juízes podem tomar várias formas:

  • uma opinião divergente expressa razões pelas quais um juiz discordou, num ou em vários pontos, com a decisão tomada pela Corte, por exemplo, com o dispositivo do julgamento e o raciocínio usado, votando então contra a decisão inteira ou contra parágrafos essenciais do dispositivo, segundo o dissidente;
  • uma opinião em separado é emana pelo juiz que votou a favor da decisão da Corte, em relação ao julgamento inteiro ou a parágrafos do dispositivo, os quais considerou essenciais, mas discordou com todos ou alguns dos argumentos da Corte, ou fundamentou sua opinião em argumentos diferentes ou razões adicionais; pode haver até mesmo algumas opiniões separadas em casos onde a decisão é unânime, a exemplo do caso Plataforma Continental (Tunísia/Líbia);
  • uma declaração normalmente é uma indicação breve do consentimento ou dissensão de um juiz.

Como uma opinião pode ser divergente em certos pontos e separada em outros, ela será nomeada pelo próprio autor. O assunto é de pouca importância, só tendo relevância particular quando a parte dispositiva da sentença consistir em vários parágrafos, nos quais votos separados foram tomados. Uma opinião pode ser apresentada em comum por vários Membros da Corte. Os juízes que desejarem apresentar suas opiniões terão oportunidade de faze-lo entre o fim da leitura do primeiro esboço do julgamento e o início do segundo, de modo que a comissão de redatores possa ter conhecimento dessas opiniões antes da elaboração do projeto final do julgamento a ser submetido à Corte para adoção final. Declarações e opiniões são reproduzidas no texto original após cada julgamento, acompanhadas da tradução feita pelo Escrivão.

As opiniões em separadas precedem as opiniões divergentes e dentro de cada categoria eles são apresentados de acordo com a ordem de antigüidade dos autores. As declarações são incluídas antes das opiniões. Nas cópias oficiais da sentença, as opiniões e as declarações levam a assinatura dos respectivos autores. Geralmente considera-se que os juízes devam se limitar a pontos abordados no voto da maioria e têm que manter uma certa moderação. A oportunidade de aplicar no nível internacional uma instituição que alguns sistemas legais desconhecem foi afastada. A probabilidade de que tal medida reforce ou debilite a autoridade e coesão da Corte foi debatida, e ainda hoje a maneira pela qual o sistema funciona causa críticas. O fato é que muitos consideram isso como uma garantia essencial de liberdade de expressão e da boa administração da justiça.

Às vezes os juízes juntam à "Ordem da Corte" votos separados e divergentes, indicando medidas a serem tomadas, registrando uma descontinuidade nos procedimentos, a fim de que se decida se o caso será devolvido ao Tribunal Plenário ou a uma Câmara da Corte constituída para tratar de assuntos processuais, como, por exemplo, a formação de uma Câmara com a apresentação pelas partes de outras alegações, formando-se um novo procedimento (em razão da complexidade do caso). A esse respeito a Corte teve a oportunidade acentuar que:

"um liame indissolúvel existe entre a decisão e as opiniões individuais, divergentes ou não, apresentadas pelos juízes separadamente. A instituição da opinião em separado tem sido entendida como essencial, ao dar aos juízes a possibilidade para explicarem seus votos. Em casos tão complexos quanto esses geralmente tratados pela Corte, nos quais o dispositivo da sentença inclui parágrafos às vezes divididos em vários assuntos interligados, em cada um dos quais um voto é dado, um simples voto afirmativo ou negativo de um juiz pode fazer incitar conjetura errônea, o que o seu direito, estabelecido no Estatuto da Corte, de apresentar uma opinião separada, pode evitar ou retificar...As opiniões apresentadas não só elaboram ou desafiam a decisão, mas o raciocínio da própria decisão: reexaminada levando-se em conta as opiniões individuais, não se pode apreciá-la completamente isolada delas" (documento da assembléia A/41/591/Add.1 geral de 5 de dezembro de 1986, apêndice de II).

O julgamento é obrigatório entre partes
Entre as partes envolvidas no caso uma decisão da Corte é obrigatória, definitiva e sem recurso. Este princípio se aplica a todos os julgamentos, emanados do Tribunal plenário ou de uma Câmara, se apresentados diretamente à CIJ ou atraídos de um outro órgão, indicando a solução da disputa ou os princípios aplicáveis (a exemplo do caso da Plataforma Continental do Mar de Norte), contendo ou não acordos financeiros: condenação ao pagamento de despesas (não há exemplos) ou indenizações (caso do Estreito de Corfu). A CPIJ e a CIJ sempre consideraram que seria incompatível com o espírito e a carta do Estatuto e com o decoro judicial proferir um julgamento cuja validade estivesse subordina a aprovação ulterior das partes, ou que não tivesse nenhuma conseqüência prática a atingir os direitos e obrigações destas.

Ao assinar a Carta, um Estado-membro das Nações Unidas obriga-se se conformar com qualquer decisão da CIJ em todo o litígio para o caso em que for parte. Os outros Estados admitiram a mesma obrigação aderindo ao Estatuto ou depositando uma declaração nesse sentido com o Escrivão. Como, além disso, um caso só pode ser submetido à Corte e decidido por ela se as partes aceitaram, de uma maneira ou de outra, sua jurisdição, é raro que uma decisão permaneça sem execução. Realmente, Estados que concordam de uma maneira geral com a jurisdição da Corte estão prontos a obedecer a suas decisões, e os que prevêem a possibilidade de não estarem preparados a cumpri-las, evitam reconhecer sua jurisdição com antecedência. Um Estado — membro da ONU ou não — reclamando que o adversário dele não satisfez as obrigações resultantes de um julgamento, pode se dirigir ao Conselho de Segurança, o qual tem o poder para recomendar ou decidir sobre medidas para executar a decisão (artigo 94 da Carta da ONU).

Como uma decisão da CIJ só afeta direitos e interesses legais das partes, e isto somente no caso em particular, resulta que a regra da "autoridade obrigatória dos precedentes", aplicada em países da Common Law, não existe no direito internacional. E não seria razoável supor que, quando o CIJ decidisse um caso, ele precisaria de alguns motivos relevantes para adotar outro ponto de vista, enquanto levando-se em conta, por exemplo, o progresso e o desenvolvimento do direito internacional. Além disso, a Corte cita, freqüentemente, em defesa de seu raciocínio, pronunciamentos seus ou de sua antecessora, tendo, entretanto, cuidado para limitar qualquer expressão que indicasse estar vinculada a esses pronunciamentos. Mantém, assim, uma certa constância em suas decisões. Desta forma também pode influenciar a conduta dos Estados em questões já ventiladas no Tribunal. Estados também poderão derivar sua conduta inspirados por um princípio colocado pela Corte (por exemplo o método norueguês de delimitação territorial de águas no caso do Pescado), a qual poderá ver-se obrigada a aplicar um costume internacional, para cuja origem contribuiu. Em resumo, uma decisão da Corte não decide simplesmente uma disputa internacional, contudo, inevitavelmente, contribui para o desenvolvimento do direito internacional. A CIJ está completamente consciente de tal fato, considerando esses dois objetivos na concepção e redação de suas decisões.

A meta final da Corte é, onde há um conflito, abrir o caminho à harmonia internacional. O mero fato de se trazer um conflito, ou de qualquer modo seus aspectos legais, para a Corte já se constitui um passo para a pacificação. Normalmente o decorrer do tempo e a discrição que cerca o início dos procedimentos contribuirão para uma atmosfera mais tranqüila, de modo que os governos podem esperar, seja qual for a decisão da Corte, que a disputa entre eles chegue numa conclusão honrosa. Entretanto, o simples fato do caso ter sido submetido à Corte, indica que o resultado não pode ser previsto claramente e que bons argumentos existem dos dois lados. Como é natural, cada parte esta convencida da justiça de seus argumentos e vê na Corte a esperança de se alcançar tal justiça. Embora tomando as precauções para poupar possíveis sentimentos de perdedor, seria impossível à CIJ satisfazer a todos, ainda mais para favorecer qualquer uma da parte. Deveras, isso é inerente ao papel de qualquer tribunal.

Possibilidade de intervenção
Uma decisão da Corte não tem qualquer efeito sobre outras disputas diferentes da que julga, nem para outros Estados que não os litigantes (artigo 59 do Estatuto da Corte). Porém pode acontecer de uma decisão, embora não vinculando diretamente um terceiro Estado, afete seus interesses. Assim, a interpretação de uma convenção multilateral pela Corte não poderia ser completamente ignorada pelos demais Estados signatários diferentes da parte presentes à Corte. A CIJ estabeleceu um limite nesse assunto, recusando pronunciar-se nos méritos em dois casos nos quais sua decisão afetaria os interesses legais de um terceiro Estado (no caso do Ouro monetário removido de Roma em 1943, e do Timor Leste (Portugal c. Austrália)).

Alguns Estados dispuseram, quando da aceitação da jurisdição obrigatória, que esta não se estendia às disputas relativas a tratados multilaterais, a menos que todos os signatários fossem parte no procedimento.

Além disso, é previsto pelo Estatuto que, quando um negócio colocar em jogo a interpretação de uma convenção multilateral na qual outros Estados, que não os litigantes, são partícepes, o Escrivão deverá notificá-los, podendo eles intervir nos procedimentos. Mesmo sem a notificação do Escrivão, a intervenção pode ser feita, embora devesse ser arquivada antes da abertura da fase oral do procedimento principal. A interpretação da convenção contida na possível decisão é obrigatória às partes intervenientes.

O Estatuto da Corte também prevê a possibilidade de um Estado intervir numa disputa entre outros estados além dessa forma de intervenção, para prevenir possíveis efeitos de uma decisão, na qual não participou, quando considerar que possua um interesse de natureza legal que pode ser afetado pela disputa entre as partes. Qualquer terceiro Estado interessado tem a faculdade para pedir a intervenção, devendo este pedido, em regra, ser apresentado antes da fase escrita do procedimento principal.

Interpretação e revisão do julgamento
Se o Tribunal teve competência para proferir um julgamento, o mesmo se dera com a interpretação e revisão da decisão:

  • Uma interpretação pode ser dada, a pedido de qualquer uma das partes, quando há divergência entre elas sobre o significado e o alcance do que foi decidido com força obrigatória. Em certos casos a Corte rejeitou tal pedido (Tratado do Neuilly e Direito de asilo). Em outros acataram parcialmente o pedido (Usina de Chorzów, Pedido de revisão e interpretação do julgamento de 24 de fevereiro de 1982, referente ao caso Plataforma Continental (Tunísia/Líbia)).
  • Se um fato relevante, até então desconhecido da Corte, for descoberto, qualquer parte poderá pedir a revisão do julgamento. Para tanto, se faz necessário que o desconhecimento do fato alegado pela a parte que pede a revisão não tenha decorrido de sua própria negligência, devendo ainda o pedido ser submetido dentro dos seis meses posteriores a descoberta do fato novo e dentro de dez anos do pronunciamento do julgamento.

7. Legitimidade

Introdução
A noção de legitimidade é um dos elementos que define, no âmbito das sociedades nacionais, as raízes da autoridade política. Explica a adesão a um sistema político aceito como fonte legítima de determinadas obrigações. Ou, posto de outro modo, é um atributo do estado que "consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência, sem recorrer ao uso da força, a não ser em "casos esporádicos". Nesse sentido, o respeito à norma e a legitimidade andam juntos. A Segunda compõe o elemento subjetivo ou, mais precisamente, intersubjetivo que, expresso em modalidades de consenso, valoriza positivamente o conjunto normativo e, conseqüentemente, reforça o sistema legal. É claro, como veremos, que o movimento inverso pode ocorrer e determinar uma desvalorização do sistema legal. Ao sustentar "subjetivamente" um determinado regime, a legitimidade tem portanto, uma dimensão fundamental de valor.

Essa passagem de conceitos, criados para compreender fenômenos da política nacional, para o plano internacional quase nunca é tarefa simples, especialmente quando os conceitos nascem, ainda para a vida nacional, com o selo da controvérsia, como é o caso da noção de legitimidade.
Nas controvérsias subjetivistas em que o nó conceitual é a crença ou são valores, temos dois exemplos: 1) o alicerce da legitimidade é a confiança e aquele "algo" se identifica com a soma de subjetividades individuais similares, constituindo as bases psicológicas do consenso coletivo; 2) a obediência ao regime é fruto de um cálculo, da possibilidade de que o poder venha recorrer a coerção.

Além da dificuldade de chegar a uma conceituação sociológica uniforme, a controvérsia ganha outra dimensão quando anotamos que a idéia de legitimidade se presta também a um uso polêmico. Assim, enquanto sociologicamente a noção se prende às razões da estabilidade, ao se transferir para o vocabulário da polêmica, a legitimidade e seu oposto, podem servir aos argumentos de quem pretende mudança. É possível observar que as concepções subjetivistas da legitimidade não foram construídas a partir do nada. Na verdade, tomando-as em suas expressões mais simples, elas demonstram que a legitimidade é também uma expressão das "escolhas políticas", e pôr isso, transforma-se, correntemente, em padrão de avaliação de normas e condutas políticas. O legítimo e o ilegítimo são formas de adjetivar no debate político e expressões que servem ao combate ideológico. A situação exemplar é a dos momentos em que se abrem espaços de proposição de leis novas. O argumento pela lei nova ou pelo regime novo tende a passar pelo crivo da legitimidade, no sentido de quem propõe o novo e deve justificá-lo também pela perda de "confiança" na norma vigente, ou porque é desrespeitada, gerando instabilidade para a ordem jurídica, ou porque não traduz os valores do tempo. É a distância entre a lei e a legitimidade que abre as possibilidades do novo.

Como todo fenômeno político que tem dimensão psicológica, a legitimidade encontra problemas conceituais complexos. Uma das dificuldades para definir os limites da legitimidade no plano doméstico é justamente o fato de, em situações "normais" no Estado moderno, a lei tem, como traço necessário, a sanção, sendo ainda, difícil discernir, em casos concretos, se a adesão ao regime e a obediência à norma derivam de uma aceitação voluntária, obediência à norma pelo mero fato de a conhecer, porque seja ela considerada justa, ou ainda pôr medo da punição. De qualquer modo situações específicas apontam, a legitimidade operando paralelamente à norma, ora reforçando-a na medida em que atinja a conformidade a que se destina, ora enfraquecendo-a no momento em que surge a discrepância.

Noção de legitimidade no plano internacional
Examinando as vias: sociológica ou a filosófica, as formas de legalidade ou de ação pública são sempre contestáveis, ou pôr descompasso com a realidade (sempre cambiante) ou pôr distância de um ideal de justiça.
Assim, se aceitamos o esquemático dessas observações sobre a "teoria" da legitimidade, já poderíamos indagar sobre sua utilidade para a teoria das relações internacionais. Trata-se de dois sistemas: o nacional e o internacional que contêm óbvias diferenças e em pontos centrais para o que nos interessa "modo de projeção da norma". A mais evidente é justamente o fato de, no internacional, não termos um Governo central e, conseqüentemente, a norma não vem acompanhada de sanção, pelo menos como a entendemos no direito penal. Diante dessa condição estrutural das relações entre estados, teríamos dois caminhos possíveis.

No primeiro, o tema da legitimidade se enfraquece e praticamente desaparece do quadro analítico. Se aceitarmos os princípios do realismo Morgenthau, em que a soberania é o fundamento das relações internacionais, poder-se-ia dizer que, em última instância, o Estado obedece à norma pôr um ato de vontade, se lhe for conveniente, se for de seu "interesse". Para persistirem, as normas dependem não de algo que lhes seja inerente, como se fossem tomadas como necessárias para a sociedade que os Estados formam, mas das equações de poder. Como essas são mutáveis, características essenciais da norma desaparecem, como a estabilidade no tempo, que só se altera quando são obedecidos determinados procedimentos jurídicos, previamente acordados.

No segundo plano, nos mostrará inicialmente, que as normas de direito internacional são habitualmente cumpridas, guardam uma certa estabilidade e, em boa parte dos casos, são modificados pôr mecanismos previamente definidos, ou negociações multilaterais, como agora quando se discute a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Na ausência de um governo que imponha sanções, a hipótese a ser proposta é a de que, no sistema internacional, o tema da legitimidade aparece de forma clara, talvez até mais clara do que no âmbito nacional. Se os Estados continuam soberanos e não há nenhum tipo de poder supranacional, se as normas, ainda que expurgadas de sanções, são seguidas, há "algo" que certamente se filiaria à família da legitimidade, como vista no plano doméstico, que explica a obediência a um número de regras internacionais.
Pode-se alcançar uma visão mais equilibrada partindo da tese central, a de que existe uma dialética entre a subjetividade das soberanias e o aumento das interdependências que explicam o potencial de sociabilidade embutido nas relações entre Estados e permite legitimar a existência de uma comunidade mundial, espécie de origem objetiva da adesão à norma. As condições objetivas e suas transformações modelam a dimensão subjetiva.

A primeira referência de legitimidade do sistema internacional é dos próprios atores. Mesmo se adotarmos a visão realista, será indispensável, como primeiro passo para qualquer análise do internacional no mundo contemporâneo, dar fundamento ao fato da soberania. Ainda que toda a ação internacional fosse expressa em disputas de puro poder, o grau mínimo de regra para que tal jogo pudesse ocorrer seria o do reconhecimento de quem joga. O processo de reconhecimento mútuo da condição de jogador, ou seja, o preenchimento dos requisitos para que um Estado se constitua como tal, seria o eixo fundamental do que é a legitimidade internacional.

O que é legítimo começa e termina coma vontade do Estado. O juiz da norma a ser aplicada, especialmente quando o recurso é a força, é o próprio Estado. Ainda assim, o poder age unilateralmente mas não arbitrariamente. Existe uma baliza de valores que dirá o que é possível fazer unilateralmente e é essa baliza que estabelece os limites entre o puro poder e o poder legitimado.

Sujeitos detentores de legitimidade
Entendemos como sujeitos detentores de legitimidade em primeiro lugar, o Estado, o poder político e todas as forças que monopolizam essas duas ou mais categorias.
Assim, nas democracias, ainda que tenhamos fixado e aceita a base da autoridade, apoiada em mecanismos constitucionais, centrada em processos eleitorais e em renovação periódica dos poderes, as dinâmicas social, econômica e cultural levam naturalmente a que, em pontos específicos, possa haver afastamento entre o que é legal e o que é legítimo, abrindo-se a possibilidade para a crítica da lei e sua reforma ou mesmo de políticas públicas. Para lembrar exemplos brasileiros: a laicização dos processos sociais está na origem da aceitação do divórcio na década de 1970 no Brasil; em momento de abertura política, o plebiscito de 1988 sobre o sistema e o regime de governo – se parlamentarista ou presidencialista, se republicano ou monárquico – significou a tentativa de conhecer, pelo voto, a melhor solução política para a expressão da "vontade geral"; algo parecido ocorre no debate recorrente sobre a adoção do voto distrital como instrumento para aperfeiçoamento da representação etc. Outro exemplo dos padrões de legitimidade brasileira – no imediato pós-autoritarismo – foi a idéia de que seria necessária, na Constituição, uma definição minuciosa das normas de proteção das garantias individuais e sociais, como contraponto ao arbítrio e à volatibilidade da ordem jurídica do regime autoritário. Nesse caso, a própria abrangência do conjunto normativo fez parte do desenho processual da legitimidade. De qualquer forma, não são equações simples as que procuram combinar movimentos sociais, mudanças nos padrões de legitimidade e transformações na ordem jurídica.

Outro ponto a sublinhar, aliás evidente nos exemplos apresentados, é o da "concorrência" de argumentos sobre a melhor expressão do legítimo. A própria democracia assegura que, ao lado da fonte primária da obrigação política (respeito às normas constitucionais), a renovação da lei pelo debate também é componente necessário da ordem jurídica. Visto do ângulo da legitimidade, ao se propor lei nova, a pergunta implícita será sempre qual a norma – a atual ou a proposta – que garante melhor adesão da sociedade, que, portanto, articularia, com mais apoio, a realização do que é o justo ou a melhor condição de estabilidade para uma sociedade em determinado momento histórico.
Existe, portanto, um encadeamento lógico dos planos de legitimidade que vai da geral – a aceitação do regime – à particular que dirá respeito a normas específicas. A legitimidade exige uma medida de coerência interna(Deutsch, 130). A geral prolonga-se no tempo, tem características de permanência, garante a estabilidade das normas fundamentais de um Estado e permite que os processos de transformação social se realizem dentro de marcos previamente definidos. A referência à Constituição dos EUA seria um bom exemplo do sucesso temporal da legitimidade geral. Normalmente, no cotidiano da vida política, as modificações ocorrem com alguma regularidade quando se trata de normas específicas. Embora as bases da legitimidade geral tendam a ser mais rígidas, podemos aceitar que, tanto em um caso como em outro, existe o que poderíamos chamar de espaços de proposição para novas normas em uma organização política. Não são espaços aleatórios, totalmente abertos, salvo, é claro, em situações revolucionárias, em que se alteram, como na Rússia de 1917, os próprios fundamentos da organização social e política do Estado. Normalmente, em sociedades democráticas, os espaços de proposição são balizados, em primeiro lugar, por procedimentos legalmente estabelecidos, de base constitucional, e, em segundo, por padrões culturais historicamente construídos. Para voltar a um exemplo brasileiro: na década de 1950, a cultura política pedia a ampliação da presença estatal na economia enquanto na década de 1990, o movimento inverso, de privatização, é aparentemente aceito, pela maioria, como legítimo.

É possível transpor essas poucas idéias sobre a legitimidade para a análise de fenômenos da vida no plano internacional para a análise de fenômenos da vida no plano internacional? Sim, porém com muitas qualificações. É verdade que, ainda mais do que para a vida nacional, o recurso à legitimidade é decisivo para entender a obrigação internacional. No plano interno, a obrigação tem uma referência clara: a lei e os métodos coercitivos de impô-la. Também são claros os procedimentos de construção legal, realizados nos Parlamentos. Afinal, como indicamos, a legitimidade é um atributo do Estado, responsável pela edição das leis e da coerção. Ora, nas relações entre Estados, o sistema legal não é coercitivo, não existem tribunais que resolvam controvérsias de forma impositiva, e o processo de criação legal é disperso na medida em que falta um órgão legislativo central e único. Assim, é possível dizer que a adesão à lei é necessariamente precária e, no limite, fruto, em cada instância, de uma decisão voluntária do Estado individual. Apesar dessa limitação, é alto o grau de aceitação da lei internacional. Se não é a ameaça de coerção que faz que o Estado aceite a norma, que outra razão podemos invocar para explicar o fato? Será o "interesse" objetivamente considerado, a Morgenthau, e definido em equações de poder? Como já se mostrou em tantas análises críticas do realismo, a dificuldade com a noção objetiva de interesse decorre justamente do fato de, dentro de um mesmo governo, de um mesmo processo decisório, as leituras do que é interesse variarem e, aí, necessariamente deveremos recorrer a outros instrumentos analíticos para entender por que tal Estado agiu desta ou daquela forma, aceitou ou não o cumprimento de uma determinada norma. Diante disso, é natural que nos aproximemos do reino das vantagens subjetivas – inclusive a do conforto de estar de acordo com o que se considera como legítimo – e, a partir daí, aceitar, como hipótese inicial, que o tema da legitimidade pode ser decisivo para entender por que as obrigações internacionais são cumpridas.

Outra observação preliminar apontaria que, no plano internacional, o estudo da legitimidade deverá combinar duas realidades, a do Estado como produtor e objeto do direito internacional e, de outro lado, a realidade da norma ou, mais precisamente, a das normas específicas, como, aliás, propõe o texto mais completo recente sobre o tema, o de Franck, The Power of Legitimacy among Nations. Assim, o primeiro passo é definir o que autoriza certos atores a participar legitimamente do jogo internacional e, aí, compreender a soberania como condição necessária para qualificar o Estado para agir no sistema. Em seguida, saber se as normas que os Estados criam e as atitudes que tomam são legítimas. A legitimidade do Estado ou de um grupo de Estados é uma condição necessária porém não suficiente para que a norma seja legítima – idéia que vem dos clássicos medievais, pois, afinal, para que a guerra fosse justa quem a desencadeasse deveria ter título para tal – bem como para que as atitudes e policies o sejam substantivamente. A legitimidade do Estado é o primeiro passo para que se obtenha legitimidade processual. E, insistamos, a legitimidade internacional não se limita à norma e deverá necessariamente servir para a avaliação também dos atos políticos.

O poder e a legitimidade
O que dá ao poder legitimidade é o fato de agir em nome de normas reconhecidas como universais e, dessa forma, preservar valores e instituições que servem a todos. O caso da ação da ONU no Iraque é exemplar do processo, embora, como veremos, seja rara a junção harmônica de ação das potências e pleno consenso internacional.
No segundo caso, estariam as normas técnicas, que regulam relações de natureza econômica, em sentido lato. Assim, à medida que se intensificam, a partir da Revolução Industrial e da expansão do capitalismo, as relações comerciais, financeiras etc. entre os Estados, articulam-se normas voltadas a garantir que, dadas certas condições, todos ganhem com a ampliação das várias modalidades de intercâmbio. Cria-se, assim, uma nova motivação para aderir à lei, condicionada pela perspectiva de vantagens "concretas". É nesse sentido que a cláusula de nação mais favorecida no GATT, as regras sobre aviação civil, distribuição postal, comunicações por satélite e tantas outras são amplamente aceitas. Estamos diante da legitimidade derivada de vantagens concretas e a percepção de que há equilíbrio de ganhos entre os parceiros é o fator que reforça esse tipo de norma. Não é somente um cálculo egoísta de interesses que define a legitimidade mas, de novo, a possibilidade de que a comunidade como tal ganhe, a partir do momento que se alcance um modelo de harmonização de benefícios, que, em tese, serve a todos os Estados. O exemplo clássico é o simultâneo rebaixamento de tarifas para que opere plenamente a lei das vantagens comparativas.

Finalmente, há normas que mais claramente expressariam um sentido de comunidade, a idéia de que a sociedade internacional compartilha valores comuns, como as que estabelecem princípios de boa convivência (solução pacífica de controvérsias) e as que preconizam a defesa e a promoção de direitos humanos.

Essa distinção não é rígida e serve somente para sublinhar as hipóteses de construção de legitimidade. Assim, as normas que definem princípios de convivência (autodeterminação, por exemplo) não deixam de apresentar vantagens concretas, como a autonomia para decisões do Estado; as normas técnicas sobre meio ambiente são expressão de valores que, em determinado momento histórico, ganham sentido consensual etc. De qualquer forma, examinando-as abstratamente, a força de legitimidade das normas será tanto maior quanto mais claramente forem compreendidas como efetivamente universais, tocando, de maneira indiferenciada, a todos os soberanos. Do momento em que se torna referência necessária para a conduta individual dos Estados, a norma valerá em si e aí se localiza o cerne de sua legitimidade. Não afetaria o seu valor se, subjetivamente, o Estado obedece à norma porque algum tipo de poder sancionaria a eventual violação; ou porque a aceitação da norma se traduziria em vantagens concretas; ou coincidiria com os melhores valores para a humanidade.

A questão da legitimidade perante a Corte Internacional de Justiça
O alcance do poder da Corte em analisar uma questão ou decidir sobre um conflito que lhe for apresentado, ou seja, sua competência, depende da expressa aceitação dos Estados. Tal consentimento em aceitar a jurisdição da Corte não decorre, automaticamente, de terem os Estados assinado a Carta das ONU, exige-se uma posterior manifestação dessa vontade.
A própria Corte, quando as questões lhe são submetidas, decide se tem ou não jurisdição, a qual decorre do fato dela ser um órgão da ONU. Essencialmente, a jurisdição basear-se-á no caráter interno ou externo, do ponto de vista dos Estados, da questão, utilizando a Corte do critério jurídico para saber se o assunto é da jurisdição doméstica dos Estados ou não

No caso dos litígios submetidos com base na cláusula facultativa (de jurisdição compulsória), a Corte esta sujeita, entre outros institutos (Estatuto da Corte, Regras da Corte, Tratados e Convenções — em relação a estes dois últimos, quando e quais forem aplicáveis ao caso em questão), a todos os dispositivos da Carta da ONU, não podendo decidir, a princípio, sobre os assuntos que sejam de domínio exclusivo dos Estados, tendo em vista que suas decisões são executáveis pelo Conselho de Segurança da ONU, estando as partes obrigadas a cumpri-las.
No caso de jurisdição consultiva não há restrição quanto a assuntos internos dos Estados, tendo-se em vista que os órgãos da ONU solicitantes dos pareceres ficam, em tal situação, submetidos ao art. 2º, alínea 7ª, da Carta da ONU, além do que, em regra, os pareceres não têm caráter imperativo.
Na decisão de disputas pela Corte em razão da disposição, em Tratados, de obrigatoriedade de sua jurisdição, no entender de Celso Duviver de Mello Albuquerque, "deverá ser aplicado o mesmo raciocínio usado para a cláusula facultativa", ou seja, a decisão não pode versar sobre assuntos de âmbito interno dos Estados, do seu domínio reservado, contudo, segundo o mesmo autor:

"nada impede que os Estados voluntariamente submetam à CJI um litígio sobre matéria de sua jurisdição doméstica, mesmo porque o art. 2º, alínea 7ª, apenas declara que os Estados não estão ‘obrigados’ a submetê-lo, o que evidentemente significa, ‘contrario sensu’, que eles poderiam fazê-lo voluntariamente".
A alegação de exceção de incompetência da Corte é decidida preliminarmente, ocorrendo que se a decisão for em favor de quem interpôs a preliminar, acaba, então, na verdade, se decidindo a questão de mérito (Aréchaga), pois se o assunto era restrito a jurisdição doméstica do Estado, somente a este cabia decidi-lo como quisesse, tinha as "mãos livres" a seu respeito.

Diferenças entre a competência contenciosa e a competência consultiva da CIJ
A CIJ, composta por 15 juizes de diferentes nacionalidades, possui duas espécies de competência: a contenciosa (regulada pelos arts. 34 a 64 do Estatuto) e a consultiva (regulada pelos arts. 65 a 68 do Estatuto e pelo art. 96 da Carta). Iniciaremos apontando as diferenças entre ambas as competências: a contenciosa e a consultiva.
Em primeiro lugar, nos termos do § 1º do Estatuto, apenas os Estados, sujeitos de direito internacional público por excelência, podem ser partes em contenciosos perante a CIJ. Esta competência ratione personae tem sido a mesma desde a instalação da CPIJ. Conforme o disposto no art. 36 do Estatuto, a competência contenciosa da Corte abrange todas as questões que os Estatutos lhe submetam, bem como todos os assuntos especialmente previstos na Carta ou em tratados e convenções internacionais em vigor. Assim, outros sujeitos de direito internacional público, principalmente as organizações internacionais, não podem ser partes em nenhum assunto contencioso perante a CIJ. Em matéria contenciosa, as organizações internacionais apenas podem prestar informações à Corte, nos termos de seu Regulamento. Ademais, nos termos do § 3º do art. 34 do Estatuto, sempre que no julgamento de uma questão for discutida a interpretação do instrumento constitutivo de uma organização intergovernamental ou de uma convenção internacional adotada em virtude do mesmo, o Escrivão da Corte dará conhecimento disso à organização internacional interessada e encaminhar-lhe-á cópias de todo o expediente escrito.

Às organizações internacionais cabe apenas solicitar pareceres consultivos à Corte sobre qualquer questão jurídica. Mas não são todas as organizações internacionais que gozam dessa capacidade. O art. 65 do Estatuto estabelece que apenas os órgãos da ONU e as Organizações Internacionais devidamente autorizadas, nos termos da Carta, podem solicitar tais pareceres consultivos à Corte. O § 1º do art. 96 da Carta, autoriza, em primeiro lugar, a Assembléia Geral das Nações Unidas (AG) e o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS), ambos órgãos da ONU, a formularem tais solicitações. Por sua vez, o § 2º desse mesmo artigo permite que outros órgãos da ONU, bem como as agências especializadas da ONU devidamente autorizadas pela AG, solicitem pareceres consultivos à Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades. Ou seja, nem todos os órgãos da ONU, nem todas as organizações internacionais podem solicitar pareceres consultivos à Corte.

Uma segunda diferença é que enquanto em assuntos contenciosos a Corte julga litígios já existentes entre Estados, seus pareceres consultivos analisam, à luz do direito internacional, via de regra, assuntos de natureza abstrata.
Para finalizar, pode-se dizer que a competência contenciosa difere da consultiva em razão dos atos proferidos ao final de cada procedimento e do efeito vinculante dos mesmos. Assim, enquanto em assuntos contenciosos a Corte profere um acórdão, de efeito jurídico vinculante entre as partes, o parecer consultivo proferido ao final do procedimento consultivo, via de regra, não possui efeito jurídico vinculante.

Requisitos para solicitação de pareceres consultivos: o aspecto da "questão jurídica"
O Estatuto da CIJ e a Carta da ONU determinam, claramente, que os pareceres consultivos só podem ser dados se versarem sobre questão jurídica, visto que questões políticas devem ser resolvidas no âmbito da AG ou do CS.
Muitas vezes, uma questão jurídica pode também envolver aspectos políticos, tão comuns em matéria de controvérsias internacionais. No entanto, isso não lhe retira o caráter de jurídico e não impede a CIJ de analisá-la em razão da competência que lhe foi atribuída em seu Estatuto.
Em relação aos órgãos da ONU, que não a AG e o CS, e às agências especializadas, não basta que o parecer consultivo verse apenas sobre questão jurídica, além disso, segundo o § 2o do art. 96 da Carta "desde que tal questão jurídica tenha surgido dentro de suas atividades". A verificação dessa esfera de atividades e das atribuições da organização é feita através da análise das normas que regulam a entidade.
Em suma, conclui-se, conforme estabelecido pela Corte que três condições devem ser preenchidas para que uma organização internacional possa solicitar um parecer consultivo:

  1. que a organização esteja devidamente autorizada a solicitar o parecer;
  2. que o parecer solicitado verse sobre questão jurídica, e
  3. que tal questão jurídica tenha surgido dentro da esfera de suas atividades.

Sendo assim, é claramente perceptível que, apenas Estados soberanos podem ser partes em assuntos contenciosos perante a Corte. Aos órgãos da ONU e às organizações internacionais resta o recurso à solicitação de pareceres consultivos, desde que os mesmos estejam devidamente autorizados para tanto nos termos do Estatuto da Corte. Essa competência ratione personae não tem sido alterada desde 1922, embora a qualidade de sujeito de direito internacional público das organizações internacionais tenha sido reconhecida pela própria Corte há quase 50 anos.

Órgãos e organizações internacionais autorizados a solicitar pareceres consultivos à CIJ
Órgãos

  1. Assembléia Geral
  2. Conselho de Segurança
  3. Conselho Econômico Social
  4. Conselho de Tutela
  5. Comissão Interina da AG
  6. Comitê de Petições de Revisão das Decisões do Tribunas Administrativo

Organizações internacionais

  1. Organização Internacional do Trabalho (OIT)
  2. Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
  3. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
  4. Organização Mundial da Saúde (OMS)
  5. Banco Interamericano para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD)
  6. Corporação Financeira Internacional (CFI)
  7. Associação Internacional de Desenvolvimento (AID)
  8. Fundo Monetário Internacional (FMI)
  9. Organização da Aviação Civil Internacional (OACI)
  10. União Internacional de Telecomunicações (UIT)
  11. Organização Meteorológica Mundial (OMM)
  12. Organização Marítima Internacional (OMI)
  13. Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)
  14. Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA)
  15. Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI)

Competência contenciosa
A competência ratione personae do Tribunal é determinada pelo Capítulo II do seu Estatuto, no art. 34, § 1º, expressa categoricamente que, "Somente os Estados podem apresentar causas à Corte".
Em princípio, a Corte não é aberta senão aos Estados que são partes do Estatuto.
Mediante aplicação do direito internacional (tratados, costumes, princípios gerais e outras normas porventura pertinentes) a Corte exerce sua competência contenciosa julgando litígios entre Estados soberanos. Ela não é acessível, no exercício desta sua competência primordial, às organizações internacionais, tampouco aos particulares. É necessário, de todo, que os Estados litigantes aceitem a jurisdição da Corte para que ela possa levar a termo seu trabalho. Essa assertiva impõe as explicações seguintes:

  1. o Estado autor de uma demanda evidencia sua submissão à autoridade da Corte pelo só fato de ajuizar o pedido inicial. Citado, o Estado réu que por outro motivo não esteja obrigado a aceitar a jurisdição da Corte prova essa disposição se, abstendo-se de rejeitar o foro, contesta o mérito.
  2. Qual sucede com a arbitragem, dois Estados podem avençar em tratado bilateral a submissão de certo litígio à Corte. Neste caso, as partes a ela se dirigirão em conjunto - não se distinguindo, portanto, um autor e um réu -; ou estabelecerão que a primeira delas a deduzir suas razões ingressará na Corte com uma demanda contra a outra, cabendo a esta argumentar a título de contestação, e eventual reconvenção.
  3. O Estado réu não tem prerrogativa de recusar a jurisdição da Corte quando está obrigado a aceitá-la por força de tratado, ou por ser signatário da cláusula facultativa de jurisdição obrigatória.

 


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