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As faces da Dominação de classe, e as Artimanhas do Capital Agroindustrial
Dentre as empresas estudadas, podemos assegurar que a Alcídia S/A, é a que apresenta a mais estreita relação com a questão da Reforma Agrária e da luta pela terra. Isto se referencia no fato de estar localizada numa porção do território marcada pela irregularidade fundiária e pela grilagem de terra no Pontal do Paranapanema (3).
A Alcídia foi a primeira empresa a ter Projeto aprovado pela Comissão Nacional do Álcool (CENAL), 1975, em nível regional. Destaca-se no quadro geral das empresas estudadas pelo fato de empregar o maior número de trabalhadores, tendo por isso, papel destacado no município de Teodoro Sampaio.
Aspecto interessante que nos chamou atenção é que há disputa entre a empresa e as entidades de representação dos trabalhadores, ou seja, verifica-se que a Destilaria não aceita negociar junto a Federação dos Empregados Rurais na Agricultura do Estado de São Paulo (FERAESP), representado pelo Sindicato dos Empregados Rurais (SER).
Por meio de entrevista junto a assentado do município de Teodoro Sampaio, tivemos a oportunidade de obter as primeiras pistas de uma das táticas utilizadas pela empresa Alcídia no ato da incorporação de terras, via arrendamento, para o plantio de cana-de-açúcar. Neste sentido, percebemos que a empresa, a partir de uma suposta preocupação com a viabilização da reforma agrária, aproveita-se da situação para garantir a seu proveito um "depósito de terras" disponíveis para suas eventuais necessidades e, com isto, ter uma boa imagem frente aos telespectadores de plantão. No entanto, há a resistência por parte de uma minoria dos trabalhadores assentados que preferem apostar no plantio de culturas da lavoura branca.
A Reprodução da Hegemonia do Capital
Apreendemos também outras questões no tocante a Usina Alto Alegre, unidade SP, a qual se instalou em 1982 no município de Caiabú (SP), mais precisamente na fazenda Nova Floresta, no distrito de Iubatinga (Ouro Branco), local onde permaneceu até meados de 1995. A partir de então, inicia-se o processo de transferência da unidade produtiva para o distrito de Ameliópolis, em Presidente Prudente (SP). A referida empresa, pertence ao grupo Lincoln Junqueira, o qual é proprietário também das empresas Usina Alto Alegre S/A - Açúcar e Álcool, localizada na fazenda Junqueira, município de Colorado (PR); da Usina Alta Mogiana Ltda, localizada na fazenda Santana, município de São Joaquim da Barra (SP).
Assiste-se a constituição de um grupo familiar de capital fechado, fortemente estruturado e que expandiu suas atividades no decorrer dos anos, condicionado a práticas gestionárias eficientes, sobretudo, do ponto de vista estratégico.
Queremos dizer com isto que, o grupo Alto Alegre, responsável pela unidade de Presidente Prudente (SP) implementa mediante sua política interna de gestão, uma filosofia que corresponde ao contexto das empresas estudadas na região, ou seja, adota as mais avançadas formas de controle social e de domínio ideológico dos trabalhadores.
Segundo o que verificamos durante a realização dos Trabalhos de Campo, há trabalhadores oriundos de outros Estados para trabalharem no corte da cana-de-açúcar, especialmente da Bahia, Paraíba e Alagoas, os quais, por ora, se instalam na cidade de Caiabú, sendo que ao findar a safra retornam as suas cidades de origem (4).
Os trabalhadores que desempenham atividades diretamente ligadas a planta fabril, no tocante aos "cargos de confiança", são provenientes em grande parte da unidade produtiva localizada em Colorado (PR).
Os (Re)arranjos Institucionais e sua Dinâmica Espacial
A Usina Alta Alegre S/A conforme identificamos, teve sua razão social modificada a partir da safra de 2002/03, visto que respondia pela denominação de Usina Alta Floresta S/A quando instalada inicialmente no município de Caiabú.
Assiste-se na referida unidade produtiva a implementação de novos arranjos territoriais que passam por articulações na escala do desenvolvimento das forças produtivas e do exercício do domínio do grupo Alto Alegre, entendido como espaço da gestão única, embora descentralizado do ponto de vista territorial.
Neste sentido, apreende-se que a mudança da razão social se configura como condição para o capital arquitetar sua escalada rumo ao monopólio, ao passo que, com esta ação, unifica as esferas de gestão e organização do capital no interior do processo de (re)produção do capital, agrícola e industrial (5).
Verifica-se que há um conjunto de transformações que se pautam no universo das escalas de coalizão do capital que apontam para novos cenários para os desafios postos no plano da relação capital x trabalho. Sem embargo, isso rebate diretamente no âmbito da atividade canavieira e, em particular, no contexto das transformações vividas pela Usina Alto Alegre que, nestes últimos anos têm assumido e incorporado as suas dinâmicas novas formas de gestão.
A Expressão da Precarização das Relações de Trabalho
A Destilaria Santa Fany faz parte do rol das agroindústrias que merecem destaque para entendermos as diferentes formas de apropriação do trabalho e das condições sociais a que são expostos os trabalhadores na atividade canavieira, bem como, do estado de desenvolvimento da atividade produtiva.
Por meio do trabalho de campo comprovamos o descaso da empresa Santa Fany para com os trabalhadores, tendo em vista que estão à mercê da sorte diante da possibilidade da ocorrência de acidentes de trabalho, especialmente os trabalhadores rurais que estão desprovidos dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI's), tais como: luvas, caneleiras, botas especiais, etc.
Sobre este aspecto, segundo o depoimento de um trabalhador rural recém contratado pela Destilaria, extraímos o seguinte: "Eles não fornecem material de segurança ou, quando isso acontece, é de má qualidade e não agüenta nada" ·
Outro fato marcante que deve ser mencionado é a diferença significativa em relação ao salário pago para o pessoal empregado no campo e na indústria. Sem contar que a destilaria se recusa a pagar, por exemplo, até o piso salarial da categoria para os cortadores de cana-de-açúcar, fato este que tem repercutido em muitas reclamações e interferência por parte do Sindicato.
Contudo, este emaranhado de questões aponta para um cenário obscuro quanto ao futuro da Santa Fany diante do setor canavieiro paulista. Alguns entrevistados nos asseguraram que há muitos problemas na "administração/gestão da empresa, visto que a mesma tem potencial de crescimento, basta responsabilidade e jeito para tocar as atividades sem burlar a legislação trabalhista e os acordos e contratos coletivos" (6).
Exploração de Mão-de-Obra Indígena
Conforme pudemos verificar a partir de entrevistas realizadas junto aos trabalhadores rurais da Destilaria Santa Fany, e ao Engenheiro Agrônomo da empresa, foi utilizado para desempenhar atividades de corte e plantio de cana-de-açúcar Índios Caiowas da Reserva Indígena Amambaí, do Mato Grosso do Sul. O mais surpreendente é que conforme matéria divulgada em "O Estado de São Paulo" (7), os índios foram arregimentados com a conivência do Administrador Regional da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), senhor Arcênio Vasques, tendo por intermediário nesta relação o próprio diretor da Destilaria, chamado por Laércio Artiolli.
Neste contexto, conforme nos aponta RIBEIRO (2000), a relação se estabelece da seguinte maneira, "arregimentados então em suas aldeias, os índios, com o consentimento e participação do cacique, estabelece um acordo contratual com a empresa e com a FUNAI (que detém sua tutela), por meio do representante do Posto Indígena (PIN) na reserva". (p.73).
Sobre este aspecto, segundo o que nos relatou o Sr. Antônio Mendes Neto, a empresa trazia um chefe da aldeia, denominado na linguagem dos índios como "cabeçante", o qual era responsável por "controlar" os trabalhadores, não permitindo que estes desistissem da empreitada. Para tanto, a empresa, por meio de colaboradores realizava o aliciamento do "cabeçante", mediante presentes, passeios, festas, etc.
Quando inquirido sobre a utilização de indígenas nas plantações da Santa Fany, o gerente, alegou que tinha recordação do pessoal que havia chegado de Mato Grosso do Sul para trabalhar na empresa, entretanto, aponta que não deu certo. Avalia que não valeu a pena, pois eles queriam ir embora logo, dava muito trabalho e bebiam demais o que causava muitos acidentes de trabalho, deixando descontente o patrão (8).
Quando perguntamos ao senhor José Aimard de Araújo se era prática da destilaria contratar indígenas, nos disse que não, "só quando precisava de braços para a lavoura, todavia era tudo certo, dentro da lei".
A respeito deste fato, pudemos identificar no Jornal Folha de São Paulo (16/12/2000), as seguintes afirmações provenientes do Procurador do Trabalho Ricardo Wagner Garcia: "As camas do alojamento mais parecem um mausoléu, o telhado é de zinco e não existem chuveiros. É impossível ficar 5 minutos no local sem sentir náuseas". E ainda: "No final, havia índio que não recebia nada ou que recebia valores ínfimos -entre R$50,00 e R$60,00, após de 40 dias de trabalho".
Na verdade, o que de fato aconteceu foi o esgotamento desta situação de exploração da força de trabalho dos índios após vários meses de resistência, o que culminou na ação por parte do Ministério do Trabalho, selado pelo Termo de Compromisso entre a empresa Santa Fany e os Estados do Mato Grosso do Sul e São Paulo. Vale ressaltar ainda, para o fato de que o intermediário da relação contratual e diretor da empresa, Sr. Laércio Artiolli, foi preso, no entanto, contínua no quadro administrativo da Destilaria.
Em relação a processos em andamento no Fórum Trabalhista acerca da referida empresa é alarmante notar, de acordo com a notícia do Jornal Estado de São Paulo de 13/12/1999, a marca de 361 processos.
Entretanto, conforme pudemos constatar em momento anterior (9), identificamos algumas frentes de trabalho que desenvolviam atividades para a empresa Santa Fany no município de Iepê (SP) e Região, vistas no contexto da expansão da cana-de-açúcar e suas Implicações para as Relações de Trabalho, o que nos revelou a partir de inúmeras entrevistas e depoimentos colhidos no âmbito sindical, o quão grave era a face das relações de produção e trabalho na referida empresa, quando consideramos as condições que estão expostas os trabalhadores.
Neste sentido, podemos atestar que a situação não mudou a ponto de modificar o quadro de disputas capital x trabalho, o que pode ser evidenciado através das inúmeras denuncias no âmbito sindical, sobretudo, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Química, Farmacêutica e Fabricação de Álcool de Presidente Prudente e Região, e em processos em tramitação no ministério do trabalho.
O processo de territorialização da atividade canavieira apresenta-se enquanto um conjunto integrado e diferenciado de múltiplas ações por parte do capital. Isso rebate diretamente nas relações de trabalho, nas relações de produção e, conseqüentemente, na gestão das empresas, todavia transborda para toda a sociedade, evidenciando, sobretudo, as articulações pensadas pelo e para o capital agroindustrial em sua escalada rumo à concentração, centralização, etc.
Através das pistas que identificamos no decorrer do desenvolvimento da pesquisa, podemos assegurar que as marcas do processo de reestruturação produtiva do capital na agroindústria canavieira são fortes e, podem ser apreendidas em meio às transformações que estão em curso, fundamentalmente no âmbito financeiro, o que repercute diretamente no incremento de investimento de capitais na esfera produtiva, tecnológica e mercadológica. Isso influencia, de fato, no próprio reodenamento territorial da cultura de cana-de-açúcar e da sua expansão em termos territoriais.
Assiste-se ainda, a combinação de velhas e novas formas de exploração do trabalho, no sentido do controle social, fato este que tem apontado para mudanças importantes no conjunto de questões do quadro institucional das empresas.
[1] Iniciação Científica.
[2] Cf. Thomaz Jr., 2004.
[3] Para mais detalhes sobre o assunto consultar: VASQUES, 1973; LEITE, 1998; MONBEIG, 1984; FERNANDES, 1996.
[4] Esta ação empreendida pela empresa Alta Alegre, corresponde à prática de inúmeras outras usinas e destilarias da região de Presidente Prudente e do Estado de São Paulo que, por meio de funcionários de confiança, arregimentam trabalhadores de outras localidades do país, nas quais em virtude das condições socioeconômicas sobretudo, conseguem trazer a baixo custo e livre de encargos sociais maiores, grande parte de sua força de trabalho.
[5] Mais detalhes, consultar o estudo de Thomaz Jr., 2002.
[6] Cf. Antonio Mendes Neto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas e do Álcool de Presidente Prudente e Região, durante a realização do Trabalho de Campo, em janeiro de 2004.
[7] Cf. (13/12/1999).
[8] Ribeiro (2000), em Dissertação de Mestrado denominada "A Geografia da Escravidão no Território do Capital" desenvolve importantes reflexões a respeito da exploração da mão de obra indígena pela Destilaria Debrasa do Mato Grosso do Sul.
[9] Referimo-nos ao período de 2002, momento em que desenvolvíamos investigação no âmbito de Estágio Não Obrigatório, sob a orientação do professor Antonio Thomaz Júnior.
José Roberto Nunes De Azevedo
azevedogeo[arroba]hotmail.com
Antonio Thomaz Júnior
thomazjr[arroba]stetnet.com.br
FCT/UNESP/Presidente Prudente
www.prudente.unesp.br/ceget
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