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"deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância".
Esta relatividade emprestada à confissão se deve ao fato de que várias circunstâncias pessoais podem levar alguém a confessar uma infração penal sem que tenha sido seu verdadeiro autor. Tourinho Filho, por exemplo, enumera algumas delas:
1) desejo de morrer (no caso de ser prevista a pena de morte);
2) debilidade mental;
3) vantagem pecuniária;
4) relevante valor moral ou social;
5) fanatismo religioso (autopunição);
6) ocultação de delitos mais graves (álibi);
7) desejo de proteção estatal (segurança, alimentação, etc.).2 Justificando a relatividade da confissão no Juízo penal, ao contrário do que ocorre, em regra, no cível, assevera Malatesta:
"A justiça penal não atinge seus fins, golpeando um bode expiatório qualquer; precisa do verdadeiro delinqüente, para que se torne legítima a sua ação. Sem a certeza da culpabilidade, mesmo havendo a aquiescência do acusado, a condenação seria sempre monstruosa, e perturbaria a consciência social mais que qualquer outro delito. Ora, desde que nem toda confissão inspira certeza da culpabilidade, segue-se que a máxima confessus pro judicato habetur, sempre boa no campo civil, deve ser rejeitada no do direito penal."3
Grande parte da doutrina identifica e admite a chamada confissão implícita ou tácita, quando, por exemplo, o acusado repara o dano causado pela infração penal ou pratica qualquer outro ato que enseje concluir pela veracidade da imputação.
O comportamento do réu em relação à vítima e ao dano causado pelo delito indicaria que ele teria sido o autor da infração penal, ainda que assim não o declarasse expressamente. No entanto, a confissão implícita deve ser vista com muita cautela, admitindo-a apenas como mero indício, pois, como adverte Mittermaier,
"muitas vezes vê-se um homem inocente fazer um sacrifício de dinheiro para tirar-se de uma posição embaraçosa, para evitar uma denúncia que, embora não fundada, pode-lhe causar um grave prejuízo"4
Por outro lado, o silêncio do acusado não mais pode trazer qualquer conseqüência prejudicial para ele, sendo incorreto afirmar-se, como ainda se encontra em nosso Código de Processo Penal, que o silêncio " poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa" (art. 186, in fine). Tal conclusão se extrai do art. 5º., LXIII, da Constituição Federal que elenca dentre os direitos individuais o de permanecer calado. Ora, se o silêncio é direito individual constitucionalmente garantido, como imaginar que a sua utilização, em Juízo ou fora dele, acarretará para o cidadão algum efeito a ele prejudicial? Ou é direito individual e pode ser usado sem restrição e sem conseqüência, ou não o é.
A confissão, portanto, deve ser, de preferência, expressa e circunstanciada; deve pormenorizar todas as circunstâncias atinentes ao fato confessado, a fim de que dúvidas não subsistam no espírito do julgador. Como diz o autor acima referido,
"as conseqüências da confissão são tão graves que convém que ela seja feita com uma precisão extrema. Só a precisão pode fornecer os meios de verificar o seu conteúdo, com o auxílio das outras provas; e, além disto, atesta que o acusado, conhecendo a extensão dos perigos a que se expõe, não obstante, quer obrar e falar seriamente".5
É importante assinalar que, ao contrário do Processo Civil, não há no Processo Penal a confissão ficta. Não existe no CPP disposição similar àquela contida no CPC, segundo a qual "não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor". (art. 285, CPC). No Juízo criminal dizer-se tal coisa representa uma verdadeira heresia, um descompasso doutrinário que beira à teratologia jurídica.
A confissão pode ser simples (quando o sujeito confessa apenas um fato), complexa (quando admite vários fatos) e qualificada (confessa, alegando em seu favor, porém, excludentes de criminalidade ou de culpabilidade ou qualquer circunstância que lhe beneficie). Muitos não admitem esta última modalidade como sendo uma verdadeira confissão, pois quando utilizada pelo réu não o estorva, não o atrapalha, não o desajuda.
Para estes, só haveria verdadeiramente confissão quando o fato ou os fatos admitidos fossem adversos ao confitente.6 Preferencialmente a confissão deve ser feita judicialmente, perante o Juiz competente. Apesar de aceita, a confissão extrajudicial deve sempre ser ratificada em Juízo e em todos os seus termos, sob pena de invalidade. A confissão produzida na fase inquisitorial deve, assim, ser ratificada na instrução criminal.
Podemos, em linhas gerais e de regra, destacar as seguintes características da confissão:
1) É um ato personalíssimo, não podendo ser produzido por terceiro, ainda que portador de uma procuração com poderes especialíssimos. Surge, de regra, na oportunidade do interrogatório. Se for feita em outra ocasião, deve ser tomada por termo nos autos (art. 199, CPP).
2) Produz-se oralmente, devendo ser reduzida a termo para se completar validamente.
3) Deve ser voluntária e espontânea, livre de qualquer coação ou constrangimento ilegal. Sequer as perguntas sugestivas e capciosas devem ser empregadas para se conseguir a confissão, mesmo porque o interrogatório sujeita-se a "una serie de reglas de lealtad procesal".7 A propósito, veja-se o art. 8º., 3, do Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, já incorporado em nosso ordenamento jurídico, por força do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992:
"a confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza". Como diz Mittermaier, " a confissão deve ser o produto da vontade livre do acusado; é preciso que ele tenha tido a intenção firme de dizer a verdade; é preciso que nem o temor, nem o constrangimento, nem alguma inspiração estranha pareça ditar-lhe os meios".8
Ademais, é importante que o acusado, ao confessar, esteja física e mentalmente em perfeitas condições e seja imputável.
Em respeito à pessoa do imputado e à inviolabilidade de sua consciência, Ferrajoli adverte sobre a proibição "non solo de arrancar la confesión con violência, sino también de obtenerla mediante manipulaciones de la psique, con drogas o con prácticas hipnóticas".9
4) É divisível ou cindível, visto que o Juiz, ao julgar, pode levar em conta apenas uma parte da confissão, desprezando uma outra: pode, por exemplo, aceitar a confissão de um homicídio e não se convencer quanto à admissão da lesão corporal também imputada, em concurso, ao réu. Esta característica está expressa no art. 200 do CPP. Nada obstante, encontramos julgados nestes termos:
"Indivisibilidade da confissão. Não se pode cindir o interrogatório do acusado, aproveitando-o na parte em que o compromete e afastando-o naquela em que possa favorecê-lo eventualmente". (JTACrim, 73/23).
5) É retratável, contanto que se justifique a negação da confissão anteriormente feita como, por exemplo, a possibilidade do réu mostrar que, ao confessar inicialmente, incidiu em erro ou não se encontrava em plenas condições de saúde. Veja-se a propósito a jurisprudência:
"A confissão pode ser retratada em juízo, mas para que seja aceita essa retratação é mister que, além de verossímil, encontre algum amparo ainda que em elementos indiciários ou circunstanciais dos autos". (RT, 393/345).
A retratabilidade da confissão, assim como a sua divisibilidade, é admitida expressamente pelo código, no mesmo art. 200.
Notas:
1. Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 277.
2. Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 1998, Vol. 3, p. 283.
3. Nicola Framarino dei Malatesta, A Lógica das Provas em Matéria Criminal, Vol.
2, Saraiva, 1960, p. 171.
4. C. J. A. Mittermaier, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 3ª. edição, Campinas: Bookseller, 1996, p. 205.
5. C. J. A. Mittermaier, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 3ª. edição, Campinas: Bookseller, 1996, p. 199.
6. Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, Da Prova no Processo Penal, 5ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 107.
7. Luigi Ferrajoli, Derecho y Razón, 3ª. ed., Madrid: Trotta, 1998, p. 607, tradução de Perfecto Andrés Ibáñez e outros.
8. C. J. A. Mittermaier, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 3ª. edição, Campinas: Bookseller, 1996, p. 206.
9. Luigi Ferrajoli, Derecho y Razón, 3ª. ed., Madrid: Trotta, 1998, p. 607, tradução de Perfecto Andrés Ibáñez e outros.
Rômulo de Andrade Moreira
romuloamoreira[arroba]uol.com.br
Rômulo de Andrade Moreira
Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia.
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS na graduação e na pós -graduação (Cursos de Especialização em Direito Público e em Processo).
Pós -graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha e pela UNIFACS (Especialização em Processo, coordenado pelo Professor Calmon de Passos).
Membro da Association Internationale de Droit Penal e do Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento do Ministério Público Democrático
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